Discurso durante a 103ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da realização, hoje, de audiência pública, na CCT, sobre os caminhos da inovação tecnológica no Brasil.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Registro da realização, hoje, de audiência pública, na CCT, sobre os caminhos da inovação tecnológica no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 15/06/2012 - Página 25889
Assunto
Outros > POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • REGISTRO, AUDIENCIA, REALIZAÇÃO, COMISSÃO DE CIENCIA E TECNOLOGIA, ASSUNTO, NECESSIDADE, MELHORIA, QUALIDADE, EDUCAÇÃO, AUMENTO, INCENTIVO, INVESTIMENTO, CIENCIA E TECNOLOGIA, OBJETIVO, DESENVOLVIMENTO, PAIS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, durante o dia de hoje, o Senado realizou, Senador Capiberibe, uma audiência que considero das mais interessantes, não vou dizer das mais impactantes, porque ainda é cedo para saber: um debate de um dia inteiro sobre os caminhos da inovação no Brasil, promovido pela Comissão de Ciência e Tecnologia.

            Nós tivemos a presença de dois dos mais importantes cientistas brasileiros de todos os tempos: o Dr. Miguel Nicolelis, que é um neurocientista e neurobiologista, que está fazendo verdadeiros milagres pela pesquisa, conseguindo com que as pessoas que não podem mais se movimentar por doenças movimentem-se - seu desafio, neste momento, Senador Capiberibe, é fazer com que o primeiro chute na Copa do Mundo seja dado por um paraplégico que se moverá graças ao trabalho desse grande cientista -; e o outro foi Marcelo Gleiser, que é um cosmólogo de renome mundial. Obviamente, os dois moram no exterior, passam apenas tempo aqui. Ao lado deles nós tivemos diversas personalidades do Governo que trabalham com a promoção de ciência e tecnologia.

            O que vimos e ouvimos ao longo desse dia foram duas coisas: a primeira é que os cientistas que estão no exterior, brasileiros que amam este País, eles falam com uma paixão, eles falam com uma ambição de que o Brasil pode ser um grande país do conhecimento. Eles falam com a certeza de que isso é possível. Mas eles falam também, e isso é importante, que o caminho está na educação de base, que a educação começa lá embaixo. Eles lembram que Einstein não seria um cientista, um físico, se lá atrás, em alguma cidade onde ele viveu, uma professorinha não tivesse ensinado as quatro operações e o ABC para ele. É ali que está a saída para começarmos a sermos um País do conhecimento.

            O que me surpreendeu é que os representantes do Governo se limitaram, mais do que tudo, a mostrar o que vem sendo feito, sem mostrar aonde a gente precisa chegar.

            Além disso, falaram pouco da educação de base. Falaram muito dos investimentos que são feitos em ciência e tecnologia atualmente no Brasil. Mas não falaram de quanto é preciso. Mas, sobretudo, não falaram do que é preciso.

            Nós caímos no vício, Senador Capiberibe, de falar quanto custa, quanto se gasta e não o que fazer. Veja que na discussão do PNE (Plano Nacional de Educação), em vez de discutir o que fazer, nós discutimos quanto gastar. A bandeira de luta, a disputa foi se iria gastar 7%, 8% ou 10% do PIB. Em vez de discutir o que é que nós vamos fazer. Qual deve ser o salário correto de um professor. Depois a gente calcula quanto custa. Depois a gente vê quantos por cento do PIB. Pode ser até 10%, 12%, 13%, ou pode ser 5%, 6%. A gente tem que discutir, com esse salário que o professores vão ter; quais as exigências que vamos fazer na seleção deles.

            Um dos cientistas deixou claro: Não tem futuro o país que contrata professores que não tiveram pelo menos um mestrado concluído nas universidades. Por quê? Porque, se a gente exige mestrado ou doutorado para ensinar nas universidades onde as pessoas já sabem alguma coisa, como é que a gente vai pegar pessoas menos preparadas para ensinar nossas crianças.

            Os melhores professores de um país devem estar na educação de base, na ensino fundamental. Mas, lamentavelmente, essa percepção a gente não tem, porque, em primeiro lugar não há a percepção da importância da inovação no Brasil. Nós continuamos viciados em comprar tecnologia de fora. Por isso, existem tantos produtos feitos no Brasil, mas a gente não vê um produto criado no Brasil, a não ser os aviões da Embraer e alguns outros poucos. Todos os automóveis brasileiros têm nomes estrangeiros. Por quê? São fabricados no Brasil, mas são inventados, criados, desenhados, projetados no exterior. Agora, vejam os carros coreanos, os carros chineses, os carros indianos, eles têm nomes de coreanos, de chineses, de indianos, porque eles já fazem o projeto, já fazem o desenho, já criam, porque eles têm uma estrutura do conhecimento.

            Nós não temos. E sem essa capacidade, sem um sistema nacional do conhecimento, nós não vamos muito longe. Não iremos muito longe baseando a nossa economia na produção e exportação de bens primários. Não iremos muito longe, porque a Terra vai terminar se esgotando de tanta floresta que vamos ter que destruir. Não iremos muito longe porque tudo o que a gente exporta depende da demanda lá de fora, e não da demanda que a gente cria ao inventar um produto novo e colocá-lo no mercado.

            É fundamental, por isso, fazer com que o Brasil desperte para a importância da inovação. E pode parecer incrível, Senador Capiberibe, mas onde às vezes a gente tem mais dificuldade para despertar a importância da inovação é na universidade brasileira, que também se acostumou a não criar, e, sim, a trazer de fora os pensamentos. E aí a gente não inova. Porque inovar é pensar o novo; inovar não é saber o velho. Uma pessoa pode ser muito preparada e não ser inovadora. E nem precisamos exigir isso de todos, mas da universidade sim. Ela tem que ser inovadora e não apenas transmissora de conhecimento.

            Outro grupo surpreendentemente “reação” à ideia de inovação é o setor produtivo. Nossos industriais têm pavor à ideia de criar aqui novos produtos, eles têm fascínio por trazer produtos de fora para serem fabricados aqui. E o resultado é que a gente fica produzindo aquilo que lá fora eles deixam a gente produzir. E não temos como produzir aqui aquilo que lá fora eles não nos deixam produzir.

            Só na área de saúde o Brasil tem que importar R$10 bilhões a cada ano de equipamentos e de remédios que poderíamos fabricar aqui se tivéssemos o mínimo de conhecimento.

            Temos, portanto, as universidades “reácias” à inovação, temos o setor industrial “reácio” à educação e temos uma população que ainda não despertou para a importância de inovar. Esse é o primeiro ponto.

            O segundo ponto que dificulta tudo isso é a percepção de que a inovação começa na educação de base.

            Sem uma boa educação de base, não há como existir um bom sistema científico e tecnológico. Podemos até ter ilhas de excelência, mas não seremos um continente de excelência. Com 200 milhões, não é difícil conseguirmos formar alguns cientistas, mas não vamos conseguir formar muitos cientistas sem uma educação de base de qualidade.

            Durante a palestra do Prof. Marcelo Gleiser, peguei uma ideia e já a transformei em projeto de lei no qual estou dando entrada. Muita gente vai ficar contra, Senador Capiberibe. A ideia é a de que precisamos levar para as escolas, nos primeiros anos do ensino fundamental, cientistas, para que eles falem para as crianças, para que digam o que é ser cientista.

            Estamos acostumados a ver o que é um jogador de futebol ou até um astronauta nos outros países e no nosso País, mas não estamos acostumados a ver o que é um cientista. Aqui, as crianças não sabem o nome de um único cientista. Perguntem às 50 milhões de crianças no Brasil o nome de um cientista brasileiro, e elas terão dificuldade em responder. Mas perguntem o nome de mil jogadores de futebol, que é possível que as nossas crianças saibam.

            Qual é a saída? A solução é simples. Fiz um projeto de lei inspirado no Dr. Gleiser. É simples: a partir da aprovação da lei, todo bolsista que estiver fazendo uma pós-graduação terá de passar quatro horas por semana conversando com crianças na educação de base. Se o curso for aqui, ele fará simultaneamente com o seu curso essa conversa com as crianças, explicando o que é ser cientista e o que é ciência. Se o curso for realizado no exterior, ele fará isso na volta. Durante o mesmo tempo de duração do seu curso, ele fará aqui as palestras, as conversas, as visitas e suas exposições, com presença física nas escolas.

            Sem criança querer ser cientista, um país não dá o salto para a inovação. No Brasil, as crianças não têm esse fascínio, e precisamos criar esse fascínio. É claro que o primeiro passo é uma escola boa, de qualidade, mas um passo também é o de levar para a escola a ciência através dos cientistas.

            O terceiro ponto, Senador, depois de falarmos sobre a importância da inovação no Brasil e sobre a importância da educação de base, é a necessidade - e sei que isso vai agradá-lo - de inovar o próprio conceito de inovação, de inovar o conceito de progresso, de mudar a ideia maluca de que este País é o sexto maior país do mundo, porque tem uma produção equivalente à do sexto maior do mundo. Isso é uma estupidez! Dizer que o país que é o sexto em produção e que é o sexto em potência é o sexto maior do mundo é de tal estupidez, que, às vezes, temos de nos perguntar como essa ideia resiste. Mas está resistindo a ideia de que o Brasil é o sexto país do mundo. O Brasil não é nem mesmo a sexta economia. O Brasil é a sexta produção. Seria a sexta economia se fosse o sexto em produção, se produzisse bens da alta tecnologia, se criasse demanda, como criam os que produzem iPads, os que produzem e criam telefones celulares. Mas somos a sexta produção em soja, em minério de ferro, em alguns poucos produtos.

            Não nos vamos preocupar também em sermos o quinto, como estão querendo. O que queremos ser é o sexto país, o quinto país, o sétimo país, um dos melhores países do mundo. Isso não quer dizer necessariamente ser o mais rico.

            O que estamos vivendo, Senador Capiberibe - e isso mereceria um debate aqui -, é a inovação do conceito de emergência. Estamos passando a ideia de que o Brasil é um país emergente. Mas é um País emergente atrasado. Somos emergentes em uma riqueza na qual os outros países já sabem que não é mais possível continuar. Somos emergentes como uma família que fica rica na véspera de uma revolução socialista ou como quem é nomeado nobre, barão ou conde na véspera da proclamação da República. É uma emergência tardia. A verdadeira emergência que consolidaria o Brasil como um país - como se costuma dizer no primeiro mundo - incluído entre os países de frente é a emergência da qualidade de vida, é a emergência da sustentabilidade ecológica, é a emergência da ciência e da tecnologia na vida e na economia da sociedade. Mas disso nós estamos muito longe.

            Por exemplo, na educação, na ciência e na tecnologia, somos o 88º País do mundo; no IDH, que reflete a qualidade de vida, somos o 84º País do mundo. E ainda nos consideramos o sexto País do mundo. O pior é que esse ufanismo está atrapalhando a busca da redefinição de um novo conceito de progresso. Aí nós ficamos atrás. Ou, então, somos emergentes atrasados em uma emergência tardia. O pior é que não é a primeira vez que isso ocorre. Nós chegamos atrasados na hora da industrialização porque demoramos a abolir a escravidão.

Abolimos a escravidão em 1888, quando todos os outros países do Ocidente já tinham erradicado a escravidão. Todos. O Brasil foi o último.

            O que aconteceu? Quando nós fomos nos industrializar, os outros já tinham começado porque a industrialização exige o trabalho livre. Não há possibilidade de industrialização com o trabalho escravo. Chegamos tarde na industrialização. E agora estamos chegando tarde na nova revolução científica e tecnológica, na nova economia do conhecimento. E estamos comemorando estarmos atrasados, porque somos atrasados, mas grandes na produção.

            Grandeza na produção não é sinônimo de grandeza do país. A grandeza do país vem da qualidade de vida do seu povo, vem da sustentabilidade do seu povo, com a sua natureza, vem do conhecimento, que é aquilo que cria a sociedade do futuro. Por isso é preciso inovar o conceito de progresso. Não basta inovar dizendo: “Agora nós inovamos, usamos combustível verde nos automóveis”, mas continuamos com o transporte privado, e não cabem mais os carros nas ruas. O problema não é só mudar o combustível do carro, é mudar o conceito de transporte, até mesmo para não precisar se locomover tanto de um lugar para outro.

            Ou a gente pode morar perto do trabalho em muitos lugares. Pode até trabalhar de casa, muitas pessoas; mas nós estamos comemorando continuarmos no atraso do automóvel privado apenas porque usamos combustível verde. Combustível verde que exige destruir floresta para produzir o etanol, que exige fortunas para transportar o etanol, que exige um investimento imenso de viadutos e estradas para que os carros andem de um lugar para outro, se não eles ficam parados, como já estão em algumas cidades. E sabemos que vai se esgotar.

            Tem gente que já marca o dia e a hora em que São Paulo vai parar toda, porque os últimos engarrafamentos tinham 255 quilômetros. Imagina o dia em que o engarrafamento terá tantos quilômetros quanto a soma de todas as ruas e calçadas de São Paulo. Aí nem os guindastes vão chegar lá para tirar os carros. Temos que inovar o conceito de progresso.

            E hoje, nessa audiência, não se discutiu a ideia de inovar o conceito de progresso, salvo a minha provocação nesse sentido, mas pelo menos nós já tivemos o despertar, graças a dois geniais cientistas brasileiros, dois candidatos a Nobel, exceções de um país que queima cérebros. Nós somos um crematório de cérebros.

            Senador Capiberibe, isso é pior do que o que fizeram os nazistas, porque os nazistas queimavam os livros, mas os escritores emigravam para outros países e continuavam escrevendo. Aqui, a gente crema o cérebro antes de o cérebro escrever os livros. Não tem futuro se continuarmos desse jeito.

            À Rio+20 estou levando algumas propostas, e uma dela é a criação de um fundo mundial para a educação no mundo inteiro. É claro que não vou apresentar na reunião dos Chefes de Estado porque não tenho acesso. Vou apresentar em atividades paralelas. E vou levar, também - porque o senhor, certamente, terá prazer em participar - a criação de um tribunal internacional para julgar os crimes contra o futuro da humanidade.

            A primeira vez em que apresentei essa ideia foi em 1980, no SBPC, na Bahia. Naquela época, eu chamei de tribunal para julgar os crimes do desenvolvimento. Depois, a ideia seria os crimes da economia. Mas não basta, não é por aí. Não dá para dizer que é a economia quem provoca isso. Não dá para dizer que é o desenvolvimento. O que importa é que estamos cometendo, hoje, crimes contra o futuro da humanidade. Quais crimes? Pela destruição ecológica - isso é um crime contra o futuro da humanidade -; pelo empobrecimento, como desde 2008 estamos fazendo na Europa e nos Estados Unidos - isso é um crime contra o futuro da humanidade, 28 milhões de desempregados, por culpa de decisões tomadas conscientemente por dirigentes de bancos; terceiro, os crimes da mídia internacional, quando manipula a consciência das pessoas.

            Eu não falo mídia no sentido de jornal. Eu falo desse conjunto de entidades, inclusive nós, aqui nesta sala, dizendo ideias. Nós terminamos passando ideias, e algumas podem ser manipuladoras. É preciso ver se nós não estamos cometendo um crime contra o futuro da humanidade ao deixar crianças fora da escola e ao manipular as ideias que hoje circulam no mundo. São crimes que estamos cometendo contra o futuro da humanidade, às vezes, sem perceber.

            Nós vamos tentar criar esse tribunal, que vai ser diferente do Tribunal Russell, que o senhor se lembra, dos anos 60, que julgava os crimes dos americanos na Guerra do Vietnã. Não um tribunal para punir, porque aí teria que ser legal, mas um tribunal moral para denunciar.

            Dessa vez, a gente vai usar os novos meios, como a Internet. Dessa vez, a ideia é ter um grupo de personalidade, de pessoas que agarrarão o projeto e dirão: “Este projeto carrega a desconfiança de que trará prejuízos para a humanidade”. A gente o colocará na Internet, e o povo votará. Alguns projetos são bons... Grandes hidrelétricas, por exemplo, trazem muitas vantagens, mas a gente sabe que trazem destruição.

            Vamos debater! Vamos deixar o povo falar! Não vamos, ao fim, conseguir parar nenhum projeto; não vamos, ao fim, conseguir punir ninguém que fizer isso - nem é essa a intenção -, mas vamos despertar para a necessidade de inovar o conceito de progresso, de inovar a conquista das coisas que queremos. Não basta mais o futuro como tendência do passado. É preciso fazer uma dobra, é preciso mudar de rumo, é preciso um novo futuro, um novo progresso.

            Eu espero, se não estamos conseguindo ainda, esses debates como os de hoje, na Comissão de Ciência e Tecnologia, nos ajude muito a entender a importância da inovação, a importância da educação na inovação e a necessidade de inovar o próprio conceito de progresso para onde queremos ir.

            Era isso, Presidente, que eu queria deixar como mensagem.

            O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco/PSB - AP) - Obrigado, Senador Cristovam.

            V. Exª tem um projeto que obriga os filhos de políticos a se matricularem nas escolas públicas. Saiba que eu apoio inteiramente esse projeto, porque o problema da educação em nosso País é político. Se nossos filhos não frequentam a escola pública, dificilmente nós teremos uma solução para a educação.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Senador, eu sei que já terminou o tempo, mas essa sua provocação é a primeira chance, talvez, que eu tenha de debater, com um Senador, essa ideia. O projeto está há cinco anos guardado, engavetado, sem mesmo audiência pública, como eu pedi, apenas para debater se é legal, se não é legal, se é constitucional, se não é constitucional, se deve ou não deve, a gente tem conseguido. E os argumentos que aparecem quais são: que é demagógico.

            Quando eu era menino, Senador, eu não conseguia estudar em escola pública, porque meu pai não era rico, meu pai não era influente, meu pai não era deputado nem senador. Entrava na escola pública - as três que deviam ter em Recife àquela época - quem tinha influência e carro, porque poucas pessoas moravam ao lado. Qual era a saída da gente? Também não havia muitas outras escolas públicas. A saída era estudar com padres, porque os padres queriam que a gente virasse padre. As escolas de padre, naquele tempo, eram baratíssimas e grátis.

            O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco/PSB - AP) - Eu fui seminarista.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - O senhor foi seminarista? Eu não fui, mas fui marista. Por quê? Porque eles queriam que a gente virasse um deles. E aí eles nos davam uma boa educação, tenho essa dívida com eles, a um preço muito barato. Hoje, é o contrário, as classes altas podem pagar, em parte com o dinheiro do imposto de renda, e o povo foi para as escolas públicas, que ficaram ruins. Então, não é demagógico. Além disso, as pessoas não sabem, o projeto só entra em vigor sete anos depois de aprovado, para dar tempo a todo mundo que se elegeu agora dizer: quando eu me elegi, não tinha essa regra. Mas, a partir dessa lei,... E alguns dizem: isso é inconstitucional pela liberdade que você tem de colocar o seu filho onde quiser. Claro que você tem! Então, não seja parlamentar, não seja governador nem prefeito nem presidente.

            O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco/PSB - AP) - Escolha outra atividade.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Por isso coloquei sete anos antes de a lei entrar em vigor. Inclusive, sete anos, se quiser, para melhorar as escolas públicas e os Senadores, Deputados e Governadores poderem colocar lá sem reclamar.

            Agora, um dia desses, vi uma foto no jornal, Senador, do príncipe herdeiro da Dinamarca indo para a escola pública. Quando você fala com um dinamarquês, ele não entende a nossa surpresa de que o príncipe herdeiro, com seis anos de idade, esteja indo a uma escola pública, até porque em alguns desses países já não há mais escola particular, pois elas ficaram desnecessárias.

            Eu creio que esse projeto merecia pelo menos ser debatido. Eu lhe agradeço por tê-lo trazido aqui, porque a gente não tem tido espaço para isso. Claro que eu podia falar disso todo dia, mas terminaria virando propaganda de uma ideia e não um debate político. Como o senhor o levantou, eu me sinto à vontade para debater. Mas ajude para que a Comissão de Constituição e Justiça faça uma audiência pública para ver se essa ideia faz sentido ou se ela só faz sentido nos outros países e aqui não.

            Há pouco, uma ministra, na Inglaterra, quase foi destituída porque descobriram que o filho estudava numa escola particular. Ela retirou o filho da escola particular e colocou numa pública, porque ninguém pode imaginar que os encarregados de zelar pela escola pública se protejam usando a escola particular.

            Tem muita gente que me cobra, Senador, que isso seja feito também para a saúde. Creio que alguém deve colocar esse projeto, porque já tenho briga demais com a educação, não vou colocar mais essa briga na saúde, mas acho que faz sentido, sim. O agente público, a pessoa responsável pelos serviços públicos, tem de usar os serviços públicos.

Não é só para sentirem, é porque é coerente com o exercício da profissão que nós escolhemos.

(O Sr. Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Mas poucos têm essa vocação. Ninguém é obrigado a ter mandato. Se tem mandato, tem que usar gravata, tem que estar aqui presente na hora de votação; portanto, deveria ter também que colocar seus filhos nas escolas onde estudam os seus eleitores.

            O SR. PRESIDENTE (João Capiberibe. Bloco/PSB - AP) - Obrigado, Senador.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu que agradeço.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/06/2012 - Página 25889