Discurso durante a 101ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro dos debates e propostas que ocorrerão na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.

Autor
Antonio Carlos Valadares (PSB - Partido Socialista Brasileiro/SE)
Nome completo: Antonio Carlos Valadares
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Registro dos debates e propostas que ocorrerão na Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20.
Aparteantes
Cristovam Buarque.
Publicação
Publicação no DSF de 13/06/2012 - Página 25093
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • REGISTRO, OCORRENCIA, MUNICIPIO, RIO DE JANEIRO (RJ), ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), CONFERENCIA INTERNACIONAL, DEBATE, MEIO AMBIENTE, LIGAÇÃO, DESENVOLVIMENTO SUSTENTAVEL, ERRADICAÇÃO, MISERIA, COMENTARIO, POTENCIA, BRASIL, RELAÇÃO, PRODUÇÃO, ENERGIA SOLAR, NECESSIDADE, INVESTIMENTO, INTERESSE, POLITICO.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estamos às vésperas da realização da Conferência das Nações Unidas sobre Desenvolvimento Sustentável, a Rio+20, que ocorrerá entre os próximos dias 13 e 22 de junho, na cidade do Rio de Janeiro.

            Os debates e as propostas da Conferência serão orientados por dois grandes eixos: “A Economia Verde no Contexto do Desenvolvimento Sustentável e da Erradicação da Pobreza” e “Governança Global para o Desenvolvimento Sustentável”. Em outras palavras, o que estará em discussão é como fazer o desenvolvimento econômico andar junto com as necessidades de respeitar o meio ambiente e promover a inclusão social e qual será a estrutura institucional necessária para que isso funcione na escala global.

            O principal documento a ser produzido pela Rio+20 tem um título ambicioso e já mostra o tamanho desse desafio. Chama-se “O Futuro Que Queremos”. Não será um tratado internacional com força de lei, mas, sim, uma declaração de intenções que mais servirá para a orientação geral da ação voluntária de governos, empresas e organizações sociais.

            Serão quase 200 países participantes, cada qual trazendo diferentes interesses. Por isso, a Conferência já nasce marcada por certo ceticismo. A dúvida é se haverá capacidade de se chegar a consensos sobre metas, prazos e resultados definidos. E mesmo que esse objetivo seja alcançado, ainda será preciso verificar se os compromissos apontarão para uma mudança real nos padrões de produção e consumo, promovendo empregos decentes e inclusão social, ou se apenas promoverão uma maquiagem no sistema atual, que perpetua a desigualdade e aprofunda o esgotamento da natureza.

            Atualmente, a população mundial já consome 50% mais recursos naturais do que o planeta é capaz de renovar naturalmente. Nos próximos 25 anos, haverá cerca de três bilhões de novos consumidores pressionando, com mais intensidade, esses recursos.

            Nos próximos 20 anos, o acesso aos recursos naturais será o centro das políticas públicas e das estratégias dos negócios. É o que conclui uma pesquisa mundial da consultoria McKinsey, divulgada pelo jornal Valor Econômico do último dia 6 de junho.

            Além de fazer uma crítica dos padrões insustentáveis do atual modelo de desenvolvimento, é preciso agir positivamente: apontar possibilidades e caminhos que possam nos levar a um modelo de desenvolvimento que seja ambientalmente responsável, socialmente justo e economicamente viável. Para isso, é preciso inovar e buscar soluções. Não podemos nos pautar pela ideia de que o meio ambiente é inimigo do desenvolvimento. Estudos e experiências concretas vêm demonstrando que isso não é só necessário, como possível.

            Segundo um estudo da ONU, lançado no final de maio, a transição para uma economia mais verde poderia gerar entre 15 e 60 milhões de novos empregos em nível mundial nas próximas duas décadas e tirar dezenas de milhões de pessoas da pobreza.

            Esse relatório, publicado pela “Iniciativa Empregos Verdes”, que reúne diversas organizações internacionais ligadas à ONU, aponta que pelo menos metade da força de trabalho mundial - o equivalente a 1,5 bilhão de pessoas - será afetada pela transição para uma economia verde. Embora mudanças devam ser sentidas por toda a economia, oito setores-chave deverão desempenhar um papel central e ser os mais afetados: agricultura, silvicultura, pesca, energia, indústria manufatureira, reciclagem, construção e transporte.

            O setor de energia renovável, por exemplo, já emprega cerca de cinco milhões de trabalhadores. No Brasil, esse setor é particularmente importante. A energia solar, no País, ainda é um imenso potencial inexplorado.

            O Brasil tem um dos maiores índices de insolação do mundo, que é a quantidade de energia do sol recebida pela Terra, que pode ser medida pela quantidade de horas de sol diretamente incidente no local. Isso devido a sua extensão territorial e a sua posição geográfica. Temos, aqui, uma média de 8 horas diárias de sol, e isso significa estar entre os primeiros lugares em termos de insolação.

            No entanto, não traduzimos esse potencial em geração de energia elétrica. O Brasil possui apenas 20 MW (Megawatts) de capacidade instalada de geração solar fotovoltaica. Enquanto isso, a Alemanha, que tem apenas 1 hora de insolação média - ou seja,w um potencial 8 vezes menor - possui 17,1 GW (Gigawatt) de capacidade instalada - o que significa uma capacidade instalada 855 vezes maior, conforme destacado pelo jornal Valor Econômico.

            Ou seja, temos um índice de insolação que nos garante vantagem competitiva e que não podemos deixar de aproveitar. Uma grande vantagem da energia solar é que ela permite a produção descentralizada de energia, ou seja, a produção próxima do seu local de consumo, sem grandes usinas nem extensas linhas de transmissão. Isso pode significar uma redução de custo que a torne competitiva em face das demais fontes, se aliado a investimentos em tecnologia e incentivos públicos governamentais.

            O Brasil tem, também, a vantagem de contar com jazidas de silício, material que é utilizado na fabricação de painéis solares. A indústria nacional, no entanto, ainda não domina a tecnologia necessária para purificar esse minério até o grau necessário à fabricação dos painéis. O domínio de toda a cadeia produtiva demanda valorização dos centros de pesquisa e investimento em ciência e tecnologia, bem como apoio financeiro dos bancos públicos, como o BNDES, que já vem incentivando as empresas nacionais nesse setor.

            Se observarmos, Sr. Presidente, que as regiões do País com maior potencial de desenvolvimento da energia solar são o interior do Nordeste, o Centro-Oeste e o interior da Região Sudeste, perceberemos que o desenvolvimento da indústria nacional de energia solar poderá assegurar a criação de milhares de empregos - e empregos nas regiões interioranas do País. No Norte, o potencial energético solar é menor por causa do excesso de umidade, que provoca nebulosidade e reduz a taxa de insolação, mas ainda assim é elevado.

            Ao invés de pensarmos na energia nuclear, cujos rejeitos são de alta periculosidade e cujos acidentes podem ocorrer em qualquer lugar do mundo, vamos lutar pela energia solar.

            Para os analistas da ONU, no estudo já mencionado, os ganhos com os chamados empregos verdes tendem a ser mais elevados nas economias emergentes e nos países em desenvolvimento do que nos países industrializados. Isso porque seria possível passarmos diretamente para a tecnologia verde em vez de substituir a infraestrutura obsoleta. O Brasil já criou cerca de 3 milhões desses empregos, respondendo por cerca de 7% do emprego formal.

            O desenvolvimento de novas tecnologias é fundamental para resolver o problema do suprimento e da renovação dos recursos naturais. No entanto, é preciso que elas estejam associadas à criação de empregos e à produção descentralizada de renda, pois as revoluções tecnológicas não resolvem o problema das injustiças sociais, ou seja, não promovem, por si só, o acesso equitativo à riqueza produzida. Em alguma medida, para que isso ocorra, as necessidades dos mais pobres acabam se chocando com os interesses dos mais ricos. É por isso que se fala na necessidade de uma mudança real nos padrões de produção e consumo.

            É claro que essa transformação depende da adoção de uma correta combinação de políticas públicas. Essas políticas devem formar um conjunto coerente e colocar as pessoas e o Planeta como elementos centrais.

            O que se percebe, desde logo, é que é falsa a afirmação que opõe a proteção do meio ambiente ao desenvolvimento e à criação de empregos. Os exemplos e as propostas existem; é preciso vontade política para fazê-las avançar e evoluirmos para um novo padrão e um novo modelo de desenvolvimento.

            V. Exª deseja um aparte?

            Neste momento, concedo-o a V. Exª, com muito prazer, Senador Cristovam Buarque. V. Exª é um dos entendidos na produção de energia, principalmente da energia verde.

            O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Valadares, o que o senhor traz aqui é mais do que a que nós estamos acostumados nessa sala, que são discursos sobre o que acontece hoje, sobre os problemas conjunturais. O que o senhor traz aqui é o deserpertar de nós todos para uma reorientação do nosso modelo de crescimento, do nosso modelo econômico, do nosso modelo de desenvolvimento. Não dá para continuarmos crescendo com a mesma base de produção energética. E não falo só da energia que a gente usa nas casas, da energia que a gente usa para mover os transportes públicos, os transportes privados. Não dá! Temos que mudar a maneira como consumimos e produzimos energia. Este País já mostrou que é capaz de reduzir o consumo durante o famoso apagão. Precisamos mostrar que somos capazes de produzir energia conforme as novas tecnologias. E aí coloco a eólica e a solar, como V. Exª colocou. Claro que hidrelétrica é importante, mas nós temos de estar na ponta e, mais uma vez, Senador Acir, estamos perdendo o bonde, estamos chegando atrasados. Imagine que, se há 20 anos, num país que tem energia solar que nós temos, tivéssemos investido nas nossas universidades, nos nossos centros de pesquisa, criado um centro tipo CTA só para energia solar, hoje estaríamos na ponta. Perdemos. Hoje a Alemanha está em muito a nossa frente, Israel está muito na nossa frente, a Espanha está na frente na energia eólica. Ficamos para trás. Por isso tenho dito que somos um país emergente, mas emergente tardiamente. A gente chegou agora a emergir nesse mundo da riqueza do Produto Interno Bruto no momento em que o Produto Interno Bruto está sendo contestado como o símbolo de riqueza, e produzindo de uma maneira que, sabemos, não é sustentável por muito tempo. V. Exª traz aqui um alerta que a gente deveria para a Comissão de Assuntos Econômicos, por exemplo, para a Comissão de Infraestrutura, onde a gente fica debatendo projetos de lei, ouvindo Presidente do Banco Central, como hoje. Está faltando um debate sobre as condições estruturais da economia da sociedade brasileira, e o senhor traz sob um aspecto fundamental, que é a energia, esse tema. Eu gostaria que isso fosse levado para um debate na Comissão de Infraestrutura. Gostaria de lhe sugerir, se não fez ainda isto, a proposta de uma audiência na Comissão de Infraestrutura sobre energias alternativas no Brasil. Qual o estado da arte neste País, no Brasil e o que fazer para dinamizarmos não só o uso de outras energias, mas o desenvolvimento da tecnologia dessas novas formas de energia. Fica aqui a minha sugestão.

            O SR. ANTONIO CARLOS VALADARES (Bloco/PSB - SE) - A sugestão de V. Exª, sem dúvida alguma, contribui para o fortalecimento da nossa tese. Tudo que aqui apresentamos, todas as nossas ideias também são objeto de debates não só nas comissões; também em discursos proferidos aqui por Senadores, principalmente por V. Exª, porque o Brasil, conforme sabe V. Exª, talvez, entre todos os países do mundo, seja o dispõe das melhores condições para realizar uma transição efetiva para uma economia verde. V. Exª bateu na tecla certa. Nosso País dispõe de imensa biodiversidade, grandes reservas de água, extensas florestas, intensa luminosidade, sol o dia inteiro. É um verdadeiro capital natural que não pode ser desperdiçado. É um potencial que não pode ser devastado sem controle e sem critérios.

            Temos, ainda, o desafio de melhorar a qualidade de vida nas áreas já ocupadas, sobretudo nas grandes áreas urbanas, onde as concentrações populacionais estão degradando, em ampla escala, os recursos naturais, como a água, por exemplo.

            O uso racional dos recursos naturais pressupõe olhar o futuro e investir, com urgência, nas soluções que nos estão disponíveis no presente.

            Na última terça-feira, o Governo Federal divulgou os menores índices de desmatamento da história do País. Também destacou outras medidas, entre as quais a edição de decreto que regulamenta o artigo 3º da Lei das Licitações, para estabelecer critérios, práticas e diretrizes que favoreçam o desenvolvimento sustentável nas licitações feitas pelo Governo Federal; a criação e ampliação de parques nacionais e florestas; e o decreto que institui a Política Nacional de Gestão Ambiental e Territorial de Terras Indígenas.

            As ações apontam que as medidas do Governo Federal caminham no sentido certo, mas ainda há muito a ser realizado, principalmente para inserir as questões socioambientais de modo transversal em todas as políticas públicas.

            Também não basta que se exija só do governo, já que a sociedade tem um grande papel a cumprir, especialmente a indústria e as empresas de um modo geral. pois se o poder e a responsabilidade são faces da mesma moeda, esse imperativo ético também se aplica àqueles que detêm poder econômico e que, portanto, devem exercê-lo com responsabilidade social e ambiental,

            A Rio+20 será uma oportunidade extraordinária para se discutir esta questão em nível global: como criar uma economia favorável ao meio ambiente com trabalho decente para todos?

            Apenas para exemplificar, cito duas propostas interessantes que deverão ser postas em discussão na Rio+20: primeira, a criação de Objetivos do Desenvolvimento Sustentável que, a exemplo dos Objetivos do Milênio, seriam compromissos com metas, prazos e resultados definidos; segunda, a substituição do conceito de Produto Interno Bruto para medir a atividade econômica por um indicador de desenvolvimento sustentável que, além do crescimento econômico, tenha indicadores de redução da pobreza e outros que sirvam para quantificar o passivo ambiental que é produzido no curso do desenvolvimento.

            O desafio está posto. Como bem lembrou o Senador Rodrigo Rollemberg, nosso companheiro de Partido, em recente artigo no jornal Correio Braziliense, a Rio+20 será "uma oportunidade para a reavaliação estratégica dos rumos da sociedade mundial".

            É lamentável que a crise econômico-financeira atual faça os governos europeus, norte-americano e mesmo de países emergentes importantes relegarem as preocupações com o meio ambiente e com a inclusão social para segundo plano. A crise poderia ser uma oportunidade para mudanças, para uma reinvenção do modelo de desenvolvimento pela assunção de compromissos concretos que coloquem a preocupação com o ser humano e sua qualidade de vida no centro do debate, fazendo a economia girar a seu favor. Em outras palavras, seria o momento de ousar.

            É isso que esperamos da Rio+20. Só podemos chamar de desenvolvimento o processo capaz de oferecer condições dignas e qualidade de vida para todos os habitantes da Terra. Este é, afinal, "o futuro que queremos."

            Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 13/06/2012 - Página 25093