Discurso durante a 127ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro dos 165 anos do movimento cooperativista no Brasil.

Autor
Eduardo Suplicy (PT - Partido dos Trabalhadores/SP)
Nome completo: Eduardo Matarazzo Suplicy
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
COOPERATIVISMO.:
  • Registro dos 165 anos do movimento cooperativista no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 11/07/2012 - Página 35299
Assunto
Outros > COOPERATIVISMO.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, SISTEMA COOPERATIVISTA, PAIS, REFERENCIA, HISTORIA, ENFASE, CONTRIBUIÇÃO, COOPERATIVISMO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, DESENVOLVIMENTO SOCIAL, BRASIL, COMENTARIO, PROJETO DE LEI, ASSUNTO, REGULAMENTAÇÃO, ATIVIDADE, COOPERAÇÃO, IMPORTANCIA, PRESERVAÇÃO, DIREITO A LIBERDADE, REGISTRO, LIVRO, RELAÇÃO, COOPERATIVA, VENDEDOR, TRABALHADOR AUTONOMO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP).

            O SR. EDUARDO SUPLICY (Bloco/PT - SP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Paulo Paim, quero aqui manifestar solidariedade a V. Exª com respeito à questão do projeto pelo qual tanto tem batalhado. E queria até assinalar que, ainda hoje pela manhã, na Comissão de Educação, V. Exª teve a oportunidade de debater o assunto com o Ministro Aloizio Mercadante, que inclusive se mostrou favorável ao projeto. Ou seja, do ponto de vista da Comissão de Educação, até que hoje houve um diálogo a respeito, inclusive com o Ministro da Educação, o que é um dado importante, já que ali foi debatido o projeto relativo às cotas.

            Mas, hoje, Sr, Presidente, como não pude estar presente na sessão de homenagem ao Ano Internacional do Cooperativismo, quero assinalar a comemoração dos 165 anos do movimento cooperativista no Brasil. E é importante homenagearmos os homens e mulheres que, unidos, trabalharam e trabalham para o desenvolvimento sustentado de suas comunidades.

            O movimento cooperativista encontrou chão fértil de expansão no Brasil. A formação histórica brasileira favoreceu o desenvolvimento de uma cultura da sociabilidade, fundamento básico da vida associativa e cooperativista.

            As estruturas de sociabilidade modularam o processo de colonização da América portuguesa. Charles Boxer, reconhecido historiador britânico, assinalou que o caráter conservador da expansão portuguesa explicava-se pela presença das mesmas instituições colonizadoras em todos os lugares onde o Império se estabeleceu. Na China, na Índia, na África e no Brasil constatamos a presença dos Senados da Câmara, das Misericórdias e dos Regimentos militares, elementos do tripé básico da experiência lusitana de colonização.

            Nessas instituições, mais particularmente nas Misericórdias e confrarias, as práticas da vida associativa difundiram-se intensamente. Nelas, a experiência da sociabilidade nutriu-se da percepção da caridade como modo de relação, não modo de exclusão, como o seria no século XIX. Nessas instituições, no sentido da solidariedade na dor, somou-se a mobilização comunitária, que conferia a certos territórios urbanos e rurais identidade singular.

            A vida associativa das irmandades brancas, negras e mulatas, de livres, de forros e de escravos cadenciava as relações sociais no período da escravidão, característica que tomou nova forma no século XIX, quando surgiram os clubes e as associações de finalidade secular.

            Quero aqui assinalar que, ainda numa das recentes audiências públicas sobre o cooperativismo, alguns professores nos lembraram que os índios Guaranis também tinham formas cooperativas de produção, formas solidárias. Portanto, ali na região vizinha ao Paraguai, na região das Missões, desenvolveu-se nos Estados do Sul, onde o cooperativismo é muito forte. Há formas cooperativas inclusive de ascendência indígena.

            Na virada do século XIX para o século XX, a imigração estrangeira contribuiu para adensar o sentimento associativo por meio da constituição, nos centros urbanos, das primeiras associações operárias, surgidas inicialmente como associações de auxílio mútuo e forma de proteção contra os rigores da exploração capitalista. Também nas áreas rurais mais densamente povoadas por imigrantes surgia o movimento cooperativista.

            O processo de modernização econômica no Brasil, a par do fenômeno da urbanização, resultou em formação econômica mais complexa, baseada em fortes âncoras, como a produção de commodities, vigoroso mercado interno e parques industriais competitivos.

            Em tal quadro, o movimento cooperativista floresceu, adquirindo presença econômica e social significativa no Brasil moderno, nas áreas rurais e urbanas. Segundo o Atlas da Economia Solidária, mapeamento realizado pela Secretaria de Economia Solidária, do Ministério do Trabalho e Emprego, em 2005-2007, são mais de 21 mil empreendimentos econômicos solidários no País, 10% deles constituídos por cooperativas, congregando quase um 1,7 milhão de pessoas, espalhados em mais da metade dos Municípios. Segundo o Secretário de Economia Solidária, o Professor Paul Singer, que está no cargo desde o início do governo do Presidente Lula e - confirmado - dando excepcional contribuição também no Governo da Presidenta Dilma Rousseff, estima-se hoje que há cerca de 30 mil empreendimentos de economia solidária no Brasil, conforme ele próprio me transmitiu hoje.

            Suspeita-se que esses números estejam ainda um tanto defasados, pois apenas o cooperativismo de crédito reunia, em 2008, de acordo com o estudo de Marcos Antônio Henriques Pinheiro, dois bancos cooperativos, cinco confederações, uma federação, trinta e oito cooperativas centrais, mil quatrocentas e vinte e três cooperativas singulares, somando mais de três milhões de associados.

            O movimento cooperativista brasileiro destaca-se não apenas por sua importância econômica. Portador de nova sensibilidade no mundo da competição capitalista, duramente construída na experiência secular da vida associativa, afigura-se como um dos principais instrumentos para o combate às desigualdades econômicas e sociais e de incentivo à construção de uma nação mais justa e fraterna.

            Nesta homenagem ao movimento cooperativista, parece ser oportuno chamar a atenção para um problema central das cooperativas brasileiras que depende da iniciativa legislativa e, portanto, do Parlamento. Refiro-me à regulamentação do marco jurídico do cooperativismo.

            A Carta de 1988 estabeleceu, no art. 5º, que a “criação de associações e, na forma de lei, a de cooperativas independem de autorização, sendo vedada a interferência estatal em seu funcionamento”. Esse dispositivo emancipou da tutela do Estado a criação e o funcionamento da organização cooperativista de agentes econômicos privados, tornando obsoleta a legislação em vigor, a Lei nº 5.764, de 1971, fruto de política intervencionista, controladora e fiscalizadora.

            Nesses termos, alguns projetos têm sido discutidos com o objetivo de atualizar a forma disciplinadora do cooperativismo. Entre eles, apraz-me mencionar o Projeto de Lei nº 153, de 2007, de minha autoria, que dispõe sobre as regras gerais do Sistema Cooperativista Nacional.

            Essa proposição reafirma as convicções do projeto que apresentei em 5 de novembro de 1999, o PLS nº 605, de 1999, que incorporou avanços do debate entre sociedade civil, Governo Federal e Parlamentares ao longo dos últimos anos e com maior intensidade em 2006, levando em conta principalmente os dispositivos constitucionais, a consolidação da democracia e a compatibilização entre a participação social e a eficiência empresarial.

            Os projetos foram elaborados em colaboração estreita com o movimento cooperativista, contando com a participação da CPT, da Concrab, da Cotrimaio, do Departamento Nacional de Trabalhadores da CUT, do Instituto de Cooperativismo e Associativismo, do Ceris, do Cotec, da Apaeb, da Vianei, do Cetap, do Cedac e do Deser. Consigno, da mesma forma, a contribuição dos pesquisadores Daniel Rech (Ceris); Dinarte Belato (Universidade Ijuí); Vergílio Perius (Unisinos); e Marcelo Mauad (Unisol/Brasil).

            O escopo deles está em perfeita consonância com o sentimento dos Constituintes de 1988, na medida em que tem como eixo a preservação total e irrestrita da liberdade de associação, levando em conta, sobretudo, os dispositivos constitucionais, a consolidação da democracia e a compatibilização entre a participação social e a eficiência empresarial. Determinação que parece estar mais em conformidade com a experiência atual do movimento cooperativista, que tem vivenciado a experiência de múltiplas federações de cooperativas, situação criada até mesmo por conta das diferenças de escala, de setores de atuação e da condição dos cooperados.

            Procurei estabelecer uma carta de princípios do cooperativismo que devem orientar a prática cooperativista no Brasil, permitindo, evidentemente, a liberdade de organização, associação e representação, como assim determina a Lei Maior. Espero que o relator de ambos os Projetos de Lei do Senado, o de autoria do Senador Osmar Dias e o de minha autoria, na Comissão de Agricultura e Reforma Agrária, o Senador Waldemir Moka, que afirmou estar realizando um esforço para chegar a um entendimento entre todas as entidades interessadas, conclua por um relatório que respeite o princípio constitucional de liberdade de associação. Lembro que os incisos XVII a XX do art. 5º da Constituição asseguram que "é plena a liberdade de associação para fins lícitos, vedada a de caráter militar" e que "ninguém poderá ser compelido a associar-se ou a permanecer associado".

            Aproveito a oportunidade para dar uma boa nova: refiro-me ao lançamento do livro de Mônica Dallari, denominado Cooperativa - Os Vendedores Autônomos do Parque do Ibirapuera. O Passo a Passo de uma História de Sucesso, da Editora Campus/Elsevier - com prefácio do Prof. Paul Singer e apresentação de minha autoria -, que se realizará no próximo dia 4 de agosto, às 9 horas, no Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM), no Parque Ibirapuera, na cidade de São Paulo, e no dia 5, na Praça do Porquinho, do mesmo Parque, a partir das 10 horas.

            Eis o prefácio do Professor Paul Singer sobre o livro de Mônica Dallari:

Este livro relata verdadeira epopeia de um grupo de vendedores ambulantes, que conseguiu resistir a diversas tentativas de despejá-los do seu local de trabalho - o monumental Parque do Ibirapuera - e conquistar a confiança e a solidariedade de grande parte dos usuários do mesmo para se organizar numa cooperativa autenticamente autogestionária, que lhes possibilitou aprimorar seus serviços e - o melhor de tudo - superar a miséria da qual vieram para oferecer a seus filhos oportunidades de estudo e profissionalização com as quais em sua própria infância jamais teriam podido sonhar.

O Parque do Ibirapuera é a principal área verde da metrópole paulistana, projetado e construído por Oscar Niemayer em 1954, em parceria com o grande paisagista Burle Marx, para comemorar o quarto centenário da cidade. Ocupando uma área de 1.584m2 com três lagos e vários museus, monumentos e equipamentos esportivos, o parque rivaliza hoje com o Central Park de Nova Iorque ou o Bois de Boulogne, em Paris. Ele constitui o principal refúgio do paulistano bem de vida da canícula, com um total de 2 milhões de visitantes no verão.

Com estas dimensões, o parque tornou-se um cobiçado mercado para todo tipo de negócios, sobretudo para os marginalizados do mercado do trabalho pela origem de imigrante, pela baixa escolaridade quando não de sua total ausência. São Paulo gozou de pleno emprego durante a fase de intensa industrialização, da época da II Guerra Mundial até o fim do "Milagre Econômico" do regime militar, em 1981, quando as crises se sucederam e o desemprego atingiu milhões de pessoas. No desespero, suas vítimas lançavam mão das últimas reservas para tentar vender o que quer que fosse nas ruas, praças ou onde quer que passassem pessoas. O comércio estabelecido protestou veementemente contra esta concorrência "ilegal", o que levou o poder municipal a organizar a temível rapa - tropa policial especializada na repressão ao comércio de rua, que cai de surpresa sobre os ambulantes para lhes confiscar a mercadoria, que jamais lhes será devolvida. Nas épocas de crise e desemprego em massa, as ruas viravam cenários de guerra, com farta exibição de brutalidade e desespero.

No Ibirapuera, os ambulantes, mesmo quando escorraçados, teimavam em voltar, pois já haviam adquirido uma clientela entre os usuários que não podiam perder. Foi quando a Prefeitura resolveu licitar o Parque entre cinco empresas e despejar todos os vendedores autônomos de uma vez. Este é o ponto de partida desta narrativa do enfrentamento entre o governo da cidade e um grupo de "'informais" que teimavam em traficar ilegalmente, mas que puderam contar com a solidariedade de pessoas que aprenderam a conhecê-las e reconhecê-las como seres humanos. Estas pessoas intervieram junto à Prefeitura, mas sobretudo mostraram aos ambulantes de que sua única chance de conseguir resistir residia em sua união e organização.

Não me cabe, neste prefácio [diz o Prof. Paul Singer] antecipar o que o leitor terá o prazer e proveito de ler nesta obra [de Mônica Dallari]. O que me cabe sim é de mostrar que lutas como estas, extremamente desiguais, entre os que o mercado exclui e o poder público nem assume e nem quer ver mais pela frente, são muito mais frequentes do que se supõe; elas são na verdade incessantes, algumas vezes não são notadas pelo público, outras vezes explodem com violência, fazendo muitas vítimas. Elas são causadas pela intolerância que atinge os pobres porque não têm dinheiro para pagar pelo espaço que ocupam já não digo para morar, mas sequer para dormir, e para exercer os humildes ofícios que lhes garantam a sobrevivência. Ser pobre na cidade capitalista é estar condenado à informalidade e à invisibilidade e ai de quem reage.

Para travar estas lutas, trabalhadores de diferentes lugares e em diferentes épocas inventaram suas associações de luta (os sindicatos e os partidos) e de práticas econômicas: as cooperativas. Estas organizações de oprimidos só ganham força se conseguem reunir massas de associados. Para tanto, têm de ser profundamente democráticas, porque cada mulher e cada homem e cada velho e cada jovem têm de ser respeitados como iguais, para que se sintam aceitos e à vontade para opinar e para confiar nos companheiros e - só assim sendo - podem se ajudar mutuamente.

Neste livro [sobre a história da Cooperativa do Parque Ibirapuera], o leitor encontrará a autobiografia de cada um dos membros da Coopvapi, cada uma mais comovente do que a outra. E verificará que a luta épica deles para poder meramente exercer o seu trabalho no Parque ainda não está ganha [definitivamente]. A disputa pelo mercado do Ibirapuera não cessa, mas enquanto os vendedores ambulantes, com seus carrinhos, uniformes e crachás puderem se manter unidos em sua cooperativa e gozar da preferência amiga dos frequentadores do Parque ninguém conseguirá expulsá-los. Lá ficarão como prova viva da fibra, inteligência e dedicação à nossa terra de um punhado de meros ambulantes.

            E aqui gostaria de cumprimentar pessoas como a Srª Antonia Cileide Oliveira de Souza, que foi a primeira Presidente da Associação dos Vendedores Ambulantes do Parque Ibirapuera e demais áreas verdes de São Paulo, que depois se tornou a Presidente por dez anos da Cooperativa dos Vendedores Autônomos do Parque Ibirapuera.

            Quero também cumprimentar aqui a sua sucessora, a Srª Selma Maria Marques dos Santos, que, por eleições democráticas, desde fevereiro de 2011, vem exercendo a Presidência da Cooperativa dos Vendedores Autônomos do Parque Ibirapuera.

            Quero cumprimentar a todos aqueles que, ao longo desses 12 anos, colaboraram para que houvesse um melhor entendimento, inclusive a Prefeita Marta Suplicy e, depois, o então Secretário Eduardo Jorge, na Prefeitura de José Serra e também na de Gilberto Kassab.

            Logo que o Prefeito Gilberto Kassab assumiu, no dia seguinte, um domingo, eu o levei para conhecer aquelas pessoas que são os dirigentes da cooperativa e que realizaram um trabalho notável.

            Neste livro está cada um dos cooperados e pessoas, como Luiza Erundina e tantas outras, que ajudaram na formação e no fortalecimento dessa cooperativa. Inclusive é importante cumprimentar a Srª Vivian Vieira, que foi a advogada e psicóloga que ajudou aquelas cooperativas a formularem seu estatuto e até hoje presta assistência.

            Aqui está, Sr. Presidente, a capa do livro Cooperativa - Os Vendedores Autônomos do Parque do Ibirapuera. O Passo a Passo de uma História de Sucesso, com prefácio de Paul Singer, minha apresentação e colaboração de Ildeana Vivian Vieira, assim como de Daniel Rech e outros que colaboraram para a feitura deste livro, que relata uma história bem sucedida e que poderá ser um exemplo para muitas outras pessoas, nos mais diversos ramos de atividade, que queiram formar cooperativas, caro Presidente Paulo Paim.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 11/07/2012 - Página 35299