Pronunciamento de Eduardo Suplicy em 28/06/2012
Discurso durante a 113ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal
Preocupação com a questão das associações dos falsos condomínios; e outros assuntos.
- Autor
- Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
- Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.:
- Preocupação com a questão das associações dos falsos condomínios; e outros assuntos.
- Publicação
- Publicação no DSF de 29/06/2012 - Página 28697
- Assunto
- Outros > ADMINISTRAÇÃO PUBLICA.
- Indexação
-
- CRITICA, INVASÃO, CONDOMINIO, ASSOCIAÇÕES, TERRA PUBLICA, ENFASE, DEMONSTRAÇÃO, ORADOR, ERRO, OBJETIVO, AUMENTO, SEGURANÇA, FATO, SITUAÇÃO, CRIAÇÃO, PREJUIZO, POPULAÇÃO, PEDESTRE, REGIÃO.
- COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, AUTORIA, JORNALISTA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, COBRANÇA, CONDOMINIO, ASSOCIAÇÕES, DESTINAÇÃO, PESSOAS, FALTA, QUALIFICAÇÃO, CONDOMINO, MOTIVO, AUSENCIA, PAGAMENTO, TAXAS, REPARAÇÃO, VIA PUBLICA.
- SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, OFICIO, AUTORIA, ORADOR, DESTINAÇÃO, PREFEITO, MUNICIPIO, COTIA (SP), ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, INVASÃO, CONDOMINIO, VIA PUBLICA.
O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Waldemir Moka, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, trago à tribuna, hoje, um assunto que tem preocupado muitas pessoas em tantas cidades brasileiras: a questão dos falsos condomínios.
Ao longo dos últimos anos, tenho recebido diversas correspondências que apresentam denúncias sobre os graves delitos cometidos por associações de falsos condomínios.
Pelo que diz o Código Civil Brasileiro, um condomínio é instituído por ato registrado no Cartório de Imóveis, no qual fica caracterizado que, em edificações, parte é de propriedade exclusiva e parte é de propriedade comum dos condóminos. Seja um condomínio voluntário, seja um condomínio ediiício, ambos tratam de propriedade privada; não há previsão de condomínio de particulares sobre bens públicos. O art. 98 do Código Civil é claro ao garantir que ruas e praças são bens públicos de uso comum do povo. Assim, todo arruamento é de uso comum do povo, por disposição da lei.
E o falso condomínio? O falso condomínio surge quando alguns moradores de determinada rua ou loteamento, reunidos em grupos, a pretexto de prover maior segurança, criam uma associação, à revelia de muitos dos proprietários, cercam a área com muros, colocam portões, constróem guaritas e portarias dotadas de cancelas e proíbem circulação de pedestres e de veículos considerados indesejáveis. São o exemplo mais eloquente da privatização do espaço público.
Inicialmente, é bom lembrar que, tanto a preservação da ordem pública quanto a proteção das pessoas e de seu património, são deveres do Estado - pela dicção do art. 144 da Constituição da República -, cuja maior carga de responsabilidade repousa como atribuição dos Estados Federados, por meio das polícias militares e das polícias civis,
Sobre o tema, considero que o primeiro direito cerceado pelas atitudes dessas falsas associações de condomínios é o direito de ir e vir, o direito fundamental de locomoção das pessoas, constante do inciso XV, do art 5º, da Constituição da República.
O segundo direito, maculado pelos falsos condomínios, diz respeito aos princípios da legalidade e da autonomia da manifestação de vontade, contidos no art. 5° da Constituição Federal, respectivamente, no inciso II, cujo dispositivo garante que “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”, e no inciso XX, que prescreve que “ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado”.
Segundo a Associação das Vítimas de Loteamentos e Residenciais do Estado de São Paulo, Avilesp, a partir da década de 1970, com o aumento da violência nas grandes cidades, alguns empreendedores imobiliários lançaram loteamentos que, ilegalmente, foram denominados como "fechados", uma vez que dotados de muros e portarias.
Apesar de regidos pela Lei nº 6.766, de 1979, Lei dos Loteamentos ou do Parcelamento do Solo Urbano, e não pela Lei dos Condomínios (Lei nº 4.561, de 1964), passaram enganosamente a chamar esses empreendimentos de "condomínios horizontais" ou simplesmente "residenciais", como estratégia de marketing para atrair a classe média que, graças à veiculação de notícias sensacionalistas sobre violência, se sentia e ainda se sente desprotegida diante da falta de segurança.
A partir daí, conforme afirma a Avilesp, proliferaram empresas particulares de segurança, em geral formadas por profissionais da área de segurança pública - policiais militares e policiais civis aposentados -, que viram nessa empreitada uma atividade rendosa e pouco trabalhosa.
A essas firmas de segurança, juntam-se empresas de administração de "condomínios horizontais", que passam a influenciar prefeitos, secretários municipais e vereadores para a aprovação de leis criadoras de bolsões residenciais, que transferem às citadas empresas as atribuições de prestação de serviços públicos, pelos quais os moradores são duplamente onerados, pois pagam seus impostos e ainda têm que pagar as taxas cobradas pelas administradoras dos "condomínios".
A questão toma um vulto maior quando, influenciados por essas empresas administradoras, que apelam pelo reforço da segurança, parte dos moradores de uma rua, por exemplo, decidem criar e registram em cartório uma associação de condôminos, à revelia e em desrespeito à vontade de alguns moradores. Esses, contrários à decisão tomada, passam a ser obrigados a recolher para a associação taxas e contribuições que, no limite, podem levar à penhora de seus bens imóveis para quitar as supostas dívidas.
Há ainda situações muito estranhas e que, por vezes, obtém a conivência do poder público municipal.
Sobre o tema, tenho recebido várias comunicações, como disse, das quais destaco as correspondências do casal, Drª Sandra Paulino da Silva e Prof. Saulo César Paulino e Silva , que me dão conta de graves arbitrariedades cometidas por particulares e agentes públicos no município de Cotia, no Estado de São Paulo. A Drª Sandra Paulino e o Prof. Saulo César, para alcançarem sua residência, na cidade de Embu das Artes, precisam utilizar a Avenida Dr. Altair Martins, via pública existente no município de Cotia, vizinho a Embu das Artes.
Ocorre que uma associação de moradores fechou a avenida ao estabelecer um falso condomínio no loteamento Gramado, instalando na via pública portões e cancelas e já tendo aprovado a instalação de cancelas eletrônicas com cartões magnéticos, a título de aumentar a segurança do local. Tudo isso ocorrendo com a conivência do poder público, ao arrepio de decisão judicial exarada pela 3a Vara Cível de Cotia, que vê na ação da associação de moradores um ato atentatório à liberdade de locomoção, como há pouco eu estava ressaltando.
A Drª Sandra e o Prof. Saulo já ponderaram oficialmente à Prefeitura de Cotia e à Promotoria de Justiça de Cidade, mas não lograram êxito na defesa de seu direito de ir e vir, um direito constitucional. Eu, que já encaminhei a questão ao Prefeito de Cotia, o Sr. Antônio Carlos de Camargo, por intermédio do Ofício anexo nº 519, de maio de 2012 e à Corregedoria Nacional do Conselho Nacional do Ministério Público, por meio do Ofício anexo nº 581, de junho de 2012, apresento, neste discurso, um apelo construtivo e público ao Prefeito de Cotia, a quem encaminho este pronunciamento, reforçando o pedido para que dê a necessária atenção à questão dos falsos condomínios em seu município.
Destaco também as informações da senhora Mareia Saraiva de Almeida, que me dão ciência do sofrimento por que passa grande número de moradores desses falsos condomínios. Como exemplo, cito a mensagem da Sra. Dilce, de 85 anos, moradora do bairro Jardim Petrópolis, em Maceió, no Estado de Alagoas, que nos diz:
"Tenho 85 anos. Moro com meu marido, também idoso, no bairro Jardim Petrópolis há quase 30 anos. Venho sofrendo a perseguição da associação de moradores, por me recusar a pagar a taxa imposta por ela, Estou sendo processada e corro o risco de ter o meu único bem, minha casa, penhorado. Eu nunca fui associada, mas mesmo assim temo, porque a Justiça de Maceió tem condenado os moradores desses falsos condomínios, alegando que devem pagar, mesmo não sendo associados, sob o pretexto de enriquecimento ilícito. Dia desses, fui abordada dentro da igreja, durante uma missa, e fui cobrada. Foi uma humilhação. No mesmo dia desse aperreio, muito contrariada e chorando muito, tive um AVC e fui parar no hospital. Peço, pelo amor de Deus, providências. O bairro Jardim Petrópolis nunca foi condomínio. Não posso perder minha casa."
No Estado de São Paulo, esta situação é alarmante. Em matéria da Revista da Folha de São Paulo de 13 de maio de 2012, sob o título "Risco e moradia: associações de bairros fazem reparos nas vias públicas e cobram de moradores não filiados", a jornalista Patrícia Britto diz que "na Justiça paulista, é frequente a interpretação de que, mesmo não sendo associado, o morador se beneficia com as melhorias feitas e, portanto, deve participar do rateio de despesas. Com base nesse entendimento, em 2009, o Tribunal de Justiça determinou a penhora da casa do analista de sistemas Augusto Enzo Izzi, 60 anos, então morador do Residencial Parque dos Príncipes, por suposta dívida de R$40 mil. Seu advogado conseguiu evitar que o imóvel fosse a leilão, mas o dono teve R$9 mil penhorados em sua conta bancária, situação que permanece até hoje".
Conforme dados colhidos pela reportagem dos arquivos da Avilesp, é grande o número de associações que processam moradores no Estado de São Paulo, por falta de pagamento de taxa: em Cotia, são 107; em São Paulo, são 81; em Jundiaí, são 68; em Campinas, 62; em Guarulhos, 59; em São José do Rio Preto, são 58; em Limeira, 56; em São Bernardo do Campo, 49; em Osasco; 41; e, em Piracicaba, são 39.
Vejam que o número em Cotia é o maior: 107.
Diz, ainda, a Srª Patrícia Britto, na matéria da revista Folha de S.Paulo:
Para justificar a cobrança de taxas mensais, algumas associações mascaram os loteamentos de casas como condomínios fechados, os chamados falsos condomínios. Nos conjuntos regulares, as contribuições são obrigatórias já que as áreas comuns são particulares. Assim, a manutenção é de responsabilidade de todos os condôminos.
“É diferente do que acontece nos loteamentos. Quando há a subdivisão de um terreno em lotes, as ruas criadas pertencem ao poder público”, afirma o especialista em direito urbanístico Edésio Fernandes, professor do Univesity College, de Londres, e visitante da PUC-Campinas. “A manutenção é, portanto, de responsabilidade do município”.
A questão parece tomar uma nova direção com a decisão tomada, em 22 de setembro de 2011, pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal, no Recurso Extraordinário n° 432.106/RJ. O acórdão, em que foi aprovado, por unanimidade, o relatório do Ministro Marco Aurélio, presentes, além do Relator, a Ministra Cármen Lúcia e os Ministros Dias Toffoli e Luiz Fux - assevera que:
“por não se confundir a associação de moradores com o condomínio disciplinado pela Lei nº 4.591/1964, descabe, a pretexto de evitar vantagem sem causa, impor mensalidade a morador ou a proprietário de imóvel que a ela não tenha aderido. Considerações sobre o princípio da legalidade e da autonomia da vontade - art. 5º, incisos II e XX, da Constituição Federal.
Estou indo para a conclusão, Sr. Presidente.
Permita-me, dado que hoje não somos muitos, que eu possa concluir.
Avalio que essa decisão tomada pela Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal é um importante precedente, mesmo não tendo ainda força vinculante, para orientar a fundamentação dos juízes de primeira instância e dos desembargadores dos tribunais de justiça sobre os processos que envolvem os falsos condomínios.
Considero, ainda, que - em função dessa decisão do Supremo e de reiteradas outras tomadas no âmbito do Superior Tribunal de Justiça - seria o momento oportuno para o Supremo Tribunal Federal aprovar, de ofício ou mediante provocação do Procurador-Geral da República, Dr, Roberto Monteiro Gurgel Santos, uma súmula com efeito vinculante aos demais órgãos do Poder Judiciário, tendo por base o relatório do Ministro Marco Aurélio no Recurso Extraordinário citado.
Essa proposta, que encerra estas minhas palavras, é um pleito de respeito e homenagem à memória do Dr. Nicodemo Sposato Neto, advogado e jornalista, assessor de imprensa da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo e presidente da Associação das Vítimas de Loteamentos e Residenciais do Estado de São Paulo, falecido em 13 de outubro de 2009, vítima de um infarto agudo do miocárdio.
Segundo informações da Avilesp, a morte prematura do Dr. Nicodemus Sposato Neto muito se deu em função das pressões e angústias sofridas diante das injustiças cometidas contra moradores em loteamento, das quais ele era uma vítima.
Quero agradecer, Sr. Presidente, a colaboração de meus assessores que têm sido tão brilhantes em me ajudar em meus pronunciamentos: Arthur Motta, Edwiges Oliveira Cardoso, Carlos Frausino e toda a minha equipe.
Então, eu gostaria aqui de solicitar que sejam anexados os ofícios que encaminhei ao Prefeito Antônio Carlos de Camargo, em 29 de maio de 2012, e ao Corregedor Nacional do Conselho Nacional do Ministério Público, Jeferson Luiz Pereira Coelho, com as respectivas correspondências que me foram enviadas pela Srª Sandra Paulino e pelo Prof. Saulo César Paulino e Silva
Muito obrigado, Sr. Presidente.
Espero que possam o Prefeito de Cotia e o Ministério Público tomar as providências adequadas. Aqui estão anexos os documentos que mencionei, Sr. Presidente.
Muito obrigado, Sr. Presidente Acir Gurgacz.
Quero também aproveitar para cumprimentar a Presidenta Dilma, o Ministro da Agricultura e os Senadores que hoje estiveram lá presentes. Eu tive de estar na Comissão de Direitos Humanos, mas cumprimento-o também, como Presidente da Comissão de Agricultura, pelo tão agradável e interessante encontro com os representantes do governo da Polônia. V. Exª mencionou que tem ancestrais da Polônia, que é descendente de poloneses. Então, acredito que tenha sido muito estimulante para V. Exª que ali pudéssemos trocar impressões e conhecimentos sobre as instituições na Polônia, os progressos havidos ali na agricultura, o interesse deles de vender mais para o Brasil, assim como o nosso interesse, o interesse brasileiro, de intercambiarmos mais e mais experiências e bens e serviços com os poloneses.
Meus cumprimentos.
DOCUMENTOS A QUE SE REFERE O SR. SENADOR EDUARDO SUPLICY EM SEU PRONUNCIAMENTO.
(Inseridos nos termos do art. 210, inciso I, §2º, do Regimento Interno.)
Matérias referidas:
- Ofício nº 00519/2012
- Ofício nº 00581/2012
- E-mail de Saulo César Paulino e Silva
- Requerimento de Saulo César Paulino e Silva