Pronunciamento de Mozarildo Cavalcanti em 21/06/2012
Discurso durante a 109ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Considerações acerca do aborto de fetos anencéfalos e outro assunto.
- Autor
- Mozarildo Cavalcanti (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/RR)
- Nome completo: Francisco Mozarildo de Melo Cavalcanti
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
POLITICA SOCIAL.
SAUDE.:
- Considerações acerca do aborto de fetos anencéfalos e outro assunto.
- Publicação
- Publicação no DSF de 22/06/2012 - Página 27229
- Assunto
- Outros > POLITICA SOCIAL. SAUDE.
- Indexação
-
- COMENTARIO, PROJETO, REGULAMENTAÇÃO, ABORTO, EMBRIÃO, DEFICIENCIA, FORMAÇÃO, AUSENCIA, TRATAMENTO MEDICO, APROVAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), PROPOSTA, REGISTRO, PROPOSIÇÃO, ORADOR, NECESSIDADE, ADIÇÃO, EXAME MEDICO, OBJETIVO, INTERRUPÇÃO, GRAVIDEZ.
- DEFESA, REGULAMENTAÇÃO, JOGO DE AZAR, REFERENCIA, COMISSÃO PARLAMENTAR DE INQUERITO (CPI), BINGO, APRESENTAÇÃO, MOTIVO, LEGALIDADE, CASSINO, PREVENÇÃO, CRIME ORGANIZADO, CLANDESTINIDADE, PRESENÇA, TECNOLOGIA, INSTRUMENTO, FISCALIZAÇÃO, POSSIBILIDADE, AUMENTO, RECEITA TRIBUTARIA, INCENTIVO, TURISMO, OFERTA, EMPREGO, SUGESTÃO, REALIZAÇÃO, REFERENDO, SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, CONCLUSÃO.
O SR. MOZARILDO CAVALCANTI (Bloco/PTB - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Waldemir Moka, Srs. Senadores e Srªs Senadoras - aqui uma saudação especial à Senadora Ana Amélia -, senhores telespectadores e senhoras telespectadoras da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado, no Brasil, há um modus operandi - vamos dizer assim -, um costume de nunca se enfrentar os problemas de frente, sempre se encontrar uma forma de parecer bonzinho, de procurar não desagradar certas maiorias ou até minorias. Mas, fazendo de conta que a coisa não existe, deixam que aconteça de fato.
Como me referi inicialmente aqui ao caso dos fetos anencéfalos. Quando assumi o meu primeiro mandato de Senador, em 1999, apresentei um projeto que permitia e regulamentava a situação dos fetos anencéfalos. O que são fetos anencéfalos? São fetos cujo cérebro não se forma, não há formação do cérebro. Então, essas crianças gestadas dessa forma, mais da metade delas, morrem dentro do útero da mãe. As que nascem, e geralmente nascem de maneira dificultosa, na maioria das vezes por cesariana, não sobrevivem. A literatura mundial toda mostra isso.
Eu vi, desde os bancos escolares, na Faculdade, ou durante o meu tempo exercendo a profissão de obstetra, como médico obstetra, esses casos e me dava muita pena. Inclusive, vi casos de mulheres que ficaram com distúrbios psiquiátricos em função dessa realidade. Esse projeto nunca andou. Havia um semelhante na Câmara que também nunca andou. Por quê? Porque havia várias correntes que diziam o seguinte: não podemos tirar a vida de alguém. Concordo com esse princípio. Só que ali ninguém está tirando a vida de ninguém porque, na verdade, existe um ser cuja vida é inviável. Então, submeter uma mulher a ter oito meses, dificilmente passa do oitavo mês de gravidez, de uma gestação inútil, já que gera alguém que não tem vida, que não sobrevive, é um absurdo!
Resultado: o Supremo legislou por nós. O Supremo Tribunal Federal disse que é legal fazer a interrupção da gravidez e, inclusive, disse que isso seria regulamentado. O Conselho Federal de Medicina, prontamente, baixou uma resolução regulamentando o procedimento. O meu projeto, que ainda está tramitando aqui, Senador Moka, foi transformado pelo substitutivo do relator num projeto que regulamenta com mais severidade ainda, Senadora Ana Amélia, porque, enquanto o Conselho Federal pede o parecer de dois médicos, o substitutivo do meu projeto pede o parecer de três médicos, além dos exames de ultrassonografia e tudo para poder haver... não é aborto, mas a interrupção terapêutica da gravidez. Isso é diferente. Isso é muito diferente do que estão propondo agora - soube ontem pelos jornalistas -: a permissão de uma mulher abortar se não tiver condições psicológicas de criar a criança. Nesse caso, eu sou completamente contra, Senador Waldemir Moka, porque a Constituição diz que é dever do Estado e direito do cidadão a saúde. Ora, se uma mulher está gestante e não pode ter o filho por uma questão social ou psicológica, cabe ao Estado resolver esse problema e não autorizar o aborto.
O interessante é que o Código Penal permite o aborto em dois casos: no caso de risco de vida da mãe, o que é compreensível, porque se a mãe pode morrer durante a gravidez é justo que se interrompa a gravidez; e no caso de estupro, que é uma coisa vaga. Como se pode comprovar que, de fato, 100%, uma mulher que se diz estuprada foi estuprada? Mas aí vale a palavra dela. Se ela disser que foi estuprada, ela está autorizada por lei a fazer um aborto. Nesse caso, é um aborto, porque vai ser interrompida a vida de uma criança que tem condições de viver para satisfazer a questão legal do estupro.
A mesma coisa, Senador Moka, se dá em relação aos jogos no Brasil. O Brasil faz de conta que regulamentar o jogo é um pecado, causa inúmeros malefícios. Mas o Governo brasileiro, o Estado brasileiro tem as loterias. O que são as loterias? Não são jogos? Não tem gente viciada em jogar na loteria todo mês, todo dia, aliás, toda semana? As pessoas jogam nas diversas modalidades de loteria existentes. Há gente pobre que joga toda semana para ver se ganha algum dinheiro. Isso não é um vício? É. Mas isso é algum transtorno especial?
Eu fui Vice-Presidente da CPI dos Bingos, assim chamada CPI dos Bingos, e eu acho que todo o Brasil se lembra. Ela se originou por quê? Porque o Sr. Waldomiro Diniz, que era assessor da Casa Civil, do Presidente Lula, estava intermediando para legalizar o jogo e recebendo propina do Sr. Carlos Cachoeira ou vice-versa.
Pois bem, na CPI dos Bingos, nós constatamos, realmente, que o jogo já existia. Aliás, toda hora sai na televisão, nos rádios, nos jornais. A Polícia Federal estourando localidades onde tem caça-níqueis, onde tem cassinos e, no entanto, o Brasil faz de conta que é um país puritano e proíbe o jogo.
Aí, eu pergunto: por que proibir o jogo?
Eu vou ler algumas coisas que, por exemplo, é preciso botar para que a sociedade medite.
Primeiro, uma das conclusões da CPI dos Bingos é que a melhor saída para evitar a clandestinidade, o crime, a organização criminosa é, justamente, a regulamentação dos jogo de bingo pela União, isto é, pelo Governo federal. Isso está na página 990 do relatório final.
O Relator da CPI dos Bingos, que é o ilustre Ministro Garibaldi Alves, um homem sério, religioso, ciente dos seus deveres, apresentou um projeto regulamentando essa questão, mas, no Brasil, não anda, por vários argumentos. E eu pedi um estudo da Consultoria Legislativa do Senado sobre a questão. E olhe alguns detalhes, Senador Moka, desse estudo:
Primeiro, há resistência à legalização do jogo, sob o argumento de que produz vício e aumenta a criminalidade, embora seja discutível a veracidade desse último efeito.
Ora, Senadora Ana Amélia, nós todos sabemos que, às vezes, até em casas de família funcionam casas de jogos, onde se aposta pesado.
E esse esquema aí do Sr. Cachoeira, que se associou à atividade ilegal do jogo, envolvendo e corrompendo policiais, autoridades do Ministério Público e até do Judiciário, comprometendo e utilizando várias empresas para funcionar como atrativo, por que acontecia, Senador Moka? Porque o jogo é proibido e a atividade clandestina era estimulada.
Nos Estados Unidos, se tentou, outrora, a proibição da venda de bebidas alcoólicas. O que aconteceu? Surgiu a Máfia, que dominou o comércio do álcool, importando, ou melhor, contrabandeando e fabricando de maneira clandestina o álcool, e explorando vários ramos da atividade econômica.
Então, a mesma coisa é no Brasil.
Outro ponto: em alguns países, como o México e a Rússia, o cassino é visto não como um estímulo à sonegação fiscal, mas como uma medida para compensar a inabilidade de o Estado coletar outros impostos.
A atividade dos bingos, uma das modalidades de jogo, é regulamentada como atividade de entretenimento, sob o controle estatal e participação da iniciativa privada.
Na grande maioria dos países do mundo civilizado, a exemplo das três Américas, do Uruguai ao Canadá, só dois países não têm o jogo regulamentado: Cuba e Brasil.
Parece-me que, nesse ponto, nós somos muito semelhantes, muito iguais - Cuba e Brasil não têm o jogo. Aí, os brasileiros saem, Senador Moka, para jogar no Paraguai, no Uruguai, na Argentina, na Venezuela, lá na fronteira do meu Estado, enfim, para jogar em todos demais países da América do Sul e da América Central; com exceção de Cuba, o jogo é legalizado.
Nos Estados Unidos, estive em uma reserva indígena; dentro da reserva indígena existe um cassino com alta movimentação, com hotel, com tudo, que é explorado, e isso é revertido em benefício dos índios. No Brasil, é proibido - Brasil e Cuba..
Modernos meios de controle tecnológico, como ligação em tempo real aos órgãos controladores e fiscalizadores, permitem que se de tenha uma proteção aos direitos dos consumidores e um rigoroso acompanhamento do recolhimento de obrigações tributárias, como ocorre em diversos países.
Aqui também outro argumento: “Vai servir para a lavagem de dinheiro”. Ora, Senador Moka, lavagem de dinheiro! Está aí mostrado nas diversas CPIs aqui acontecidas, desde a CPI dos Anões do Orçamento, em que determinado cidadão acertou não sei quantas vezes na loteria, passando pela CPI dos Correios, quando se descobriu o mensalão, pela CPI dos Bingos, que a lavagem de dinheiro é feita a três por dois de qualquer forma.
Então, aqui está dizendo, no jogo, com modernos meios eletrônicos, essa lavagem se torna bastante difícil.
Sendo a atividade proibida, as pessoas jogam clandestinamente, pela Internet, em países vizinhos ou nos navios que aportam na costa brasileira, casos em que não há qualquer controle das autoridades brasileiras, geração de empregos no País ou recolhimento de tributos.
A exploração do potencial do mercado de jogos no Brasil resultaria em valiosa receita tributária.
Aqui, também, é um negócio interessante. Eu tenho projeto nesse sentido, Senador Moka, autorizando os jogos em hotéis-fazenda e hotéis de selva na Amazônia e no Pantanal.
Ora, todo o mundo não diz que quer preservar a Amazônia e preservar o Pantanal?
Uma das formas seria estimular ainda mais o turismo pela existência de jogos em hotéis-fazenda e hotéis de selva. Portanto, não seria para qualquer um ir para esses hotéis jogar, e isso geraria emprego, aumentaria o turismo e os impostos que o Brasil cobraria.
Os mais frequentes argumentos para proibição dos jogos se relacionam à exploração da atividade, a problemas de saúde decorrentes do vício e à criminalidade, embora muitos defensores da legalização argumentem que não há bases sólidas que comprovem a associação do jogo com o crime, que só ocorreria justamente pelo fato de a atividade ser exercida clandestinamente. Exatamente aqui: a criminalidade existe é na clandestinidade. Na hora em que for legalizado o jogo, isso desaparece.
No outro extremo, os favoráveis à legalização da atividade argumentam que ela gera emprego e que o Estado perde, com a sua proibição, uma fonte de receita para aplicação em fins sociais. A esses fins sociais as loterias já destinam grande parte - é bom lembrar também a Lei Zico, que permitia aos clubes de futebol fazer isso. Se destinassem a renda dos impostos desses jogos para a saúde, por exemplo, acabaria esse argumento de que falta dinheiro na Saúde, quando, na verdade, falta por corrupção na Saúde.
Afirma-se, também, que o jogo acaba acontecendo, de qualquer forma, na clandestinidade, com prejuízo para os próprios apostadores, que não contam com uma fiscalização eficiente por parte do Estado. Essa fiscalização inibiria, ainda, a parceria do jogo de azar com atividades criminosas - esse é o caso do Sr. Carlos Cachoeira -, tão presentes nos locais onde ocorre a exploração clandestina desses jogos.
Senador Waldemir Moka, até fui aconselhado a não abordar este tema, que é um tema polêmico, um tema desgastante, a que religiosos são contrários. Mas eu entendo que, na hora em que não pudermos debater um assunto, na hora em que não pudermos trazer essa questão para discussão, não vale a pena estar aqui. Assim como eu tinha convicção com relação à questão dos fetos anencéfalos, eu tenho com relação à questão dos jogos.
Eu, por exemplo, já fui a vários países aqui da América Latina e aos Estados Unidos e fui a cassinos; joguei. Nem por isso sou um viciado, nem faço na minha ida a esses países a prioridade de estar nos cassinos. Mas quem vai deixa dinheiro lá. Nas nossas cidades gêmeas - vou dar um exemplo lá de Roraima -, em Santa Elena de Uairén, que é do outro lado da fronteira do Brasil, colado com Pacaraima, há cassino, há todo tipo de jogo, e vive cheio de brasileiros lá, deixando dinheiro, se empregando, porque vai falar o português para os brasileiros. Em Margarita, também na Venezuela, é a mesma coisa. A grande atração de Margarita, além das belas praias, são os cassinos. Então, não consigo entender que, realmente, por uma questão seja ela qual for, nós não pensemos esses assuntos em termos de Brasil, do que interessa de fato à população.
E repito: não é proibindo, tirando o sofá, que a gente resolve o problema. Nós temos é que regularizar. Aí não teríamos hoje o Sr. Carlos Cachoeira, depois de tantos anos da CPI dos Bingos, à frente de uma grande organização criminosa, que envolve todo mundo. Nós não estaríamos vivendo este momento, porque acontece que o Brasil reluta.
É a mesma coisa da questão do feto anencéfalo, Senador Moka. A mulher que tiver um feto anencéfalo não está obrigada a fazer a interrupção da gravidez. Se ela for uma religiosa ou se, por uma convicção pessoal, ela achar que não deve interromper, ela não é obrigada a interromper. Se ela quiser interromper, ela tem que autorizar e, depois, passar por uma junta médica. No caso do jogo é a mesma coisa.
Em Portugal, existe uma legislação das mais avançadas quando se fala dessa questão de que pode gerar dependência e que a pessoa pode ficar compulsiva. Um simples documento assinado por alguém da família pode interditar essa pessoa de frequentar um local de jogo, uma casa de jogo. Então, vamos debater esse assunto, já que se está vivendo uma democracia, no século XXI.
Como está dito aqui, até pela Internet os brasileiros estão jogando, e nós aqui fazemos de conta que somos um país santo porque não tem jogo. E por acaso na Itália não tem, onde está o Vaticano? Por acaso, nos outros países... Como citei, só Cuba e Brasil, desde o Canadá até o Uruguai, realmente não têm jogo.
Então, quero pedir a V. Exª que autorize a transcrição de partes desse material da CPI dos Bingos, porque entendo que é chegada a hora de deixarmos da desfaçatez de não encararmos, de não fazermos o nosso papel. Se for o caso, façamos, então, um referendo popular. Vamos discutir com a sociedade se a sociedade quer ou não quer. Agora, não pode ser o seguinte: algum grupo ter o monopólio da verdade e dizer que isso não pode, porque é isso e aquilo, seja esse grupo qual for.
O que temos de fazer é o seguinte: o que é melhor para a maioria? O que é melhor para o País? Para minha região e para a sua, Amazônia e Pantanal, com certeza, a legalização dos jogos, mesmo que restrita a hotéis de selva e a hotéis-fazenda, seria um incentivo enorme, inclusive um argumento a mais para aqueles xiitas ambientalistas de proteger a selva, porque teria uma atividade a mais, uma geração de emprego que acresceria àquela população que vive lá, além de gerar divisas para o Estado e para o País.
Senador Moka, eu quero agradecer e pedir, portanto, a transcrição dessa matéria.
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DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR MOZARILDO CAVALCANTI EM SEU PRONUNCIAMENTO.
(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I, §2º, do Regimento Interno.)
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Matérias referidas:
- CPI dos Bingos e Cassinos;
- Projeto de Lei do Senado nº 359, de 2007;
- Projeto de Lei do Senado nº 255, de 2009.