Pronunciamento de Romero Jucá em 29/05/2012
Discurso durante a 92ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Registro da passagem de mais um aniversário da Abolição da Escravatura no Brasil.
- Autor
- Romero Jucá (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
- Nome completo: Romero Jucá Filho
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
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HOMENAGEM, DIREITOS HUMANOS.:
- Registro da passagem de mais um aniversário da Abolição da Escravatura no Brasil.
- Publicação
- Publicação no DSF de 30/05/2012 - Página 22190
- Assunto
- Outros > HOMENAGEM, DIREITOS HUMANOS.
- Indexação
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- HOMENAGEM, ANIVERSARIO, ABOLIÇÃO, ESCRAVATURA, PAIS, COMENTARIO, HISTORIA, VIDA, ESCRAVO.
- COMENTARIO, APROVAÇÃO, CAMARA DOS DEPUTADOS, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, TRABALHO, ESCRAVO, OBJETIVO, MELHORIA, CONDIÇÕES DE TRABALHO, BRASILEIROS.
O SR. ROMERO JUCÁ (Bloco/PMDB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, a apreensão humana dos processos sociais está longe de ser perfeita. As memórias, verdadeiras ou mesmo falsas, resultam da interação entre o entendimento individual, por vezes reflexo da educação, da família, da história de vida de cada um, e entendimentos coletivos, sociais, eivados de conceitos construídos a partir das vinculações de classe, de partidos políticos, regionalismos e toda sorte de fenômenos não individuais.
Daí, existirem não apenas um, mas vários entendimentos sobre o que de fato aconteceu em determinado tempo passado.
O evento de hoje relembra um episódio marcante da história brasileira, a Abolição da Escravatura, cuja memória, construída não apenas por lembranças, mas também por esquecimentos, é rica o suficiente para ainda ser objeto de interesse do cidadão atual, razão pela qual essa relevante Sessão Solene ainda acontece.
É um momento para refletir sobre a própria escravidão em si. Uma nação do nosso porte construída em cima dos ombros do escravo. Uma relação desigual que nos legou a riqueza tanto quanto a miséria. Uma desigualdade ainda visível 124 anos após a extinção do instituto da escravidão e 479 anos depois da chegada dos primeiros escravos africanos, destinados a Pero de Góis, Capitão-Mor da Costa do Brasil, em 1533.
A escravidão, como instituição econômica, já se encontrava em franca decadência no momento da Lei Áurea. A verdadeira sentença de morte é a combinação da Lei de Extinção do Tráfico de Escravos, de 1850, com a Lei do Ventre Livre, de 1871. A população submetida ao trabalho escravo, em condições e jornadas insalubres, tendia permanentemente ao declínio. As duas leis decretavam a impossibilidade de repor o braço escravo com a importação ou com o já baixo crescimento vegetativo.
Nem por isso, foi menos traumática para parcelas da elite rural do século XIX a libertação dos escravos, enxergada como afronta ao direito de propriedade. E o Parlamento do Império foi palco do intenso debate que se estabeleceu entre abolicionistas e escravistas. Ressalte-se, também, a luta do próprio escravo pela emancipação, configurada no dia a dia da resistência ao trabalho imposto e nas fugas individuais e coletivas, que passam a ganhar maior destaque à medida que a opinião pública urbana, mais esclarecida, aumentava a reprovação ao sistema,
Se a Lei Áurea não premiou indevidamente as elites com a reparação que os proprietários pretendiam, tampouco indenizou os escravos pelos séculos de exploração. O dia seguinte da Lei Áurea, ao que se sabe, foi pouco diferente do dia anterior em grande do País, com o trabalho rural e doméstico seguindo aparente normalidade.
O ex-escravo e seus descendentes foram incorporados na sociedade, especialmente nas cidades, para onde a dinâmica social e política foi deslocada ao longo do século XX, ainda em condição subalterna ou periférica. Ignorados pelas políticas públicas, negados em seus direitos de representação, apagados do horizonte social, renascem, novamente, como resultado de seu ganho de consciência coletiva, construção de identidade e do avanço da luta do movimento negro no Brasil.
Pela mudança no entendimento, finalmente aflorada na entrada do século XXI, fomos capazes, neste mesmo Parlamento, de propor e aprovar compensações aos descendentes dessas populações, materializada em uma crescente legislação que garante o estabelecimento de cotas, reconhecimento de títulos de propriedade aos antigos quilombos, o Estatuto da Igualdade Racial, entre outros diplomas legais.
Essa política compensatória não apaga a chaga da escravidão, mas mitiga parte de seus efeitos históricos, garantido visibilidade à causa dos afrodescendentes em nosso País. Feliz o dia em que este Parlamento chegar à conclusão, no futuro, de que as políticas compensatórias alcançaram plenamente seus objetivos e não são mais necessárias.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Deputados, Srªs e Srs. Senadores, é impossível esgotar em um pronunciamento tudo que pode e deve ser dito a respeito da cicatriz histórica da escravidão africana no Brasil.
Pior ainda é constatar que o desrespeito ao trabalhador braçal em geral, uma parte dessa cicatriz, continua viva na mentalidade nacional. Por essa razão, ainda estamos, na entrada do século XXI, combatendo condições de trabalho análogas à escravidão.
A chamada Proposta de Emenda Constitucional - PEC do Trabalho Escravo está em tramitação há anos no Congresso. Originada no Senado Federal, nesta semana foi finalmente aprovada, com alterações, na Câmara dos Deputados. Deverá retornar à Casa de origem para reexame, que a sociedade exige que seja célere. Não é possível demonstrar qualquer tolerância com aqueles que ainda acham natural, de uma forma ou de outra, que o trabalho de um cidadão brasileiro possa ser explorado em condições que nos remetem a quase cinco séculos no passado.
E nosso dever parlamentar terminar o enterro da escravidão, não pelo esquecimento, mas pela severa vigilância contra o racismo, contra a exploração do trabalho infantil, contra o trabalho não remunerado e contra a desvalorização do trabalhador brasileiro.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado.