Discurso durante a 124ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Protesto contra a decisão da CCJ que considerou constitucional, legal e jurídico o parecer do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar pela cassação do mandato de S.Exa.

Autor
Demóstenes Torres (S/PARTIDO - Sem Partido/GO)
Nome completo: Demóstenes Lazaro Xavier Torres
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EXPLICAÇÃO PESSOAL, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO.:
  • Protesto contra a decisão da CCJ que considerou constitucional, legal e jurídico o parecer do Conselho de Ética e Decoro Parlamentar pela cassação do mandato de S.Exa.
Publicação
Publicação no DSF de 06/07/2012 - Página 32268
Assunto
Outros > EXPLICAÇÃO PESSOAL, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO.
Indexação
  • COMENTARIO, INCONSTITUCIONALIDADE, DECISÃO, CONSELHO, ETICA, DECORO PARLAMENTAR, CONDENAÇÃO, ORADOR, REGISTRO, AUSENCIA, PROVA, ACUSAÇÃO, DEFICIENCIA, COMISSÃO DE ETICA, MOTIVO, OPOSIÇÃO, DETERMINAÇÃO, SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL (STF), FALTA, GARANTIA, MANDATO, DEMOCRACIA, DEFESA, INEXISTENCIA, PARTICIPAÇÃO, SENADOR, ATIVIDADE, JOGO DE AZAR, ENFASE, NULIDADE, ILEGALIDADE, PROVA DOCUMENTAL, DENUNCIA, INVASÃO, INTERCEPTAÇÃO, TELEFONE.

            O SR. DEMÓSTENES TORRES (Bloco/DEM - GO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sra. Presidente, Srs. Senadores, como bem disse a Sra. Presidente, estou falando pelo art. 17, uma vez que já falei duas vezes esta semana, então tenho que falar posteriormente aos demais Senadores. Por esta razão, ontem, como se estendeu a Ordem do Dia, eu não pude fazer aquele discurso que estava prometido, porque foi encerrada a Ordem do Dia logo em seguida, e justificadamente, porque a sessão foi muito longa. Mas pretendo, amanhã, fazer dois discursos, se isso for permitido, para que eu possa completar, na próxima terça-feira, tudo aquilo que eu tinha que falar antes da sessão final do meu julgamento.

            Sra. Presidente, Sras. Senadoras, Srs. Senadores, a Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania do Senado aprovou ontem a constitucionalidade, a legalidade e a juridicidade no processamento da representação contra mim no Conselho de Ética e Decoro Parlamentar. O relatório analisado pode ser tudo, menos constitucional, o que o torna igualmente ilegal e antijurídico. Como pode ser considerada constitucional uma apreciação subsidiada em provas em cuja colheita se rasgou a Constituição? Como pode ser tachado de legal algo encetado com uma representação eivada de ilegalidades? Como pode ser tido como jurídico um feixe de atos consubstanciados não na letra da lei, não em valor ou fato, mas em ressalvas ao representado de que o objeto ali não pertencia ao mundo jurídico, mas ao político?

            O julgamento político não pode ser feito de qualquer modo. Essa modalidade de processo, de quebra de decoro parlamentar, é apenas uma espécie do gênero administrativo, cuja única particularidade é de, na última sessão, quando do escrutínio secreto, não necessitar o julgador-senador motivar o seu voto, como tem de fazê-lo o juiz togado. Fora isso, todos os consectários da ampla defesa são imprescindíveis, o devido processo legal, o contraditório. Aliás, foi o que decidiu, por unanimidade, o Supremo Tribunal Federal no Mando de Segurança nº 25.917, do Distrito Federal. Diz o texto do Supremo Tribunal Federal:

As garantias constitucionais fundamentais em matéria de processo, judicial ou administrativo, estão destinadas a assegurar, em essência, a ampla defesa, o contraditório e o devido processo legal em sua totalidade formal e material (art. 5°, LIV e LV, da Constituição).

            Diz ainda o aresto do Supremo:

O processo administrativo-parlamentar [vejam a terminologia: processo administrativo-parlamentar] por quebra de decoro parlamentar instaurado contra Deputado Federal [e, lógico, contra Senador] encontra sua disciplina no Código de Ética e Decoro Parlamentar da Câmara dos Deputados e no regulamento do Conselho de Ética daquela Casa Legislativa, a partir do disposto nos incisos III e IV do art. 51 da Constituição, e se legitima perante o rol dos direitos e garantias fundamentais da Carta de 1988, quando seus dispositivos são fixados pela competente autoridade do Poder Legislativo e preveem ampla possibilidade de defesa e de contraditório, inclusive de natureza técnica, aos acusados.

            Se não tivesse havido a pressão avassaladora do noticiário intermitente, com volumes do inquérito que deveria ser sigiloso, a representação teria trilhado seu caminho regimental e legal, ou seja, o Arquivo. Sua inconsistência é ofuscada pela pressa. No futuro, sem açodamento, alguém vai se perguntar como se pretendeu cassar um Senador com uma peça daquelas.

            Dada a fragilidade da representação, o Conselho de Ética se serviu de diversos expedientes na tentativa de robustecer os relatórios.

            Aliás, a minha acusação feita na representação foi modificada uma primeira vez e foi modificada uma segunda vez, quando não tive oportunidade de me pronunciar. É como num processo judicial, diz o Supremo. O libelo acusatório tinha de vir na representação. Na representação, não se provou nada; no relatório preliminar, não se provou nada; e fez-se um terceiro relatório, em que também não se provou nada e em que não tive eu o direito de fazer prova do que estava sendo acusado.

            Repito: dada a fragilidade da representação, o Conselho de Ética se serviu de diversos expedientes na tentativa de robustecer os relatórios. Abro aspas para um trecho do relatório preliminar:

"A apreciação realizada pelo Conselho de Ética e Decoro Parlamentar não se confunde com os julgamentos do Poder Judiciário, que são julgamentos presos a rigorosos formalismos procedimentais, inclusive obrigados a buscar provas materiais irrefutáveis”.

            Agora, vejam bem, é justamente o contrário do que decidiu o Supremo Tribunal Federal por unanimidade. O Supremo disse aqui que é preciso buscar prova inclusive de natureza técnica, prova material e prova formal. O Conselho de Ética decidiu o contrário. Isso é constitucional? Isso é jurídico? Isso é regimental?

            Digo a todas as senhoras e a todos os senhores: “Tal não se aplica ao processo disciplinar [isso está dizendo o Conselho] de falta de decoro parlamentar". Isso está entre aspas, totalmente contrário à decisão do Supremo Tribunal Federal. Isso está lá, desse jeito, anunciando que um Senador pode perder o mandato ao arrepio do procedimento formal e independentemente de se buscar a prova. Todas as provas que pedi para serem feitas foram negadas. Todas! E isso conflita frontalmente com a decisão que acabo de mencionar, aprovada por unanimidade pelo Supremo Tribunal Federal.

            A representação, que deveria ser um documento à altura do mandato que ela quer cassar, foi transformada apenas numa folha de papel com "fatos deduzíveis". Estou citando uma expressão destacada do relatório, entre aspas: "fatos deduzíveis". Na ausência de fatos, deduz-se que eles existiam. O relatório preliminar informou que o Conselho de Ética não é o Ministério Público para explicitar as imputações e todas as circunstâncias. Essa assertiva não é minha, é do relatório. Ou seja, o representado, que sou eu, não tem de saber o que está sendo imputado contra ele, muito menos em que circunstâncias. Se quiser defender-se, que se vire para saber do quê.

            O Diário do Senado publicou a íntegra do relatório, e sua página 16.436 traz uma frase lapidar: "O que está em debate não é a imagem do parlamentar, individualmente considerada, mas a do Parlamento". Isso significa que, se o meu pescoço não servir de abrigo à espada da mídia, ela vai se voltar contra esta Casa. Para efeito de comparação, seria certo a polícia tirar um suspeito de dentro da delegacia e entregar para a multidão, que grita pelo linchamento. Não importa se a vítima é culpada ou inocente, se seria ou não absolvida pela Justiça. Se depois for descoberto que ela estava correta, será tarde, pois a sede de sangue tem de abastecer a enxurrada.

            Repito a frase entre aspas: “O que está em debate não é a imagem do parlamentar, individualmente considerada, mas a do Parlamento”. É um pedaço do relatório do Conselho de Ética. Entre outros, há, nessa frase, dois erros crassos de avaliação. O primeiro é supor que as campanhas se exaurem quando os infamantes conseguem seu intento de derrubar um político. Ao contrário, concluirão que o método funcionou e partirão para a próxima vítima. A segunda falha é o menosprezo com o mandato majoritário obtido democraticamente nas urnas. V. Exas., mais do que ninguém, sabem quanto é difícil ser eleito Senador. Aí, conversa no telefone com um amigo enrolado e pronto! Lá se foi o mandato. Pouco interessa se as provas são ilegais, se o conjunto probatório é débil, se perícias apontam para montagens, se o Senador sempre honrou o Senado. Foi esse tipo de tese que a Comissão de Constituição e Justiça validou. De agora em diante, toda vez que a imprensa falar mal de um Senador, a solução será sacrificá-lo, antes que as baterias se voltem contra o Senado. O correto é o respeito. A imagem do Parlamento se aprimora às vistas da Nação quando ele age para garantir as conquistas constitucionais a todas as pessoas, inclusive a seus integrantes.

            Em diversas páginas, o Relator se esforça para me fazer protagonista da CPI dos Bingos, com “intensa participação, como implacável inquisidor”. O exagero não resiste aos números. A CPI dos Bingos teve 356 dias de atividades e ouviu cem pessoas. Isso no último relatório, quando eu não tive oportunidade de me defender, o que estou fazendo agora. A maioria de suas reuniões foi secreta e, portanto, sem registros. Consultando os dados disponíveis, nota-se que, das 82 sessões realizadas, eu fui a somente quatro delas, de acordo com as atas que consegui localizar. Dos 12 meses de duração da CPI, restei designado suplente de 23 de junho a 30 de agosto de 2005, ou seja, em cerca de 10% do tempo, 37 de 356 dias. Em resumo, nem intenso, nem implacável, nem inquisidor.

            Assim, se desmonta a tese da “intensa participação” e sobra apenas a criatividade do romancista inspirado que se empenhou para me colocar nas cenas. O criador da novela fracassou em seu intento não por falta de capacidade, mas porque eu realmente não fiz parte do enredo.

            Foi, aliás, o que concluiu, novamente, o Procurador-Geral da República, Roberto Gurgel, no parecer à Reclamação nº 13.593-GO, de 29 de junho de 2012, por mim proposta junto ao Supremo Tribunal Federal. Esse parecer é de agora, do dia 29. Diz o Dr. Roberto Gurgel: “Nela, questiono a legalidade das provas em decorrência de usurpação de competência da Corte excelsa”. Escreveu o Sr. Procurador-Geral da República, abro aspas:

"...sendo também esta a convicção da Procuradoria-Geral da República - de que, em princípio, o senador Demóstenes Torres não tem envolvimento na atividade de jogos de azar de Carlos Cachoeira...".

            Isso foi feito na sexta-feira da semana passada.

            Foi também o que concluíram as autoridades que atuaram diretamente na Operação Monte Carlo. No meu depoimento ao Conselho de Ética, li 18 textos dos delegados da Polícia Federal e dos procuradores da República dizendo que não fiz parte das atividades investigadas na Operação Monte Carlo. Em todas as oportunidades que tiveram, eles descartaram a minha participação. Só mesmo o exercício de imaginação impresso no relatório me adicionaria ao elenco.

            O tamanho exato do meu envolvimento com Carlinhos Cachoeira é o que delineei desde o começo: era amizade, não negócios; eram conversas, não conchavos. Passei cinco horas no Conselho de Ética esclarecendo ponto por ponto os itens da representação e o que mais me foi perguntado, esmiucei cada episódio. Dirimi dúvidas. Não fugi de temas, respondi a tudo, contestei especificadamente, rebati com argumentos todos os ataques.

            O relatório final desconsiderou tudo isso e ainda zomba de mim, faz troça, me chama de "gabola" e "boquirroto". Diz que faltei com a verdade e enumera delitos que eu teria cometido por conversar com alguém que, só agora se sabe, está envolvido em duas operações da Polícia Federal. Então, está passando da hora de ouvir Carlinhos Cachoeira, não nas escutas gravadas, mas ao vivo. Incluí Cachoeira entre as testemunhas que poderiam comparecer ao Conselho de Ética, mas ele não veio. Seria produtivo para a apuração que ele falasse a sua versão dos fatos, seja em delação premiada, que seria a melhor forma, para entregar a quem ele beneficiou, ou em depoimento à Justiça ou à CPI. Seria útil para aclarar diversas passagens.

            O relatório torce, isso mesmo, torce para a CPMI apurar, para o Supremo investigar, enfim, para alguém fazer o serviço que o Conselho de Ética não teve tempo de executar porque há pressa em me encaminhar ao cadafalso.

            Sim, o relatório admite a inexistência de tempo para conseguir prova e remete a esperança de apuração e investigação para a CPMI do Cachoeira e o Supremo Tribunal Federal.

            O Relator na CCJ busca no administrativista Hely Lopes Meirelles o conceito de ampla defesa: "Por ampla defesa [diz Meirelles] deve-se entender a vista do processo ou da sindicância ao servidor acusado, com a faculdade de resposta e de produção de provas contrárias à acusação". Mas o Conselho de Ética impediu a produção de provas ao vetar, na tática da pressa, a realização de perícias técnicas. O Relator afirma que tive, abro aspas, "acesso a todas as provas, bem como o direito de produzi-las dentro do juízo de conveniência do Colegiado". Fecho aspas. Ninguém teve acesso a todas as provas porque isso significaria conhecer as 250 mil horas de gravações.

            Outro problema gigantesco foi o tal juízo de conveniência do Conselho, que negou as perícias. Sem conhecer as provas em seu conteúdo completo nem ter direito a perícia para pesquisar montagens, cortes, supressões, edições e demais modalidades de fraudes, o representado, que sou eu, apenas sonha com a ampla defesa prevista na Constituição e nos ensinamentos do mestre Hely Lopes Meirelles.

            Foi dito no Conselho de Ética, quando da leitura inicial, que o Tribunal Regional Federal da 1a Região declarou a legalidade das escutas. Sim, mas não quanto a quem dispõe de foro por prerrogativa de função.

            Já disse e repetirei quantas vezes for necessário: não estou aqui lutando bravamente apenas para mostrar que as provas são nulas. É muito mais do que isso. Quero apontar que, até onde o assistente conseguiu analisar, inúmeros áudios revelam gravíssimos indícios de fraudes, como edições, montagens, supressões de tempo e falas, emendas e sobreposição de vozes. Isso não é só grave para a defesa, é gravíssimo para a democracia.

            Na vontade extremada de cassar um Senador, é feita vista grossa para as montagens que, mais que criminosas, são incriminadoras. A única maneira de averiguar a integridade ou a fraude é conceder a perícia, que foi negada no Conselho de Ética. É muito triste se saber inocente e se ver esmagado por essa sequência kafkiana.

            Dois áudios, os mais massacrantemente explorados pela imprensa contra mim, os mais repetidos, mencionados ao longo do processo ético e, claro, os que renderam mais perguntas a mim em meu depoimento, mostram escandalosos indícios de fraude. No tal áudio do avião, em que eu supostamente pedia dinheiro ao Carlos Cachoeira para arcar com o frete de uma aeronave, a polícia simplesmente não quis fazer constar da transcrição a voz ao fundo que fala da aeronave e do tal valor de R$3 mil. É justamente a voz da pessoa que, ela sim, cobrava de Carlos Cachoeira. Não eu! Eu não cobrei coisa alguma, mas ninguém quis saber, porque a transcrição omite tal voz. É inacreditável que se considere normal uma coisa dessas, mostrando que o interesse não é esclarecer, é punir.

            O outro áudio que ficou famoso, que menciona os tais R$20 mil que seriam entregues a mim, é um espetáculo de fraudes e irresponsabilidades. O policial que transcreveu o diálogo ignorou todo o contexto de conversas, desconsiderou os diálogos que antecederam ou sucederam aquela conversa, que esclarecem que os tais R$20 mil não eram pra mim coisa alguma, nunca foram! Já repeti à exaustão que não recebi dinheiro algum, abri meu sigilo, coloquei tudo à disposição de todos, meu patrimônio já é de conhecimento de todos, ainda assim sofro com essa desconfiança infundada. Como a polícia não fez diligências, não investigou, apenas grampeou e montou a transcrição da escuta, ela não quis chegar à resposta simples e clara: o terceiro, que, no diálogo, estava me levando taças de vinho como presente de casamento. E só. Transcrever os grampos só na parte escolhida mostra que a verdade não interessava à polícia, mas há de interessar às Srªs Senadoras e aos Srs. Senadores. V. Exªs estão prestes a julgar minha cassação e, tirada toda essa aura de acusação e conspiração, não sobra nada que signifique quebra de decoro parlamentar.

            Diante desse pequeno extrato, se tem idéia do relatório que a CCJ aprovou chamando-o de - abro aspas - “bem fundamentado parecer” - fecho aspas. Bem fundamentado? O autor precisou se valer de ginástica verbal para encontrar link entre o representado e a tipicidade. O único fundamento é a velocidade para cassar.

            Mas não é exclusividade do Conselho de Ética esbarrar em tarefa difícil para justificar cassação baseada em um amontoado de indícios tão ilegais quanto frágeis. O relator na CCJ admite a complexidade da - abro aspas - “tarefa de tipificação do que seria procedimento de um membro do Congresso Nacional incompatível com o decoro parlamentar” - fecho aspas. É o que está no relatório aprovado na CCJ, ele admitindo que enxovalhar a honra de um senador é muito fácil, difícil é caracterizar a quebra de decoro. E, como está difícil, cassa que fica fácil.

            Ainda assim, são tecidas loas ao texto do Conselho de Ética. Abro aspas, “os fundamentos bem alinhavados demonstram o correto e constitucional enquadramento da medida de perda do mandato por conduta incompatível com o decoro parlamentar em relação ao Senador Demóstenes Torres” - fecho aspas. O relator chama isso de “correto enquadramento da norma constitucional para perda de mandato”. Como é correto algo flagrantemente agressivo à Constituição? Um senador, que possui foro por prerrogativa de função, foi grampeado e seguido durante quatro anos e a cada 15 dias se decidia usurpar as funções do Supremo Tribunal Federal. É isso que é um “fundamento bem alinhavado”?

            Ainda que tivesse sido legalmente grampeado, quero ter o direito de provar que as conversas imputadas a mim como supostas quebras de decoro são fruto de fraudes. Desde o início estranhei e duvidei das transcrições, apesar de não me lembrar do inteiro teor de diálogos de tanto tempo atrás. Pareciam conversas estranhas. Depois que o assistente técnico analisou algumas, vi que a estranheza não está nas conversas, mas nas transcrições e nas montagens. É muito mais do que crueldade ser lançado ao calvário nessas circunstâncias, é uma injustiça histórica.

            Os autos da Operação Monte Carlo têm repetidas manifestações da Polícia Federal informando acerca do grampo em telefonemas de autoridades com foro de prerrogativa de função. O delegado responsável repete, a cada 15 dias, as palavras previamente elaboradas - abro aspas: “Protestamos pelo sobrestamento do início de tais investigações e/ou do envio desses indícios a outro juízo”. Alertou a cada 15 dias, durante anos. Não obstante, um esquadrão de quatro delegados e dez agentes continuava grampeando e gravando as ditas autoridades.

            Ao se deparar com o texto do delegado, o Procurador da República se manifestava com as mesmas frases repetidas a cada 15 dias. Assim dizia o órgão do Ministério Público Federal acerca de sobrestar a investigação - abro aspas:

“Ocorre que o início imediato de uma ou várias investigações poderá colocar o sigilo e a efetividade da presente medida cautelar em risco. Importante destacar que, em tal caso, o Estado não se queda inerte diante da ciência de possíveis fatos criminosos, mas para preservar a presente investigação apenas prorroga o seu agir[fecho aspas].”

            E quedava inerte por mais 15 dias. E de 15 em 15 dias ficaram esse tempo todo grampeando e gravando ilegalmente. E de 15 em 15 dias ficaram esse tempo todo grampeando e gravando ilegalmente.

            Ora, o próprio relator no Conselho de Ética disse, ontem, em alto e bom som, durante a reunião da CCJ, que não duvida que a defesa consiga anular tais escutas telefônicas no Supremo Tribunal Federal. Ainda assim, reconhecendo a ilegalidade dos grampos, recheou seu relatório final com transcrições e áudios dos quais ele mesmo, ao que parece, desconfia. Não é a única confissão importante. O Ministério Público Federal admite, nos autos, que - abro aspas para o Procurador da República - “a autoridade policial apresentou, periodicamente, autos circunstanciados de encontros fortuitos com a transcrição dos diálogos ocorridos entre os membros da organização criminosa e os mencionados agentes políticos” - fecho aspas.

            Essa confissão impressa, datada, carimbada e assinada é suficiente para ensejar a contaminação completa do material colhido nas interceptações telefônicas. Na primeira instância, o Ministério Público Federal dizia por escrito que não mandava o caso para o Supremo por desconfiar do Supremo. Está lá escrito várias vezes, impresso, datado, carimbado e assinado que passar a investigação para o Supremo colocaria em risco o sigilo e a efetividade das escutas. Fizeram graça do prestígio, da integridade e do poder do Supremo Tribunal Federal e ficou por isso mesmo.

            Esses espantosos documentos consolidam o relatório do Conselho de Ética, legitimado ontem pela CCJ. Não se trata de má-fé, mas da mistura explosiva da pressa com seu aumentativo, a pressão. Nem é necessário muito tempo para se deduzir pela ilegalidade cabal das provas. Periciar a totalidade das gravações implicaria mais tempo, mas não se poderia abrir mão desse trabalho técnico. Como não foi feita uma coisa nem outra, no mínimo, se espera que sejam lidos os apensos do inquérito.

            Em qualquer alternativa, logo qualquer pessoa veria uma estranha coincidência. O delegado apresenta o pedido para continuar as interceptações telefônicas. No mesmo guichê, no mesmo prédio, no mesmo dia, na mesma hora, ao mesmo tempo, o Procurador da República também protocola seu parecer. O Ministério Público Federal subverte a física, desmente Einstein e é mais veloz que a luz. Em um minuto, devora centenas de páginas de transcrições, forma juízo acerca da opinião dos policiais, avalia a necessidade de manter os grampos e elabora seu parecer. Tudo isso em questão de segundos.

            Fica evidente que nada disso ocorreu. A perseguição foi feita em conjunto, e eu era o alvo.

            A aprovação dessas inconstitucionalidades no Conselho de Ética e na Comissão de Constituição e Justiça mostra que até hoje continuo na alça da mira.

            Muito obrigado, Srª Presidente, pela tolerância.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 06/07/2012 - Página 32268