Discurso durante a 106ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comunicação da aprovação da eleição do novo Presidente da França, o socialista François Hollande, no atual contexto da crise europeia.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INTERNACIONAL.:
  • Comunicação da aprovação da eleição do novo Presidente da França, o socialista François Hollande, no atual contexto da crise europeia.
Publicação
Publicação no DSF de 19/06/2012 - Página 26672
Assunto
Outros > POLITICA INTERNACIONAL.
Indexação
  • COMENTARIO, VITORIA, ELEIÇÃO, PRESIDENTE, PAIS ESTRANGEIRO, FRANÇA, REGISTRO, PROPOSTA, DIRIGENTE, AMBITO, POLITICA FISCAL, POLITICA ECONOMICO FINANCEIRA, POLITICA EXTERNA, OBJETIVO, SUSPENSÃO, CRISE, ECONOMIA, PAIS.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Mozarildo Cavalcanti, Senadores e Senadoras, em clima de Rio+20, onde se encontram lideranças de inúmeros países do mundo, em clima de crise certa entre Brasil e Argentina devido à barreira dos produtos brasileiros naquela fronteira, eu, neste clima mundial, quero falar um pouco hoje sobre a vitória dos socialistas na França, não só por ter elegido o Presidente, como também por ter elegido a maioria no Parlamento no dia de ontem.

            Sr. Presidente, o Presidente francês, François Hollande, tornou-se ontem o mais poderoso dirigente socialista da França de todos os tempos. Ele obteve maioria parlamentar absoluta no segundo turno das eleições legislativas. O resultado deixa o mandatário em condições de aplicar seu programa para enfrentar a crise do euro. Segundo os resultados parciais e as previsões de institutos de pesquisas, o Partido Socialista e seus aliados de esquerda teriam conseguido eleger 314 Deputados, um número largamente superior aos 289 necessários para formar governo sozinhos. Será o primeiro governo de maioria absoluta socialista desde 1981. Segundo análises de especialistas, François Hollande tem agora um poder sem paralelo no país.

            Hollande assumiu a Presidência no dia 15 de maio e, portanto, na sexta-feira que passou, ele completou 30 dias de Governo. A vitória desse socialista veio insuflar novos ares no debate político não apenas naquele país, mas, sim, no continente europeu. É claro que, no contexto de uma crise da gravidade desta atualmente vivida pelos países da União Europeia, o foco do debate político se concentra na busca do caminho mais adequado para a superação das tremendas dificuldades lá enfrentadas. Desde o estouro da crise da dívida soberana na Eurozona, no início de 2010, o receituário aplicado foi o de corte de gastos, com objetivo de reduzir o endividamento público que havia sido inflado no calor da crise financeira de 2008. O que hoje se pode observar, desde aquele episódio, é que aqueles países onde mais severamente se aplicou essa política, como Grécia, Portugal e Espanha, mergulharam em profunda recessão.

            A vitória de Hollande é a vitória de uma proposta que enfatiza o crescimento como caminho para superação da crise, mais ou menos como fizemos aqui, no Brasil.

            Reconhecendo a necessidade de que seja mantida a política de saneamento das contas públicas, o socialista ressalta, no entanto, ser também necessário realçar o crescimento e a distribuição de renda.

            Hollande não se propõe a embasar o crescimento na ampliação do crédito, no endividamento. Ele sabe que uma eventual tentativa de realçar o crescimento à custa de elevar a dívida só traria prejuízos aos países europeus. Ele tem isso claro, por tudo que tem dito; ao mesmo tempo, apostar apenas nas políticas de austeridade não permitirá superar a crise. Hollande propõe uma via alternativa, combinando a disciplina fiscal a políticas de estímulo ao crescimento da economia.

            Já em seu primeiro discurso como Presidente, o primeiro socialista a assumir o cargo nos últimos 17 anos tentou transmitir uma mensagem de confiança ao governo francês: pediu unidade e conciliação para enfrentar os enormes desafios que estão colocados àquela nação. Hollande declarou ser chegada a hora de colocar a produção acima da especulação financeira, afirmou que a Europa precisa crescer e prometeu dedicar o seu mandato a trazer a justiça de volta à França.

            Já dois dias após tomar posse, o novo Presidente colocou em prática a primeira de suas promessas de campanha. O Conselho de Ministros da França, liderado pelo próprio Hollande, anunciou o corte de 30% dos salários do Presidente, do Primeiro-Ministro e dos outros 34 Ministros que compõem o seu governo.

            A medida tem forte caráter simbólico, objetivando demarcar bem a diferença entre o novo governo e o do ex-presidente Nicolas Sarkozy, que, quando assumiu, aumentou o salário líquido do Presidente em 172%.

            Com a medida do novo governo, o salário bruto mensal dos Ministros, que, hoje, é de €14.200 por mês, cairá para €9.940. Já os salários do Presidente e do Primeiro-Ministro recuarão de €21.300 para €14.910.

            Sr. Presidente, atento à urgência da agenda europeia, Hollande viajou no mesmo dia de sua posse a Berlim, onde se reuniu com a Chanceler alemã, Angela Merkel, para tratar, entre outros temas, da renegociação do tratado fiscal europeu, uma das principais bandeiras de sua campanha eleitoral.

            O novo Presidente francês quer renegociar o tratado europeu de equilíbrio financeiro, assinado no início de março passado, para nele introduzir medidas de estímulo fiscal. Hollande propõe a inclusão de um capítulo com medidas a favor do crescimento no pacto acordado por 25 dos 27 Estados da União Europeia, que contempla impor, na legislação de cada país, o princípio do equilíbrio orçamentário.

            Tal como a Presidenta Dilma Rousseff, Hollande acredita que a redução de gastos deve estar aliada a políticas que favoreçam o crescimento, e afirma que os resultados obtidos até o presente deixam claro que a resposta à crise adotada pelo governo anterior e por outros líderes europeus não foi adequada.

            O Presidente francês entende que a superação da crise da dívida europeia tem de passar pela criação de mecanismos de solidariedade que ajudem os estados nacionais em maiores dificuldades a conseguirem financiamento a custos suportáveis.

            Em relação à Grécia, Hollande expressa com clareza seu desejo de que o país permaneça na zona do euro, cumprindo seus compromissos, mas com apoio, acompanhada pela Europa para estimular seu crescimento.

            Para renegociação do tratado de disciplina fiscal europeu, Hollande defende quatro propostas:

            1) lançamento de eurobônus: títulos conjuntos da dívida dos 17 países da zona do euro, não para mutualizar as dívidas, mas, sim, para financiar projetos industriais e de infraestrutura nos diversos países;

            2) liberação de mais financiamentos em favor das pequenas e médias empresas pelo Banco Europeu de Investimentos;

            3) criação de um imposto sobre as transações financeiras - a nossa CPMF, que foi derrubado - para assegurar recursos suplementares para projetos de desenvolvimento; e

            4) mobilização dos remanescentes de fundos estruturais europeus, hoje inutilizados, para apoiar projetos empresariais, econômicos e de distribuição de renda.

            Além dessas medidas, Hollande propõe um diálogo entre os chefes de Estado, de Governo e o Banco Central Europeu para combater a retomada da especulação e gerar o financiamento da economia real. Para ele, o pacto orçamentário precisa ser completado por esse pacto pró-crescimento, que deve incluir, ainda, prioridade à educação, à pesquisa e à infraestrutura.

            O novo Presidente francês entende também, Sr. Presidente, ser prioritário injetar liquidez no sistema financeiro europeu, para assegurar que todos os bancos do continente possam ser consolidados.

            Embora as propostas de Hollande objetivando a retomada do crescimento encontrem forte resistência do governo conservador alemão, que se opõe à renegociação do pacto fiscal, elas angariam cada vez maior respaldo entre diversas autoridades europeias e até de outros países que não pertençam àquele bloco.

            Entre aqueles que, em maior ou menor grau, se alinham às ideias de Hollande estão o Primeiro-Ministro italiano, Mario Monti; o Presidente da União Europeia, Herman Van Rompuy; o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso; o comissário de Assuntos Econômicos da União Europeia, Olli Rhein, o diretor da Organização Mundial de Comércio, Pascal Lamy; o Presidente do Banco Central Europeu, Mário Draghi, e até o primeiro-ministro britânico, David Cameron; e também o presidente norte-americano, Barack Obama.

            No âmbito da política externa, Hollande decidiu antecipar em um ano a retirada das tropas combatentes francesas do Afeganistão, e visitou o país para explicar pessoalmente sua decisão aos militares que lhe são subordinados.

            Além disso, o novo presidente manifestou seu desejo de reativar as relações bilaterais entre França e Turquia, que se haviam degradado devido à oposição do anterior presidente francês Nicolas Sarkozy, à entrada da Turquia na União Europeia.

            Também nos assuntos internos - com destaque para as políticas sociais, previdenciárias e trabalhistas - o governo do Presidente François Hollande assume, desde o início, uma marca muito própria. Em seu discurso de posse, assim definiu Hollande o mandato que recebeu das urnas: "Reorganizar a França com justiça, abrir um novo caminho na Europa e contribuir para a paz mundial e a preservação do planeta."

            E acrescentou: “A justiça será o único critério para a tomada de decisões públicas. Não pode haver cada vez mais sacrifícios para uns e mais privilégios para outros."

            O novo presidente assegurou que dará à juventude o "lugar que lhe corresponde, o primeiro", e considerou a escola pública "vital" para a coesão do país, o êxito económico e a promoção social.

            Hollande prometeu mobilizar "todos os franceses, sem distinção, em torno dos mesmos valores, os valores da República" e exercer o poder de forma "digna e exemplar".

            Hollande assegurou que "os direitos do parlamento vão ser respeitados" e que "a Justiça terá todas as garantias de independência".

            Cumprindo a tradição francesa de prestar homenagens como gesto simbólico de início de mandato, Hollande escolheu homenagear Jules Ferry, um dos grandes nomes da esquerda e artífice da escola pública gratuita e obrigatória no país, e a cientista Marie Curie, ganhadora dos Prêmios Nobel de Química e de Física no início do século XX.

            O Ministério da Educação, área considerada prioritária pelo novo presidente, foi confiado ao Deputado do Parlamento Europeu Vincent Peillon, que será o número três do Governo, após o Primeiro-Ministro, Jean-Marc, e o Ministro das Relações Exteriores, Laurent Fabius.

            Cumprindo promessa de campanha, o novo governo francês respeita totalmente a igualdade entre homens e mulheres. São 17 ministros de cada sexo. Com certeza lá, ele não faria o boicote, como aqui foi feito, de não permitir que a mulher ganhe o mesmo salário que o homem, conforme recurso encaminhado à Mesa de um projeto que aprovamos por unanimidade na Câmara em todas as comissões do Senado.

            Algumas das mais importantes pastas foram entregues a mulheres Christine Taubira, autora da lei que reconheceu a escravidão como crime contra a Humanidade, ocupa o Ministério da Justiça; Marisol Touraine, o de Assuntos Sociais e Saúde; Aurélie Filippetti, o da Cultura.

            A porta-voz do Governo é uma jovem de origem marroquina, Najat Vallaud, que ficará encarregada, também, dos Direitos das Mulheres.

            A nova ministra da Justiça já encaminhou proposta no sentido de suprimir um tribunal encarregado de julgar adolescentes reincidentes entre 16 e 18 anos. Os jovens infratores, que estão sujeitos a penas de até três anos de prisão, voltarão a ser julgados, de acordo com a proposta do novo Governo, pela vara da infância. Para a Ministra Christine Taubira, o Estado não pode se afastar do princípio da proteçao integral à criança e ao adolescente.

            O Ministério da Justiça prepara, também, um novo projeto de lei para definir o delito de assédio sexual. A lei anterior foi anulada pelo Conselho Constitucional por ser considerada muito vaga.

            Agora, o governo socialista tem pressa em adotar um novo texto, a fim de que esse crime seja adequadamente tipificado na legislação penal francesa, garantindo, desse modo, a necessária proteção às mulheres.

            Uma importante inovação foi a criação do Ministério da Reconstrução Produtiva, cargo que foi concedido a um representante da ala mais à esquerda do Partido Socialista, o líder Arnaud Montebourg.

            Cabe ressaltar que a reindustrialização da França foi um dos temas centrais da campanha eleitoral.

            Hollande chega ao poder com prioridades bem definidas e um cronograma previamente apresentado listando a sequência em que as providências serão adotadas. As primeiras medidas que constam nesse cronograma são a elevação do poder aquisitivo das famílias e reformas imediatas para sanear as contas públicas e também o setor industrial. Vejam bem: melhorar o poder de compra das famílias, fazer reformas imediatas, para melhorar as contas públicas e o setor industrial.

            No contexto do esforço para elevar o poder aquisitivo das famílias, o preço dos combustíveis foi congelado por um período de três meses, dando cumprimento a mais uma promessa de campanha. A medida é importante, sobretudo para as zonas não urbanas, onde não há disponibilidade de transporte público.

            Para mais adiante, está prevista a revisão das instituições francesas, o que inclui a concessão do direito de voto nas eleições locais aos estrangeiros residentes na França há pelo menos cinco anos. Atualmente, apenas os estrangeiros de países da União Europeia têm direito a voto nas eleições municipais francesas. A proposta de Hollande, incluída em seu programa de governo, amplia esse direito aos estrangeiros que não procedem da União Europeia.

            Sr. Presidente, é talvez nas áreas da previdência social e da defesa do emprego que os trabalhadores franceses sentirão mais imediatamente a diferença de postura do novo governo, valorizando a previdência pública e o salários dos aposentados e também dos pensionistas. Bom exemplo!

            No dia 6 de junho, o novo governo anunciou que os franceses poderão se aposentar aos 60 anos, e não mais aos 62. Enquanto que aqui no Brasil há uma tendência a querer que se aumente, lá na França, estão diminuindo. A medida vai beneficiar cerca de 110 mil trabalhadores até o final de 2013.

            De acordo com dados do governo, os franceses favorecidos pela mudança são aqueles que começaram a trabalhar antes dos 19 anos - aqui no Brasil, a gente começa com 14 anos - e sempre contribuíram com a previdência social. Na prática, a medida exige que o trabalhador tenha contribuído, sim, pelo tempo mínimo, com a previdência social.

            A ministra disse que a decisão é "uma medida de justiça para aqueles que foram mais duramente penalizados com a reforma de 2010" - que elevou de 60 para 62 anos a idade mínima para a aposentadoria.

            É bom lembrar que, aqui no Brasil, no serviço público, a idade é de 60 anos. É bom lembrar que, na fórmula 85/95, também aqui no Brasil, poderá ser 55 e 60.

            A reforma anunciada autoriza ainda que as mulheres tenham uma licença-maternidade de seis meses. E o direito dos desempregados que recebem benefícios avança para dois trimestres. Essas medidas passam a valer a partir de novembro.

            O Primeiro-Ministro, Jean-Marc, anunciou uma grande conferência social antes de 14 de julho, reunindo integrantes do governo com sindicatos de trabalhadores e sindicatos dos empregadores, para discutir as reformas que deverão ser realizadas nas áreas de emprego, profissionalização, salários e condições de trabalho.

            No que se refere à garantia do emprego, o governo socialista promete adotar uma postura firme em face da onda de demissões em massa que se teme possa atingir a economia francesa nos próximos meses. Já antes das eleições, os sindicatos alertavam que as empresas estavam preparando rodadas de demissões após a campanha presidencial.

            Sr. Presidente, segundo dados fornecidos por sindicatos da França, os setores bancário, automobilístico, de telecomunicações e de transportes, entre outros, preparam planos de demissão que podem afetar mais de 50 mil trabalhadores.

            Por isso, o governo francês se antecipa para evitar essas demissões. Hollande já havia alertado os líderes empresariais, antes da eleição, que seu governo não aceitaria isso sem reagir. Determinado a limitar a perda de empregos, o Presidente anunciou uma série de medidas para dificultar as demissões. Entre elas estão o aumento dos custos das indenizações aos trabalhadores para as empresas que distribuem dividendos aos seus acionistas e o estímulo à venda das fábricas em dificuldades a algum investidor interessado, que se comprometa a não demitir e não fechar as empresas.

            Sr. Presidente, para terminar, a vitória de François Hollande representa uma mudança importante no debate político naquele país, na Europa e no mundo.

            Com a chegada ao poder dos socialistas, ganha força o entendimento de que a superação da crise da dívida europeia tem de passar pela dinamização da economia dos países da região, e que o ônus da crise não pode ser colocado exclusivamente sobre as costas dos trabalhadores. Não será pela via da redução dos salários, pela via da redução dos direitos previdenciários e da supressão de direitos dos trabalhadores que as economias dos países europeus conseguirão se reerguer. Essa é a posição do Presidente eleito.

            Muito pelo contrário, o empobrecimento das populações, o encolhimento dos mercados internos dos países, somente levarão ao agravamento da crise, ou seja, o encolhimento dos mercados internos dos países só vai levar a uma crise mais profunda. Por isso, temos que inverter essa lógica na distribuição de renda e na lógica do emprego.

            A adoção de um enfoque mais avançado, atento aos interesses da população trabalhadora, na abordagem da crise econômica abre novas perspectivas para sua superação da Europa.

            Por isso, Sr. Presidente - é a última parte -, todos aqueles que defendem a melhoria das condições de vida da população, seja na Europa ou em qualquer parte do mundo, devem saudar a vitória socialista da eleição francesa que leva, em primeiro lugar, os investimentos no campo social.

            Ninguém ignora que, nos tempos em que vivemos, as dificuldades que afligem um país acabam fatalmente por repercutir nos demais.

            Os trabalhadores brasileiros têm, nessa medida, o maior interesse em que o Velho Continente encontre o caminho para retomar o crescimento distribuindo renda, garantindo emprego e respeitando o direito dos idosos, ou seja, dos aposentados e pensionistas, indo na linha do combate de todo e qualquer tipo de preconceito.

            Obrigado, Senador Mozarildo Cavalcanti.

            Fiz, na íntegra, o meu pronunciamento sobre o novo governo socialista da França.

            Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 19/06/2012 - Página 26672