Pela Liderança durante a 110ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre os últimos acontecimentos ocorridos no Paraguai, registrando nota veiculada pelo PSOL a respeito da deposição do Presidente Fernando Lugo.

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações sobre os últimos acontecimentos ocorridos no Paraguai, registrando nota veiculada pelo PSOL a respeito da deposição do Presidente Fernando Lugo.
Aparteantes
Wellington Dias.
Publicação
Publicação no DSF de 26/06/2012 - Página 27734
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, SITUAÇÃO POLITICA, AMERICA LATINA, CRITICA, IMPEACHMENT, PRESIDENTE, PARAGUAI, AUSENCIA, DIREITO DE DEFESA, CARACTERIZAÇÃO, GOLPE DE ESTADO, ELOGIO, ATUAÇÃO, GOVERNO BRASILEIRO, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), SUSPENSÃO, RELAÇÕES DIPLOMATICAS, GOVERNO, PAIS ESTRANGEIRO, LEITURA, NOTA, PARTIDO POLITICO, PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE (PSOL), NECESSIDADE, INVESTIGAÇÃO, MORTE, AGRICULTOR, VITIMA, VIOLENCIA.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Srª Presidente, quero me somar aqui ao debate travado nesta Casa em relação aos acontecimentos no vizinho e irmão Paraguai.

            Primeiro, Srª Presidente, quero suscitar a triste lembrança que temos na América Latina e suscitar aqui o saudoso Ulisses Guimarães no seu pronunciamento de promulgação do nosso atual Texto Constitucional, quando aqui proclamava em alto e bom som: “Amaldiçoamos todas as tiranias onde quer que ocorram, onde desgracem homens e nações, principalmente na América Latina.”

            Suscito isso porque nós assistimos a uma série de acontecimentos que, nos últimos anos na América Latina, merece o alerta a todos nós. Há algum tempo depuseram o governo constitucional eleito de Honduras. Retiraram o presidente da república do palácio presidencial ainda de pijama, colocaram-no em um avião e o exilaram para outro país. Instituíram outro governo com a atuação das forças armadas.

            Antes disso, tentaram derrubar o governo constitucional do Presidente Hugo Chávez na Venezuela, num golpe que foi frustrado devido à reação e à mobilização do povo venezuelano.

            Agora ocorre esse gravíssimo acontecimento no Paraguai, em nome de respeitar “a constituição paraguaia, o ordenamento jurídico paraguaio”. Ao mesmo tempo, ocorre um procedimento de deposição de um presidente da república, eleito pelo voto popular, num intervalo de tempo de menos de 36 horas.

            Não quero entrar no mérito do isolamento político do presidente Lugo, ele teve um voto na Câmara dos Deputados, teve quatro ou seis no Senado. Quero entrar no mérito de um princípio que me parece basilar. Veja: nós estamos tendo aqui no Senado da República um procedimento em relação a um Senador da República. A acusação que pesa sobre esse Senador é quebra do decoro e da ética parlamentar. Imaginem se nós fizéssemos o procedimento de afastamento de um Senador da República, em menos de 36 horas, sem garantir para ele o legítimo e necessário direito a ampla defesa e ao contraditório.

            Os princípios da ampla defesa e do contraditório, no meu entender, são princípios supraestatais; são princípios de fundação do nosso Estado de direito, qual nós o conhecemos; são princípios que vêm do pacto civilizatório que nos une desde a Revolução Francesa. No meu entender, esses princípios consolidados no art. 5º, no caso da nossa Constituição da República, estão acima inclusive dos regramentos dos Estados nacionais, porque são princípios que geriram o nosso pacto civilizatório.

            Ora, qualquer Estado que não tenha esses princípios em seu ordenamento constitucional, em seu ordenamento jurídico, será reconhecido por nós não como Estado de direito, mas, sim, como Estado de exceção.

            Então, em decorrência disso, Srª Presidente, considero que o que ocorreu no Paraguai foi de fato um golpe de Estado. Não precisa somente de baionetas nas ruas, de tanques nas ruas, para se caracterizar um golpe de Estado. Quando o parlamento, autoritariamente, usurpa um governo eleito pelo povo, sem garantir ao titular do Executivo os direitos fundamentais de ampla defesa e de contraditório, no meu entender, existe aí um golpe de Estado.

            Por conta disso, quero comunicar aqui a nota veiculada pelo Partido Socialismo e Liberdade, logo após os acontecimentos de Assunção, ainda na última sexta-feira.

O Partido Socialismo e Liberdade do Brasil condena veementemente a deposição do Presidente paraguaio Sr. Fernando Lugo pelo Parlamento daquele país.

O julgamento realizado no Congresso paraguaio, liderado pelos partidos conservadores do país, visa a desestabilizar a democracia, impedindo a conclusão de um mandato de um presidente democraticamente eleito pelo povo. Isso explica o rito sumário utilizado que sequer assegurou as condições mínimas de defesa ao acusado.

Os recentes conflitos onde morreram uma dezena de camponeses merecem investigação e punição dos culpados, mas não podem servir de pretexto para o golpe parlamentar imposto justamente por aqueles que governaram o país, usando da violência e do autoritarismo.

Estes setores não têm condições morais nem políticas para falar em democracia.

Assim, o PSOL defende investigações livres e transparentes sobre os crimes ocorridos em Canindeyú contra os camponeses sem terra e, ao mesmo tempo, repudia qualquer tentativa de transformar a escalada de violência no campo, causada pela brutal concentração de terras nas mãos de [...] [alguns poucos naquele país. Isso não justifica] desestabilizar e depor o governo do Presidente Fernando Lugo e ferir de morte a democracia no Paraguai. Para o PSOL, o delicado momento que vive o Paraguai exige definir que o lugar dos socialistas é ao lado da democracia e da justiça social contra o golpe parlamentar praticado pelos parlamentares representantes dos partidos conservadores.

            Quero saudar aqui a medida tomada por parte do Governo brasileiro de chamar para consulta o seu embaixador em Assunção. Ao mesmo tempo, considero adequada a medida que está sendo debatida, no âmbito do Parlasul e no âmbito do Mercosul, para a próxima reunião, em Mendoza, no sentido de suspensão do governo paraguaio - e não do Estado paraguaio, é bom que assim se diga - de suas atribuições no âmbito da Unasul e no âmbito do Mercosul.

            Srª Presidente, na edição de ontem do jornal O Globo, esse periódico ainda repercutia denúncias dos piores bastidores da tortura acontecida no terrível período da ditadura militar brasileira. O jornal O Globo, em matéria desse domingo, fala toda a crueza, toda a crueldade, todo o absurdo das torturas praticadas durante um Estado de exceção no Brasil. E eu acredito que é um papel de todos nós democratas e de todos nós que frequentamos o Parlamento brasileiro, independente de ter instalado tortura ou não ter instalado tortura, ou decorrências ou consequências do golpe de Estado que ocorreu, no último fim de semana, no Paraguai; nós, como democratas, nós, como Parlamentares que sabemos a importância e o valor que tem a democracia para as instituições e sabemos o avanço civilizatório que é a existência de um Estado democrático de direito.

            Não podemos nos conformar, como se fosse comum a quebra da ordem democrática, a suspensão de garantias constitucionais, a instalação de um novo governo em um país vizinho, como se isso ocorresse naturalmente.

            Eu acredito que nós não podemos tratar esse episódio, esse acontecimento como se natural fosse. É a quebra da ordem democrática. É uma infração clara à cláusula democrática presente nos estatutos da Unasul, presente no tratado que deu origem ao Mercosul.

            O Sr. Wellington Dias (Bloco/PT - PI) - V. Exª me permite um aparte?

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Por conta disso, o Brasil, com o papel de protagonista que tem na América Latina, de protagonista que tem na América do Sul, de fundador e principal arquiteto do bloco sul-americano de nações, não pode se omitir, não pode titubear diante dos graves acontecimentos que ocorrem no país vizinho.

            Eu quero, com muito prazer, conceder um aparte ao Senador Wellington Dias.

            O Sr. Wellington Dias (Bloco/PT - PI) - Senador Randolfe, primeiro, eu gostaria de parabenizá-lo pela forma didática, com sustentação jurídica, como se posiciona, tenho certeza que em nome do PSOL, em nome do seu partido. Neste instante, também o meu partido, reunido no diretório nacional, acaba de tirar uma posição em linha semelhante, ou seja, considerando um golpe, uma quebra da ordem o que estamos vendo, neste instante, na América do Sul. Mais do que isso, há necessidade de termos uma posição firme de acompanhamento, pela forma como todo o processo se deu. Então, eu quero, aqui, me congratular com V. Exª e manifestar, também, a minha posição na mesma direção. Eu acredito que o Parlamento brasileiro precisa acompanhar o tema. Eu acho que precisamos, inclusive, sendo o caso, enviar uma delegação, enfim, para poder fazer o acompanhamento. Não é sustentável que a gente veja com naturalidade o que ali está acontecendo: a derrubada - e esta é a palavra - de um presidente eleito com voto majoritário, numa eleição, inclusive, surpreendente, é bom que se diga, sempre cheia de muita polêmica, desde o começo. Houve muitas outras formas de tentativa de golpe já no processo da eleição - é bom que se diga. De maneira que eu queria me juntar a V. Exª e dizer que o nosso País, pela importância que tem na América do Sul, certamente, deve estar atento e deve tratar isso com toda a prioridade, neste instante, ou seja, a Presidente da República, o Congresso Nacional, todas as forças democráticas e os partidos, enfim, tudo. Precisamos, neste instante, estar juntos, acompanhando, e dedicados, para que a gente não volte a uma época sombria que já vivenciamos aqui na própria América do Sul, no nosso próprio País, em que se considerava, em dado momento, como natural, tamanha era a ousadia de atitudes como essa. Parabéns e muito obrigado.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Senador Wellington, incorporo no todo o aparte de V. Exª, e quero reiterar a parte final do seu aparte.

(A Srª Presidente faz soar a campainha.)

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP) - Já concluo, Sr. Presidente.

            A América Latina tem cicatrizes profundas de experiências de suspensão da ordem democrática, de quebra da ordem democrática, de instauração de governos de exceção.

            Nós temos cicatrizes profundas na vida nacional e temos cicatrizes profundas ocorridas em nossos vizinhos latino-americanos. Portanto, nós não podemos tolerar e aceitar situações dessa natureza que continuem a ocorrer no continente latino-americano.

            Por isso é urgente. Eu saúdo, aqui, as posições já adotadas pelo Governo brasileiro. E se forem necessárias mais posições drásticas, inclusive em relação ao governo do Paraguai, no meu entender, devem ser adotadas.

            Reitero: não posso considerar como normal a suspensão de um Estado de direito, a destituição de um presidente da república num prazo recorde de menos de 36 horas. Não é um impeachment comum. No Brasil, já tivemos a experiência de impeachment. A experiência do impeachment aqui é regrada pela Constituição brasileira. Tem um rito a ser cumprido na Câmara dos Deputados. Tem um período de investigação. O Senado passa a se constituir como tribunal. E imagino que, em qualquer outro lugar do mundo, se pressuponha um processo de afastamento de presidente, em um parlamento bicameral, em que a Câmara afasta, o Senado, como tribunal, processa e julga no tempo devido, com instalação de comissão, com direito à ampla defesa, com direito ao contraditório. Em 36 horas, parece-me que nenhum desses ritos foi seguido.

            E nós não podemos aceitar porque se vira moda na América Latina, daqui a pouco qualquer parlamento vai querer depor presidente em prazo de menos de 36 horas.

            Isso é a chaga aberta para a infecção. Dizem os médicos que, para uma infecção, é preciso haver uma porta de entrada. Nós não podemos aceitar uma nova infecção nas instituições democráticas na América Latina.

            Não podemos aceitar, em que pese uma interpretação de ser o rito da Constituição paraguaia, que se tome essa exceção como algo normal. E aí, em decorrência disso, que nós possamos correr o risco de, na América Latina, termos outras situações parecidas ou semelhantes.

            O Brasil - repito, e para concluir de fato, Srª Presidente - viveu o trauma durante mais de 20 anos. Ainda hoje foi necessário instalarmos uma comissão nacional da verdade para saber tudo o que se passou aqui durante 20 anos de obscurantismo e de arbítrio.

            Estão na nossa memória os lamentáveis acontecimentos no Chile com a deposição do Presidente Allende. Estão na nossa memória os lamentáveis acontecimentos da ditadura militar argentina. Estão na nossa memória os lamentáveis acontecimentos da ditadura boliviana, da ditadura no Peru e por onde se instauraram ditaduras na América Latina. Não podemos ter condescendência em relação a esse caso.

            A defesa da democracia e do Estado de direito é uma conquista do nosso pacto civilizatório, e a América Latina não pode dar passos atrás em relação a esses temas.

            Obrigado pela tolerância, Srª Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 26/06/2012 - Página 27734