Discurso durante a 87ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca do editorial publicado pelo jornal Folha de S. Paulo intitulado “Déficit de ousadia”.

Autor
Lindbergh Farias (PT - Partido dos Trabalhadores/RJ)
Nome completo: Luiz Lindbergh Farias Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Considerações acerca do editorial publicado pelo jornal Folha de S. Paulo intitulado “Déficit de ousadia”.
Publicação
Publicação no DSF de 24/05/2012 - Página 20878
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), CRITICA, ATUAÇÃO, GOVERNO, ASSUNTO, MEDIDA DE CONTROLE, ECONOMIA, REGISTRO, ORADOR, APOIO, GOVERNO FEDERAL, RELAÇÃO, REDUÇÃO, JUROS, AUMENTO, INVESTIMENTO, UNIVERSIDADE, FATO GERADOR, CRESCIMENTO, GASTOS PUBLICOS.

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, ontem, o Ministro Guido Mantega veio à Comissão de Assuntos Econômicos falar sobre o Brasil e a crise econômica internacional.

            Hoje, subo a esta tribuna para falar de um editorial do jornal Folha de S. Paulo sobre o anúncio das novas medidas do Ministro Guido Mantega. O título do editorial é: “Déficit de ousadia”. Primeiro, devo parabenizar o debate e a publicação do editorial pelo jornal. Acho que este é o momento de o Brasil parar para discutir o seu futuro: como nós temos que atuar frente ao agravamento dessa crise econômica internacional? Tenho pontos em convergência com o editorial, mas tenho pontos divergentes. E eu queria expressar - acho esse um bom debate -, primeiro, a começar pelo título: “Déficit de ousadia”.

            O editorial do jornal Folha de S.Paulo diz:

O repertório do Ministro da Fazenda, Guido Mantega, parece esgotar-se na receita já aplicada pelo Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, em 2008: corte de imposto para a indústria automobilística, na esperança de ver os preços baixarem, e medidas para baratear o crédito, sobretudo para compra de automóveis, mas também de máquinas e equipamentos.

            Ora, isso é olhar a árvore e não a floresta. Há um conjunto de medidas sendo tomadas pela nossa Presidente da República.

            Ontem, em pronunciamento, citei um artigo do Prof. Bresser-Pereira: “A Estadista em Construção”. Pois bem. Quero começar respondendo ao déficit de ousadia, perguntando aos senhores e senhoras. Há um conjunto de medidas tomadas pelo Governo que passam longe da falta de ousadia, como a discussão das taxas de juros, por exemplo, a coragem e a firmeza da Presidente Dilma, nesse debate, de mudar toda uma lógica que existia neste País durante muito, muito tempo. E não foi só em relação à poupança que a Presidente teve firmeza, coragem de enfrentar o custo político de levar esse debate em relação à poupança para a sociedade, mas o debate dos spreads bancários. E nós sabemos o quanto é complicada a operação que a Presidente está conduzindo para fazer com que os bancos privados e públicos baixem as suas taxas de juros.

            Eu já trouxe aqui os números. Nós temos o segundo maior spread bancário do mundo: 35%. Só perdemos para o Zimbábue, com 75%. Falava aqui do lucro dos bancos. Um estudo do Fundo Monetário Internacional fala que o retorno sobre o patrimônio dos bancos é o maior do mundo, 27%, dez vezes acima dos Estados, 2,4%. Então, falta de ousadia? Há quanto tempo pedimos isso? Não é falta de ousadia!

            E eu não falo só em juros, falo no câmbio também. E aqui o Governo tomou uma série de medidas de controle de capitais. E, se hoje nós estamos com o dólar a mais de dois reais, nos últimos 15 dias, foi por causa do agravamento da crise econômica europeia. Mas, antes, o que levou o dólar a dois reais foi uma ação determinada do Governo para proteger nossa indústria: desonerações tributárias. Estamos caminhando.

            Então, vejam bem: eu prefiro, em vez do déficit de ousadia, uma outra imagem neste momento, a imagem que o Prof. Bresser Pereira traçou, em artigo publicado anteontem, no mesmo jornal, Folha de S. Paulo, porque só com muita firmeza e muita coragem para mexer nesses pontos.

            Mas eu queria ir além no debate. Uma parte que eu quero dizer que concordo com o jornal Folha de S. Paulo fala sobre os serviços da dívida.

A política monetária do Banco Central [diz o editorial] afinada com o Planalto também sinaliza maior iniciativa. A queda dos juros básicos proporciona um alívio importante para as contas do governo federal. Permite redução contínua das despesas com a dívida pública e abre oportunidade única para reduzir a carga tributária, em geral, e não só de uns poucos setores.

A exorbitante taxa de juros que remunera a dívida pública brasileira ficou próxima de 16% no ano passado (ou 9,5% em termos reais...) É uma excentricidade [e eu concordo completamente] diante dos padrões internacionais.

Países muito mais endividados pagam juros reais perto de zero (como EUA e Reino Unido). Na América Latina, a proporção média desses gastos anuais é de 2,6% do PIB.

O governo federal gastou 5,7% do PIB com juros em 2011 [uma extravagância, quase R$240 bi.] [...] Haveria condições no Brasil, assim, para economizar até 3% do PIB ao ano. Essa diferença entre o que gastamos e a média latino-americana equivale a [...] três vezes o investimento federal em 2011.

            Olha, eu quero dizer que tenho uma concordância em gênero, número e grau com essas afirmações. E nós sabemos que este é um debate que nós temos que enfrentar: o que vamos fazer com esse alívio fiscal do pagamento do comprometimento de serviços da dívida?

            O editorial da Folha de S. Paulo fala na carga tributária, e eu concordo que temos que reduzir a carga tributária. Só que estou convencido, pelo aprofundamento da crise econômica internacional... Ontem, em debate com o Ministro Mantega, várias projeções foram apresentadas sob o impacto do agravamento de crise econômica europeia. Na apresentação do Ministro Mantega, foi colocado um dado: se houver um agravamento da crise europeia, se a Grécia sai da zona do euro, o impacto no nosso PIB pode ser de até 1%.

            Eu, sinceramente, acho que nós temos que pensar, com o agravamento dessa crise econômica, numa discussão sobre a questão fiscal. Acho que vamos ter que ver como utilizarmos os instrumentos fiscais - e o que eu falo claramente - ligados a investimento. Ninguém aqui quer aumentar custeio. Ninguém aqui quer aumentar despesas. Ninguém aqui quer aumentar gastos com pessoal. Mas a discussão de como fazermos um maior esforço fiscal para aumentarmos investimentos vai ser colocado na ordem do dia.

            Srs. Senadores, Srªs Senadoras, nós estamos para ter um dos menores déficits nominais do mundo este ano. Ano passado, nosso déficit nominal foi de 2,5%. Pois bem, vejo muita gente aqui nos debates dizendo que devemos aproveitar uma parte desses recursos que vamos economizar no pagamento da dívida para fazer investimentos. Mas, olha, é preciso que se explique: o impacto dessa economia no pagamento de juros cai sobre o déficit nominal. Então, o que está acontecendo hoje aqui no Brasil é que nós vamos cair de um déficit nominal de 2,5% para 1,2%.

            A minha proposta, o que eu acho que o Governo deve fazer com o agravamento dessa crise, é ter uma trajetória declinante em relação ao déficit nominal, mas não precisamos cair de 2,5% para 1,2% num momento de retração econômica mundial. Temos que aproveitar uma parte desses recursos para desoneração, para diminuir a carga tributária, mas outra parte importante desses recursos para investimentos.

            Aqui eu entro em outra discordância com o jornal Folha de S.Paulo, uma discordância benéfica, porque estamos discutindo rumos, o que ser feito. E acho este debate aqui extremamente válido. Há um momento em que o jornal diz:

Não é a primeira vez que o Governo desperdiça uma oportunidade de melhorar a política de gastos e tributos. O grande aumento de arrecadação proporcionado pela formalização de emprego e pela aceleração de crescimento terminou convertido em novas despesas.

            E saiu falando sobre esse ponto.

            É constante a gente escutar aqui desta tribuna, no plenário deste Senado, críticas ao Governo Lula, dizendo que aumentamos as despesas, os nossos gastos. Pois bem, eu trago aqui um número oficial do Ministério da Fazenda: os nossos gastos com pessoal e encargos em relação ao PIB, em 2002, era de 4,8% do PIB. Caiu para 4,3%. Caiu para 4,3%! O que aumentou foram os gastos com custeio de saúde e educação, de 1,7% para 2%. Mas por que aumentamos o custeio da saúde e educação? Por um processo muito claro: houve ampliação das universidades federais, de 45 para 59; aumentamos 144 novos campi; as escolas técnicas federais, de 140 para 354!

            Então, é preciso que se diga: há investimentos que trazem aumento de custeio, mas que são, na verdade, investimentos. E isso foi o que houve em relação à saúde e à educação em nosso País. Mas volto a dizer: as despesas com pessoal em relação ao PIB tiveram decréscimo nesse último período.

            Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, acabo contestando, para finalizar, a crítica do editorial de que devemos rever a política do salário mínimo. O que o nosso Presidente Lula fez neste País talvez - para concluir, minha Presidente - pouca gente entenda: nós mudamos a estrutura da economia brasileira, criando um grande mercado de consumo de massas. Às vezes, os economistas, quando fazem os seus debates, esquecem-se do povo, esquecem-se de olhar para a vida real das pessoas. E aqui nós mudamos a vida real das pessoas. Quarenta milhões de brasileiros....

(Interrupção do som.)

            O SR. LINDBERGH FARIAS (Bloco/PT - RJ) - Desculpe, e muito obrigado pela tolerância.

            Quarenta milhões de brasileiros foram à classe média! Vinte e oito milhões de brasileiros deixaram a pobreza extrema! E o papel da recuperação do salário mínimo foi gigante nesse processo, principalmente por meio da Previdência, esse recurso da Previdência que é distribuído às pessoas mais idosas do nosso País.

            O Presidente Lula mudou a estrutura da nossa economia. Acho que a Presidente Dilma tem tido firmeza. E volto a dizer: não é falta de ousadia fazer o que ela fez em relação aos juros, ao debate da poupança, ao debate dos spreads bancários. Sabemos que temos longo caminho pela frente. Esta crise atinge todo mundo. Mas eu tenho pelo menos uma certeza: aqui não falta rumo, e o rumo não é aquele das velhas políticas de austeridade que estão afundando a Europa; nosso rumo é crescimento com inclusão social.

            Muito obrigado, Srª Presidente. Desculpe o avançar do tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/05/2012 - Página 20878