Pela Liderança durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Reflexão sobre os dados do Censo Demográfico 2010 recentemente divulgados pelo IBGE. (como Líder)

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL.:
  • Reflexão sobre os dados do Censo Demográfico 2010 recentemente divulgados pelo IBGE. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/2012 - Página 21224
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, DIVULGAÇÃO, DADOS, CENSO DEMOGRAFICO, AUTORIA, CENSO ECONOMICO, INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATISTICA (IBGE), REFERENCIA, AUMENTO, INDICE, POPULAÇÃO, HABILITAÇÃO, MERCADO DE TRABALHO, COMENTARIO, DESIGUALDADE REGIONAL, REGIÃO, RELAÇÃO, EDUCAÇÃO, ANALFABETISMO, SANEAMENTO BASICO, DESIGUALDADE SOCIAL.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP. Como Líder. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, quero dialogar hoje sobre os dados do último Censo, ou melhor, da análise detalhada do Censo de 2010, feita, recentemente, pelo IBGE, há um mês. Embora tenha sido divulgada há um mês, considero pertinente nós conversarmos sobre esses dados do IBGE, porque eles podem trazer para alguns um consenso na acomodação, achando, compreendendo que algumas conquistas que, porventura - e temos que reconhecer que existem -, o Censo aponta... Por exemplo, há de se reconhecer que a mortalidade infantil no Brasil caiu pela metade, segundo os mais recentes dados, mas, embora tenha caído pela metade, a nossa mortalidade infantil ainda é o dobro da mortalidade infantil existente nos Estados Unidos e ainda é o quádruplo da mortalidade infantil registrada na Europa Ocidental.

            O Censo aponta um ambiente demográfico favorável ao crescimento econômico. Isso está evidente e expresso, principalmente na existência de uma massa maior de pessoas habilitadas a trabalhar e de uma massa menor de pessoas que não estão na idade apta para o trabalho, ou seja, há uma faixa maior concentrada no centro da pirâmide demográfica e uma faixa menor no topo e na base da pirâmide demográfica. Isso é uma vantagem.

            Mas as vantagens e o notório - e é verdade: as chamadas conquistas econômicas da última década - não podem também nos trazer a omissão, acomodarmo-nos sobre uma sequência de outros dados que o mais recente Censo aponta.

            Um desses dados diz que a chamada nova classe média no País representa algo em torno de 28% das casas. Representa, ainda, uma renda mensal muito inferior à média de países tidos como desenvolvidos. Mais que isso, a Constituição, Sr. Presidente, no art. 3º, inciso III, afirma que a União poderá articular em sua ação um mesmo complexo geoeconômico e social, visando ao seu desenvolvimento e à redução das desigualdades regionais.

            Os dados retratados pelo IBGE mostram e denunciam que nós vivemos ainda sob uma gravíssima desigualdade regional. Isso claramente fere a Constituição brasileira e mostra a limitação que ainda temos que superar.

            Por exemplo, a análise de alguns dados é suficiente para corroborar essa afirmação. Vejamos em matéria de educação. Repito, mesmo reconhecendo alguns avanços na cobertura escolar, a política pública não tem conseguido diminuir as desigualdades regionais. A Emenda Constitucional nº 59, Presidente, estabelece que, em 2016, todos os brasileiros entre 4 e 17 anos devem estar estudando. Isso em 2016, ou seja, estamos a quatro anos da meta prevista na Constituição.

            Entretanto, a maior taxa de atendimento e, talvez, a única região do País que vai alcançar essa meta será a região Sudeste, onde 92,7% desses brasileiros já estão matriculados. No Norte do País, na Amazônia, esse percentual é de apenas 87,8%. Portanto, dificilmente, a Amazônia, o Norte do País, alcançará a meta estabelecida na Constituição para que, até 2016, todos os jovens localizados na faixa etária que citei estejam matriculados em escola.

            Detalhando esses dados, olhando para o Amapá, ficamos mais distantes ainda dessa meta constitucional. Hoje, no Amapá, somente 82,2% na idade hábil estão frequentando a escola. Temos um abismo de 18%, que, de forma alguma, alcançaremos até 2016.

            Detalhando em outros dados da região amazônica, no Amazonas, por exemplo, ainda temos 30% excluídos do direito ao acesso à escolarização obrigatória. 

            Os dados revelam algo gritante: ainda temos 3.853.317 crianças brasileiras e jovens que não têm o direito de frequentar uma escola, que estão fora da escola, e dificilmente sanaremos essa chaga até o ano de 2016. Desses 3,853 milhões de brasileiros, há mais um retrato da desigualdade: 28% deles estão no Nordeste, e 15% estão no Norte. Isso revela, então, que parte do Brasil, o Sudeste e o Sul, alcançará, em 2016, a meta de colocar todos os seus filhos, todos os brasileiros na escola, e o Norte e o Nordeste estarão muito distantes dessa meta.

            O atendimento em creche, em 2010, no Brasil era somente de 29,3%. No Amapá, a situação ainda era pior: somente 20% conseguiram atendimento na faixa da pré-escola, compreendida entre quatro e cinco anos. Temos 80% de crianças estudando em todo o Brasil, mas, no Norte, esse dado é de 69% e, no Amapá, esse dado é de 66,7%.

            Outro gravíssimo problema, uma chaga que levamos há décadas - e vamos entrar na segunda década do século XXI sem resolvê-la -, é a chaga do analfabetismo, que ainda é altíssimo no Brasil: 9,6% da população maior que 15 anos é analfabeta. Se levarmos em conta que, na América Latina, três nações - Cuba, Nicarágua e Bolívia - já decretaram seu território livre do analfabetismo, nós estamos muito atrás desses países e de muitos outros na América Latina.

            Essa situação do analfabetismo é mais grave no Nordeste. No Nordeste, a taxa do analfabetismo chega a quase 20% da população, 19,1%. Ou seja, chegaremos até a terceira década do século XXI e, dificilmente, se não houver um esforço por parte do Estado brasileiro, resolveremos essa chaga.

            O problema da desigualdade que aqui apontei também está evidente no acesso ao saneamento básico nas cidades brasileiras. O saneamento básico é também acesso à água, condição essencial, básica e elementar para a saúde. Quem não tem acesso à água tratada é uma potencial vítima de doenças medievais.

            O Censo do IBGE mostra que, no Brasil, as cidades em que há de cinco a dez mil habitantes possuem apenas 21,1% de saneamento básico, percentual que, o próprio número revela, é aviltante diante de um País que está entre as seis principais economias do Planeta.

            Essa situação ainda é mais desigual: no Norte, só tem acesso a saneamento básico 11,7% da população.

            Nesses dados, foi também levantada a situação de moradia desses brasileiros. Convivemos com milhões de brasileiros que habitam aquilo que especialistas denominam como moradias subnormais. Esse termo é um eufemismo usado para amenizar a dura realidade de pessoas que vivem em ambientes sem condição mínima, sem condição de respeito mínimo ao princípio da dignidade humana explícito na Carta Constitucional.

            Ao analisarmos 20 regiões metropolitanas, fica clara a marca da desigualdade social e sua íntima relação com a desigualdade regional. Enquanto somente 11% da população de São Paulo vive em moradias ditas subnormais, em Belém, por exemplo, principal metrópole da Amazônia, esse percentual é de 53,9%. Em Recife, esse percentual é de 23,2%; em Salvador, é de 26,1%; em São Luís, 24,5%; em Macapá, 40%. Portanto, há dois Brasis: São Paulo, com somente 11% de sua população vivendo em condições ditas subnormais, ou seja, em moradias que não se coadunam com o princípio da dignidade humana, e o Norte e o Nordeste do País, que, em algumas de suas capitais, têm 50% de sua população vivendo nessa condição.

            Não vou me deter mais nos números, mas gostaria de fazer uma breve comparação, que considero importante, em relação à renda da população, para que possamos perceber outros extremos.

            De um lado, a mais próspera cidade do Brasil, São Paulo, do outro, minha cidade, Macapá, encravada no meio da Floresta Amazônica, no extremo Norte do País.

            Em Macapá, nada menos do que 16,7% de sua população vive com até meio salário mínimo. Em São Paulo, esse percentual é de 4,2% da população. Ainda temos, em Macapá, 5,5% dos macapaenses que sobrevivem com R$70,00 por mês. Ou seja, estão abaixo da faixa que se chama linha da pobreza. Este universo, na cidade de São Paulo, na metrópole de São Paulo, é de 1%.

            Portanto, Sr. Presidente, mais do que nunca, é necessário cumprirmos os ditames constitucionais de que um dos objetivos da República Federativa do Brasil - vou mais adiante do que a Constituição -, um dos objetivos de uma federação é não ter desigualdades, desequilíbrios regionais. Esses dados, repito, per si, denunciam uma caótica situação. É favorável, é motivo de júbilo termos reduzido a mortalidade infantil pela metade. É motivo de júbilo nós estarmos no melhor ambiente do nosso crescimento demográfico para o crescimento econômico. Mas nós não podemos nos acomodar somente com a propaganda desses dados. Nós ainda padecemos de uma brutal desigualdade regional.

            Nós tivemos, então, nessas últimas décadas, o aprofundamento de uma tendência que se iniciou a partir dos anos 1950 do século XX, de uma tendência de desenvolvimento desigual do País, de distribuição de renda, de crescimento demográfico, mas, ao mesmo tempo, de distribuição de riqueza concentrada no Sul e Sudeste do País e de - este é o termo - miserabilização da Amazônia e do Nordeste do País.

            Por isso, é necessário que esta Casa, que existe no nosso pacto de federação, esta Casa que existe no nosso Parlamento bicameral com a função constitucional de realizar o equilíbrio entre as unidades federadas, é urgente que esta Casa promova um conjunto de reformas. Por isso é urgente avançarmos em temas das reformas tributárias, por isso é urgente cumprirmos os arts. 168, 169, 167, 172, 170 da Constituição, que falam da existência de um fundo público para garantir o equilíbrio entre os Estados da federação, e esse fundo público se chama Fundo de Participação dos Estados. Por isso que é urgente e necessário termos uma rediscussão do pacto federativo e dos novos valores que devem ditar o Fundo de Participação dos Estados.

            Por isso que é fundamental nós avançarmos na reconstrução do nosso pacto federativo. Os dados do Censo, analisados recentemente pelo IBGE, não podem nos levar para a comodidade. Os dados do Censo, repito, ao mesmo tempo que apontam algumas conquistas, também denunciam, em especial, uma forte desigualdade regional, e é importante e urgente que o Governo da União olhe para isso e mais importante e urgente que nós do Congresso Nacional brasileiro façamos a nossa parte.

            Por isso é importante que os temas do pacto federativo, aqui presentes, discutidos por uma comissão aqui conduzida pelo Ministro Nelson Jobim e, em especial, o tema da nova partilha do Fundo de Participação dos Estados sejam debatidos à luz desses dados que nos revelam a real realidade - permita-me aí também o eufemismo da repetição -, que revelam a real realidade brasileira de desigualdades sociais ainda gritantes, e regionais ainda profundas.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/2012 - Página 21224