Discurso durante a 99ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações acerca da atual conjuntura da economia brasileira, destacando a necessidade de maior integração no Mercosul.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • Considerações acerca da atual conjuntura da economia brasileira, destacando a necessidade de maior integração no Mercosul.
Publicação
Publicação no DSF de 09/06/2012 - Página 24638
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • ANALISE, SITUAÇÃO, ECONOMIA, AUSENCIA, INVESTIMENTO PUBLICO, PAGAMENTO, DIVIDA, REDUÇÃO, ARRECADAÇÃO, POSSIBILIDADE, CRISE, SOLICITAÇÃO, INTEGRAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), NECESSIDADE, ACORDO, PAIS, AMERICA DO SUL, PROJETO, DESENVOLVIMENTO, INDUSTRIA.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr.Presidente, vamos aproveitar a presença dos quatro Senadores do velho MDB de guerra, como se referiu o Senador Aloysio Nunes, para discutirmos um pouco sobre a crise econômica que vivemos hoje.

            O Presidente Lula dizia que o tsunami da crise norte-americana chegaria ao Brasil como uma marolinha. Na verdade, a crise chegou aqui num momento de economia ascendente, o PIB em 7,5%, e o Presidente tomou algumas medidas que, com o clima de ascendência da economia, foram efetivas. O Presidente reduziu os juros e liberou o depósito compulsório dos bancos. Mas qual foi o resultado disso?

            O resultado final foi positivo. Mas, se verificarmos os dados a posteriori, vamos ver que os bancos que tiveram os compulsórios liberados, oxigenando a economia - porque o oxigênio da economia capitalista é o crédito -, elevaram seus empréstimos em 4,5%, enquanto os bancos públicos os elevaram em 34%. Os bancos privados, seguindo as regras do Encontro de Basileia, se preocuparam com sua própria liquidez e investiram em letras do Tesouro. E a economia brasileira foi salva, naquele momento, por reduções de impostos e por financiamentos dados pelos bancos públicos que, graças a Deus, existiam naquele momento: Banco do Brasil, Caixa Econômica, BNDES e, no caso do sul do País, nosso BRDE. A crise foi contida. No entanto, as autoridades econômicas, com medo de uma elevação do PIB extraordinariamente alta, resolveram colocar freios nesse processo, e colocou freios exageradamente rigorosos. A queda do Produto Interno Bruto do Brasil, de 7,5% para os miseráveis 2,7%, do ano passado, se deveu muito menos à crise internacional e muito mais ao rigor na gestão da economia interna, absolutamente desequilibrado.

            As autoridades monetárias imaginavam que a situação ideal para o País seria um crescimento de 4,5% do PIB, um crescimento que seria compatível com a elevação da atividade industrial e com a capacidade de consumo. A mão errada baixou para 2,7%. E agora nós não temos mais aquele clima de economia ascendente que facilitou a ação do Governo sob o comando do Presidente Lula.

            Estamos em uma situação completamente diferente. A crise internacional se exacerba: Grécia, Itália e Espanha estão em uma situação de absoluta dificuldade. E no Brasil notamos a falta absoluta de investimentos privados e investimentos públicos. A Presidente Dilma tem tentado incrementar os investimentos públicos no País, tem tomado as mesmas providências do Presidente Lula: derrubou a zero o IPI dos automóveis e não tem conseguido, no entanto, investimentos, porque as próprias denúncias, por exemplo, em relação ao Ministério dos Transportes, impedem que as licitações se completem, e estamos numa situação de enorme paralisia. Falta investimento no Brasil. Não basta uma política setorial de derrubada do IPI do setor automobilístico, que mantém em certa tranquilidade a base do PT, da CUT, no ABC paulista, mas a insuficiência é flagrante.

            Os Estados estão sem condição de investimento. Os Estados estão estrangulados, por exemplo, pelo pagamento da dívida com a União. Levantei alguns dados sobre essa dívida, que são interessantes. Entre os anos de 2000 e 2010, a dívida consolidada dos Estados brasileiros, incluindo aí as dívidas com a União e com o setor privado - mas faço aqui a ressalva de que, seguramente, a dívida dos Estados com o setor privado não passa de 10% da dívida total -, subiu de R$184,55 bilhões para R$387,82 bilhões. Vejam que estou trabalhando com 2010, são os dados que tenho em mãos. Trata-se de um salto nominal de 110,13%, que, todavia, quando ajustado pelos efeitos da inflação, da correção de 2000 a 2010, vai para R$426,97 bilhões, o que demonstra que o total real, em 2010, de R$387,82 bilhões, significa uma queda real de 5,31 no estoque da dívida.

            O dado, aparentemente positivo, apresenta, no entanto, uma séria distorção. Somente em 2011, houve um desembolso, por parte dos Estados, para o pagamento da dívida, da ordem de R$29,3 bilhões, correspondente a 7,25 do estoque da dívida existente em dezembro de 2010. Ora, 7,25 vezes dez anos, se tomarmos como padrão o desembolso de 2010, significa que os Estados pagaram 70% da sua dívida, mas o valor do estoque da dívida decresceu apenas 5,31. Isso significa, com toda clareza, que, a manter-se esse ritmo de, em dez anos, abatermos 5% do valor real da dívida, essa dívida só seria paga em duzentos anos. Apenas em duzentos anos nós teremos a amortização total dessa dívida com base num abatimento, por década, de 5,31.

            Se nós não tivermos investimentos hoje, nós vamos chegar a uma situação em que o Governo da União não vai receber rigorosamente nada, e essa dívida foi inflada com juros absurdos, numa circunstância completamente diversa da circunstância que nós vivemos.

            Lembro que, quando era Governador, o Presidente Fernando Henrique nos propôs uma mudança de cálculo de impostos extremamente generosa naquele momento - não é mais generosa hoje - e o resultado está aí: 5,31 por década, quando, na verdade, nós pagamos 70% do valor inicial real inicial do que devemos.

            A falta de investimento está levando o Brasil a uma crise seriíssima e as medidas que o Lula tomou num bom momento da economia brasileira - do ponto de vista psicológico, inclusive - e que estão sendo repetidas com pouco mais ou muito mais publicidade pela Presidente Dilma não estão tendo saldo efetivo algum. O crescimento é pífio e o último trimestre é de 0,2...

            O SR. PRESIDENTE (Luiz Henrique. Bloco/PMDB - SC) - Nobre Senador Requião.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - ..., o que pode significar um decréscimo violento em relação aos 2,7, que já foram trágicos. O Governo vende otimismo e nós não podemos esperar o Governo outra coisa. Se, na crise, o Governo vendesse o pessimismo, ele estaria estimulando o desastre, ele estaria criando um processo catalisador do desastre, dando mais velocidade ao tsunami que está agora, sem nenhuma dúvida, a ocorrer.

            O SR. PRESIDENTE (Luiz Henrique. Bloco/PMDB - SC) - Nobre Senador Requião, só para fazer uma rápida observação.

            Essa questão agrava o desequilíbrio do pacto federativo. Além de a União ficar com dois terços de todos os tributos arrecadados do povo, a União concentra, usurariamente, nos seus cofres, esses recursos oriundos da dívida consolidada dos Estados. Eu vou dar o exemplo do período em que governei Santa Catarina. Nós tínhamos uma dívida contratada de quatro bilhões, pagamos seis bilhões e estamos devendo dez bilhões.

            Eu apresentei uma emenda constitucional estabelecendo que 30% do valor da dívida dos Estados devessem ser aplicados pelos próprios Estados num programa de investimentos combinado com o Governo Federal, investimentos prioritários naqueles setores que são os mais graves do País: saúde, segurança, educação, infraestrutura e inovação.

            Esse projeto, infelizmente, não conseguiu ainda avançar para decisão deste Plenário, mas eu o considero importante como uma forma de descentralização e como uma forma de alavancar os investimentos em nosso País.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - É mais ou menos a isso que quero chegar com este meu pronunciamento. Mas vamos recapitular o início dessa situação.

            A Constituição de 88, Senador Aloysio, foi extremamente generosa com Estados e Municípios. A arrecadação da União, segundo a Constituição de 88, era composta, em 80%, de Imposto de Renda e IPI. Do Imposto de Renda e do IPI, 44% seriam destinados ao Fundo de Participação de Estados e Municípios. Mas a Constituição abriu uma válvula, que era a válvula das contribuições financeiras não compartilhadas. Então, se IPI e Imposto de Renda significavam 80% da arrecadação da União, as contribuições financeiras significavam apenas 20%. Mas, ao longo do tempo, a União providenciou isenções de Imposto de Renda e reduções de Imposto sobre Produtos Industrializados de tal modo que a arrecadação da União referente a Imposto de Renda e IPI que se atribui ao Fundo de Participação cai de 80% para 40%,e as contribuições financeiras da União sobem de 20% para 60%.

            Então, na verdade, embora, ao longo do tempo, as obrigações de Estados e Municípios tenham aumentado, a sua arrecadação caiu exatamente pela metade. E a União não fez isso porque temos governos tiranos, governos ruins; foi uma opção do modelo de desenvolvimento baseado no financiamento público, na alavancagem da dívida e na financeirização da economia do mundo, com juros cada vez mais altos, para pagar o famoso superávit primário, que se destina, exclusivamente, ao pagamento dos juros.

            Segundo o Ipea, no ano passado, só o spread de 22 mil rentistas aplicadores - bancos e pessoas físicas -, chegou a R$266 bilhões, enquanto a capacidade de investimento da União foi reduzida a 1% do Produto Interno Bruto.

            Ora, o Produto Interno Bruto brasileiro deve estar aí ao redor de US$1,7 trilhão, ou de R$4 trilhões e um pouco mais. Bom, 1% disto reduz a capacidade de investimento do Governo brasileiro, em função da existência do superávit primário a drenar recursos, a 1%, e 1% disto são R$40 bilhões; R$37 bilhões, num cálculo mais exato hoje, enquanto a renda do spread dos rentistas, dos investidores, chega a R$266 bilhões.

            A Presidenta, agora, está entre a cruz e a caldeira: ela precisa aumentar os investimentos públicos no Brasil sob pena de o PIB se transformar em um ridículo “pibinho”, colocando-nos no meio do tsunami, na crise que vive a Grécia. A Grécia pode ser o Brasil de amanhã se nós não recuperarmos a capacidade de investimento.

            Daí, então, Senador Luiz Henrique, vem uma proposta que, na verdade, é quase idêntica a sua proposta. A Presidenta, na crise, não vai receber mais coisa alguma. O Governo Federal já sinalizou com a possibilidade de reduzirmos o famoso superávit primário. A Presidenta da República poderia fazer um acordo com Estados e Municípios para que o pagamento desta dívida, que chega a R$29,3 bilhões por ano, seja investido de forma descentralizada, uma vez que a União está tendo uma dificuldade brutal de viabilizar os seus próprios investimentos, pelos Estados brasileiros. Investido no quê? Investido em infraestrutura, em saneamento básico. Outro dia, o Senador Armando Monteiro dava-me um dado: por exemplo, a capital de Pernambuco, Recife, tem 6% de saneamento básico, o que é um verdadeiro horror. Investido em infraestrutura rodoviária, em infraestrutura ferroviária, em portos, enfim, investimentos básicos em infraestrutura descentralizados na mão de 27 Estados.

            Mas, mais do que isso, a nossa economia está precisando de injeção imediata de recursos, e os investimentos em infraestrutura são investimentos lentos. Temos o planejamento, os projetos, a licitação. São investimentos que serão naturalmente, pela nossa legislação, retardados em três, quatro, cinco anos, e até lá a economia já se dissolveu, já foi para o brejo.

            Então, nesse caso, indicam-se investimentos em custeio. Acabar com essa história de que investimento em custeio não é um investimento saudável na economia brasileira. É evidente que não seria saudável se fossem investimentos não em atividades-fim, mas em atividades-meio.

            Estamos fazendo uma proposta, Senador Luiz Henrique, com apoio de alguns economistas, porque não é só minha; pelo que sei, é imaginada, a partir das nossas reuniões sobre economia no Parlasul, também pelo economista Luiz Gonzaga Belluzzo, pelo José Carlos Assis e pelo João Sicsú, que a expôs numa reunião do Parlasul. A proposta é de que façamos investimentos imediatos em atividades-fim, que melhoram a vida do povo e injetam instantaneamente recursos na economia: contratação de médicos; contratação de professores, das universidades e dos Estados; contratação de engenheiros; contratação de policiais. A injeção direta e imediata de recursos na economia brasileira nos ajudaria, de certa forma, a atenuar a crise que se aproxima.

            Eu ocupei a tribuna esta manhã para expor essas ideias que pretendo levar à nossa Bancada, a Bancada do PMDB e, posteriormente, ao Governo Federal e ao Congresso Nacional.

            Além disso, temos outros problemas que poderiam ser saneados, ou atenuados, com a integração definitiva da América do Sul - da América do Sul que se vincula ao Mercosul. O Produto Interno Bruto do Brasil é US$1,7 trilhão; o Produto Interno Bruto da Argentina é US$366 bilhões, um belo produto interno. O Produto Interno Bruto do Paraguai fica entre US$14 e US$16 bilhões. O Produto Interno Bruto do Uruguai é de US$34 bilhões.

            Agora, veja, Senador, há um dado que V. Exª poderia acrescentar ao meu raciocínio sobre Santa Catarina. O Produto Interno Bruto do Paraná, Estado que governei por três vezes, é US$234 bilhões, mas o PIB da Venezuela é US$300 bilhões. E a Venezuela não está integrada ao Mercosul.

            Nós precisamos integrar a Venezuela no Mercosul e montar um programa de desenvolvimento regional, industrial, fundamental para a sobrevivência de todos os nossos países.

            Nós temos uma queda fenomenal do desenvolvimento industrial em relação a 1980. Em 1980, o Brasil produzia industrialmente mais do que os Tigres Asiáticos, mais do que a Tailândia, a Malásia, a Coreia do Sul e a China Continental. O nosso produto industrial era superior. Trinta anos depois - meus dados são de 2010, a situação atual deve ser pior ainda -, nós não chegamos a 15% do que produzem industrialmente esses quatro países.

            A Argentina, depois do governo neoliberal do Menem, está sucateada como se tivesse saído de uma guerra em que os inimigos, os adversários, tivessem bombardeado as suas indústrias.

            Nós precisamos, em primeiro lugar, reconhecer o desespero para o crescimento industrial da Argentina e fazer um acordo, através de um projeto de desenvolvimento industrial mútuo, complementar, que justifique a proposta da Presidenta Cristina Kirchner, que é de elevarmos a nossa Tarifa Externa Comum (TEC) da média de 10% para 34%.

            Se nós fizéssemos isso de forma imediata, sem um projeto comum de desenvolvimento industrial, estaríamos elevando de forma brutal a inflação interna, porque, se não estamos produzindo industrialmente quase nada, bens de consumo duráveis, nós teríamos um aumento de preço extraordinário. Mas, num acordo entre países, nós poderíamos montar primeiro o mecanismo de incorporação da Venezuela, que produz muito pouco industrialmente, mas que tem petróleo e gás e tem um PIB e uma voracidade por produtos industrializados enorme.

            A Venezuela estaria integrada também num projeto de desenvolvimento industrial da América Latina, mas nos abriria neste momento o mercado de uma forma extraordinariamente consistente.

            O SR. PRESIDENTE (Luiz Henrique. Bloco/PMDB - SC) - Senador Requião, o óbice estaria dependendo de uma decisão do Congresso paraguaio?

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Do Congresso paraguaio, do Senado paraguaio, mais precisamente.

            Então, se trazemos a Venezuela, sentamos com a Argentina e montamos um projeto de desenvolvimento industrial, com aumento do mercado interno dos nossos países, estamos dando um passo definitivo para evitarmos a profundidade da crise, porque a crise, Senador Luiz Henrique, não evitamos mais, apesar do discurso necessário e otimista do Governo Federal.

            Mas, para que isso tudo se realize, é preciso que o Mercosul volte à baila. E eu não vejo um pronunciamento da nossa Presidenta da República ou mesmo da Presidenta da República Argentina sobre o Mercosul. Não se fala mais nisso. O Parlasul, no Congresso, está marginalizado. Sequer informações do Governo Federal, por exemplo, a respeito dessa proposta de elevação da TEC para 34%, 35%, oficialmente nós tivemos. Mas não adianta o Congresso ficar só no discurso. Temos que aprofundar esse processo.

            Nesse sentido, a Comissão do Parlasul agendou, para o dia 19, uma reunião para discutirmos esses nossos problemas de tarifa externa com a República Argentina inicialmente. Senadores e Deputados da parte da Argentina já foram convidados. A sua presença está confirmada. Queremos iniciar essa discussão de aprofundamento das soluções no âmbito do Mercosul, que o Governo Federal parece ter esquecido. Esquecido aqui, esquecido na Argentina, e o Mercosul praticamente desativado. Temos lá, vez por outra, um processo para aprovar, que vai tramitar por outras comissões. A Argentina sequer oficializou, até hoje, a sua delegação completa. As reuniões no Uruguai não se realizam de forma completa há mais de dois anos. Fizemos uma reunião precária no fim do ano passado. Mas, se não é o Parlamento que tem que discutir essas questões e viabilizar essas soluções, não sei quem deveria discutir, porque, por parte do Executivo dos nossos países, não estou vendo encaminhamento positivo algum. E, no sentido de colaborar, de trazer de volta essa discussão em cima desses pressupostos, no dia 19, estaremos realizando uma reunião com Parlamentares, Senadores e Deputados, da República Argentina e Senadores e Deputados brasileiros.

            Era o pronunciamento que queria fazer, Senador Luiz Henrique.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/06/2012 - Página 24638