Discurso durante a 115ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Relato de viagem feita por S. Exª ao Paraguai, comentando a manifestação de apoio dos brasileiros que vivem naquele país, bem como de lideranças paraguaias dos Poderes Executivo e Legislativo, ao impeachment do Presidente Fernando Lugo.

Autor
Alvaro Dias (PSDB - Partido da Social Democracia Brasileira/PR)
Nome completo: Alvaro Fernandes Dias
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • Relato de viagem feita por S. Exª ao Paraguai, comentando a manifestação de apoio dos brasileiros que vivem naquele país, bem como de lideranças paraguaias dos Poderes Executivo e Legislativo, ao impeachment do Presidente Fernando Lugo.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 03/07/2012 - Página 29808
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA. MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • REGISTRO, VISITA, PARAGUAI, ANUNCIO, POSIÇÃO, BRASILEIROS, MORADOR, PAIS ESTRANGEIRO, LIDERANÇA, GOVERNO, LOCAL, REFERENCIA, APOIO, DEPOSIÇÃO, EX PRESIDENTE.
  • CRITICA, EXPULSÃO, PAIS ALIADO, PARAGUAI, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), MOTIVO, DEPOSIÇÃO, PRESIDENTE DE REPUBLICA ESTRANGEIRA.

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, venho à tribuna para relatar a viagem que fiz ao Paraguai no último fim de semana, para encontro com brasileiros que lá vivem e com lideranças paraguaias do Executivo e do Legislativo.

            Reuni-me com brasiguaios na cidade de Foz do Iguaçu e trago deles a manifestação de apoio à decisão política do Congresso de seu país que concluiu pelo impedimento do Presidente Lugo, conferindo imediatamente a posse ao Vice-Presidente eleito como seu substituto, o Presidente Frederico Franco.

            A manifestação dos brasileiros é de confiança nas possibilidades que terão, a partir de agora, de trabalhar e de produzir em paz. Muitos deles, há muitos anos, contribuindo para que o Paraguai se desenvolva, manifestam a satisfação de terem o reconhecimento do Presidente Franco de que os brasileiros são representantes da força produtiva mais importante do país e são os principais responsáveis pelos índices de crescimento econômico que o Paraguai vem alcançando nos últimos anos.

            No Paraguai, estive também em Ciudad del Este, a convite da Prefeita Sandra Irún e de seu marido, Javier Zacarías Irún, que é candidato à Presidência da República nas eleições de abril do próximo ano. Nós nos reunimos com algumas autoridades do Executivo e do Legislativo paraguaio, que apresentaram as razões dessa decisão política e, mais que isso, rechaçaram com veemência as insinuações de que, no Paraguai, houve um desrespeito ou uma afronta ou uma violência à ordem democrática constituída.

            Ao contrário, afirmam, enfaticamente, que o julgamento político se deu de conformidade com os preceitos constitucionais vigentes. Com suporte no art. 225 da Constituição paraguaia, houve a adoção de um regulamento que possibilitou o julgamento político com celeridade, em razão da perda de confiança diante do Parlamento, que se verificou com atos precedentes que transformaram o Presidente Lugo em refém das circunstâncias.

            Perdeu o Presidente o controle da situação no seu país e a iminência de uma violenta comoção interna fez com que os parlamentares optassem por um ritmo de celeridade para o julgamento político, que é previsto constitucionalmente.

            Na Câmara dos Deputados, foram 76 votos a um. Portanto, apenas um Deputado posicionou-se contrariamente ao processo de impeachment.

            No Senado, todas as bancadas participaram da decisão, que concluiu pela adoção do rito célere para o julgamento político, com exceção de três membros da chamada multibancada, que é a bancada de extrema esquerda no Parlamento paraguaio.

            Repito: a justificativa para a adoção de um rito de celeridade foi a iminência de atos de violência que poderiam ocorrer, como já ocorrera, anteriormente, em conflitos que se estabeleceram, de grupos ligados a Lugo e seus adversários, diante do Parlamento do país, tendo como consequência oito mortos e duzentos feridos.

            Portanto, a responsabilidade política diante da perda de confiança do Presidente, que se tornara refém das circunstâncias, e para evitar consequências fatais que poderiam levar à supressão das liberdades democráticas no país, inclusive com a alteração da integridade territorial, segundo os parlamentares paraguaios, a adoção desse célere rito de tramitação para o processo de impeachment do Presidente Lugo.

            No senado - repito -, foram 39 votos a 4.

            E é bom destacar que quem votou a favor do Presidente Lugo reconheceu a legitimidade, constitucionalidade e transparência do processo adotado pelo Parlamento.

            É bom destacar também que o próprio Presidente Lugo, em seu discurso, afirmou que se submeteria ao julgamento do Parlamento, e, depois do impeachment, declarou que aceitava a decisão política do Congresso do seu país e sairia pela porta grande, para continuar prestando a sua contribuição ao país, onde fosse chamado.

            E, ao que soube, no Paraguai, o Presidente Lugo já está em campanha para o Senado do seu país, e já articula a candidatura do seu candidato à Presidência da República: um comunicador da TV paraguaia.

            Quais foram as razões elencadas pelos parlamentares da Câmara dos Deputados que propuseram ao Senado o processo de impeachment:

            1- que nos quartéis ocorriam atos políticos de jovens paraguaios e estrangeiros, ligados a organizações de esquerda;

            2- que as invasões de propriedades ocorriam com o apoio de forças públicas, não só com a complacência do governo e de seu presidente, mas com a cumplicidade e participação;

            3- que havia visível insegurança pública, a população não possuía segurança jurídica e temia por atos de violência;

            4- o Protocolo de Ushuaia II, assinado pelo Presidente Lugo em Montevidéu, com clara lesão aos interesses paraguaios;

            5- o caso de Curuguaty, com invasão de uma propriedade rural, de uma área próxima a uma reserva florestal;

            6- o estímulo à luta de classes;

            7- ações de grupos guerrilheiros, denominado EPP, Exército Popular do Paraguai, promovendo inclusive sequestros.

            Esse era o cenário que antecedia uma decisão política de importância e que alcançou repercussão internacional. Esse golpe não existiu. O golpe que existiria frustrou-se, comandado a partir da Venezuela pelo chanceler Maduro, que tentou, numa interferência indevida, invasão de competência, impedir que tivesse prosseguimento o processo de impeachment iniciado no Parlamento paraguaio.

            Havia um clima de tensão social e reiterados episódios de violência, estimulados por um discurso que promovia a luta de classes. Instalou-se no Paraguai um movimento orquestrado por organizações campesinas, por setores políticos integrantes do Poder Executivo, com apoio do Presidente da República que semeava insegurança e violência, como ocorreu no dramático episódio em que morreram seis agentes da polícia e onze campesinos armados com o enfrentamento da Polícia Nacional a um grupo de carperos que ocuparam uma propriedade privada.

            Esse era o clima no Paraguai. O Presidente da República perdia a confiança do povo e do Parlamento do seu país. A interferência de chanceleres que procuraram evitar o processo de impeachment, a nosso ver, se constituiu em invasão de competência.

            Foram rechaçados e houve a contraproposta do Parlamento de que esses chanceleres convencessem Lugo a renunciar, como quis o Chanceler Maduro, da Venezuela, ao pronunciar um longo discurso desde o Palácio do Governo, no qual pressionava o Congresso paraguaio com a suposta aplicação da cláusula democrática estabelecida no Protocolo de Ushuaia II, firmado em Montevidéu. Este, sim, tinha o objetivo do golpe.

            O que nós constatamos? Infelizmente, o tempo é escasso e eu não terei oportunidade de expor tudo o que gostaria, porque fui ao Paraguai para ouvir não apenas as autoridades, mas, nas ruas, ouvir a população. E o que recolhi? Os militares estão nos quartéis, os estudantes estão nas escolas, os trabalhadores estão no trabalho. Reina a paz e a tranquilidade absoluta no país vizinho, nas ruas, nos quartéis, nas escolas, nas indústrias e nos estabelecimentos comerciais onde o povo trabalha, e sobretudo no campo, onde especialmente os brasileiros que lá vivem sentem que estão iniciando um novo tempo de tranquilidade para o trabalho e para a produção.

            Portanto, o Paraguai está em ordem e na paz. O que não se justifica é essa afronta à soberania de uma nação livre, que tem que decidir o seu próprio destino com base na legislação vigente. A Constituição foi respeitada; houve transparência; houve quase que unanimidade de uma decisão democrática.

            A suprema corte do país validou a decisão do Parlamento. Por que aqueles líderes latino-americanos, acostumados a afagar ditadores mundo afora, a oferecer apoio diplomático e amizade a ditadores sanguinários que praticam atrocidades, que violentam os direitos humanos, com que justificativa esses mesmos que oferecem respaldo a autoritarismo em alguns países se arvoram em defensores da democracia no Paraguai, ignorando que lá se praticou ato que corresponde às expectativas da sociedade com base nos preceitos constitucionais?

            Hugo Chávez invade emissoras de televisão, censura a imprensa. Se não gosta do tratamento em determinado hotel que se hospeda, o desapropria e é recebido no Mercosul, onde terá o seu mais novo palanque para sua peroração cansativa, ultrapassada e, sobretudo, autoritária. E o Paraguai afastado como represália, porque não querem que o Paraguai decida a respeito do seu próprio futuro, não querem que o Paraguai exercite na plenitude aquilo que entende ser democrático na busca de seus objetivos.

            Vou conceder, Presidente, com a sua permissão, um aparte à Senadora Ana Amélia, que tem se interessado muito por essas questões ligadas ao Paraguai, comunicando, inclusive, que o Presidente Frederico Franco, com quem conversei no sábado por telefone, convida o Senado brasileiro, uma comissão que aqui foi constituída e da qual V. Exª faz parte, para que possamos, no próximo sábado visitar o país e conferir o que ocorre por lá, o que se passa em Assunção e no Paraguai.

            Concedo a V. Exª o aparte.

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Caro Senador Alvaro Dias, em primeiro lugar, quero cumprimentá-lo pelo empenho com que trata de repor e de destacar a questão de defendermos aqui, com alguma intransigência, a soberania dos países amigos na região - todos os países, especialmente os que temos responsabilidade histórica, para evitar o que já está se falando agora de uma suposta aliança, a tríplice aliança, de que o Paraguai foi vítima. Não queremos fazer esse retrocesso histórico. Queria apenas dizer a V. Exª que imagino que a presença, no território paraguaio, do Secretário-Geral da Organização dos Estados Americanos, o ex-chanceler chileno José Miguel Insulza, certamente, com mais frieza, com mais tecnicalidade, com mais diplomacia, com mais rigor do ponto de vista da análise constitucional, dará um laudo sobre o que aconteceu no Paraguai, com maior isenção do que o que estamos vendo até agora. Queria também registrar que, surpreendentemente, hoje, deveríamos estar no Parlamento do Mercosul, em Montevidéu, mas tivemos um problema sério de voo. Três Senadores e cinco Deputados Federais ficamos oito horas no voo e não conseguimos chegar ao Parlasul. Queria apenas registrar que o Presidente do Parlamento do Mercosul na seção brasileira, Senador Roberto Requião, aceitou a presença dos representantes do Paraguai para que os parlamentares explicassem, até porque não é da competência do Parlamento do Mercosul fazer qualquer tipo de retaliação nesses casos. Penso que foi uma atitude racional, responsável e também democrática, em alguma medida, esta de ouvir os representantes do Paraguai na reunião que está acontecendo hoje, em Montevidéu, aonde não pudemos chegar por conta desses problemas. Em relação ao Governo brasileiro, queria dizer que houve duas atitudes: uma, com alguma incoerência, Senador Alvaro Dias, que é exatamente a de não dar ao governo do Paraguai a chance de defesa - os governos do Uruguai, da Argentina e do Brasil fazendo aquilo que condenaram em relação ao Paraguai no que eles chamam de impeachment açodado, não dando chance de defesa ao ex-Presidente Fernando Lugo. Agora, eles repetem a dose, sendo que, pelo menos, no caso paraguaio, a despeito de ter sido rápido o processo, ele teve a chance de fazer a sua defesa. No caso do Mercosul, os Presidentes não deram ao Paraguai a chance de fazer a defesa e de justificar os atos que aconteceram pelo Congresso paraguaio. Esse é um lado. Agora, o outro lado foi positivo, que foi o esforço pessoal da Presidente Dilma de impedir sanções econômicas ao Paraguai, inclusive impedindo que a Venezuela, como prometia Hugo Chávez, suspendesse o fornecimento de petróleo àquele país vizinho nosso, com fronteira com seu Estado do Paraná, que é a maior fronteira que existe com o Paraguai. Assim é que o Governo brasileiro deu com uma mão e tirou com a outra. Quer dizer, do ponto de vista diplomático, andou de forma claudicante e, do ponto de vista econômico, acertou ao não impor as sanções econômicas, o que seria absolutamente impensável. Aliás, gesto elogiado pelo ex-Presidente Fernando Lugo nesse processo de avaliação. E queria renovar os cumprimentos a V. Exª pelo esforço que vem fazendo para preencher o vazio deixado pela ausência de uma diplomacia mais eficaz nesse processo, para evitar que percamos um aliado tão importante quanto o Paraguai, hoje o quarto maior produtor de soja da região, que também usa os portos brasileiros, inclusive, os do seu Estado do Paraná, para exportação. Então, o Paraguai é muito importante nessa parceria. Tomara que a OEA dê uma palavra tranquilizadora, para evitar um contencioso desnecessário neste momento, na região.

            O SR. ALVARO DIAS (Bloco/PSDB - PR) - Muito obrigado, Senadora Amélia.

            Sr. Presidente, apenas dois minutos para a conclusão.

            Na verdade, essa infeliz decisão do Mercosul, injusta e contraditória, ao tempo em que acolhe alguém que pratica atrocidades contra a imprensa, contra os direitos humanos de modo geral, seja acolhido no Mercosul em festa para fazer dele o seu palanque preferencial na América Latina.

            Se o Mercosul tem sido um fracasso como bloco econômico, talvez possa ser um sucesso como palanque para Hugo Chávez. Mas, sem dúvida, isso nos entristece, pelo fato de se tentar afastar um país que tenta decidir seu próprio destino, a seu juízo percorrendo o caminho da constitucionalidade.

            O nosso País não tem o direito de questionar a Constituição paraguaia, mas tem o dever de respeitar a sua. Questionamos, agora, a Constituição paraguaia. Podemos até não concordar com seu texto, mas é a Constituição vigente, que, no art. 225, possibilita esse procedimento ágil para um julgamento político em razão de ter o Presidente perdido a confiança. E, no nosso caso, o dispositivo constitucional nos obriga - o Governo e os brasileiros - a respeitar a autodeterminação dos povos e a soberania de todas as nações do mundo.

            Ao tempo em que o nosso Governo aplaude a ditadura do Irã, de Cuba, da Venezuela, irmana-se às ações de Evo Morales, que contraria os interesses do Brasil, especialmente no que diz respeito à questão do petróleo; enquanto isso ocorre, o Brasil e o nosso Governo tratam mal um país que tem sido nosso parceiro, inclusive pela importância de Itaipu, que nos une não apenas geograficamente, mas econômica e socialmente. E a nossa relação com o Paraguai não é meramente geográfica, mas humana, porque estamos misturados uns aos outros pelas circunstâncias da fronteira e pelos ideais em comum.

            Portanto, o nosso repúdio à decisão adotada, a meu ver precipitadamente, pelo Mercosul, por algumas lideranças da América Latina. E lamento profundamente que as autoridades brasileiras estejam a reboque de lideranças que não possuem o nível necessário para tratar de assuntos que dizem respeito à integração latino-americana.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/07/2012 - Página 29808