Discurso durante a 104ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários sobre os reflexos da crise econômica global no Brasil.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA INTERNACIONAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. DIVIDA PUBLICA. :
  • Comentários sobre os reflexos da crise econômica global no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 16/06/2012 - Página 26231
Assunto
Outros > ECONOMIA INTERNACIONAL. POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA. DIVIDA PUBLICA.
Indexação
  • CRITICA, PRONUNCIAMENTO, ALVARO DIAS, SENADOR, ESTADO DO PARANA (PR), REFERENCIA, DEBATE, CAPACIDADE, TECNOLOGIA, EMPRESA DE ENGENHARIA E CONSTRUÇÃO, ARQUITETURA, PAIS.
  • REGISTRO, REUNIÃO, REPRESENTANTE, BRASIL, PARLAMENTO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), DEBATE, EFEITO, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL, NECESSIDADE, INTEGRAÇÃO, MEMBROS, GRUPO ECONOMICO.
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, INEFICACIA, PROVIDENCIA, PRESERVAÇÃO, CRESCIMENTO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, ESPECIFICAÇÃO, REDUÇÃO, TAXAS, JUROS, OFERTA, CREDITOS, NECESSIDADE, CRIAÇÃO, PROGRAMA DE DESENVOLVIMENTO, ECONOMIA NACIONAL.
  • DEFESA, PROJETO DE LEI COMPLEMENTAR (PLP), ASSUNTO, PERDÃO, DIVIDA, ESTADOS, APLICAÇÃO, RECURSOS, INVESTIMENTO, OBRAS, INFRAESTRUTURA.
  • CRITICA, PROPOSTA, PRIVATIZAÇÃO, EMPRESA ESTATAL, EFEITO, LIBERALISMO, PROVIDENCIA, COMBATE, CRISE, ECONOMIA INTERNACIONAL.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senadora Ana Amélia, em primeiro lugar, quero lamentar o triste espetáculo protagonizado pela nossa prima-dona da oposição no Senado Federal, o Senador Alvaro Dias.

            Não pretendi diminuir a sua administração quando fiz considerações a respeito da perda da capacidade tecnológica das empresas de arquitetura e de engenharia do Paraná e do Brasil. Eu enfrentei esse problema. Mas a nossa prima-dona da oposição teve aqui um surto nervoso e, quando eu pensava que, ao utilizar a palavra, nós poderíamos reintroduzir aquele nosso inicial debate em níveis mais altos, conversando sobre o Brasil, como sói acontecer normalmente, retirou-se do plenário e roubou-me a possibilidade de levar a nossa conversa para um nível mais alto.

            Nas últimas semanas, Senadora Ana Amélia, sempre às sextas-feiras, a representação brasileira do Parlasul, que presido, reuniu um grupo de ilustres brasileiros para debater a crise econômica global e seus reflexos nos países do Mercosul, em especial sobre o nosso País. Eu gostaria de debater com a prima-dona, a artista principal da Rede Globo, esses assuntos, mas a ausência de S. Exª me leva à possibilidade exclusiva do monólogo. Vamos a ele então.

            Estiveram lá, na nossa reunião, economistas como Carlos Lessa, José Carlos de Assis, Dércio Munhoz, João Sicsú, Márcio Henrique Monteiro de Castro, o Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães, o jornalista Mauro Santayana e o ex-Ministro Ciro Gomes.

            Com maior ou menor ênfase sobre um ou outro ponto, estabeleceu-se um consenso de que a crise chegou às nossas portas. E não se trata mais de uma marolinha. E mais: as medidas que o Governo Federal toma agora, como a redução de juros, deveriam ter sido iniciativas tomadas há quatro, cinco anos, pois, se tomadas há mais tempo, estaríamos vivendo, agora, os seus efeitos benéficos. Quando a bolha financeira explodiu em 2008, a economia brasileira vinha bem, crescia, em média, 4,5%. Nenhuma maravilha esse número, mas, sem sombra de dúvida, era um índice razoável.

            Como observou João Sicsú, a crise surpreende o Brasil, agora, em um momento de defasagem da nossa economia. No entanto, se as medidas adotadas pelo Presidente Lula, à época, foram eficazes no sentido de evitar que mergulhássemos na recessão, o Banco Central não abriu mão de sua política de taxas de juros elevadíssimas para a alegria de alguns especuladores e desalento de quem pretendesse investir na produção. Os juros eram extraordinariamente superiores à possibilidade de lucro em qualquer investimento produtivo.

            Nunca é demais lembrar que, entre as medidas do Presidente Lula, estava a liberação dos depósitos compulsórios dos bancos para que eles irrigassem a economia com mais crédito. Os bancos viraram de costas para o Governo e aplicaram os seus depósitos liberados não na economia, não no desenvolvimento, não no que precisava o País, mas em letras do Tesouro Nacional. E foram até mesmo elogiados por essas figuras carimbadas, sempre disponíveis para dizerem bobagens nos jornais nacionais. Elogiados pela atitude prudente, responsável, de acordo com as recomendações de Basileia e coisa e tal.

            Mas a que se devia fundamentalmente o ascenso da economia brasileira entre 2007 e 2010, com exceção óbvia de 2009?

            Ela cresceu, na média, entre 4,5% e 5%. Devia-se às políticas de inclusão do Governo Federal, sem dúvida, como a expansão do Bolsa Família, que só em 2009 incorporou oito milhões de novos beneficiados; devia-se à política de aumento do salário mínimo, incorporando sempre a produtividade em seus índices; ao aumento da cobertura da Previdência Social, universalizando a distribuição de renda, pequena que fosse, País afora; a programas como o Minha Casa, Minha Vida; devia-se à criação de novos empregos com carteira assinada, à expansão do crédito e ao forte aquecimento do consumo; devia-se, sobretudo, à gloriosa e nunca suficientemente louvada República Popular da China e à sua pantagruélica, descomunal e insaciável capacidade de absorver commodities: minérios, petróleo, carnes, grãos, a custa, é claro, de nossa expansão industrial, pois o dólar barato e os preços sempre ascendentes das commodities fizeram o nosso País regredir no tempo, voltando a ser produtor de matérias-primas e importador de produtos acabados.

            De todo modo, se em 2009, sob a pressão do desastre norte-americano e suas ramificações, crescemos menos, em 2010, iluminados pelo conjunto de fatores que citei, crescemos 7,5% - uma marca notável. E aí começamos a desacelerar. Aí, adotamos as tais medidas macroprudenciais, tão louvadas aqui no plenário deste Senado por PT, PSDB e todos os seguidores dessa visão clássica e neoliberal da economia.

            De janeiro a agosto de 2011, a cada reunião, o Banco Central aumentou a taxa de juros. O superávit primário foi elevado em mais de R$10 bilhões. Assim, contra 7,5%, em 2010, crescemos pífios 2,7%, em 2011.

            Como observaram os palestrantes do seminário do Parlasul, preocupado com a forte expansão, em 2010, temendo a volta da inflação, o Governo Federal decidiu puxar o freio, fixando como meta um crescimento de 4,5% em 2011. Exagerou na dose de prudência; criou um clima de desânimo na economia que a desaceleração ultrapassou as previsões.

            Lembro-me muito bem do comportamento da oposição nesta Casa durante todo o primeiro semestre do ano passado. Por isso, lamento aqui a ausência da nossa prima-dona da oposição. A ladainha da vez era a inflação. Repercutiam aqui o que a nossa mídia conservadora martelava todos os dias: “A inflação voltou!” Os pais, os avós, os tios e os sobrinhos de todos os planos econômicos fracassados saíram em passeata pela redação de jornais, rádios e televisões - o palco preferido deles, mais que a própria tribuna do Senado Federal - a gritar contra a volta do mostro inflacionário.

            Quando a Fazenda fecha o balanço em 2011 e revela o “pibinho” de 2,7%, a oposição faz fila nesta tribuna para desancar o Governo pelo resultado vexaminoso, eximindo-se e a seus aliados mediáticos da campanha terrorista contra o suposto descontrole da inflação, que empurrou o Governo a arrochar as medidas contra a expansão do crédito, conta o aumento do consumo.

            A oposição reivindica a invenção da fórmula que acabou com a inflação no País, e qualquer pequena oscilação nos índices deixa-a em pânico. Pobre China, pobre Estados Unidos, pobre Inglaterra, pobre Índia, pobre Rússia, que não conhecem essa verdade suprema que, como a jabuticaba, só dá no nosso País.

            A desaceleração programada de 2011 afeta, é óbvio, a retomada neste ano da graça que estamos vivendo. Se o ponto de partida fosse um PIB de 4,5%, talvez a história fosse outra.

            Vejam, há semelhança nas medidas tomadas agora com as medidas adotadas em 2008 e 2009 para enfrentar o desastre que então se iniciava. Por que não está funcionando, então? Por que a reação ou é muito lenta ou simplesmente não se dá? Se a Dilma faz o que fez o Lula, e o Lula teve um resultado positivo, por que a Presidente Dilma não está tendo o mesmo resultado?

            Porque entramos em uma fase descendente, Senadora, o que contamina, corrói as expectativas dos consumidores e dos produtores.

            A redução das taxas de juros e a maior oferta de crédito não fazem girar, com a velocidade desejável, a roda da economia. Há uma boa dose de desconfiança com o que pode vir por aí.

            Os nossos economistas rebatem a alegação de que a redução das taxas de juros já não faz mais efeito porque os brasileiros estariam altamente endividados. Nem tanto, nem tanto. Não há tanta dívida assim.

            João Sicsú, por exemplo, alerta que houve um ciclo recente de demanda de bens duráveis. Quem comprou geladeira, fogão, som e carro em 2009 não vai trocar tudo em 2012. Não é assim que se comporta a emergente classe C, apresentada recentemente ao maravilhoso mundo do consumo de bens duráveis. Ela ainda está saudando as longuíssimas prestações com o primeiro carro da família, e não vai querer trocá-lo tão cedo assim, como não tem por que substituir tão já a geladeira, o fogão, a televisão, o novo aparelho de som.

            Além do que, Srªs e Srs. Senadores, estão jogando nos frágeis ombros de nossa classe emergente, nossa nova classe média, responsabilidades muito acima de suas forças. Estão querendo que boa parte do consumo de bens duráveis no País recaia sobre famílias cuja renda mensal mal ultrapassa os mil reais por mês! Neste País campeão interplanetário de concentração de rendas, de desigualdade social, querem que os pobres sejam os salvadores da lavoura.

            À contenção do consumo, acrescente-se a contração chinesa.

            A China não cresce mais a taxas siderais. A China já não consome commodities com a voracidade insaciável de antes. A China olha pela janela e vê a desconjuntada banda do capitalismo financeiro passar, sem qualquer intenção de segui-la. A China põe o pé no freio e desarranja as economias do Brasil, do Chile, do Peru, da Argentina e quem mais seja exportador de produtos primários.

            Como diz o professor Dércio Munhoz, "acabou o milagre chinês". A reversão da demanda sobre as commodities afeta a todos nós.

            É mais um mundo de ilusão que se vai. Como se foi o mundo que se sustentava à base de crédito fácil às famílias; o mundo em que a especulação financeira dava ganhos extraordinários e alavancava a construção civil e a demanda por automóveis.

            É nesSa encruzilhada que se encontra estacionado o nosso País. No primeiro trimestre do ano, o nosso PIB cresceu apenas 0,2%. Um verdadeiro desastre. Pelo jeito vem por aí mais um "pibinho", um PIB insignificante que compromete o projeto nacional de desenvolvimento.

            E que empresário anima-se a investir com um crescimento tão reles? Todo investimento, público ou privado, especialmente o privado, faz-se sob pressão ou expectativa de demanda.

            Com um crescimento de 0,2%, que expectativa de demanda, Senador Paim, se cria?

            Esse modelo - se é que podemos chamar de modelo essa mediocridade -, esse “modelo” que se baseia no dólar barato, nas exportações de matérias-primas industriais e agrícolas e na importação de produtos acabados trouxe, como mais uma de suas funestas consequências, a desarticulação da incipiente integração dos países que se reúnem no Mercosul.

            Como as commodities atingissem preços jamais imaginados, a integração regional desapareceu da agenda dos governantes do Mercosul. Desinteressaram-se complentamente. O Mercosul sumiu dos discursos da Presidente Cristina Kirchner ou da Presidente Dilma Rousseff.

            O Parlasul, o Parlamento do Mercosul, não se reúne faz mais de um ano e meio. A admissão da Venezuela, com o seu fantástico PIB de US$300 bilhões, arrasta-se no Senado paraguaio e não se vê, da parte do quarteto fundador, empenho para quebrar essa resistência.

            Ao mesmo tempo, a indicação do Embaixador Samuel Pinheiro Guimarães como Alto Comissário do Mercosul delonga-se em nossa Câmara Federal há quase um ano, sem qualquer justificativa para a tardança, e sem qualquer esforço do Governo para resolver o impasse. Se o Governo tem confortável maioria no Parlamento por que não desata duma vez essa amarra?

            Agora que os ovos de ouro da galinha chinesa escasseiam, será que vamos começar a olhar para os nossos vizinhos e eles para nós, com um pouco mais de atenção?

            A ideia da integração latino-americana precisa ser retomada. Incluída a Venezuela, somos um mercado com mais 280 milhões de pessoas, e um produto interno bruto que alcança quase US$3 trilhões, isso sem considerar a zona de influência do Mercosul, que engloba praticamente todos os países da América do Sul.

            A saída da crise não está longe daqui, está aqui mesmo.

            E não se trata apenas de elevar a Tarifa Externa Comum, a TEC, como propõe a Argentina. Precisamos ir além. Precisamos de um projeto de desenvolvimento do Mercosul, um projeto que una Brasil e Argentina, os dois principais países do Bloco, e que contemple os interesses do conjunto e, neste conjunto, a presença da Venezuela é vital. Da Venezuela e seu Produto Interno Bruto de US$300 bilhões.

            A Venezuela, hoje, precisa de tudo. Industrialmente, a Venezuela apresenta toda sorte de carência. E vai suprir-se aonde?

            Externamente, nosso caminho é o da retomada da construção do Mercosul. Não há futuro para as aventuras solitárias, e muito menos há futuro para a vida de mascate de soja, de café, ferro e petróleo.

            Se precisamos de um projeto para o Mercosul, é muito mais urgente, desesperadoramente mais urgente, um projeto nacional. Exportar matérias-primas, importar produtos industrializados, cortar juros e IPI, expandir o crédito e o consumo, alargar o alcance dos programas sociais e de renda, isso, perdoe-me, Presidente Dilma, não é projeto nacional, não é programa nacional de desenvolvimento. Sequer é um programa. Pelo menos não um programa que impulsione, de forma segura e continuada, o desenvolvimento nacional.

            Para isso é preciso investir. Não se retoma o processo de industrialização do País, não se retoma a produção com esses níveis ridículos de investimentos, tantos públicos quanto privados. E, se o Governo não investe, a iniciativa privada também não investe, porque ela sempre espera um gesto, uma sinalização do Governo. Resultado da inércia: o PIB deste ano pode não bater os 2%.

            Mas eu tenho uma proposta; uma proposta que nasceu dessa série de debates que tivemos às sextas-feiras na Comissão do Parlasul É um ponto de partida para alavancar os investimentos.

            Vejam os senhores, a União entesoura recursos no superávit primário, patina nas licitações, imobiliza-se com as denúncias de corrupção, não cumpre metas. Os Estados e Municípios, com dívidas impagáveis hoje e que ainda por séculos serão impagáveis, pouco, quase nada ou nada investem.

            Uma projeção que fizemos, suportada na redução de 5,5% da dívida real da década, leva-nos à conclusão de que Estados e Municípios precisariam dos próximos 200 anos para saldar as duas dívidas. A dívida dos Estados para com a União deve estar em torno de R$460 bilhões; ela toda. Só no ano passado, os Estados desembolsaram cerca de R$29,5 bilhões para abater os seus débitos. E ficaram com minguados reais para investir.

            A nossa proposta, urdida no Seminário do Parlasul, é muito simples.

            Através de lei complementar ou medida provisória, a União estabelece convênios com os Estados, libertando-os para que utilizem as parcelas da dívida que deveriam pagar para investir em obras de infraestrutura, em custeio de atividades-fim, não atividades-meio, médicos, engenheiros, professores, e obras de infraestrutura, reforma de pequenos postos de saúde, escolas, hospitais, em todo o território nacional, irrigando, dessa forma, a nossa economia.

            Quer dizer, os Estados deixam de amortizar os seus débitos, e o valor desses débitos transforma-se em investimento. Com isso, movimenta-se o círculo virtuoso da economia. Investimentos condicionam demandas, empregos, consumo. Reativam-se, dessa forma, plataformas industriais. Investimentos em rodovias, ferrovias, hidrovias, pontes, portos, aeroportos, hidrelétricas são a base indispensável para a retomada do desenvolvimento industrial.

            Abrindo mão de parcelas dessa dívida impagável, e impagável de forma definitiva com um PIB abaixo de 2%, a União não perde nada porque os recursos que essas dívidas aportariam para a União são para serem investidos no País. Ela apenas está utilizando, diante da sua incapacidade provisória de projetar, de planejar, de fazer projetos de base, a capacidade de planejamento e investimento de 27 Estados e de prefeituras importantes do País. A União apenas robustece a capacidade de investimento dos Estados, espalhando obras pelas 27 unidades da Federação. Obras que, neste momento, a União, travada, não consegue realizar.

            Paralelamente, com concursos públicos para a contratação de engenheiros, médicos, professores, policiais, infraestrutura para a segurança pública, os Estados fortalecem as suas atividades-fim, equipando-se adequadamente para as funções de planejamento, como atendendo adequadamente à demanda da cidadania.

            É um ponto de partida. De algum lugar, precisamos recomeçar. Sem tirar coelhos da cartola, sem demoradas e nunca realizadas reformas tributárias, sem marchas e contramarchas a Brasília. Essas ridículas marchas dos prefeitos que querem dividir o que a União não tem para lhes distribuir, porque a União encontra-se endividada com a dívida pública e não consegue nem ela própria fazer investimentos.

            É tão simples assim.

            E eu convido as Srªs e os Srs. Senadores para fechar questão em torno dessa ideia. O nosso Congresso não pode ficar passivo diante desses problemas. E de nada adianta que, em determinados momentos, prima-donas, da mídia, da Rede Globo e da oposição, tenham chiliques nervosos quando discutimos um problema sério.

            O importante é o País. Não é um momento para fazermos oposição irrefletida. Existe, sim, dificuldade de o Governo trabalhar por falta de quadros, de engenheiros e de planejadores. O Governo foi destruído ao longo do tempo, e, quando eu digo ao longo do tempo, não atribuo isso a um Governo só. Há 30 anos, a estrutura do Estado está sendo desmontada. Desmontada por Fernando Henrique Cardoso, pela visão neoliberal. Desmontada desde 1980, quando o Brasil produzia industrialmente mais do que os famosos Tigres Asiáticos: Tailândia, Malásia, Coreia do Sul e China, juntos; e hoje - os dados que exponho são de 2010 -, nós não chegamos a 15% do produto industrial desses países.

            Nós precisamos, provisoriamente, ao lado de uma proposta como essa que expus, liberar o Governo Federal dos empecilhos da Lei nº 8.666, com uma grande fiscalização do Congresso, do Tribunal de Contas, com licitações expostas na Internet, porque, com as mãos atadas e por falta de investimentos, nós estamos tendo a nossa economia paralisada, e essa paralisação da economia nos levará, está levando já, a um desastre de dificílima superação.

            Hoje, a nossa Presidente está reunida com os Governadores. Governadores endividados até o pescoço. Governadores com uma brutal dificuldade de investir, pelos mesmos motivos do Governo Federal: por falta de recursos, por falta de aparelhamento técnico dos Estados e por empecilhos colocados pelas leis de licitações. E ela está lhes propondo maior endividamento. Está propondo recursos do BNDES. E esses recursos do BNDES levarão os Estados, já praticamente insolventes, a uma insolvência definitiva, a muito curto prazo.

            Fica aqui o meu conselho aos governadores: não embarquem nesse financiamento.

            Fica aqui a minha sugestão à Presidenta: abra mão - para investimentos através dos Estados e das prefeituras - dessa dívida pública, que, em 2011, chegou a R$27,5 bilhões, quantia razoável para acelerar, na nossa economia, investimentos espalhados por todo o território nacional e executados pelas máquinas de 27 Estados e de um número enorme de prefeituras.

            Obrigado pela tolerância do tempo, Senadora Ana Amélia.

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco/PP - RS) - Senador Roberto Requião, V. Exª presta ao Governo e ao País uma grande contribuição, usando a sua experiência de governador do Paraná nessa discussão econômica.

            De fato, as previsões que a Cepal - Comissão Econômica para a América Latina - faz sobre o desempenho econômico dos países que integram a região são mesmo preocupantes. E V. Exª, em relação ao Brasil, também chama a atenção, porque pode ser menor do que o índice previsto de 2%. Isso apenas se agrava. E quando V. Exª invoca uma atitude mais protagonista dos países membros do Mercosul, isso também é relevante, porque em momentos de crise a união faz a força, no velho adágio popular. Então, uma solidariedade interna e um objetivo debate sobre isso, senão estarão brigando entre si: a Argentina briga com o Brasil, na área comercial, e isso não leva a lugar algum ou leva a lugar algum.

            Então, cumprimento V. Exª por essa contribuição.

            E essa questão dos empréstimos para os Estados, em vez de resolver, apenas agravará o já crônico problema do endividamento de Estados e Municípios. E esta solução parece muito criativa: converter a dívida em investimentos controlados pela União e pelos mecanismos de controle que temos à disposição, como é o próprio Tribunal de Contas, e a própria sociedade, fazendo uma fiscalização direta sobre essas obras.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Para a União isso não significa absolutamente nada. A redução dos juros diminui a dívida pública e acaba com a necessidade desse superávit primário, desse tolo superávit primário, que, como a jabuticaba, só existe no Brasil....

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco/PP - RS) - É verdade.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) -...e viabiliza uma injeção rápida de recursos. Já é tarde, mas ainda é tempo. Eu acho que da crise nós não escapamos mais, mas as medidas que estão sendo tomadas são medidas que continuam sendo inspiradas pelo vezo neoliberal do Banco Central, dos nossos economistas, e com o aplauso da mídia tola do Brasil, financiada por grandes grupos econômicos, por interesses que não são os interesses do povo brasileiro e que nos estão levando ao precipício.

            E daí surgem teses: “Presidenta, vamos entregar os portos do Brasil para a iniciativa privada”. Imaginem vocês, entregar a porta de entrada e de saída de um país ao interesse do capital estrangeiro, do capital privado, os portos que viabilizam o planejamento regional do País. Eu prefiro, neste caso, seguir o exemplo dos Estados Unidos, que não têm sequer um porto privado. São administrados por autoridades, autoridades formadas pelo Município, pelo Estado e pela União.

            Nos Estados Unidos, para um navio navegar na sua costa tem que ter tripulação norte-americana, de nacionalidade norte-americana, e ser fabricado nos Estados Unidos. O Fernando Henrique flexibilizou isso para dar a possibilidade de os navios turísticos aportarem em portos brasileiros. Não acho que tenha sido uma medida ruim, mas daí surgir a proposta da privatização dos postos?!

            E dizia um Senador do meu Partido nesta tribuna: “Concessão não é privatização”. É privatização sim, porque vão acabar fazendo uma concessão da República, e entregamos para o Goldman Sachs, como é o caso da Itália e da Grécia, a gestão do país. A Grécia e a Itália estão sendo dirigidas por primeiros-ministros indicados por bancos internacionais que foram os responsáveis pela quebradeira dos países.

            Nada de terceirização de patrimônio público é essencial para um projeto de nação.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 16/06/2012 - Página 26231