Discurso durante a 99ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Crítica às medidas adotadas pelas forças de segurança do ditador sírio, Bashar al Assad, contra os opositores que exigem a saída do presidente do poder.

Autor
Luiz Henrique (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Luiz Henrique da Silveira
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL, DIREITOS HUMANOS.:
  • Crítica às medidas adotadas pelas forças de segurança do ditador sírio, Bashar al Assad, contra os opositores que exigem a saída do presidente do poder.
Aparteantes
Aloysio Nunes Ferreira.
Publicação
Publicação no DSF de 09/06/2012 - Página 24631
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL, DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • CRITICA, AUSENCIA, INTERVENÇÃO, ORGANISMO INTERNACIONAL, SITUAÇÃO, GENOCIDIO, PAIS ESTRANGEIRO, SIRIA, COMENTARIO, HISTORIA, VIOLENCIA, MUNDO.

            O SR. LUIZ HENRIQUE (Bloco/PMDB - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Roberto Requião, Srªs e Srs. Senadores, a televisão nos mostra, dia a dia, com todo realismo, as atrocidades que se vem verificando contra a população civil da Síria.

            O mundo assiste àquele cruel espetáculo sem a mínima reação. As grandes potências, certamente para fazer valer seus interesses econômicos, fazem o mínimo para evitar a continuidade daquele massacre, dia a dia. E essa absoluta falta de intervenção nesse processo me faz lembrar o que ocorreu no célebre tratado entre Alemanha, Inglaterra e França, quando o Ministro inglês Chamberlain e o Ministro francês Daladier assinaram pacto com Adolf Hitler, permitindo que a Alemanha tomasse os territórios da Boêmia e da Morávia, onde havia maioria de população germânica na antiga Tchecoslováquia.

            Lembro aqui, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, do encontro do Chefe do Almirantado, Winston Churchill, com o Chanceler Chamberlain. Churchill disse a Chamberlain: “Você escolheu entre a honra e a guerra. Perdeu a honra e terá a guerra”.

            Essa ambição das potências internacionais relativamente ao massacre, ao genocídio diário na Síria, tem muita correlação com esse episódio passado. A Alemanha tomou a Boêmia, tomou a Morávia, depois tomou toda a Tchecoslováquia, depois dividiu com os russos a Polônia, invadiu a Holanda, a Bélgica, a Dinamarca, a Noruega e, rompendo com total facilidade a então intransponível Linha Maginot, invadiu a França.

            Ocupo a tribuna, nesta sexta-feira, para lamentar toda e qualquer forma de opressão, toda e qualquer forma de violência.

            A Nação assiste estupefata, atônita, ao caso do assassinato do empresário e presidente da empresa Yoki. Mas esse é apenas um dos milhares atos de violência que se perpetram neste País todo dia, fruto da estupidez da avassaladora rede de narcotráfico, fruto de todo esse estressante dia a dia a que nos submetemos, principalmente nas grandes metrópoles. Hoje, Sr. Presidente, Srs. Senadores, quero lembrar um dos piores episódios da barbaridade, da atrocidade, da violência, vitimando homens e mulheres inocentes.

            No dia 27 de maio de 1942, dois militantes da resistência tcheca, Kubis e Gabcik, assassinaram o todo-poderoso Reinhard Heydrich, Oficial da SS, designado como protetor dos territórios da Boêmia e da Morávia. O atentado a bomba, realizado em Praga, provocou a morte, no dia 4 de junho, do todo-poderoso Oficial nazista. Espalhou-se entre os órgãos de repressão da potência invasora que os dois ativistas se homiziaram em Lídice, uma pequena vila da República Tcheca. Não obstante os dois ativistas terem se escondido numa igreja em Praga e terem ali se suicidado, quando era iminente a sua prisão, em 10 de junho, as tropas nazistas cercaram Lídice, impedindo a saída de todos os seus habitantes. Todos os homens maiores de 15 anos foram colocados em um celeiro e foram fuzilados.

            As mulheres e as crianças foram mandadas para o campo de concentração de Ravensbrück. Estima-se que, ao todo, 173 homens, 60 mulheres e aproximadamente 88 crianças foram vítimas do ataque nazista. Quem eram essas pessoas? Aldeões simples, pessoas honestas, pessoas boas, lavradores, pessoas incapazes de se envolver em qualquer ato de resistência.

            Não satisfeito em ordenar, friamente, a execução de todos os habitantes de Lídice, as mulheres e as crianças não resistiram aos trabalhos forçados no campo de concentração. Hitler manda explodir todas as casas e nivelar toda a área da vila com tratores, para que não ficasse uma só lembrança daquela vila, daquela pequena comunidade. Os nazistas ainda jogaram grãos, para que o espaço virasse um pasto com o tempo. E a vila foi riscada dos mapas da Europa, pelo menos dos mapas confeccionados por cartógrafos nazistas.

            O que é mais estarrecedor, Sr. Senador Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que os nazistas noticiaram ao mundo, com todos os detalhes, o que acontecera em Lídice. Fizeram disso propaganda para que ninguém mais se aventurasse a enfrentar qualquer membro da oficialidade ou do governo nazista.

            Esses fatos ocorreram no dia 10 de junho de 1942. Portanto, há 70 anos.

            No próximo domingo, toda a República Tcheca, toda a República Eslovaca e todo mundo, onde as pessoas exaltam a paz e condenam a violência, lembrar-se-ão desse triste episódio, que envergonha a espécie humana, que nos envergonha a todos, como tantos outros que vêm sendo perpetrados por ditaduras estabelecidas, tendo como lema a opressão contra as liberdades, contra os direitos, contra aquilo que é o apanágio da democracia, como tal instituída na velha Atenas.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, uso esta tribuna, hoje, para lembrar esse episódio, condenando as atrocidades, todas elas, seja aqui, no País, seja em qualquer parte do mundo. E o faço, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, prestando uma homenagem ao povo tcheco, ao indefeso povo tcheco, que, pelas mãos das duas potências, a Inglaterra e a França, teve o seu território invadido para atender a megalomaníaca tese da falta de espaço vital, que a Alemanha reclamava para tomar territórios tchecos, territórios polacos, acabando por estabelecer uma sede de conquistas, chegando, inclusive, a vitimar a própria França, de Daladier, e quase propiciou a invasão da Inglaterra. Não fosse a heróica resistência da RAF, não fosse a heróica resistência do povo inglês e não fossem as condições geográficas que, na condição de ilha, permitiram à Inglaterra uma resistência bem sucedida.

            O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. Bloco/PMDB - PR) - Senador Luiz Henrique, só, se me permite, antirregimentalmente, uma observação. Aqui no Senado nós temos uma Senadora da Bahia, Senadora Lídice da Mata, e seu nome foi dado em homenagem aos assassinados na cidade Lídice.

            O SR. LUIZ HENRIQUE (Bloco/PMDB - SC) - V. Exª lembra bem.

            O SR. PRESIDENTE (Roberto Requião. Bloco/PMDB - PR) - Tanto que ela se manifestou outro dia a favor de uma proposta da Senadora Ana Rita para suprimir o nome de Filinto Müller, por suas ligações com o nazismo, de uma ala do Congresso Nacional.

            O SR. LUIZ HENRIQUE (Bloco/PMDB - SC) - É uma sugestão muito importante. Eu ia exatamente me referir à nossa colega Lídice da Mata e cumprimentar seus pais por, ao terem lhe dado esse nome, fazerem da luta de S. Exª, da sua garra e das suas posições, uma lembrança desse massacre odioso e inaceitável.

            Concedo a palavra, com prazer, ao nobre Senador Aloysio Nunes Ferreira.

            O Sr. Aloysio Nunes Ferreira (Bloco/PSDB - SP) - Meu querido amigo, Senador Luiz Henrique, V. Exª, que é um dos membros mais destacados e mais influentes da nossa Comissão de Relações Exteriores, traz aqui um tema de enorme importância para a atualidade. Voltando ao passado, há 70 anos, relembrando o massacre dos habitantes de Lídice, perpetrado pelos nazistas, V. Exª projeta esta lembrança para o presente para condenar os massacres cometidos pelo ditador sírio contra os opositores do seu regime. Naquela época, 70 anos atrás, o poder de Hitler estava no seu apogeu, a Inglaterra mal saía da chamada Batalha da Inglaterra quando a Real Força Aérea Britânica conseguiu deter um plano que, começando pelo bombardeio impiedoso e incessante das suas principais cidades, deveria culminar com a invasão da ilha. A Grã-Bretanha estava isolada, contando com o apoio ainda titubeante dos Estados Unidos, mais preocupado com a situação, naquele momento, do teatro do Pacífico, depois da agressão do Japão a Pearl Harbor. A União Soviética ainda não havia iniciado a sua avassaladora caminhada rumo a Berlim. Não havia um sistema de governança mundial; mal havia sido esboçada, na chamada Carta do Atlântico, por iniciativa conjunta de Roosevelt e Churchill, a ideia do que viriam a ser, depois da guerra, as Nações Unidas. A Liga das Nações soçobrara diante da emergência do nazismo e do fascismo. Enfim, o mundo parecia que estava à beira da sua conquista pelas forças do mal, representadas por Hitler e seus aliados. Hoje, a situação é muito diferente. Nós temos o sistema das Nações Unidas, nós temos a ideia dos direitos humanos como um valor universal. Não há, no mundo ocidental, nenhuma nação que se incline pelo totalitarismo pela maioria de suas forças políticas, embora ressurjam, aqui e ali, movimentos extremistas de direita. Em várias ocasiões, as nações representadas no Conselho de Segurança das Nações Unidas chegaram a intervir, inclusive militarmente, para deter massacres de populações indefesas. Nós temos um Tribunal Penal Internacional que funciona, perante o qual já foram levados criminosos contra a humanidade, notórios criminosos contra a humanidade. No entanto, nada disso parece funcionar para deter a sanha criminosa do ditador sírio. Eu não preconizo a invasão militar da Síria - isso poderia levar a uma guerra civil de consequências talvez ainda mais danosas para as populações indefesas do que aquela situação de que hoje elas são vítimas -, mas, evidentemente, já passou da hora de se fazer, em torno do regime sírio, um cordão de isolamento, um cordão de isolamento político e econômico. Ele está por merecer. Já passou da hora de isso ser feito pelas nações mais poderosas do mundo. Já passou da hora de a China e a Rússia reverem suas posições em relação ao regime que está condenado, a médio e a longo prazo. E é preciso que elas se unam a outras nações para evitar que, a curto prazo, no dia de hoje, de amanhã, de depois de amanhã, continue a escaldada de violência contra um povo indefeso. Meus parabéns, Senador Luiz Henrique, pelo seu pronunciamento.

            O SR. LUIZ HENRIQUE (Bloco/PMDB - SC) - Obrigado, Senador Aloysio. O aparte de V. Exª engrandece o discurso que faço nesta manhã de sexta-feira.

            O que eu disse no preâmbulo do meu discurso coincide exatamente com o seu pensamento. Não preconizo uma invasão militar, até porque vai aumentar a violência. E toda a vez em que há uma guerra, as vítimas são as crianças. As rosas do campo viram, como dizia o nosso Poetinha, “a rosa com cirrose, a rosa cálida de Hiroxima”, de que falava Vinícius de Moraes.

            Mas as grandes potências, nesse caso, principalmente a Rússia e a China, têm condições de, através de sanções econômicas, levar à Síria à pacificação e à construção de um regime democrático.

            Mas, Senador Requião e Senador Aloysio, eu quero aqui detalhar como se deu esse massacre na cidade de Lidice.

As tropas alemãs chegaram à aldeia pouco depois da meia-noite e cercaram-na. Todos os homens com mais de quinze anos - eram 173 - [retirados de suas camas como estavam] foram separados das mulheres e das crianças, colocados num celeiro na quinta dos Horák [da família Horák] e fuzilados em pequenos grupos nesse mesmo dia. Quando já havia uma pilha de mortos [e vejam o nível da atrocidade] os que se seguiam eram obrigados a subir para cima da pilha para serem fuzilados. Para que não restasse algum sobrevivente, foram aos hospitais à procura de habitantes internados e mataram-nos. [Repito: para que não sobrasse nenhum sobrevivente, foram aos hospitais à procura de habitantes internados e mataram-nos] E até foram ao requinte de ir à procura de um homem que, tendo mudado de turno na fábrica, não estava na aldeia. Fuzilaram-no. Não satisfeitos com esta matança, exumaram os cadáveres do cemitério. Lídice não só não poderia ter sobreviventes, como das famílias não poderia haver memória. Três dias depois as mulheres foram separadas dos seus filhos. [Tem maldade maior do que esta? As mulheres foram separadas dos seus filhos] Destes, a larga maioria foi assassinada por asfixia no campo polaco de Chelmno, com gás carbônico que emanava de camionetas adaptadas, a primeira forma de extermínio. As mulheres foram enviadas para o campo de Rawensbruck [como já falei], onde a grande maioria viria a morrer de tifo e exaustão.

Mas a vingança perversa, cruel e odiosa não estava consumada. Os nazis tinham decidido riscar Lídice do mapa [como já falei], no sentido literal e não figurado. Lançaram fogo à aldeia, depois dinamitaram as casas e arrasaram tudo com tratores. Até as árvores, mesmo as queimadas, foram arrancadas pela raiz. Por fim [como já mencionei], espalharam grãos pelo chão de toda a área para transformá-lo em pasto. Da aldeia nada ficou, e até o seu nome foi riscado dos mapas da Europa. Até ao final da [grande] guerra esteve [proibido] (...) o acesso a toda a área. A pequena aldeia de Lezaky, vizinha de Lídice, também foi destruída e os seus habitantes executados.

A vingança alemã causou perto de 1.500 mortes em toda a Checoslováquia.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, lembro aqui de uma frase de Aristóteles: “O homem é o primeiro dentre os animais; ou é o último, se vive sem lei e sem justiça”.

            Que a memória de Lídice seja reavivada como um fogo, como uma chama a exaltar a democracia e a liberdade.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/06/2012 - Página 24631