Pela Liderança durante a 111ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Manifestação contrária às restrições ao poder investigativo do Ministério Público Federal, ora debatido no Congresso Nacional e no STF. (como Líder)

Autor
Randolfe Rodrigues (PSOL - Partido Socialismo e Liberdade/AP)
Nome completo: Randolph Frederich Rodrigues Alves
Casa
Senado Federal
Tipo
Pela Liderança
Resumo por assunto
REFORMA CONSTITUCIONAL, GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Manifestação contrária às restrições ao poder investigativo do Ministério Público Federal, ora debatido no Congresso Nacional e no STF. (como Líder)
Publicação
Publicação no DSF de 27/06/2012 - Página 28086
Assunto
Outros > REFORMA CONSTITUCIONAL, GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, AÇÃO JUDICIAL, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), PROJETO, EMENDA CONSTITUCIONAL, CONGRESSO NACIONAL, ASSUNTO, RESTRIÇÃO, PODER, INVESTIGAÇÃO, MINISTERIO PUBLICO FEDERAL, CRITICA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, MOTIVO, OMISSÃO, VERDADE, AMPLIAÇÃO, CRIME ORGANIZADO, ESTABELECIMENTO, GOVERNO, NECESSIDADE, MELHORAMENTO, FISCALIZAÇÃO, OBJETIVO, MANUTENÇÃO, TRANSPARENCIA ADMINISTRATIVA, DEMOCRACIA, ENFASE, ESFORÇO, ORADOR, DESAPROVAÇÃO, PROPOSIÇÃO, DESCUMPRIMENTO, TRATADO, ORGANISMO INTERNACIONAL, POSSIBILIDADE, REDUÇÃO, ATIVIDADE, JUSTIÇA FEDERAL, REGISTRO, RELEVANCIA, PROCURADOR GERAL DA REPUBLICA.

            O SR. RANDOLFE RODRIGUES (PSOL - AP. Pela Liderança. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Presidente Eduardo Suplicy.

            Sr. Presidente, Srs. Senadores, os que nos ouvem pela Rádio Senado e os que nos assistem pela Rádio Senado, assistimos a tramitação aqui, no Congresso Nacional, e a ser debatida também, em paralelo, no Supremo Tribunal Federal, tendo inclusive sido iniciado seu julgamento, uma ação que discute, no STF, o poder investigativo do Ministério Público Federal.

            Pelo voto do relator, o Ministro Cezar Peluso, o MP, o Ministério Público, passaria a ter inúmeras restrições no processo de investigação. Aqui no Senado e na Câmara, no Congresso Nacional, há o debate da Proposta de Emenda Constitucional nº 37. Essa proposição e o relatório que, inclusive, aprova, lamentavelmente, essa proposição torna o poder de investigação criminal privativo das Polícias Federal e Civil, alterando os art.. 129 e art. 144 da Constituição da República.

            Esse é um debate corporativo, eminente Presidente; é um debate que omite, na verdade, o centro do problema. Tenho certeza de que os delegados, os honrosos delegados da Polícia Federal e das Polícias Civis pelo País preferem ao debate sobre ampliação do seu poder de investigação e a restrição do poder de investigação do Ministério Público ter melhores condições para execução do seu trabalho e preferem ter assegurada uma remuneração digna e decente pelo trabalho.

            Enquanto se constitui esse debate, um debate corporativo, reitera kafkiano, paralelamente a criminalidade aumenta no País. A criminalidade se instala e se instaura em instituições do Estado democrático de direito. A criminalidade e o crime organizado avançam e contaminam as instituições, em muitos casos o Executivo, o Legislativo e até o Judiciário. Em muitos casos, a criminalidade mostra a sua audácia, como percebemos ser revelado agora, recentemente, na Comissão Parlamentar de Inquérito que investiga os negócios do contraventor Carlos Cachoeira; revela a criminalidade do que é capaz; ameaça Procurador da República, que investigou o contraventor, sua organização e suas relações com agentes públicos; intimida juízes decentes, honestos, que tiveram a coragem e a disposição de determinar a prisão do contraventor; instala-se em instituições pelo País afora. Ou seja, esse é o debate inadequado; esse é um debate que atenta contra o Estado de direito; esse é um debate que atenta contra a Constituição, porque, quanto maior e quanto melhor é o Estado de direito, quantos mais entes e agentes tem fiscalizando.

            Respeito aos direitos humanos, separação e independência dos Poderes, transparência dos gestos públicos e obediência aos valores republicanos e, em especial, disposição para ser investigado e existência de um conjunto instituições que investiguem, são estes valores que constituem um Estado democrático de direito.

            Não é republicano, não é democrático, não é direito a instituição, a aprovação de uma proposta de emenda constitucional que restringe o poder de investigar. Não é republicana, não é democrática a decisão, por parte do Supremo Tribunal Federal, de limitar os poderes de investigação do Ministério Público.

            Eu espero - oxalá! - que o Supremo Tribunal Federal, como suprema Corte nossa, obediente aos princípios constitucionais, não caia nessa sedição, não caia nesse canto da sereia, que, na verdade, enfraquece e desestabiliza as instituições.

            Limitar a atuação do Ministério Público só interessa à contravenção, ao crime organizado, a quem se instala nas instituições do Estado, a quem age nas sombras, nos porões, só interessa a estes limitar o funcionamento dessa instituição republicana, que foi promovida, na Constituição de 1988, da condição então existente de advogado dos interesses dos Estados para a condição nova de advogado dos interesses da sociedade.

            Torço e trabalharei aqui no Congresso para que esta PEC não avance e não triunfe.

            Eu espero do Supremo Tribunal Federal uma tomada de decisão no sentido de garantir as prerrogativas que tem o Ministério Público. Ora, seria impossível o sucesso de operações como Vegas, como Monte Carlo - em especial Monte Carlo - se não houvesse tido uma atuação em comum de Polícia Federal e de Ministério Público. Isso teria sido impossível se a atuação de investigação de um não tivesse sido completada com a diligente atuação de honrosos, honorables procuradores da República que tiveram a disposição de fazer com que a investigação fosse em frente, doesse em quem doesse, duelasse quem duelasse, atingisse quem tivesse de atingir.

            A Associação Nacional dos Procuradores da República tem a opinião que a realização de diligência investigatória diretamente pelo MP é plenamente compatível com o modelo processual brasileiro e com a sua missão constitucional. Além disso, o poder de investigação por membros do Ministério Público está previsto em um conjunto de tratados internacionais, dos quais o Brasil é signatário.

            O Dr. Roberto Gurgel, Procurador-Geral da República, destacou que:

Excluir a possibilidade de investigar é amputar o Ministério Público. Se este for o entendimento predominante, com todo o respeito devido, certamente teremos um [Ministério Público] apequenado, um MP incapaz de cumprir suas atribuições (...)

            Muito distante, muito distante mesmo do espírito do constituinte originário de 1988, que deu luz a uma instituição que deveria atuar como advogado da sociedade.

            Estudo, Sr. Presidente, realizado pela Fundação Getúlio Vargas, indica que, entre 2002 e 2008, houve desvios de R$40 bilhões em contratos com o Governo. Limitar o papel do MP em um País como o nosso, infelizmente ainda marcado pelo germe, pela praga da corrupção, com impunidade e com altos índices de criminalidade, significaria um enorme retrocesso para a Nação brasileira.

            Tenho um exemplo no meu Estado da atuação do Ministério Público e do papel que tem cumprido em defesa do Estado de direito, das instituições, da democracia.

            Na realidade, ao invés do seu enfraquecimento, deveríamos discutir como fortalecer o papel de investigação do Ministério Público. Não é possível concordar. Não é admissível aprovar nesta Casa essa PEC, que muito bem tem sido tratada como a PEC da Impunidade!

            Faço, aqui, um apelo aos Ministros do Supremo Tribunal Federal: que não adotem o entendimento que reduza o papel de investigação do Ministério Público. Quanto mais agentes investigando, quanto mais agentes atuando e investigando, quanto mais atuação conjunta tivermos de procuradores da República, de promotores de Justiça, de procuradores de Justiça, quanto mais instituições estiverem atuando no sentido de investigar, mais Estado, mais direito e mais democracia nós teremos.

            Eu quero aqui citar dez motivos que considero fundamentais, motivos já citados pela Associação Nacional dos Procuradores da República, para que os ilustres S. Exªs Ministros do STF não tomem a resolução, a decisão contrária ao papel de investigação do Ministério Público.

            Razões há de sobra para que as duas Casas do Congresso Nacional não avancem na aprovação da PEC da impunidade. Primeiro, porque, aprovada a PEC, aprovado o entendimento contrário à MP por parte dos Ministros do STF, seria retirado o poder de investigação do Ministério Público. O Ministério Público deixaria de ter uma de suas principais atribuições conquistadas pela Constituição de 1988, reduziria o papel que o constituinte originário quis dar ao MP como instituição de defesa da sociedade. Isso significa impedir, somente no âmbito do Ministério Público Federal, que mais de mil Procuradores da República trabalhem no combate ao desvio do dinheiro público e no combate à corrupção.

            Se aprovada essa malfadada PEC, seria reduzido o número de órgãos de fiscalização. Isso é atentatório à transparência, princípio indispensável em um Estado de direito. O Ministério Público teria sido impedido de cumprir o papel de investigação de órgãos como Ibama, Receita Federal, Controladoria Geral da União, Coaf, Banco Central, Previdência Social, fiscos, controladorias estaduais. Todas essas investigações poderiam ser questionadas e invalidadas em juízo, gerando uma rede de impunidade, desestabilizando o Estado, desestabilizando instituições e favorecendo só quem se beneficia e caminha ao lado e dentro do crime.

            Se aprovada essa dita PEC, seriam excluídas atribuições do MP, já reconhecido pela Constituição como instituição indispensável no combate à criminalidade e à corrupção. Além de ignorar a exaustiva regulação existente no âmbito do Ministério Público para as investigações, essa PEC não reconhece a atuação de órgãos correcionais, como o Conselho Superior e o Conselho Nacional do Ministério Público, bem como não reconhece esse mesmo papel por parte do Judiciário, nem tampouco reconhece o que diz o art. 129 da Constituição.

            Se aprovado isso, se triunfar o entendimento de que não pode haver investigação por parte do Ministério Público e por parte do STF, isso vai contra as decisões já prolatadas por tribunais superiores, que já garantiram a possibilidade de investigação pelo MP.

            Condenações recentes de acusados por corrupção, tortura, violência policial e crime de extermínio contaram com a investigação independente do MP, em que a polícia foi omissa.

            Se aprovada essa PEC, vai ser gerada uma enorme insegurança jurídica e vai ser desorganizado todo o sistema brasileiro de investigação criminal, visto que permitirá que réus, em inúmeros procedimentos criminais, suscitem novos questionamentos processuais sobre supostas nulidades, retardando investigações e colocando em liberdade responsáveis por crimes gravíssimos. Só corrupto e criminoso se beneficiariam dos resultados dessa PEC. Teremos enfraquecido o sistema de investigação criminal existente em nosso País.

            Além do mais, o Brasil iria dar um péssimo exemplo para o mundo. Iríamos caminhar na contramão de tratados internacionais já assinados pelo Brasil, tratados como a Convenção de Palermo, que trata do combate ao crime organizado; como a Convenção de Mérida, que trata sobre o combate à corrupção; e a convenção das Nações Unidas contra o Crime Organizado Transnacional, que determina uma ampla participação do Ministério Público nas investigações.

            Se ela triunfar e se triunfar também entendimento contrário às atribuições do Ministério Público, estaríamos, no mundo ocidental, no mundo dito democrático, adotando modelos completamente opostos ao de um conjunto de países que avançaram ao longo de 200 anos em suas legislações. Nós, que tivemos essa conquista ao longo de 20 anos, deixaríamos de nos assemelhar à Alemanha, à França, à Espanha, à Itália, a Portugal e aos Estados Unidos e passaríamos a nos assemelhar a nações onde o desenvolvimento civilizatório não contou com o pressuposto da instituição de organismos de defesa do cidadão como a nossa Constituição adotou em relação ao MP.

            Se adotada essa PEC, se adotado o entendimento contrário do Supremo Tribunal Federal, as Polícias Civil e Federal, que não têm, em muitos casos, em muitos Estados da Federação, capacidade operacional nem dispõem de pessoal ou meios materiais para levar adiante todas as notícias de crimes organizados, teriam mais uma atribuição sem a necessária salvaguarda e retaguarda para suas atribuições. Em percentual significativo dos casos noticiados, várias vezes, a investigação não é concluída pela Polícia. É o que aponta o relatório da Estratégia Nacional de Justiça e Segurança Pública.

            Além do mais, Sr. Presidente, essa PEC não tem apoio unânime de todos os setores da polícia. A Federação Nacional dos Policiais Federais afirmou em nota que “a despeito de sua condição policial, manifesta-se contrariamente à PEC em atenção à estrutura interna da Polícia Federal e aos dados sobre eficácia do inquérito policial no Brasil, com baixos indicadores de solução de homicídios em diversas metrópoles, que, a seu ver, evidenciam a ineficácia do instrumento e desautorizam que lhe seja conferida a exclusividade".

            É o que diz a nota da Fenapef (Federação Nacional dos Policiais Federais), contrária à aprovação dessa PEC.

            Por fim, Sr. Presidente, se essa PEC e se entendimento contrário também prevalecerem por parte do Supremo Tribunal Federal, e for aprovado, o trabalho integrado nas ações de investigação entre Polícia Federal e Ministério Público, que, repito, já foi responsável por importantes êxitos, por operações bem-sucedidas que desbarataram esquemas de crime organizado no País, se essa PEC, e por acaso o entendimento contrário do Supremo Tribunal Federal triunfar, esse trabalho cooperativo será desarticulado e desestruturado.

            Não venho aqui com nenhuma atuação corporativa, não sou membro do Ministério Público, mas sei o que significou, na Constituição de 1988, o status alcançado pelos Ministérios Públicos: de anterior advogado do Estado para, a partir da Constituição, advogado dos interesses da sociedade.

            Aprovar essa PEC, triunfar no Supremo um entendimento limitador à atuação do MP é um retrocesso para as instituições democráticas brasileiras. Em vez de debatermos isso, deveríamos estar debatendo exatamente o contrário: deveríamos estar debatendo a ampliação do poder de investigação, o financiamento da atuação das Polícias Civil e Federal, deveríamos estar debatendo a estruturação da Polícia Federal brasileira nos diversos cantos deste País, que, em muitos lugares, tem uma atuação precária e conta com policiais heróicos para cumprir com o seu dever.

            Não é limitando o poder de investigação de um, não é jogando Ministério Público contra policiais como se antônimos fossem - e antônimos não são, mas, sim, cooperativos - que vamos avançar na construção de um Estado democrático de direito moderno.

            Então, que essa PEC não avance no Congresso Nacional e que o Supremo Tribunal Federal tenha um entendimento à luz do espírito do legislador constituinte de 1988.

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 27/06/2012 - Página 28086