Discurso durante a 82ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Destaque para Proposta de Emenda à Constituição, cujo primeiro signatário é S.Exa., que altera alguns dispositivos da Constituição Federal relacionados à condição do estrangeiro.

Autor
Aloysio Nunes Ferreira (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/SP)
Nome completo: Aloysio Nunes Ferreira Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CONSTITUIÇÃO FEDERAL.:
  • Destaque para Proposta de Emenda à Constituição, cujo primeiro signatário é S.Exa., que altera alguns dispositivos da Constituição Federal relacionados à condição do estrangeiro.
Publicação
Publicação no DSF de 18/05/2012 - Página 19513
Assunto
Outros > CONSTITUIÇÃO FEDERAL.
Indexação
  • COMENTARIO, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, AUTORIA, ORADOR, ASSUNTO, IMPORTANCIA, ALTERAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, RELAÇÃO, ESTABELECIMENTO, IGUALDADE, DIREITOS, BRASILEIROS, PESSOAS, ESTRANGEIRO.

            O SR. ALOYSIO NUNES FERREIRA (Bloco/PSDB - SP. Pronuncia o seguinte pronunciamento. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, neste pronunciamento de hoje, pretendo me afastar um pouco do embate da polêmica cotidiana, para dar ciência à Casa de uma proposta de emenda à Constituição que apresentei recentemente e cuja tramitação se iniciou na data de ontem, com a publicação. Essa proposta de emenda constitucional visa alterar a nossa Carta Magna em alguns dispositivos relacionados à condição do estrangeiro.

            Todas as constituições democráticas, modernas, fundadoras dos estados de direito contemporâneo, guardam um profundo parentesco com as constituições que vieram à luz no século XVII, na Inglaterra, no final do século XVIII, nos Estados Unidos, e com a Revolução Francesa. E, delas todas, é a Revolução Francesa é que mais está presente em nosso imaginário político pela altíssima carga de dramaticidade de que ela se revestiu.

            São textos constitucionais a carta dos direitos ingleses, a constituição americana, os diferentes textos produzidos ao longo do período revolucionário na França, que se afastam hoje, podem ser lidos abstraindo-se da conjuntura política do tempo histórico em que foram produzidos, porque se transformaram em patrimônios universais, em patrimônios da humanidade.

            A Revolução Francesa é marcada por episódios que todos conhecemos: a instalação da assembleia nacional constituinte, a Tomada da Bastilha, a fuga do rei e o seu aprisionamento pelo povo de Paris, a destituição do rei, seu julgamento e morte. Mas, na minha opinião, há um momento decisivo, que é quando se dá efetivamente a ruptura com a ordem antiga: 10 de agosto de 1789, quando a assembleia nacional constituinte vota o princípio da igualdade de todos perante a lei, rompendo com a ordem feudal em que os seres humanos se classificavam em planos diferentes na ordem jurídica, conforme o seu estamento de origem.

            Todos são iguais perante a lei. E é esta proclamação que se encontra no caput do art. 5º da Constituição brasileira :

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País [friso, aos estrangeiros residentes no País] a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

            E aí seguem os diferentes incisos do art. 5º.

            Meditando, sobre esse texto, Sr. Presidente, e é uma feliz coincidência

            Meditando sobre esse texto, Sr. Presidente - e é uma feliz coincidência que a sessão, neste momento, esteja sendo presidida pelo Presidente da Comissão de Direitos Humanos -, surgiu a ideia de uma alteração no caput desse art. 5º. A rigor, essa norma contém uma restrição que, no meu entender, não se sustenta, quando ela afirma os direitos fundamentais dos brasileiros e dos estrangeiros residentes no País, excluindo ou deixando fora dessa proteção os estrangeiros que por aqui estejam e que não sejam residentes no País, não tenham obtido o visto de residência; estrangeiros que por aqui passam, seja como trabalhadores, seja como turistas, mas que não têm a condição de residentes no País. E nós sabemos que o Brasil, hoje, recebe uma quantidade enorme de estrangeiros que não são residentes, no sentido de terem recebido visto permanente e licença para residir no País.

            Se V. Exª visitar algumas oficinas no centro da cidade de São Paulo, encontrará angolanos, nigerianos, colombianos que trabalham em condições absolutamente degradantes, sem nenhum direito. São estrangeiros, moram aqui, mas não são residentes no País. E aquele que passa por aqui, um turista, ou aquele que vem trabalhar no Brasil por certo período, um breve período? Merece também proteção, ser considerado inviolável no seu direito à vida, à liberdade e à igualdade.

            Por isso, Sr. Presidente, apresentei uma proposta de emenda à Constituição de modo a retirar do caput do art. 5º a restrição contida na expressão “residentes no País”, estendendo a todos, brasileiros e estrangeiros que aqui estejam, a inviolabilidade na proteção dos seus direitos fundamentais.

            Fui adiante na proposta de emenda que apresentei e à qual me referi, que diz respeito ao direito de voto. Todos nós sabemos as condições de elegibilidade, todos nós a conhecemos, que estão presentes na Constituição, especialmente no art. 12 e no art. 14.

            Os estrangeiros não podem ser eleitores no Brasil, ainda que residentes no País. Para ser eleitor, é preciso que o estrangeiro se naturalize brasileiro e, mesmo assim, não poderá ser eleito para determinados cargos que são reservados a brasileiros natos. Há uma exceção, aberta a nossos irmãos portugueses, que podem votar e serem votados nas eleições locais, nas eleições municipais.

            O tema do voto do estrangeiro nas eleições locais e nas eleições gerais tem sido objeto de disciplina recente em vários países. Muitas vezes, se condiciona o exercício desses direitos a tratados de reciprocidade; outras vezes, ao pertencimento a um conjunto de países juridicamente organizados no plano internacional, como a Commonwealth, como a União Européia. Outras vezes, há liberdade de participação nas eleições locais e não nas eleições gerais. No Brasil - repito -, os estrangeiros não podem votar nem serem votados, com exceção dos portugueses, porque existe uma previsão constitucional e um tratado entre Brasil e Portugal, que permite o voto de portugueses nas eleições locais brasileiras, assim como o voto de brasileiros nas eleições locais portuguesas.

            A proposta de emenda constitucional que apresentei visa a franquear esse direito a todos os estrangeiros residentes no País. Porque veja, Sr. Presidente, existe essa possibilidade concedida aos portugueses em condições de reciprocidade. Por que não aos angolanos? Por que não aos provenientes da Guiné Bissau ou aos provenientes do Cabo Verde ou do Moçambique, países de língua portuguesa e que, como nós, foram colônias de Portugal, países cujos descendentes povoam o nosso País? O sangue africano é sangue brasileiro, corre nas veias de milhões de brasileiros. Por que não conceder a nossos irmãos lusófonos esse mesmo direito? Por que não conceder aos cidadãos de outros países da América Latina, por exemplo, esse mesmo direito?

            O fato, Sr. Presidente, é que, no mundo de hoje, a noção de cidadania e de soberania não se confunde, necessariamente, com as fronteiras nacionais. Temos alguns direitos que se sobrepõem às fronteiras nacionais. Existe, hoje, um intercâmbio enorme de pessoas, de ideias, de valores, de culturas. O Brasil tem uma legislação de estrangeiros atrasada, ainda do tempo do regime autoritário, que precisa ser modernizada para se tornar mais generosa, mais aberta à imigração.

            Creio que podemos começar essa mudança por meio das eleições locais, que são as eleições municipais para prefeito e vereador e que dizem respeito à vida da cidade, onde são tomadas decisões, da cidade onde as pessoas moram, ao seu entorno imediato. Por que não começar a construir essa nova cidadania ali, na cidade, onde as pessoas moram, com gente que vem para o Brasil, do mundo inteiro, que aqui se fixou, que aqui trabalha, que aqui teve seus filhos, mas que não é necessariamente naturalizada, pois quer conservar ainda a sua nacionalidade de origem, e é tão brasileira como nós na sua participação da vida comunitária?

            Sou neto de um imigrante italiano, que se chamava José Beochi, uma das pessoas que mais amei na minha vida. Meu avô italiano veio para o Brasil, instalou-se, depois de algum tempo, na minha cidade natal, São José do Rio Preto, e foi uma pessoa profundamente engajada nas causas comunitárias. Ele esteve presente em todas as causas em que os cidadãos da minha cidade estavam engajados, àquela época, nos anos 20, nos anos 30, do século passado, quando ainda era pequena e lutava para progredir, para trazer para si progressos que já se verificavam em outros lugares do Brasil e no Estado de São Paulo. Mas ele precisou abrir mão da sua querida nacionalidade italiana para poder votar e ser votado no Brasil.

            Penso, Sr. Presidente, que é hora de revermos essa situação e de abrirmos mais generosamente as portas da cidadania a todos aqueles que contribuem para o progresso do nosso País, começando pelo nível local.

            E lembro que esse tema se tornou de grande atualidade, recentemente ainda, nas eleições francesas, pois o candidato vitorioso nas eleições presidenciais, o Presidente François Hollande, defendeu com muita coragem e com muito vigor o direito de voto dos estrangeiros residentes na França em eleições locais. Foi combatido ferozmente pela direita xenófoba, representada naquelas eleições pela candidata Marine Le Pen. No entanto, a proposta que ele defendeu, em alto e bom som, foi aprovada pela maioria dos franceses.

            Eu gostaria que aqui no Brasil, também, os estrangeiros tivessem esse direito.

            Obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/05/2012 - Página 19513