Discurso durante a 112ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Considerações acerca do impeachment do Presidente do Paraguai, Fernando Lugo.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA.:
  • Considerações acerca do impeachment do Presidente do Paraguai, Fernando Lugo.
Aparteantes
Pedro Taques.
Publicação
Publicação no DSF de 28/06/2012 - Página 28419
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA.
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, POLITICA, PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI, REGISTRO, HISTORIA, PAIS, DIFICULDADE, GOVERNO, EX PRESIDENTE, RESULTADO, IMPEACHMENT, ANALISE, ASSUNTO, CRITERIOS, FIDELIDADE PARTIDARIA, REGIÃO, PREDOMINANCIA, SETOR, AGRICULTURA, GOVERNO ESTRANGEIRO, INFLUENCIA, IMPRENSA, ESTRANGEIRO, ENFASE, PRESENÇA, BRASILEIROS, LOCAL, PROBLEMA, VIOLENCIA, SEM-TERRA, POSSIBILIDADE, MOTIVO, CASSAÇÃO, OPINIÃO, ORADOR, INJUSTIÇA, CRITICA, POSIÇÃO, POLITICA EXTERNA, BRASIL, NECESSIDADE, MANUTENÇÃO, SOBERANIA NACIONAL, DEMOCRACIA.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores - além do Presidente, há dois Senadores no plenário neste momento, o Senador Raupp e o Senador Pedro Taques -, quero conversar um pouco sobre a crise no Paraguai.

            O Paraguai viveu 50 anos de ditadura colorada. Antes disso, se não me engano, de 1904 a 1947, o Paraguai foi governado pelo Partido Liberal Radical. Mas, de repente, não mais que de repente, um bispo de San Pedro ligado aos movimentos sociais resolve enfrentar o monopólio político e as oligarquias e registra a sua candidatura. Era um momento especial. E a população, motivada, elege o Bispo Fernando Armindo Lugo Méndez como Presidente da República. Nesse momento, o Bispo tinha como aliado o Partido Liberal Radical autêntico, que ofereceu o seu Vice, Frederico Franco.

            As oligarquias paraguaias jamais se conformaram com a vitória do Bispo. Os partidos principais são o Colorado, da ditadura de 50 anos, inclusive com Stroessner, e a Unace, do General Oviedo.

            A dificuldade de governo do Presidente Lugo foi monstruosa, porque o foco da eleição que elegeu o Presidente Lugo Méndez se dirigiu para a eleição da presidência da República. Mas o Lugo não contava com o apoio de estruturas partidárias concretas, formadas, eficientes, e as eleições no Paraguai são feitas através de listas partidárias. São listas partidárias organizadas pela burocracia dos partidos, profundamente vinculada às oligarquias.

            A dificuldade de governo de Fernando Lugo era tão grande, que, por três anos, em Brasília, o Paraguai não teve embaixador. Só há mais ou menos 30 dais, conseguiu-se nomear o embaixador paraguaio em Brasília. A direção de Itaipu era rejeitada pelo congresso paraguaio, e as dificuldades apresentadas ao governo progressista de Lugo eram enormes.

            As listas partidárias formadas pelas oligarquias burocráticas dos partidos eram eminentemente conservadoras. Então, no Paraguai, houve um presidente progressista e um Congresso conservador. Eu diria, Senador Pimentel, que, mutatis mutandis, há qualquer coisa parecida com a contradição entre o Código Florestal defendido pela Presidenta Dilma e o defendido pelas bancadas ruralistas no Congresso Nacional. Só que lá não havia sequer a mediação dos setores mais progressistas, mais modernos da economia. O Paraguai tem uma estrutura basicamente rural, e os ruralistas dominavam o Congresso Nacional enquanto Lugo queria fazer as mudanças. Isso foi praticamente inviabilizando seu governo, tornando seu governo de uma dificuldade incrível.

            Em 20 de dezembro do ano passado, em Montevidéu, na cúpula dos Presidentes do Mercosul, a nossa Presidente Dilma Rousseff, o Presidente do Uruguai, a Presidente da Argentina e Lugo Méndez, do Paraguai, assinaram uma modificação no Tratado de Ushuaia, aprimorando as regras democráticas do Mercosul. Lugo assinou, e foi esse um dos motivos levantados pelos seus adversários para que fosse cassado. Estaria Lugo assinando cláusulas democráticas, viabilizando a intervenção estrangeira na soberania paraguaia? Foi um dos motivos levantados que justificaram a sua cassação.

            Quando o Congresso paraguaio se recusa a ratificar as cláusulas democráticas, isso significa que já estava prevendo a derrubada do Presidente Lugo Méndez.

            O Paraguai tem uma estrutura política muito conservadora e muito antiga. As oligarquias, as listas partidárias no Senado e na Câmara Federal, tudo isso fez com que o exercício da presidência da República, que fora interrompido por um movimento popular súbito numa determinada oportunidade, estivesse nas mãos do Presidente Fernando Lugo Méndez, o que lhe daria a possibilidade muito clara de influir pesadamente na eleição do seu sucessor ou, talvez, como penso ao interpretar algumas pesquisas das quais tomei conhecimento, de eleger o seu sucessor, uma vez que não existe a reeleição presidencial no Paraguai.

            O Partido Liberal estava há 72 anos fora do poder e, dentro da perspectiva de eleger Federico Franco Presidente da República pela via do impeachment, de um juízo político que afastasse o Presidente, associou-se ao Partido Colorado e à Unace. Inicialmente, o golpe previa outra direção, mas o plano b era a eleição de Federico Franco, o que era muito conveniente para a Unace e para o Partido Colorado, porque Federico Franco, no exercício da Presidência da República, não poderia mais tentar uma reeleição, não poderia ser candidato, ao mesmo tempo em que tiraria das mãos dos progressistas, representados por Fernando Lugo, a possibilidade da utilização da máquina ou da influência da máquina na eleição do sucessor do Presidente da República. Então, assim se deu.

            A par disso, há influência, cantada hoje em prosa e verso pela imprensa internacional, de grupos que queriam produzir alumínio no Paraguai. A matéria-prima do alumínio é a energia elétrica, e o Paraguai tem 50% da energia de Itaipu, que, através do tratado, se não for utilizada, pode ser vendida ao Brasil. Esses grupos tentaram se instalar no Paraguai com energia fortemente subsidiada pelo Estado. Fernando Lugo se opôs, mas o seu Ministro da Indústria e Comércio era favorável, tanto que, depois do golpe, foi mantido por Federico Franco.

            Além disso, há o problema dos transgênicos da Monsanto e sua guerra pelo domínio e as tradings que trabalham com a exportação de grãos. O Paraguai, hoje, se não me engano, é o quarto produtor de soja no mundo, principalmente nas áreas ocupadas pelos brasiguaios, que, na verdade, hoje são quase todos paraguaios, nascidos no Paraguai, falam espanhol e guarani, frequentam escolas paraguaias e, sem a menor sombra de dúvida, como descendentes de europeus e de outros povos do Brasil, têm orgulho da sua bandeira e do seu país.

            Seiscentas famílias de brasileiros produzem entre 75% e 90% da soja produzida e exportada no Paraguai. Aí se instalou, então, a base logística do golpe. Em 30 horas, a Câmara faz algumas acusações absolutamente inconsistentes, como, por exemplo, a de que o Presidente Lugo Méndez era responsável por uma tragédia perto das fronteiras com o Brasil, quando, por ordem judicial, um grupo de policiais tenta uma reintegração de posse numa propriedade, se não me engano, pública ou do Senador Riquelme.

            Não sei ao certo, neste momento, qual foi exatamente o caso e qual era a propriedade.

            Provocadores atiram na polícia, a polícia atira nos carperos. Carperos são os que ficam em barracas à espera de uma terra, viabilizada por uma sonhada reforma agrária feita pela Presidência da República e pelo Estado.

            Esse foi o motivo.

            Na verdade, esse motivo seria para a cassação do presidente, se ele não tivesse determinado à polícia que cumprisse a ordem judicial. Seria a mesma coisa que pretendermos cassar o Lula pelo desastre da polícia no Pará, no acidente terrível no confronto com os sem-terra. Mas não é assim que se procede no Brasil.

            Absolutamente ridículas as propostas de juízo, mas o Congresso muda os critérios e atropela a Constituição, que, no seu art. 17, garantia o devido processo legal, o direito de defesa, os prazos, a possibilidade de o Presidente da República responder a cada uma das acusações, o tempo suficiente para resposta e para contradição.

            Para a oposição, as alegações feitas.

            E derrubam o Presidente Lugo, assumindo imediatamente o Presidente Frederico Franco, do Partido Liberal Radical Autêntico, que se associou à Unace e se associou ao Colorado.

            O Presidente Lugo foi pressionado por setores até da própria Igreja, que, temerosa por um derramamento de sangue, pedia-lhe que renunciasse. Ele não renunciou, mas aceitou sem resistência maior a sua deposição do governo. E se propõe a continuar na política, a ser Senador ou a esperar, como ele mesmo diz, que um milagre o reconduza ao poder no Paraguai.

            Quero dizer que fica muito clara, para mim, a existência de um golpe, que atropelou a Constituição, que impediu o presidente de governar. Fica muito clara a contradição entre um presidente progressista, que não podia trabalhar. Isso, evidentemente, era um motivo sério de desgaste diante da população. Lugo não podia nomear o Embaixador do Paraguai no Brasil por três anos; não podia nomear a direção paraguaia de Itaipu. Isso o desgastava, e ele, para evitar um confronto armado, pacificamente deixa o governo, pretendendo continuar democraticamente a luta.

            Qual é a posição, então, do Mercosul? Os nossos Presidentes, como eu - e acredito que como a maioria absoluta dos congressistas brasileiros, dos Senadores, dos Deputados -, são absolutamente a favor da autodeterminação dos povos, da soberania paraguaia. Mas a soberania não pode significar a ditadura congressual, não respeitando nem um dos princípios processuais e garantias do contraditório, que são universais. Se acreditássemos nisso, Senador Pedro Taques, nós aceitaríamos que um congresso de qualquer país se reunisse e decretasse o restabelecimento da escravatura. Não é assim. Não é aceitável o golpe de Estado. E o Paraguai, por iniciativa dos Presidentes da República, provavelmente será suspenso das instâncias decisórias do Mercosul e da Unasul.

            Mas a posição da nossa Presidente é a mesma posição dos Parlamentares mais esclarecidos do Congresso Nacional. O povo paraguaio não pode ser punido por isso. Nós não podemos tratar de radicalizações comerciais que impeçam a vida dos empresários paraguaios, os empregos da sua população. Não se trata disso. Mas se trata de dizer, com toda clareza, que os princípios democráticos consagrados no Protocolo de Ushuaia II, que foi o Protocolo de Montevidéu, são inegociáveis. A democracia é inegociável no Mercosul. A democracia é inegociável na Unasul. A democracia deve ser inegociável no Planeta Terra.

            Então, perguntaríamos: o que pode fazer o Parlasul? Eu sou o Presidente da Representação Brasileira do Parlasul. Muito pouco. Porque o Parlasul deveria ser, ou é, o embrião do Parlamento do Sul. Mas ele foi instituído pelos governos presidencialistas do Paraguai, do Uruguai, da Argentina e do Brasil. Ele existe hoje só com o estatuto de aconselhamento para os governos, de propor leis, propor mudanças. Ele não decide nada.

            Se, nesta sexta-feira, em Mendonza, os governos resolverem suspender o Paraguai, o Paraguai estará automaticamente suspenso do Parlasul, que se reúne no dia 2, em Montevidéu. Mas, nós, do Parlasul, como consenso da nossa última reunião, não queremos submeter os parlamentares paraguaios ao mesmo processo a que eles submeteram o Presidente Lugo Mendes - condenação sem espaço para o contraditório, sem juízo.

            Nós decidimos que a posição brasileira será a de dar voz aos paraguaios, na reunião do dia 02, para que eles coloquem as suas posições, para que o contraditório se estabeleça, mesmo que, depois, tenhamos, necessariamente, que cumprir as determinações dos Presidentes. Nós daremos voz aos paraguaios para eles entenderem por que condenamos o golpe, por que não aceitamos essa violação da democracia, dos procedimentos processuais. Nós daremos a eles, de qualquer maneira, o espaço para o contraditório. Mas é evidente que, se grandes grupos econômicos apoiaram o golpe, se a questão foi dos interesses do alumínio do Canadá, se a questão foi das tradings que negociam a soja paraguaia, se a questão foi dos que vendem as patentes dos transgênicos, se foi uma questão comercial de grandes interesses, nós teremos um comportamento diametralmente oposto, mas vamos dar, sim, a oportunidade. E a Presidente Dilma já deixou claro que retaliação que prejudique o povo paraguaio por parte do Brasil não existirá.

            Vi, outro dia, um suposto presidente de Itaipu, novo presidente, que, pelo que sei hoje, sequer foi nomeado, imaginava-se presidente, que deu uma declaração: o Paraguai não vai mais vender 50% da sua energia de Itaipu para o Brasil. Ridículo! Só pode vender para o Brasil e para a Argentina. A utilização interna seria o desejável, o necessário, o que temos sugerido ao Paraguai, ao longo do tempo, a sua industrialização, mas eles têm preferido os 360 bilhões que estão recebendo do Brasil hoje a ver o seu povo empregado, a sua indústria se desenvolvendo. São as oligarquias funcionando dessa maneira. E sequer eles têm distribuição de energia para utilizarem internamente. Então, vão, sim, vender a sua energia ao Brasil, vão vender a energia à Argentina, porque, do contrário, não terão o que fazer com ela. Essa ameaça é absolutamente ridícula.

            Eu, pessoalmente, sou amigo do Presidente Fernando Lugo Mendes, mas sou muito amigo também de um dos supostos líderes do golpe, o General Oviedo, meu amigo pessoal, há muito tempo. É um pró-Brasil, embora um pouco à direita do que eu gostaria do comportamento de um político importante no Paraguai, mas é um sujeito decente, cumpre a sua palavra.

            Então, acho que essa visão moderada da Presidente Dilma, mas intransigente em relação aos princípios democráticos, é a postura correta a ser tomada pelo País. Será a postura que levarei, pessoalmente, ao Parlasul e será a postura da Presidenta em Mendoza. De qualquer forma, que fique bem claro: nós não podemos, de maneira alguma, aceitar o golpe.

            Meu filho, outro dia, colocava no Twitter e me chamava a atenção. Dizia ele que não importa se você é de esquerda, não importa se você é de direita, não importa se você é apolítico. Se você tem bom senso, um conhecimento mínimo do Direito, sabe que o que houve no Paraguai foi um golpe. E o golpe não é admissível nem lá, nem aqui.

            Um golpe, Senador Pedro Taques, muito parecido com o que se tentou com o Lula, em determinado momento, em que até a OAB teve uma disputa interna dura em relação aos que propunham o impeachment do Presidente eleito pela população, com grande popularidade no País e com um governo bem-sucedido do ponto de vista do interesse das massas populares.

            Nós não podemos aceitar isso. A posição do Brasil, espero, será intransigente em relação ao golpe.

            Vi alguma divisão no nosso Plenário. É uma identificação pouco refletida do pessoal mais ligado à economia rural com os ruralistas paraguaios, que acabam sendo objeto de manobra das tradings e das multinacionais, dos grandes produtores de sementes e dos interesses das empresas que querem energia a preço de custo para desenvolver a produção de alumínio.

            Eu concedo, com todo o prazer, um aparte ao Senador Pedro Taques.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - Senador Requião, quero parabenizá-lo pela fala. Um discurso que traz argumentos históricos, argumentos da geopolítica paraguaia, argumentos conjunturais, argumentos jurídicos e constitucionais, o conhecimento de V. Exª, inclusive, dos personagens envolvidos nesse acontecimento. A minha dúvida é apenas no seguinte sentido: o que é democracia? Alguns entendem que, na Alemanha nazista, existia democracia, porque Hitler foi eleito em 1933, como V. Exª bem sabe. Alguns defendem que exista democracia em Cuba. Este Senado entendeu que existe democracia na Venezuela, e o Chávez tem a maioria no Congresso da Venezuela e aprovou a possibilidade de reeleições através de referendos, que são constitucionais, de acordo com a lei fundamental da Venezuela de 1998. Muito bem, o que é democracia? Democracia é respeito à liberdade, à igualdade e à dignidade da pessoa humana. No caso do Paraguai, a constituição paraguaia foi obedecida - respeito a posição de V. Exª.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Menos do ponto de vista processual.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - Do ponto de vista processual, o art. 17 da constituição do Paraguai foi regulamentado por uma resolução...

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Às vésperas da deposição do Presidente Lugo.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - Vou comentar a resolução. Às vésperas, sim, do processo que resultou no impedimento do presidente paraguaio. Não estou aqui a defender, estou discutindo em tese. Reconheço que, processualmente, esse prazo pode ser não justo, e o devido processo legal significa um processo que seja justo.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Contraditório...

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - O devido processo legal aqui como uma cláusula que abarca o contraditório e a ampla defesa, no sentido substancial do devido processo legal. Esse prazo é curto. Reconheço isso. Mas esse prazo foi acatado pelos parlamentares paraguaios. A sociedade paraguaia, ao menos o que consta até as 20h18, não se manifestou contrariamente, a não ser alguns, e isso faz parte do Estado democrático de direito. A imprensa se encontra livre no Paraguai. O primeiro ponto é este: reconheço que o prazo é exíguo para a defesa nesse sentido. Mas a discussão que devemos fazer é a seguinte: o que é democracia para a República Federativa do Brasil? A diplomacia nacional, errante, reconhece que existe democracia em Cuba, na Venezuela, mas, no Paraguai, não existe democracia. Louvo essa posição do debate que se fará na sexta-feira...

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Segunda-feira, dia 2.

            O Sr. Pedro Taques (Bloco/PDT - MT) - Segunda-feira, dia 2. Não é possível justificarmos o erro do Paraguai e cometer os mesmos erros. Concordo com essa decisão da Presidente da República. Outro ponto - e já encerro, Sr. Presidente e Senador Roberto Requião -, a Constituição da República Federativa do Brasil, no art. 4º, estabelece que nós somos um Estado que respeita a autodeterminação dos povos. Aliás, esse é um princípio que surge depois da Segunda Guerra Mundial. Aqui, no Brasil, com os países não alinhados, a partir de 1963, como V. Exª bem sabe. Será que a nossa diplomacia falou? E conheço o embaixador do Brasil no Paraguai. Ele foi anteriormente embaixador no Uruguai, um cidadão competente. A minha dúvida é se a República Federativa do Brasil não estaria descumprindo a nossa Constituição. O prazo é exíguo, reconheço a posição de V. Exª, que tem mais conhecimentos fáticos do que eu nesse caso. Parabenizo-o pela profundidade da sua fala.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Vamos à definição de democracia. Recorro a um dos ilustradores da minha juventude, Otto Maria Carpeaux. A definição não é minha. É dele.

            Democracia é o regime que age pela vontade da maioria, mas se define pela sua essência. E a essência da democracia é a liberdade das minorias e a possibilidade de, pelo exercício do direito de expressão e pelo convencimento, poderem se tornar, em determinado momento, maioria também. Isso, para mim, é democracia.

            Agora, a nossa política externa tem defeitos. Não é o defeito da Dilma, não é o defeito do Lula, é o defeito da história, da inserção do Brasil, da diversidade das posições dentro do exercício da diplomacia brasileira.

            Mas, veja, o Paraguai vinha impedindo, por exemplo, a entrada da Venezuela no Mercosul. O Paraguai tem um Produto Interno Bruto de US$14 bilhões a US$16 bilhões. A Venezuela tem um Produto Interno Bruto de US$300 bilhões. Mas o Paraguai, que tinha uma necessidade brutal de acessar o mercado venezuelano, por influências ideológicas de interesses das grandes empresas e dos colonizadores de países mais fracos, vinha resistindo a esse processo, notadamente no Senado, porque, na Câmara, passaria com tranquilidade.

            A Venezuela tem 300 bilhões, a Argentina tem 366 bilhões de PIB e o Uruguai tem US$34 bilhões de Produto Interno Bruto. Para V. Exª ter uma ideia, Senador Taques, fui governador do Paraná por três vezes, e o Produto Interno Bruto do meu Estado é R$234 bilhões. Portanto, mais ou menos, cinco vezes maior do que o do Paraguai e o do Uruguai juntos. Mas o Uruguai não tem oposto dificuldades.

            Então, nós estamos vendo que esse golpe no Paraguai, feito pelos interesses do alumínio, da negociação mundial de sementes transgênicas das tradings, pode ter saído pela culatra. Sim, pode ter saído pela culatra. Porque, suspenso o Paraguai, automaticamente o Brasil, a Argentina e o Uruguai, que já admitiram, através do pronunciamento de seus congressos, a entrada da Venezuela, podem fazê-lo imediatamente. E isso nos daria a possibilidade de construirmos, inclusive para o Paraguai, em futuro próximo, depois de sua democratização, por meio da eleição do presidente da república, um projeto comum de desenvolvimento industrial.

            Nossas economias estão primarizadas, absolutamente primarizadas. São 600 famílias de brasileiros que produzem de 75% a 90% da soja no Paraguai. A economia brasileira está vivendo de petróleo, ferro, soja, carne, açúcar e milho. Isso é a primarização, é a regressão a épocas longevas, que já devíamos ter superado.

            Não quero atribuir isso a governos recentes, Senador Pimentel, mas, em 1980, a economia brasileira industrial tinha um produto superior ao da Tailândia, da Malásia, da Coreia do Sul e da China juntas. Dados oficiais de 2010 demonstram que nós não produzíamos, em 2010, e hoje deve ser muito menos, 15% industrialmente do que essas economias produziam. A nossa indústria avançou, mas avançou muito mais, em função do desenvolvimento da China, o comércio das commodities. Nós temos que superar isso.

            Eu acredito que a entrada da Venezuela no Mercosul nos dará, a todos nós e à Venezuela também, um fôlego especial nesse processo. Então eu diria: os interesses econômicos, o quase imediato reconhecimento dos Estados Unidos ao juízo político do Senado, podem sim ter saído pela culatra.

            Por outro lado, o Lugo foi impedido de governar e teve uma pressão da igreja católica para que não oferecessem resistência apara evitar o massacre. Na verdade, a passividade do Lugo, pedindo que as manifestações não ocorressem, e a dificuldade de locomoção dos camponeses no Paraguai, que é precaríssimo de estradas e de condução, evitaram um confronto, mas esse confronto foi evitado na perspectiva da continuidade do processo de democratização.

            Pessoalmente, Senador Pimentel, acredito que, se o povo paraguaio puder se pronunciar, as oligarquias não elegem mais presidente da república.

            Mas aproveito, ao finalizar, para chamar atenção sobre o funesto resultado de uma lista eleitoral controlada por burocracia partidária. Os paraguaios não sabem em quem votam, votam na cédula azul, na cédula vermelha, votam nos partidos, e as oligarquias escolhem os senadores e escolhem os deputados. E quando as cabeças dos partidos dizem: “Vamos derrubar o Lugo para colocar na Presidência da República Federico Franco, que se aliou a nós e é do Partido Liberal Radical Autêntico”, obedecem mecanicamente.

            E temos, queiramos ou não, um desastre para a democracia, que, graças à visão clara da nossa Presidenta da República, que é quem decide, num governo presidencial, as medidas que, a fim e a cabo, devemos tomar, evitaremos, desta forma e desta arte, uma crise para o povo paraguaio, levando muito a sério e com muita firmeza a censura ao golpe de estado ocorrido no Paraguai.

            Presidente, obrigado pela tolerância a respeito do tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/06/2012 - Página 28419