Discurso durante a 88ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise da importância dos trabalhos que serão desenvolvidos pela Comissão da Verdade; e outros assuntos.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS, ATIVIDADE POLITICA.:
  • Análise da importância dos trabalhos que serão desenvolvidos pela Comissão da Verdade; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 25/05/2012 - Página 21234
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS, ATIVIDADE POLITICA.
Indexação
  • COMENTARIO, ELOGIO, DECISÃO, GOVERNO FEDERAL, RETOMADA, PROCESSO, CRIAÇÃO, COMISSÃO NACIONAL, VERDADE, OBJETIVO, CONTINUAÇÃO, CONCESSÃO, ANISTIA, PESSOAS, PARTICIPAÇÃO, POLITICA, PERIODO, DITADURA, REGIME MILITAR, PAIS, NECESSIDADE, BUSCA, JUSTIÇA, REFERENCIA, ESCLARECIMENTOS, DESAPARECIMENTO, POPULAÇÃO, DURAÇÃO, REGIME POLITICO, BRASIL.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Casildo Maldaner, Senadora Lúcia Vânia, Senador Garibaldi Alves, Senador Simon, já falei na abertura da sessão, mas, casualmente, vem agora mais um convite.

            Devo dizer, Senadora Lúcia Vânia, que eu não negarei os convites que recebo de todo o Brasil para fazer palestras. Para minha alegria, recebo convites não só para palestras, mas também para homenagens, medalhas, cartões de prata, título de cidadão, que já recebi de dezenas de cidades do Brasil.

            Perguntaram-me se eu fui à Goiânia. É claro que já fui à Goiânia, inclusive, na época, convidei V. Exª. Acho que já faz mais de nove anos que estive lá, para discutir o Estatuto do Idoso, que já é lei - há quase uma década -, o Estatuto da Igualdade Racial, que já é lei, a política salarial, que já é lei. Fui e fizemos um belo debate na Câmara de Vereadores. Fui homenageado e pousei na cidade, mas em uma casa que a Câmara de Vereadores me indicou, que estava vazia, mas onde havia duas pessoas - acho que um segurança e alguém que fazia a limpeza - e retornei para cá.

            Quero dizer que se alguém pensa que eu vou parar de viajar pelo País, como tenho feito sempre, e deixar de receber as homenagens do povo, está muito enganado.

            Tenho orgulho de dizer que recebi o Título de Cidadão da cidade de Salvador, Bahia, da cidade do Rio Janeiro; acho que também recebi o Título de Goiânia, de duas ou três cidades de Minas Gerais; cidadão da Paraíba - lembro-me agora, são tantos -, medalhas em São Paulo, em quase todo lugar.

            Procuro viajar, de preferência, custeando as minhas despesas e não o Senado. Aí, fico na casa daqueles que me convidam. É claro que não vou pedir ficha corrida de quem me convida, de quem aprova, na Assembleia ou na Câmara de Vereadores, o título de cidadão!

            Por isso, venho à tribuna, casualmente, dizer que um grande vereador, que eu conheço, vai debater, em Canoas, no Rio Grande do Sul - já recebi o título da cidade, porque eu não nasci em Canoas, mas em Caxias -, a PEC nº 50, de minha autoria, que acaba com o voto secreto. Tenho realizado esse debate pelo Brasil e vou continuar a debater essa PEC que acaba com o secreto em todas as situações, e não em uma ou outra situação. Até as redes sociais, que estão operando e muito bem, têm feito esse trabalho de divulgar a PEC nº 50, de nossa autoria, que não admite o voto secreto em nenhuma situação. Eu não entendo, em plena democracia, nós ainda estarmos votando secretamente, e por isso é que continuo insistindo na importância de acabarmos com o voto secreto.

            Quero dizer que inúmeros Senadores apoiaram a PEC do fim do voto secreto, a ampla maioria dos Senadores na Casa. Fiz um estudo e verifiquei que, na maioria dos países do mundo, não existe mais voto secreto, como nos Estados Unidos da América, Inglaterra e Dinamarca. A proposta de minha autoria se encontra aqui no Plenário. Já foi aprovada, por unanimidade, na CCJ. Vou torcer para que seja aprovada também rapidamente.

            Mas eu quero, Sr. Presidente, para não falar só de coisas tão pequenas como se os Senadores podem ou não podem viajar o Brasil para defender teses que viram lei. Política de salário mínimo é lei, e nós a construímos viajando o Brasil e discutindo com a sociedade sobre a inflação. Na minha proposta é o dobro do PIB. Hoje, por acordo, claro, aprovamos aqui a inflação mais o PIB. O Estatuto do Idoso, de minha autoria, é lei; o Estatuto da Igualdade Racial, de nossa autoria, é lei. E eu não faço lei trancado dentro do gabinete. Eu faço discutindo com a sociedade brasileira.

            O Estatuto da Pessoa com Deficiência, que o Senado já aprovou por unanimidade, está lá na Câmara, e eu quero aprová-lo ainda este ano. A Ministra Maria do Rosário organizou, recentemente, uma comissão, e convidou-me para fazer parte, que vai aprofundar, à luz da convenção internacional, o Estatuto da Pessoa com Deficiência.

            Tive a satisfação de, também, participar ativamente do projeto da Comissão da Verdade. O Senador Randolfe Rodrigues, que não está mais aqui, participou do debate da comissão e eu vim à tribuna, no dia de hoje, nesses 15 minutos que ainda me restam, falar da Comissão da Verdade e da sua importância.

            No final dos anos 70, vivíamos ainda sob o regime de exceção, imposto pelo golpe militar de 1964. A década do chamado milagre econômico, o milagre brasileiro, que foi também um período permanente de conflito e intensa depressão, chegava ao fim, com uma das mais graves crises econômicas da história do País.

            O Governo militar sentia crescer a oposição depois das derrotas eleitorais em 1974 e 1976, e, sobretudo, depois das históricas greves - que eu participei, porque naquela época eu era sindicalista - de 1978 e 1979. Aí, Senadora Lúcia Vânia, lembro numa oportunidade em plena ditadura que eu fui convidado para fazer uma palestra na Europa para falar o que acontecia no Brasil. Os órgãos dos direitos humanos montaram um dossiê para que eu levasse para o exterior para dizer o que estava acontecendo aqui. E aí em São Paulo me fizeram varredura total no corpo. Vou ficar por aqui. Em nenhum momento vou dizer que houve tortura, ou agressão, e o dossiê foi confiscado. Mas eu fui, com a força da palavra contar, na Europa, o que estava acontecendo aqui no Brasil.

            Mas enfim, Senador Casildo Maldaner, a abertura política, que já vinha se discutindo, tornou-se imperativa. Foi nesse contexto que foi promulgada a Lei de Anistia, em 1979,

            Começava, naquele momento, o "reencontro da Nação consigo mesma"- lembro eu -, nas belas palavras de Teotônio Vilela, Relator do projeto que se tornou lei.

            O processo de anistia, Senhor Presidente, com o espírito de reconciliação que a marca, ajudou, sem dúvida a sanar algumas das feridas abertas durante os anos de chumbo da ditadura militar no Brasil.

            Outras, no entanto, continuaram abertas e sangrando. Era preciso avançar para que a Justiça se fizesse completa. É nesse sentido que devemos entender a retomada do processo pela Presidenta Dilma Rousseff, com a constituição da Comissão da Verdade.

            Essa Comissão, Srªs. Senadoras, Srs. Senadores, por um lado, dá continuidade ao processo de reconciliação que foi iniciado em 1979, com a concessão de anistia aos envolvidos na luta política de 1964, ou seja, a época do golpe.

            Por outro lado, aprofunda esse mesmo processo, associando ao desejo de reconciliação a necessidade de se fazer justiça, esclarecer os fatos e a verdade e botar abaixo aqueles que mentem e tentam, com meias palavras, deixar as pessoas na dúvida do que realmente aconteceu.

            Por isso, Senhor Presidente, é que eu entendo como fundamental o trabalho da Comissão da Verdade. Ela há de apontar o caminho da verdade, da transparência para que o nosso povo conheça a sua própria história.

            Trata-se também de garantir a todos os brasileiros, tanto aos que viveram aquela época, filhos da ditadura, muitos deles, infelizmente, mas que muitas vezes ainda aguardam a realização da justiça.

            Sr. Presidente, não podemos esquecer nem negar nosso passado, especialmente os erros, os crimes, a tortura; devemos preparar o caminho para que isso não se repita nunca mais. Ditadura, nunca mais!. Tortura, nunca mais!

            Nossa história, Sr. Presidente, é o repositório de nossa experiência acumulada, e experiência acumulada é que nos dá sabedoria. Roubar a memória de um povo é barrar seu crescimento. Para isso, também, a Comissão da Verdade há de realizar um trabalho essencial e imprescindível.

            É preciso que tenhamos claro, Sr. Presidente, o sentido e o alcance da Comissão da Verdade. Não se trata aqui de revanchismo, não se trata de reabrir um processo já fechado, de mexer em feridas, não se trata de promover uma "caça às bruxas".

            O que se busca não é vingança, mas justiça, transparência e verdade. O que devemos querer é, antes de tudo, nos conhecer melhor, conhecer o que aconteceu ontem, para agir hoje, pensando num futuro melhor para todos.

            O processo também não está fechado e resolvido pela Lei de Anistia - em alguns casos emblemáticos, longe disso! Devemos lembrar que crimes de desaparecimento forçado de pessoas são crimes permanentes, jamais podemos apagar.

            Para além daqueles diretamente envolvidos nesses casos, que sofrem há décadas com a falta de esclarecimento, nós deveríamos nos perguntar - nós, brasileiros - se queremos conviver eternamente com esse sofrimento que representa essa ignorância, em que os familiares não sabem nem onde estão os corpos daqueles que foram assassinados, mutilados, torturados durante a ditadura.

            Muito tempo já se passou e logo não estaremos mais em condições de conhecer a verdade se nada for feito. O momento é agora ou nunca. A alternativa me parece cristalina, transparente.

            Sobretudo, Senhor Presidente, é importante afastar novamente o medo da "caça às bruxas". A função da Comissão não é julgar, nem indenizar, é trazer a verdade, somente a verdade.

            O papel de julgar continua sendo, como sempre foi e deve ser, do Judiciário e ele está apto a fazê-lo. Imaginar uma instância administrativa com poder de punir seria contra nossa tradição jurídica e democrática.

            A Comissão da Verdade pode auxiliar na função do Judiciário, com dados, testemunhos e provas. Aliás, o art. 3º, inciso V, da lei que a institui, determina que ela deve "colaborar com todas as instâncias do poder público para apuração de violação de direitos humanos".

            Mas julgar, como disse, é uma prerrogativa do Judiciário, e a Comissão da Verdade não está acima da lei. Ela poderá nomear autores, fazer audiências públicas, determinar perícias, diligências, colaborar com o Poder Público, buscar a apuração dos crimes, mas caberá ao Judiciário determinar as consequências e os desdobramentos de sua atuação.

            Evocam-se, muitas vezes, exemplos estrangeiros como elementos de referência para a nossa comissão. É preciso, no entanto, entender o caso brasileiro naquilo que lhe é específico. Alguns países próximos de nós - Argentina, Chile e Peru - passaram por essa experiência.

            Argentina e Chile optaram por uma Comissão da Verdade com poderes mais limitados, com o Judiciário e o Legislativo atuando nos seus papéis institucionais para dar amplitude e continuidade ao processo.

            No Peru, a questão era diferente: tratava-se de apurar e punir responsabilidades de autoridades até recentemente no poder, sem o amparo de uma Lei de Anistia. Também a África do Sul, do grande Nelson Mandela, teve a sua Comissão da Verdade.

            Eu estive lá, Senador Casildo Maldaner, permita-me lhe dizer. Eu estive na África do Sul. Quando chegamos à África do Sul, cinco Parlamentares negros diziam que o avião da Varig iria ser bombardeado. Lembro-me do comandante da Varig: Não se preocupem; ninguém vai bombardear o nosso avião.

            Descemos, estivemos com Winnie Mandela, entregamos a ela um documento em nome do Congresso brasileiro, fruto da Assembléia Nacional Constituinte, exigindo a liberdade de Nelson Mandela. Para alegria nossa, naquele fim de ano, Nelson Mandela foi liberto e nós o recebemos aqui no Congresso Nacional e ofertamos a ele, em nome da nossa gente, a melhor medalha, o melhor prêmio, a maior honraria que um chefe de Estado recebeu neste País.

            Enfim, é bom lembrar que a África do Sul teve a sua Comissão da Verdade após o fim do regime do apartheid. Mas lá houve um sistema de troca da verdade pela anistia, em uma situação social também de busca do entendimento e da reconciliação.

            Desde 1974, quando se constituiu a primeira Comissão da Verdade para apurar violações graves de direitos humanos - isso foi em Uganda, na África -, 39 outras já foram instaladas em países dos quatro continentes.

            Aqui na América do Sul - só para lembrar - Bolívia, Argentina, Uruguai, Chile, Paraguai, Peru e Equador - duas vezes - já passaram pela experiência desde os anos 80.

            O Brasil chegou tarde, mas chegou. E é preciso passar por isso antes que seja tarde demais.

            Mas o que pode, efetivamente, alcançar uma Comissão da Verdade? Muitos, Sr. Presidente, questionam-se a esse respeito. Há, de fato, muito desconhecimento, o que gera ceticismo, desconfiança e até uma desesperança.

            Antes de mais nada, uma Comissão desse tipo, como o próprio nome deixa claro, visa ao estabelecimento da verdadeira verdade, a verdade histórica, que ninguém tem o direito de apagar. Seu alvo primário é o negacionismo, ou seja, a atitude de negar a existência de determinados fatos acontecidos.

            Mais do que isso, Srªs e Srs. Senadores, quando se trata de violações graves dos direitos humanos, as vítimas, quando não desaparecem simplesmente, dificilmente têm oportunidade de contar sua versão dos fatos.

            A Comissão dá voz e visibilidade às vítimas, restaurando sua dignidade. E fazendo isso não estamos fazendo um bem apenas às vítimas, mas a todo povo brasileiro, à humanidade - eu diria - e à própria democracia no Planeta. E digo mais, Sr. Presidente, tanto os que viveram naquele momento quanto os que nasceram depois estão nessa expectativa.

            A narrativa que se constrói a partir desse testemunho, geralmente escamoteado, é muito importante em termos de autoconhecimento e de formação de nossa identidade.

            Muitos veem ainda a Comissão da Verdade como uma instância que vai acirrar conflitos. Há, de fato, conflitos não resolvidos, que devem ser reconhecidos e reparados; e para isso a Comissão poderá contribuir enormemente. Mas o objetivo maior é o da reconciliação, por meio da reparação justa - se for o caso - e, sobretudo, o de promoção de uma cultura da paz.

            Quase sempre o esquecimento é cúmplice da perpetuação dos esquemas que possibilitaram as violações em primeiro lugar. Conhecendo a verdade, reconhecendo a responsabilidade do próprio Estado, de suas instituições e de seus agentes nas violações ocorridas, podemos finalmente desmontar esses esquemas e garantir que não venham a ser remontados em outro momento qualquer.

            Mas concretamente, Sr. Presidente, o que podemos esperar da Comissão da Verdade? Só para concluir, muito já foi apurado pela Comissão de Anistia e pela Comissão Especial (Mortos e Desaparecidos Políticos). Dificilmente, eu diria, o número de violações conhecido será ampliado de modo muito significativo.

            Até dezembro de 2010, a Comissão de Anistia apreciou 59.163 pedidos, sendo 65% - 38.025 - deles aprovados. Ainda restam aproximadamente 15 mil pedidos a serem apreciados. A Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos concluiu por 475 casos de assassinatos.

            Não é, portanto, pela descoberta de novos casos que devemos avaliar a Comissão da Verdade, mas, sim, por sua capacidade de desvendar essa situação emblemática ainda no nosso País, aclarar sistemas de repressão, apontar vínculos com outros países - como a chamada Operação Condor -, denunciar participação de empresas e civis, nomear autores da área pública e da área privada.

            Sr. Presidente, a Comissão da Verdade tem o papel crucial de construir uma memória coletiva para todos. É preciso acabar com o negacionismo militar sobre os crimes da ditadura.

            Devemos repensar os livros de história nesse aspecto. Isso é gerar a cultura da prática democrática e da paz, que não convive com a impunidade e com o esquecimento de violações graves de direitos humanos.

            Além disso, esperamos que a Comissão, finalmente, ajude a desvendar casos ainda emblemáticos - lembro aqui o caso do inesquecível Rubens Paiva -, apurar o destino dos desaparecidos com afinco, dar voz pública às vítimas e a seus familiares, apurar a participação não só de militares, mas também de civis na manutenção do aparelho repressivo.

            Sr. Presidente, a participação de empresas durante a ditadura deve também ser revelada.

            Por fim, esperamos que produza documentos que sirvam para a reparação às vítimas, à justiça em sentido amplo e à consciência coletiva.

            Estaremos reconstruindo nossa história. E como sempre acontece quando criamos nova narrativa sobre nós mesmos, estaremos dando uma nova forma mais definida à nossa própria identidade como Nação, como comunidade política e mesmo como comunidade ética.

            Termino, Sr. Presidente, só dizendo: faço votos de que a Comissão da Verdade esteja efetivamente à altura da grande e fundamental tarefa que lhe cabe. Pelos nomes que a compõem - acompanhei cada um deles - eu entendo que ela esteja à altura. Sei que nós não vamos ter decepção.

            Sr. Presidente, se fizerem bem o seu trabalho, como acredito que farão, teremos um País mais justo, mais comprometido com a paz, mais protegido contra a corrupção, contra o abuso das instituições; estaremos com um País mais democrático e sobretudo mais consciente de si mesmo.

            Obrigado, Senador Casildo Maldaner. Tive uma alegria muito grande quando fui convidado para estar em Santa Catarina e V. Exª me acompanhou em um evento belíssimo, no qual falamos para milhares de aposentados e pensionistas.

            Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/05/2012 - Página 21234