Discurso durante a 127ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Defesa da aprovação do projeto que estabelece cotas nas universidades federais.

Autor
Paulo Paim (PT - Partido dos Trabalhadores/RS)
Nome completo: Paulo Renato Paim
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ENSINO SUPERIOR.:
  • Defesa da aprovação do projeto que estabelece cotas nas universidades federais.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/2012 - Página 33906
Assunto
Outros > ENSINO SUPERIOR.
Indexação
  • DEFESA, APROVAÇÃO, PROJETO DE LEI, RESERVA, COTA, VAGA, UNIVERSIDADE FEDERAL, DESTINAÇÃO, ALUNO, ESCOLA PUBLICA, IMPORTANCIA, POLITICAS PUBLICAS, AÇÃO AFIRMATIVA, FACILITAÇÃO, ACESSO, NEGRO, INDIO, ENSINO SUPERIOR, GARANTIA, DIREITOS SOCIAIS.

            O SR. PAULO PAIM (Bloco/PT - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Paulo Davim, que preside esta sessão, a sessão de hoje, Sr. Presidente, será um dia histórico. Além de votar a aposentadoria dos garçons que estão aí, além de votar o projeto que dá autonomia ao DPU, a PEC nº 082, vai votar também, Sr. Presidente Mozarildo Cavalcanti, a política de cotas.

            Vejo-me na obrigação de - vou usar a tribuna em dois momentos: neste momento e também na discussão da matéria - esclarecer os fatos. Primeiro esta Casa, o Senado Federal já votou a política de cotas por unanimidade, e não só as comissões, o Plenário. Sabe quando que foi votado? Em 1999, um projeto do Senador José Sarney, só que o projeto do Presidente da Casa, José Sarney, era muito mais amplo do que aquele que vamos votar hoje. Sabe o que dizia? “Vinte por cento para candidatos afrodescendentes nos partidos políticos, em todos os cargos públicos e também para o nível universitário”.

            Está aqui o projeto, aprovado e discutido nas comissões, e aprovado neste Plenário. Mas, pois bem, tem alguns que dizem que a Comissão de Educação aqui do Senado não votou a matéria. Pois bem. Está aqui outro projeto aprovado em 2008, Projeto nº 3.913 da ex-Senadora e Ministra Ideli Salvatti que, na prática, é a mesma coisa do projeto que vem da Câmara dos Deputados. Esse projeto foi aprovado, depois de audiências públicas, na Comissão de Educação e na Comissão de Direitos Humanos.

            O que diz o projeto? Exatamente o que diz o projeto que vamos votar hoje: 50% das vagas das universidades federais e das escolas técnicas não são para negros, como alguns estão colocando essa versão e que faltam com a verdade; 50% das vagas são para alunos de escolas públicas. Está escrito aqui, já neste projeto da Senadora e hoje Ministra Ideli Salvatti, como também no projeto que vamos votar, hoje. Desses 50% das vagas, para alunos de escolas públicas, 25% serão divididos entre negros, índios e pardos; outros 25%, Senador, serão destinados para os alunos pobres - aí o critério social.

            A Comissão da Câmara, Senador Cyro, teve a habilidade de fazer 50% para negros, pardos e índios, e os outros 50% para alunos considerados pobres pelo critério, então, social, para aquelas famílias cuja renda per capita não ultrapassa 1,5 do salário mínimo.

            Então, está aqui desmistificada essa ideia de que a Comissão de Educação não discutiu. Discutiu, discutiu a matéria, e eu estava lá. Inclusive, à época, o Senador Cristovam era o Presidente daquela Comissão e participou ativamente do debate; e sei que a posição dele é favorável.

            Quero, ainda, neste momento, lembrar a todos, para que fique muito claro, um resuminho, que posso passar para cada Senador, sobre o que é o projeto, para entender o sistema, feito aqui pela Consultoria do Senado:

            1. Escolas públicas: 50% das vagas em universidades e escolas técnicas serão oferecidos para alunos que estudaram em escolas públicas;

            2. Critério étnico-racial: a seleção será feita de acordo com a proporção de negros, pardos e indígenas da população de onde está a instituição pretendida;

            3. Critério social: 50% das vagas destinadas às cotas, ou seja, 25% do total das vagas serão preenchidos por estudantes cujas famílias tenham renda per capita, no máximo, de 1,5 salário mínimio, o que corresponderia, hoje, a R$933,00.

            Não há nenhuma dúvida, Senadores e Senadoras. Entendo que este projeto há de ser aprovado aqui, por unanimidade, porque a desculpa para não se votar a matéria, num passado próximo recente, era de que faltava uma decisão do Supremo Tribunal Federal. Ficamos nesse debate há mais de dez anos. Enfim, o Supremo decidiu que as cotas são constitucionais.

            Eu vou além. Vejam a importância das cotas. Mais de 120 universidades já estão adotando esse critério de cotas. Vejam um dado interessante. Se pegarmos o critério de cotas e o ProUni, nas particulares, mais de um milhão de jovens, negros e pobres, tiveram acesso à universidade.

            É bom lembrar também que a política de cotas é adotada na Malásia desde 1968; nos Estados Unidos, a partir da década de 70; na África do Sul, após o fim do apartheid, em 1994; no Canadá, na Austrália, na Nova Zelândia, na Colômbia e no México.

            Como se vê aqui, peguei diversos países de diversas matrizes. Mas tem um dado interessante que vou aqui destacar. Vocês sabiam que mesmo na época do apartheid, na África do Sul, nós tínhamos mais negros na universidade sul-africana, em pleno apartheid, do que aqui no Brasil? Vocês sabiam que, em pleno apartheid, lá na África do Sul, nós tínhamos mais professores negros do que temos hoje aqui no Brasil? Isso é fato, é real.

            Eu não queria que a sessão de hoje voltasse para um debate que para mim não eleva a qualidade de um tema tão importante que estamos tratando aqui que são os direitos humanos. A capacidade de um homem, de exclusão, não pode ser a cor da pele. Os negros foram excluídos do processo histórico. É o momento de fazer uma pequena recuperação dessa história.

            Por isso, meus amigos, alguém me dizia, e me disseram ontem: Paim, esse debate vai ser entre os abolicionistas, lá de 1888 e os escravocratas que não queriam a liberdade dos negros.

            Eu não levarei o debate para este campo, porque acho que não soma. Acho que há aí um mal-entendido, de nós construirmos o caminho da justiça, da igualdade e da possibilidade de, efetivamente, brancos e negros e índios e pobres chegarem à universidade.

            Eu tenho todos os dados aqui que mostram que não diminuiu em nada a qualidade dos formandos. Pelo contrário, Senador Cyro, os negros e brancos pobres, quando chegam à universidade pela política de cotas, esforçam-se em dobro e têm acompanhados aqueles que vêm nos braços, muitas vezes, de alguém que tem condições econômicas - eu não quero usar a palavra -, que vêm dos braços da elite.

            Então, esse é o momento de uma grande construção coletiva. Eu quero fazer um apelo a todos os Senadores. É uma questão de justiça; é uma questão de direito, de oportunidades iguais.

            Não dá só para dizer: “todos são iguais perante a lei”. Sabemos que não são! Há uma diferença entre o comportamento daqueles que têm mais oportunidades e daqueles que não têm oportunidades.

            Quando é que o filho de um operário, de um trabalhador vai poder pagar professor particular, cursinho particular, cursar um pré-vestibular? Não tem condição. E, assim, somente os mais ricos é que acabam entrando nos espaços considerados gratuitos de uma universidade.

            Por isso o apelo que faço neste momento a todos os Senadores: se espelhem, pensem. Será que todos os ministros do Supremo Tribunal Federal estão errados? Todos? Eu tenho aqui o voto de cada ministro. Por unanimidade, reconheceram que a política de cotas da UnB, da Universidade do Rio de Janeiro, da Universidade da Bahia, da Universidade do Rio Grande do Sul, que o ProUni é constitucional, é legal. É uma questão de justiça!

            Está aqui a palavra de todos os ministros.

            Por isso, Senador Mozarildo, como eu voltarei à tribuna novamente para falar mais dez minutos na discussão da matéria, eu encerro aqui, fazendo esse apelo a cada Senador, a cada Deputado. Não vamos mais uma vez protelar essa discussão.

            O que estão querendo os mais pobres, em relação à universidade pública federal? Estão dizendo, em outras palavras, o seguinte: “Fiquem com 80% das vagas [mais ou menos 80%] e nos deem 25%”. É isso o que estão pedindo.

            Meus amigos, eu tenho certeza de que hoje será, de fato, um dia histórico, que vai honrar mais uma vez a tradição desta Casa. Não votem porque nós estamos na tribuna. Olhem para as ruas, olhem para as favelas, olhem para os presídios, olhem para as universidades, quando aqui vêm presidentes de outros países perguntam: “Por que nas universidades do Brasil, onde a população negra é mais de 51%, encontra-se um ou outro negro, com rara exceção?”

            Olhem para este Senado Federal, quantos negros nós temos aqui dentro? A pergunta fica no ar. Olhem para a Câmara dos Deputados, quantos negros nós temos lá? Olhem para os executivos neste País? Olhem para as estatais? Olhem para os bancos, quantos negros estão na linha de ponta, estão na linha de frente, estão no cargo executivo? São raras exceções.

            Por isso para mim hoje é um dia, Deputado Miro Teixeira, V. Exª que eu sei que defendeu com muita convicção lá, sei da história de Leonel Brizolla, que criou a Primeira Secretaria do povo negro em todos os partidos do Brasil, eu sei das suas posições, e é nesse sentimento, Sr. Presidente, eu diria de carinho, de respeito, de solidariedade, que a gente há de hoje aqui dá oportunidade só de 25%, repito, não é de 50% de escolas públicas, desde que a renda não ultrapasse a um salário mínimo e meio para ter acesso à universidade pública aqui no nosso País.

            Era isso, Sr. Presidente, muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/2012 - Página 33906