Pela Liderança durante a 85ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com os rumos da economia do País e registro da necessidade de reformas estruturais. (como Líder)

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.:
  • Preocupação com os rumos da economia do País e registro da necessidade de reformas estruturais. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 22/05/2012 - Página 20098
Assunto
Outros > POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA.
Indexação
  • APREENSÃO, FUTURO, ECONOMIA, PAIS, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, POLITICAS PUBLICAS, COMBATE, DESIGUALDADE SOCIAL, AUMENTO, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, SETOR PUBLICO, INOVAÇÃO, PLANEJAMENTO ECONOMICO, INCENTIVO, CAPACIDADE, CONCORRENCIA, INDUSTRIA NACIONAL, OBJETIVO, IMPEDIMENTO, POSSIBILIDADE, CRISE, NATUREZA ECONOMICA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Sr. Presidente, faz alguns meses, em novembro, especialmente, fiz um discurso nesta Casa e publiquei uma plaqueta com o título “A Economia está bem, mas vai mal”. Isso era a continuação de uma fala anterior que eu já tinha feito em julho de 2011, exatamente no dia 22 de julho, com essa mesma tônica, com essa mesma ideia de nos congratularmos com a situação da economia hoje, mas alertarmos para o risco dela amanhã. Inclusive olhando para os países da Europa, que até três, quatro, cinco anos atrás eram de uma exuberância total, de um ufanismo imenso. O Brasil estava inundado de capital espanhol e português em todas as praias do Brasil e também de turistas. De repente essas economias entraram em crise.

            Nós não podemos deixar de olhar para isso. Então, eu fiz esse discurso, que não teve qualquer repercussão, nem na mídia, nem mesmo quando nós demos entrada nesse documento, que distribuí na Comissão de Assuntos Econômicos, como também no mundo acadêmico, quando eu distribuí, em dezembro, na Associação de Economistas, por meio do meu coautor do artigo, que é o Prof. Waldery.

            De repente, começam a surgir artigos que trazem esse assunto na ótica do que eu vinha falando. Em questão de uma ou duas semanas, nós tivemos artigo na revista The Economist, que sempre foi, nos últimos anos, de elevar o Brasil.... Quem não se lembra de uma famosa capa da The Economist, que não faz seis meses, do Cristo Redentor com os pés como se fosse um foguete subindo? Quem não se lembra disso, o Cristo Redentor como um foguete, dizendo “o Brasil está indo adiante”?

            Agora, a revista The Economist desta semana traz um artigo dizendo que as coisas não são bem assim, que há sinais de perigo adiante. E para dois pontos, em particular, eles chamam a atenção. Primeiro, que o aumento da competitividade e o crescimento sustentável no Brasil vão exigir reformas estruturais.

            Não adianta desoneração, Senador Paim, para dar competitividade. A competitividade só virá da capacidade do Brasil de inovar na economia. Nós não desenhamos nem uma caneta, o design é importado; os remédios são importados nas fórmulas; os carros são todos importados - tanto é que os nomes deles dos fabricados no Brasil são todos estrangeiros. Os carros coreanos têm nomes coreanos; os japoneses, japoneses; os americanos, americanos; alemães, alemães; os do Brasil são nomes importados, porque não é uma inovação brasileira.

            A competitividade não virá sem inovação.

            E que o otimismo tem parecido exagerado, e isso é uma preocupação muito grande. Um país, quando cai no ufanismo, tende a não perceber os riscos que existem adiante. Essa é uma tragédia de todos os povos, quando ficam tão orgulhosos e contentes e felizes de si que deixam de ver a realidade adiante.

            E, naquele meu discurso de quase um ano atrás, que não houve nenhuma repercussão, eu alertava uma lista grande de entulhos que estão adiante, ameaçando o caminho sustentável da economia brasileira. A dívida pública, que continua crescendo a uma taxa de 7% ao ano. O endividamento familiar, que continua crescendo. Todos os dias a gente vê o aumento dos cheques que não são pagos, cheques sem fundo. O aumento do comprometimento da renda familiar para o pagamento de prestações, gerando inclusive desabastecimento doméstico de comida, porque há que se pagar as dívidas. Esse endividamento vai estourar. Todo mundo sabe. Ninguém sabe o dia. Mas, todo mundo sabe que, se não forem tomadas certas medidas, isso vai estourar, como estourou na questão dos Estados Unidos financiando casas.

            O problema do endividamento das empresas, sobretudo agora com a desvalorização do real, porque parte da dívida é em dólar. E aqui está o mais grave: a solução de cada problema no Brasil gera outro problema. Se nós cuidarmos muito do endividamento das famílias, com uma política muito restritiva de crédito, a produção cai. Para ampliar a produção, é preciso liberar o financiamento de crédito. E aí gera o risco de inadimplência no futuro.

            As taxas de juros, que, felizmente, vêm caindo, como também outro problema que eu levantava, que era a sobrevalorização do real. Nesses pontos nós estamos sentindo uma melhora. Qual é o problema? É que não fizemos as reformas estruturais. Quando o real cai, beneficiando a nossa indústria, gera uma pressão nos preços. Quando o juro cai, beneficiando a nossa indústria, a inflação pode voltar.

            Nós não fizemos o dever de casa estrutural e trabalhamos com jeitinhos. Voltamos, de certa maneira, ao tempo dos pacotes. E os pacotes exigem novos pacotes.

            O perfil da composição dos gastos públicos, que não estamos resolvendo. Ao contrário, estamos agravando, pois os gastos públicos, que já são muito elevados, vão para custeio e não para investimento, deixando de realizar as obras necessárias para reduzir o custo Brasil, criando uma boa infraestrutura. Não estamos fazendo isso. Parte dos gastos de custeio é para financiar o dia a dia do funcionamento do Governo. E há outro custeio que não é investimento. Estádio de futebol para a Copa não é investimento, porque não gera retorno, a não ser, talvez, nos 20 dias da Copa. Passada a Copa, esses estádios não vão gerar retorno. Não são como a estrada, como o porto, como a indústria nova. São investimentos que não têm retorno permanente.

            Carga fiscal. Uma das saídas para os países quando estão em crise é aumentar a carga fiscal. Nós já esgotamos todas as possibilidades.

            A baixa poupança. O Brasil é um dos países com menor poupança, até por uma razão cultural. Nós somos o povo do curto prazo, do imediato, do consumo; nós não somos o povo com tradição de poupar para o futuro. É uma questão cultural que nós temos que levar em conta e tentar influenciar porque sem poupança um país não tem um caminho sustentável na sua economia.

            Este é um dos entulhos que é preciso superar: a desigualdade social, cuja diminuição é muito pequena. E a gente comemora como se este fosse um País justo. Nós apenas estamos transferindo 70 reais por adulto de uma família cuja criança está abaixo de seis anos de idade. Sejamos sinceros, 140 reais por mês não diminui a desigualdade; diminui a fome. Diminui a fome, e isso é uma grande coisa, mas não a desigualdade. Enquanto houver esta desigualdade, o País é instável socialmente. E aí vem a violência, que é um entulho a ser superado.

            Eu até nem gosto de falar porque pensam que é mania, mas a educação é o entrave principal para que este País continue crescendo por longo tempo. Sem educação não vamos ter inovação tecnológica; sem inovação não temos competitividade. Sem educação não vamos quebrar a desigualdade nos níveis que deveríamos. E nós não estamos fazendo o dever de casa da educação. É preciso dizer e repetir, e não apenas ler nos jornais todos os dias: campeões de repetência, campeões de evasão. Campeões pelo contrário, como hoje é manchete em O Globo, sobre os salários dos professores. Não podemos continuar assim. Se continuarmos, a economia tropeçará nos entraves, nos entulhos adiante.

            Nós temos a grande dificuldade da nossa burocracia, que dificulta a implantação de novos investimentos. Nós temos o problema da corrupção, que continua firme e forte, apesar de hoje mais combatida do que há algum tempo. Nós temos o corporativismo; a falta de perspectiva de uma nação faz com que cada um queira abocanhar o máximo possível e o mais rápido possível. E a economia deixa de ter a substância para crescer no longo prazo.

            O que fez a China e o que faz a Coreia crescerem foi o sentimento nacional ou imposto por um partido, como no caso da China, ou por uma cultura ou até pela disputa com outro país como a Coreia do Sul e a Coreia do Norte, que faz com que o povo diga “nós temos que ser os melhores e somos capazes de sacrifícios”.

            A palavra sacrifício quase não entra no dicionário do dia a dia da vida de cada um de nós, a não ser por aqueles que são condenados ao sacrifício, mas não por opção. Sacrifício no sentido de poupar hoje para amanhã ter um produto maior não é uma coisa que seduza muito a nós brasileiros.

            Para não continuar citando todos que coloquei naquele artigo, naquele trabalho, cito dois: as amarras constitucionais e os riscos ecológicos.

            Nós esgotamos a capacidade de produzir mais derrubando mais florestas. O debate sobre o Código Florestal, na verdade, foi um debate sobre o crescimento derrubando árvores ou o crescimento poupando árvores. Este foi o debate, embora não aparecesse. E nós insistimos e o projeto que foi para a Presidente Dilma assinar é um projeto da filosofia de derrubar árvores para fazer crescer a economia, não de fazer crescer a economia poupando as árvores. Mas chegamos ao limite. A prova é que tudo indica e nós desejamos que a Presidenta vete esse Código, que voltemos a discutir um código em que seja possível casar a economia com o meio ambiente, não a economia passando por cima do meio ambiente. Acabou esse limite, chegamos a esse limite. Acabou a possibilidade dos anos ... Aliás, desde 1500 que a economia do Brasil era construída em cima de terra ocupada cada vez mais. Esgotamos isso.

            As amarras constitucionais é o outro. Nós somos um país que para fazer certas mudanças estruturais, quase qualquer uma delas, é exigida uma mudança constitucional, exigindo, portanto, uma votação especial, com uma maioria especial, não com a maioria comum. E isso a gente não vai conseguir, isso a gente não vai conseguir até pelo lado do corporativismo. Quando os plenários enchem para impedir que se faça uma reforma necessária, a reforma necessária não será feita, e vamos adiando o problema. Nós precisamos de quórum especial para votar uma reforma constitucional, e a economia que, para ser modificada, exige reforma constitucional é uma economia ameaçada, ameaçada e sem possibilidade de reajustar-se facilmente, levando a crise econômica a uma crise constitucional.

            Os países europeus até aqui não viveram crise constitucional, porque a Constituição deles permite uma liberdade muito grande aos governos e, democraticamente, esses governos têm que reagir à maioria, mas tem que a maioria poder fazer as mudanças necessárias. No Brasil, a maioria não pode fazer as mudanças, porque precisa de um quórum qualificado e um quórum qualificado não é de 50% mais um, é um quórum de 2/3, é um quórum de três quartos. 

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - E isso a gente não vai ter com condições.

            E, finalmente, para encerrar dentro do prazo que o senhor, aliás, já me concedeu maior...

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Mas fique tranquilo.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - ... é o super, ultra otimismo. O otimismo é uma coisa muito boa em certos momentos e muito perigosa em outros.

            Quando as coisas vão bem, ser otimista leva você adiante; quando as coisas vão mal, o otimismo às vezes cega, impedindo de ver a realidade, e a impressão que se tem é de que há uma conspiração não explícita para esconder o real - eu digo o real da realidade e não o real da moeda - para esconder a realidade em relação ao povo brasileiro. O povo brasileiro não está conseguindo ver a realidade dos riscos adiante, porque é uma conspiração de todos nós, não de um ou de outro, de todos nós querendo esconder a realidade. É a história do avestruz, que enfia a cabeça na terra para não ver quem vem atrás querendo caçá-lo, para não ver quem vem atrás querendo ameaçá-lo. Nós estamos um pouco como o avestruz, fechando os olhos para não ver a realidade, e isso pode ser muito caro no futuro.

            Venho aqui dizer sem nenhuma alegria que, ao ler essas revistas estrangeiras, como The Economist, Foreign Affairs e como vi um pouquinho já no jornal Globo News, na Veja, no O Estado de S.Paulo, quando vejo esses pequenos sinais não fico nem um pouquinho alegre de que eu alertei tudo isso, eu fico até com certa preocupação maior ainda, porque o que eu pensei pode virar realidade e eu não gostaria que virasse, mas há duas maneiras de não virar. Uma é perceber que isso é verdade e começar a corrigir, mudar o rumo, reajustar o rumo das coisas, e a outra é ignorá-las e, ao ignorá-las, caminhar para o desastre sem saber quando, mas sabendo que ele virá.

            Era isso, Sr. Presidente, que eu tinha a dizer com confiança de que o Brasil pode, sim, sair desse risco adiante se abrirmos os olhos de todos nós, se levarmos em conta os entulhos que estão diante da nossa economia e começarmos a limpar os entulhos por meio das reformas estruturais, sem as quais a economia brasileira está bem, mas vai muito mal, porque adiante dela há muitos obstáculos que podem nos levar a tropeços.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 22/05/2012 - Página 20098