Discurso durante a 124ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas ao rito sumário adotado pelo Congresso do Paraguai durante o processo de impeachment do presidente Fernando Lugo; e outro assunto.

Autor
Lídice da Mata (PSB - Partido Socialista Brasileiro/BA)
Nome completo: Lídice da Mata e Souza
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA EXTERNA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).:
  • Críticas ao rito sumário adotado pelo Congresso do Paraguai durante o processo de impeachment do presidente Fernando Lugo; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 06/07/2012 - Página 32252
Assunto
Outros > POLITICA EXTERNA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL).
Indexação
  • COMENTARIO, GRAVIDADE, SITUAÇÃO, POLITICA, PAIS ESTRANGEIRO, PARAGUAI, CRITICA, IMPEACHMENT, PRESIDENTE DA REPUBLICA, PAIS, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), MOTIVO, AUSENCIA, DIREITO DE DEFESA, EX PRESIDENTE, DENUNCIA, MANIPULAÇÃO, DECISÃO JUDICIAL, FALTA, MANUTENÇÃO, DEMOCRACIA, ELOGIO, POSIÇÃO, DIPLOMACIA, BRASIL, INAPLICAÇÃO, RESTRIÇÃO, ECONOMIA, REGIÃO.
  • ELOGIO, INCORPORAÇÃO, PAIS ESTRANGEIRO, VENEZUELA, MERCADO COMUM DO SUL (MERCOSUL), IMPORTANCIA, AMPLIAÇÃO, ECONOMIA, REGIÃO, AMBITO INTERNACIONAL.

            A SRª LÍDICE DA MATA (Bloco/PSB - BA. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, brasileiros e brasileiras que nos acompanham pelos órgãos de divulgação da Casa, nossos dias nesta Casa, Sra. Presidente, são absolutamente tomados por inúmeras, complexas e importantes questões, sejam os graves fatos revelados pela CPMI ou as sabatinas para a ocupação de importantes cargos da República, a Lei de Diretrizes Orçamentárias, que definirá os rumos do nosso próximo orçamento, ou a infatigável apreciação dos projetos de lei em nossas Comissões Permanentes.

            Talvez por essa intensa e diversificada pauta, tenha sido ainda pequeno e tímido o debate sobre os graves assuntos que afetam a vida em nuestra America, nos últimos tempos, notadamente a partir do afastamento, em rito sumário, do Presidente constitucionalmente eleito pelo Paraguai, Fernando Lugo, legítimo mandatário daquele País.

            As afirmações cada vez mais frequentes sobre o crescimento do Brasil, sobre a pujança de nossa economia e de nosso peso político no cenário mundial, não parece vir devidamente acompanhadas, por nossa sociedade civil, da exata compreensão das necessárias responsabilidades igualmente crescentes das nossas ações e gestos nas relações internacionais.

            Registro que acompanhei com atenção os pronunciamentos de alguns dos Senadores aqui sobre esse fato: dos Senadores Fernando Collor, Roberto Requião e Alvaro dias, que demonstraram a competência de sempre na abordagem da matéria, mesmo que com posições muitas vezes diametralmente opostas, mas que nem por isso lograram estabelecer neste plenário o necessário debate e a indispensável reflexão coletiva sobre os altos interesses nacionais e o próprio destino continental, em jogo nesta grave conjuntura.

           Assistimos nesta Casa a um longo processo que pretende cassar o mandato de um Senador, o Senhor Demóstenes Torres. Em que pese que a ele tenha sido assegurada ampla defesa, ainda assim, muitas vezes, sua defesa logra, junto aos tribunais, ainda mais prazos e recursos. Percebam que tratamos aqui do mandato de um Senador da República. Pois bem, segmentos conservadores do Paraguai, valendo-se de sua maioria parlamentar, promoveram o afastamento sumário de um Presidente da República democraticamente eleito. No rito sumaríssimo promovido não foram concedidos ao Presidente Lugo mais que duas horas para se defender de um processo de impeachment, que se baseou em acusações genéricas e imprecisas.

           Como poderia uma República como a nossa, em que se observam os princípios universais da ampla defesa, das garantias individuais e do devido processo legal para a cassação de único mandato parlamentar, se calar, se omitir, quando setores conservadores paraguaios promovem um verdadeiro golpe de Estado, destituindo um Presidente eleito soberana e democraticamente pelo povo paraguaio? E isso quando foram recusados todos os apelos de adiamento da decisão e ampliação do prazo de defesa, pelos governos que integram a Unasul.

           Reinauguram-se em nosso Continente as mesmas e lamentáveis práticas já ocorridas em Honduras, ameaçando transformar-se em prática corrente o uso de instrumentos jurídicos e expedientes parlamentares manipulados por elites para alterar correlações de forças estabelecidas pela vontade soberana das urnas.

           O pretexto invocado para o golpe foi o confronto entre policiais e camponeses durante ação de reintegração de posse de um latifúndio ocupado por sem-terras. Registrou-se, naquela oportunidade, uma centena de feridos, onze camponeses e seis policiais mortos.

           No Brasil, há poucos anos, aconteceu fato semelhante no Estado do Pará, com a morte de 19 camponeses, o que não ameaçou a estabilidade democrática do nosso País.

           Num país em que 80% da terra é controlada por 3% da população, com uma economia com fortes pontos de estagnação, quadro resultante da longa ditadura de Alfredo Stroessner e de 60 anos de governo colorado, não pode surpreender o conservadorismo e pouco apego à democracia das elites paraguaias.

           E justamente porque o Presidente Lugo representava uma mudança profunda dessa realidade socioeconômica e visando impedir uma nova vitória dos segmentos progressistas no Paraguai, agrupados na Frente Guasu, nas próximas eleições presidenciais marcadas para abril de 2013, que se promoveu o impeachment.

           O debate inaugurado a partir do golpe paraguaio tem servido para demonstrar que certas forças políticas continentais e nacionais também não parecem ter na democracia um valor universal e de princípio.

           Pragmaticamente, aceitam qualquer descaminho institucional para reverter o processo de transformações sociais, econômicas e políticas em curso na América Latina.

           Mais grave me parece ser a manipulação promovida por alguns setores políticos sobre a real posição de nossa diplomacia. Em nenhum momento houve, por parte do Brasil, uma radicalização irresponsável ou mesmo sectária, a não ser por aqueles que considerem que os nossos interesses nacionais estejam representados apenas pelos brasiguaios. Na verdade, o Brasil foi uma força de moderação no Mercosul, no Parlasul e na Unasul, enfim, em todas as instâncias internacionais. Nossa diplomacia soube demarcar nossa repulsa ao golpe, sem permitir retaliações econômicas que atingissem sua já sofrida população.

           Ao promover o ingresso da Venezuela no Mercosul, nós o fizemos dentro do mais alto interesse nacional, que é o da viabilização do Mercosul como um mercado regional expressivo. E aí, nesse momento, as mesmas vozes que saudaram o golpe em Honduras, os mesmos que aplaudiram os golpistas paraguaios, agora esgrimem um súbito apego á democracia ao condenar o governo de Chávez na Venezuela.

           Para nós, que participamos da resistência democrática que restabeleceu em nosso País as liberdades, a defesa dos princípios republicanos e democráticos, significa um compromisso de vida e não uma retórica de oportunidade. O governo venezuelano tem sua legitimidade assegurada pelas urnas e pelo voto soberano de sua população. O radicalismo de algumas posições, eivadas de uma ideologia conservadora, não podem abstrair a importância da presença da Venezuela para o sucesso do Mercosul. Note-se que, mesmo denunciando o golpe, em nenhum momento o Governo brasileiro defendeu a retirada definitiva do Paraguai.

           Ao renunciar ao cargo de Alto Representante-Geral do Mercosul, o Embaixador brasileiro Samuel Pinheiro Guimarães, um dos estrategistas da política externa independente do governo Lula, pretendeu alertar a comunidade do Mercosul sobre a necessidade urgente de uma reformulação completa naquele organismo. Impõe-se a necessidade de dotá-lo de mecanismos mais efetivos, capazes de promover medidas mais eficientes de integração regional.

           Defendemos, sim, um Mercosul forte e unido, e, no fundo, é disso que se trata. Não podemos ser ingênuos e imaginar que haja um amplo consenso mundial sobre o êxito do Mercosul. Num mundo competitivo e em franca crise econômica, é evidente que a afirmação e o crescimento do Mercosul significam ameaça a outros interesses continentais.

           Aqueles que pugnaram pela Alca, alinhando-se com os interesses dos Estados Unidos da América do Norte, evidentemente, pensarão diferente. Para esses, a ineficácia do Mercosul é mais que um desejo inconfesso, uma fatalidade.

           Para finalizar, Sra. Presidente, não podemos aceitar que, nesta Casa, esses argumentos prosperem sem o devido bom combate. Para nós, o Brasil tem representado a diplomacia do equilíbrio, do respeito à soberania e autodeterminação dos povos, aos princípios republicanos e democráticos, na procura incansável da unidade latino-americana pelo desenvolvimento com paz e justiça para os seus povos.

           É isso o que o PSB defende, de forma clara e sem subterfúgios. É isso que acreditamos ser, neste momento, o interesse nacional.

           Muito obrigada, Sra. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/07/2012 - Página 32252