Discurso durante a 102ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a evasão escolar no País decorrente do trabalho infantil, conforme divulgação de estatísticas pela Organização Internacional do Trabalho.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIAL.:
  • Preocupação com a evasão escolar no País decorrente do trabalho infantil, conforme divulgação de estatísticas pela Organização Internacional do Trabalho.
Publicação
Publicação no DSF de 14/06/2012 - Página 25300
Assunto
Outros > POLITICA SOCIAL.
Indexação
  • COMENTARIO, APREENSÃO, ORADOR, AUMENTO, ABANDONO, ALUNO, EDUCAÇÃO, MOTIVO, CRESCIMENTO, TRABALHO, INFANCIA, CRITICA, AUSENCIA, PROGRAMA DE GOVERNO, REFERENCIA, COMBATE, EXPLORAÇÃO, CRIANÇA.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Srª Presidenta, fico feliz, Senadora Marta Suplicy, que a senhora esteja na Presidência neste momento, pela sua preocupação com o assunto de que vou falar, que diz respeito a como cuidar das crianças.

            Vou falar especificamente sobre essa vergonha das estatísticas, divulgadas ontem pela Organização Internacional do Trabalho, que dão conta do trabalho infantil no Brasil.

            Nós estamos no séc. XXI, e eu sei que esta Casa e a própria opinião pública brasileira hoje estão mais preocupadas com CPMI, com Comissão de Ética do que com problemas permanentes que temos e não estamos trabalhando.

            E um deles é a vergonha ou o suicídio de uma sociedade que, em pleno século XXI, tem, fora da escola, trabalhando, 3,9 milhões de meninos e meninas.

            Senador Paim, 3,9 milhões! Não estamos falando de algumas dezenas, não estamos falando nem mesmo de algumas centenas que poderiam acorrer, e que a gente lamentaria por cada uma, mas diria: “Não é uma questão nacional”. Mas, quando chega a 4 milhões, porque 3,9 são praticamente 4 milhões, é porque é muito grave.

            O pior é que, quando analisamos crianças em trabalhos mais duros, crianças até os 13 anos, é inadmissível perceber que nós não estamos conseguindo reduzir esses casos de trabalho infantil.

            Hoje de manhã, quando coloquei esse fato no meu diálogo permanente, por meio do Twitter, recebi comentários de algumas pessoas, respondendo que é melhor criança trabalhando do que na rua assaltando.

            Veja a que ponto chegamos, como se criança tivesse duas alternativas: roubar ou trabalhar. Como se não houvesse a alternativa estudar, que é o que deve fazer uma criança.

            A Deputada Érika Kokay foi muito feliz ao comentar, de acordo com o que está hoje no jornal Correio Braziliense, que é necessário uma mudança cultural, que o trabalho infantil tem sido mais tolerado por todos quando se fala em crianças de baixa renda. Dizem que é melhor do que estarem nas drogas e na criminalidade, como se elas só tivessem essas duas opções: trabalharem ou serem criminosas.

            Desenvolver-se de forma saudável, ser criança, isso não estaria no horizonte das alternativas das crianças brasileiras pobres. São palavras de uma Deputada do Distrito Federal, Érika Kokay, que foi muito feliz ao chamar a atenção para vergonha que é este País hoje dizer “criança que não trabalha termina no crime”, esquecendo-se de que criança pode não trabalhar, nem cair no crime, indo para a escola.

            E o que me deixa triste é que o Distrito Federal foi o campeão no aumento de crianças trabalhando. Entre 2000 e 2010, cresceu 179% o número de crianças trabalhando.

            Senador Paim, Senador Eunício, pode parecer um pouco de pretensão minha, mas, quando fui governador do Distrito Federal, praticamente zeramos. Daí o salto tão grande de 2000 para cá - eu saí do Governo no começo de 1999. E por quê? Porque tivemos programas dirigidos para essas crianças de risco. O primeiro deles era o Bolsa Escola. E aqui a representante da OIT diz muito claramente: “O Bolsa Família tem ‘acobertado’ o problema”. E o jornal colocou o “acobertado” entre aspas. E continua entre aspas o que diz a Coordenadora do Fórum Nacional de Prevenção e Erradicação do Trabalho Infantil, Isa Oliveira:

Nosso programa de transferência de renda, tão aplaudido internacionalmente, exige a matrícula, mas falha ao atestar a frequência escolar e o resultado dos alunos. O Governo Federal se nega a passar dados sobre o temam, então quero que me provem que estamos errados.

            Aqui, quando começou o Bolsa Escola, que foi o primeiro programa de transferência de renda condicionada, a família não recebia se a criança não estivesse na escola. Posso dizer que é fácil fazer esse controle em um pequeno Estado como o Distrito Federal. O México é muito maior do que o Distrito Federal, e eles conseguiram fazer isso, quando levaram daqui o programa Bolsa Escola e lá implantaram. Eles colocaram um painel, como a gente vê nesses filmes de guerras sofisticados do Pentágono, quando a gente vê bancos e bolsas de valores com aquelas televisões em frente, eles colocaram isso para saber onde estava cada criança mexicana. E eles sabiam se ela estava na escola ou não.

            Eu fui, Senadora Angela, visitar o programa Bolsa Escola no México, depois de alguns anos, Senador Simon, e vi uma mãe entrando na fila para receber o dinheiro, e sair chorando. Perguntei o que houve, e me disseram que, quando ela entregou a carteirinha dela, lá ficou mostrado que a criança faltou à aula, e ela não recebeu. E eu perguntei: o que vai acontecer com essa mulher que vai ficar sem dinheiro? Eles disseram: “Nós vamos mandar para outro departamento, de assistência social, mas não vai receber um programa educacional, que é o programa Bolsa-Escola”.

            Nós paramos de fazer isso, transformamos uma ideia educacional em uma ideia assistencial. Se tivéssemos colocado, além da ideia educacional, a ideia assistencial, teríamos que aplaudir, e muito. Mas não foi criar um programa assistencial, foi transformar um educacional em assistencial, e o resultado é este que está nos jornais de hoje: o Brasil tem uma ficha suja no que se refere ao trabalho infantil.

            Nós falamos muito aqui de ficha limpa e ficha suja para políticos. É preciso começar a trabalhar em ficha limpa e ficha suja para países inteiros, para governos. No que se refere ao trabalho infantil, o Governo dos últimos anos não tem merecido uma ficha limpa. E não é um problema difícil de ser resolvido. Não é um problema, Senadora Marta, se quiséssemos enfocar com clareza a transferência de renda condicionada à educação. Faltou à aula, não recebe; portanto, se for trabalhar, não recebe. Foi para isto que foi inventada a Bolsa-Escola: foi para que a criança não precisasse trabalhar. E, segundo, foi para fazer da escola um lugar atrativo. Em escola ruim, mesmo pagando, criança não fica, porque ela não vai aceitar as condições ruins da escola. Ou, se ficar, é porque é obrigada pela família, o que pode trazer prejuízos educacionais também.

            Nós não estamos fazendo o dever de casa. Nós não estamos fazendo o dever de casa para resolver um dos problemas mais sérios da dignidade nacional, que é toda, toda, toda criança na escola, toda criança longe do trabalho. Esse é o dever de casa.

            Mas não é só uma vergonha: é também um suicídio.

            São 3,9 milhões de crianças que trabalham no lugar de estudar, são 3,9 milhões de cérebros que nós estamos perdendo, ou quase todos, porque sempre há exceções, sempre há por aí um gênio capaz de sobreviver e se transformar num elemento extremamente produtivo fora da escola. Mas são exceções. A regra é que esses 3,9 milhões de crianças, daqui a 10 anos, 15 anos, pela sua incapacidade de produzir, por não terem agarrado os instrumentos necessários, terminem fazendo aquilo que hoje me disseram que o trabalho é para evitar: elas terminarão caindo na própria criminalidade, elas terminarão caindo certamente na improdutividade; e nós, perdendo esse patrimônio.

            Se nós tivéssemos quatro milhões de postos de petróleo, duvido que deixássemos esses postos de petróleo tapados. Mas nós temos quatro milhões de cérebros e não estamos trabalhando para que eles desabrochem para o mundo moderno através da escola. Estamos condenando-os ao trabalho infantil, que é um lugar onde criança não deve ficar.

            Aqui fica, Senadora Marta, a minha fala. Sei que as pessoas gostariam de me ouvir falar mais de CPI. Por isso, quero o voto aberto, aqui dentro, na hora de votar a cassação de Senador. Mas não podemos esquecer problemas como esse, de uma gravidade permanente, como o trabalho infantil no Brasil.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/06/2012 - Página 25300