Discurso durante a 93ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações sobre a necessidade de reaparelhamento das Forças Armadas Brasileiras.

Autor
Romero Jucá (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RR)
Nome completo: Romero Jucá Filho
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SEGURANÇA NACIONAL.:
  • Considerações sobre a necessidade de reaparelhamento das Forças Armadas Brasileiras.
Publicação
Publicação no DSF de 31/05/2012 - Página 22710
Assunto
Outros > SEGURANÇA NACIONAL.
Indexação
  • REGISTRO, NECESSIDADE, REAPARELHAMENTO, FORÇAS ARMADAS, OBJETIVO, DEFESA, RECURSOS NATURAIS, TERRITORIO NACIONAL.

            O SR. ROMERO JUCÁ (Bloco/PMDB - RR. Sem apanhamento taquigráfico.) - Sr. Presidente, Srªs Senadoras e Srs. Senadores, superada a instabilidade crônica de nossa moeda, com inflação que tanto entravou o desenvolvimento do País, e abordado - enfim! -, por política pública consistente, o problema histórico da disparidade de renda entre seus cidadãos, o Brasil entrou, nos últimos anos, em inegável ciclo virtuoso de crescimento econômico com melhoria na distribuição da riqueza nacional - coisas que certos teóricos asseveravam não serem possíveis de forma concomitante, Como conseqüência, deixou de ser o gigante adormecido de anedota e passou a ser visto com respeito pela comunidade internacional e} particularmente, pelas grandes potências mundiais.

            O contexto internacional presente, de grave crise econômica dessas potências, contrasta com o aumento da relevância das chamadas economias emergentes, conhecidas pela sigla Bric, ou Brics, em que a letra b designa o Brasil. Relevância econômica que repercute em protagonismo na política global. Entre essas nações emergentes, nosso País figura como aquele com mais potencialidade, por sua estabilidade política em uma democracia consolidada, coesão cultural do povo - até em sua enorme diversidade - e riqueza natural.

            Essa mesma riqueza natural e um ponto critico. O horizonte econômico do mundo é de escassez de recursos naturais, sobretudo os energéticos não-renováveis. A posição das nações ricas não poderia ter sido mais claramente explicitada que pela frase de Henry Kissinger, estrategista norte-americano, então Secretário de Estado dos EUA, proferida em 1977: "Os países industrializados não poderão viver da maneira como existiram até hoje se não tiverem a sua disposição os recursos naturais não-renováveis do planeta. Terão que montar um sistema de pressões e constrangimentos garantidores da consecução de seus intentes."

            Acontece que o Brasil detém a segunda maior reserva de água doce do mundo, perdendo somente para o Canadá, que tem a sua, na maior parte, congelada e em lugares de difícil acesso. Pensamos, especialmente, na região amazônica, além de aqüíferos como o Guarani, que abrange ares do Centro-Oeste, do Sudeste e do Sul. Mas a Amazônia não é somente água; trata-se de um ecossistema pouco conhecido, com espécies animais e vegetais não catalogadas, que podem produzir substâncias inéditas pela ciência e de possível uso farmacêutico, por exemplo. Para não falarmos de um subsolo de potencial riqueza mineral extraordinária.

            Ocorre, ainda, que a riqueza do Brasil não está apenas na Amazônia. Temos grandes áreas de agricultura industrial de alimentos, em mundo faminto, Bens minerais decisivos para a indústria, inclusive a nuclear, em diversas regiões. E existe, ainda, aquilo que estrategistas da Força Naval chamam "Amazônia Azul": o mar territorial brasileiro.

            São mais de 960 mil km² de área de espaço marítimo reconhecido pela comunidade internacional, correspondente ao produto de um litoral de quase 7,4 mil km por um domínio de 200 milhas a partir da costa. Domínio cuja ampliação o País reivindica, junto à Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CNUDM), para 350 milhas, o que ampliaria a área de reserva para cerca de 4,5 milhões de quilômetros quadrados. Não se trata de delírio irresponsável de grandeza: nada menos de oito países fazem a mesma reivindicação, entre os quais a Rússia.

            Recentemente, na Comissão de Relações Exteriores desta Casa, depôs o engenheiro Simon Rosenthal, professor da Escola Superior de Guerra. Nas palavras dele, o território marítimo constitui "áreas imensas, quase não exploradas e com riquezas incalculáveis, principalmente em biodiversidade, em potencial para a biotecnologia, e para a extração mineral". O mar oferece ainda, no futuro, a possibilidade de produção energética por meio do aproveitamento das marés, das ondas e até dos gradientes térmico e de salinidade.

            Agora surgiu mais uma riqueza, cuja possibilidade de aproveitamento não é tão remota: as jazidas do petróleo e do gás do pré-sal. O País está desenvolvendo a tecnologia necessária para extrair e transportar esses hidrocarbonetos e poderá dispor deles em cerca de uma década, ou menos. Não devemos esquecer que petróleo e derivados têm demanda crescente no mundo industrializado, e se fazem cada vez mais escassos, à exceção de áreas produtivas ricas, mas imersas em conflitos políticos aparentemente insanáveis, como o Oriente Médio.

            Toda essa riqueza nacional, em atividade produtiva ou em potência, atrai a cobiça internacional. Cobiça sobre território e bens que, até o momento, são reconhecidos internacionalmente como integrantes do Brasil. Porém, até quando? Será que as potências econômicas, que são também potências militares e que fundamentam sua ação no plano internacional nos parâmetros explicitados por Kissinger, continuarão a respeitar as fronteiras e os direitos do Brasil? Não é cenário provável, pelo menos se o País continuar sem condições mínimas de dissuasão de potenciais invasores.

            É verdade que os problemas econômicos e sociais constituíam prioridade maior sobre essas questões de defesa nacional, sobretudo enquanto o País não sobressaísse no concerto das nações como potência emergente, ou enquanto a demanda por recursos não-renováveis ainda possa ser atendida pelos fornecedores atuais, e na atual conjuntura geopolítica. Amanhã, ninguém sabe. As fronteiras terrestres se alongam por quase 17 mil km, grande parte dos quais em território mal guardado, sujeito a incursões de pessoas dedicadas ao descaminho de toda sorte de produto e - mais gravemente - de contrabandistas de armas e drogas.

            Cabe mencionar a continuidade da ação de grupos guerrilheiros, de objetivos pouco definidos, em países contíguos, como Colômbia e Peru, que, entram em território brasileiro e dele saem, em seus deslocamentos táticos e estratégicos. Isso constitui também um problema diplomático entre o Brasil e esses países, com o País incorrendo em suspeição de falta de vontade de ajudar os vizinhos contra as insurreições que lhes custam esforço e capital.

            Estudiosos da questão da segurança nacional do Brasil apontam para certos grupos que se nomeiam defensores da natureza ou protetores dos indígenas como agentes que minam a soberania brasileira sobre a Amazônia. A idéia segundo a qual o País tem se mostrado incompetente contra a ação dos desmatadores, ou sem real disposição para conter o morticínio dos índios, quer por doenças não prevenidas ou tratadas, quer pelo avanço muitas vezes criminoso de posseiros, essa idéia, segundo esses estudiosos, enfraquece a disposição internacional para reconhecer a soberania nacional sobre a região.

            Lembremos, também, das acusações de incapacidade de conter a poluição de nossos biomas, aí incluído o mar. Lembremos que já se reportou, em alguns países, a existência de camisetas e adesivos de carros com inscrições como "proteja a Natureza: mate um brasileiro". Se tudo isso não perfaz um clima cultural de justificação de uma intervenção no País, em nome do bem maior do mundo, então não sei o que o perfaria.

            É preciso, portanto, equipar as Forças Armadas brasileiras para que façam frente ao desafio de resguardar essas riquezas nacionais do ataque direto das potências mundiais - porque dos países vizinhos, pelo menos de seus Estados, como visto, temos pouco a temer. Nem se trata nem de reequipar, visto que estão na lona, tanto em termos de pessoal quanto de material militar. Segundo reportagem da Folha de S. Paulo, de março de 2011, metade dos principais armamentos do País, como blindados, aviões e navios, estaria indisponível para uso.

            O reaparelhamento das Forças Armadas e, muito justamente, uma das prioridades da Estratégia Nacional de Defesa (END), que foi objeto de um ciclo de debates aqui no Senado Federal, documentado na revista Em discussão n° 3, de março deste ano, publicada pela Secretaria Especial de Editoração e Publicações desta Casa. Como parte da END, o Ministério da Defesa criou, no final do ano passado, um grupo de trabalho para planejar o aparelhamento das Forças Armadas até 2031.

            Entre as medidas mais conhecidas, em termos de equipamento, figuram a aquisição dos novos caças a jato para a Força Aérea e a de submarinos convencionais para a Marinha, ambas com o requisito, apresentado pelo Brasil, da transferência de tecnologia.

            Entretanto, é preciso investir também na conscientização da população brasileira da importância de se dispor de capacidade de Defesa Nacional para a garantia do domínio soberano sobre terra, mar e ai - no território nacional. É necessário que todos compreendam em que medida certos gastos militares estratégicos, historicamente, têm contribuído para o desenvolvimento científico e tecnológico dos países ricos e também do nosso.

            Entre as reivindicações feitas pelos comandantes militares e analistas de estratégia ouvidos, figura a de um engajamento maior da sociedade na Defesa Nacional. Um conceito que, fizeram questão de sublinhar os expositores, não se refere a força de ataque, nem a vitória contra ataques de forças maiores, mas de dissuasão de iniciativas nesse sentido, pelos custos materiais e humanos da ação.

            Esse engajamento maior da sociedade, reivindicam ainda, deve se fazer pelo fortalecimento - não pela extinção - do serviço militar obrigatório. Argumentam que as Forças Armadas, especialmente o Exército Brasileiro, são espaços de integração de classes, escolas de civismo, valores e patriotismo. O serviço, em sua visão, deveria ser reestruturado, para que mais jovens o façam, e por mais tempo, de modo a estarem mais capacitados a manipular armamento moderno.

            A própria carreira militar, a partir das escolas de formação, caminho para o oficialato, precisa voltar a ser atraente para jovens de todas as classes sociais e não, como hoje, somente para os de classes de renda mais baixa. Isso se deve à pouca atratividade que o baixo soldo dos tempos recentes impôs à carreira. A recomposição salarial é uma das reivindicações mais prementes dos militares e dos estrategistas civis que participaram do ciclo de audiências públicas na CRE do Senado.

            Como representante de um Estado amazônico, que abriga a fronteira do extremo Norte, distante dos centros de decisões do País e, muitas vezes, esquecido, solidarizo-me com as preocupações de militares e estudiosos dos assuntos relativos à defesa, e apoio suas reivindicações.

            A Defesa precisa ser considerada uma prioridade nacional, em sua devida medida.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/05/2012 - Página 22710