Discurso durante a 132ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da instituição de medidas destinadas à prevenção do uso inadequado de psicofármacos em crianças e adolescentes.

Autor
Ângela Portela (PT - Partido dos Trabalhadores/RR)
Nome completo: Ângela Maria Gomes Portela
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
SAUDE.:
  • Defesa da instituição de medidas destinadas à prevenção do uso inadequado de psicofármacos em crianças e adolescentes.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 17/07/2012 - Página 37229
Assunto
Outros > SAUDE.
Indexação
  • APRESENTAÇÃO, PROJETO DE LEI, AUTORIA, ORADOR, ASSUNTO, PREVENÇÃO, DESNECESSIDADE, UTILIZAÇÃO, MEDICAMENTOS, TRATAMENTO, DESVIO, COMPORTAMENTO, DIFICULDADE, APRENDIZAGEM, CRIANÇA, ADOLESCENTE.

            A SRA. ANGELA PORTELA (Bloco/PT - RR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sra. Presidenta Ana Amélia, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, apresentei, na semana passada, aqui, nesta Casa de Leis, um projeto visando instituir medidas destinadas à prevenção quanto ao uso inadequado de psicofármacos em crianças e adolescentes.

            Trata-se do Projeto de Lei nº 247, de 2012, que sugere alteração na Lei nº 8.069, de 13 de julho de 1990, conhecida como Estatuto da Criança e do Adolescente.

            No Capítulo I do ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente, que trata do “Direito à Vida e à Saúde”, o art. 14 determina que o Sistema Único de Saúde (SUS) promova programas de assistência médica e odontológica para prevenir enfermidades que afetam a população infantil, bem como campanhas de educação sanitária para pais, educadores e alunos, incluindo a obrigatoriedade da vacinação das crianças.

            No PLS, proponho que seja acrescentada ao artigo 14, a recomendação de que o uso de psicofármacos em crianças e adolescentes obedeça aos requisitos e normas contidas nos regulamentos aplicáveis.

            Apresento, a seguir, dois regulamentos que propus no projeto.

            O primeiro deles estabelece que - entre aspas - "comprovada necessidade do uso de psicofármacos, o qual deve ocorrer em conformidade com os protocolos clínico-terapêuticos aprovados pelo Ministério da Saúde, ou por entidade por ele designada, com a explicitação das indicações terapêuticas e dos requisitos a serem cumpridos para comprovação diagnóstica, além dos critérios de uso de cada psicofármaco, que devem incluir a faixa etária a que ele se destina e os riscos associados a esse uso".

            O segundo regulamento determina a "proibição da medicalização psicofarmacológica indiscriminada/inadequada, desnecessária ou excessiva.

            Em parágrafo único, proponho que seja "promovida, em caráter permanente, campanha de esclarecimento para pais, educadores e alunos com vistas a prevenir a medicalização”.

            Manifesto a preocupação de um grupo de educadores e psicólogos que estão a denunciar a banalização do uso de vitaminas, ansiolíticos e outros medicamentos.

            Trata-se do fenômeno da medicalização. Compreende-se por medicalização o processo em que questões da vida social, complexas, multifatoriais e marcadas pela cultura e pelo tempo histórico, são reduzidas à lógica médica.

            Em geral, vincula-se aquilo que não está adequado às normas sociais a uma suposta causalidade orgânica, expressa no adoecimento do indivíduo.

            Por esse raciocínio, comportamentos socialmente rejeitados, performances escolares que não atingem as metas das instituições e conquistas não realizadas no período estipulado são retiradas de seus contextos.

            Uma vez isolados dos determinantes sociais, políticos, históricos e relacionais, passam a ser compreendidos apenas como uma doença, que, como tal, deve ser tratada.

            Os profissionais que recebi integram o Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade. Eles nos advertem que alguns dos medicamentos usados têm, inclusive, o poder de gerar dependência química e psíquica.

            Marilene Proença, representante do Conselho Federal de Psicologia, afirmou que crianças e jovens estão sendo vítimas da ideia de que a educação é um fenômeno circunscrito ao indivíduo.

            Neste caso, nos advertem os especialistas que, quando há uma criança que não lê, não escreve e não presta atenção, em vez de se questionar o tipo de escola que lhe está sendo oferecida, deve-se questionar o fato de este indivíduo ter uma patologia, ou seja, não estar tendo atenção necessária para o estudo. O campo da Educação tem sido palco importante neste processo.

            No Manifesto do Fórum sobre Medicalização da Educação e da Sociedade, encontramos o seguinte:

A aprendizagem e os modos de ser e agir - campos de grande complexidade e diversidade - têm sido alvos preferenciais da medicalização. Cabe destacar que, historicamente, é a partir de insatisfações e questionamentos que se constituem possibilidades de mudanças nas formas de ordenação social e de superação de preconceitos e desigualdades.

            Srª Presidenta, a professora do Departamento de Pediatria da Unicamp Maria Aparecida Moisés, também integrante do Fórum sobre Medicalização, entende que a medicalização é um problema coletivo, social, cultural, político e econômico e que deve ser discutido neste contexto.

            Na verdade, não há como discutirmos processos educacionais descontextualizados dos poderosos interesses econômicos, especialmente de laboratórios farmacêuticos, que reforçam a tendência dos profissionais de saúde e educação de transformarem um problema não médico, da aprendizagem ou do comportamento, em um problema biológico do indivíduo, com causa e solução médica.

            Para os senhores terem uma ideia, é lícito saber que no Brasil é preocupante o tratamento dos Transtornos de Déficit de Atenção, o TDA, ou o TDAH, quando se diagnostica também sintomas de hiperatividade, por meio da utilização de medicamentos de tarja preta, com propriedades similares às das anfetaminas, a ponto de o uso intensivo desse medicamento ter levado o Brasil ao posto de segundo consumidor mundial em 2009.

            Estudo concluído naquele ano por pesquisadores do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Instituto de Previdência dos Servidores do Estado de Minas Gerais investigou as características das prescrições para TDA e TDAH.

            Por meio da revisão de 19 artigos científicos, disponíveis em diferentes bases de dados, chamou a atenção a preocupação com o uso de medicamentos em crianças muito novas - um dos estudos registrou essa utilização em crianças de dois anos de idade -, relatada no seguinte trecho - abre aspas: "Não há evidências científicas para o uso de psicoestimulantes em crianças tão novas (até quatro anos) quanto as encontradas na revisão. O que está acontecendo com os familiares e professores para essa demanda?”

            Uma resposta hipotética é que, como as famílias estão progressivamente menores, com menos filhos, com menos crianças, com mais mobilidade de parceiros e geográfica e jornadas duplas de trabalho, as pessoas estão ficando mais intolerantes com a normal inquietação motora das crianças dessa faixa etária.

            Srª Presidenta, tal hipótese é fundamentada por Cox e outros. Esses pesquisadores descobriram que, em famílias com mais crianças, há menos prescrições desses estimulantes. E, pelo viés do profissional médico, há demanda técnica real para a medicalização de até 3% dessa população ou está havendo apenas uma resposta reativa às demandas.

            Mas, senhoras e senhores, esse não é um problema restrito aos países da América Latina, apenas estando o Brasil no seu contexto. Outros estudos mostram que, em todo o mundo, vem crescendo vertiginosamente o uso de psicofármacos em crianças e adolescentes.

            Eu queria dar um aparte ao Senador Mozarildo Cavalcanti.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Senadora Angela Portela, quero cumprimentá-la pelo tema que aborda. V. Exa. é professora e eu a aparteio como médico e também como pai, como avô, portanto, com alguma experiência de lidar com crianças e adolescentes também, pelo outro lado. Este tema realmente merece muita atenção e muito estudo, porque, se por um lado, como disse V. Exa., não devemos ‘medicalizar” qualquer comportamento de uma criança ou de um adolescente, por outro lado, também não devemos ir para o outro extremo e só “psicologizar’. Quer dizer, não é só médico o problema, nem é só psicológico o problema; o problema tem várias vertentes que precisam ser bem avaliadas tanto pelos psicopedagogos quanto pelos médicos da área que cuidam das crianças e dos adolescentes. Veja bem, havia um tempo em que, quando uma criança tinha um problema de hiperatividade ou de déficit de atenção, se dizia que aquela criança era muito “capeta” e, portanto, não prestava atenção em nada e tal. Se um jovem tinha um distúrbio, por exemplo, de bipolaridade, se dizia que ele era “de lua”, quer dizer, um dia ele estava de um jeito e, logo depois, estava de outro. Então, não se pode regredir ao ponto de menosprezar a existência de distúrbios psicológicos e psiquiátricos como não se pode também ir para o outro extremo de que qualquer comportamento que se considere - entre aspas - “normal” se tenha de medicar. Eu me preocupo muito com isso, porque, como disse V. Exa. também, hoje em dia a sociedade mudou muito. Pai e mãe passam quase o dia todo fora de casa; então, o convívio com os pais cada vez mais é menor. Então, nós temos crianças que ficam muitas vezes em creches, com babás ou a maioria do tempo na escola. Aí, é preciso - repito, vamos para o lado científico - realmente aprofundar esses estudos, porque, se o Brasil é o segundo, não podemos nos esquecer que o Brasil é um dos países mais populosos do mundo. Então, também não é de se estranhar. Só quero dizer o seguinte: como eu tenho cabeça de médico, acho que nós não podemos estabelecer, de imediato, um diagnóstico sem o estudo adequado. Acho que nem se pode ir para o extremo de todo tipo de comportamento atípico ser medicado e nem qualquer comportamento que se julgue normal não se avaliado e não seja medicado. Em outras palavras: é muito importante o bom senso e o diagnóstico correto.

            A SRA. ANGELA PORTELA (Bloco/PT - RR) - Muito obrigada, Senador Mozarildo.

            Sem dúvida nenhuma, o que se busca é o equilíbrio. O que nós não podemos, Senador, é perceber esse excesso de medicalização nas escolas brasileiras, nas instituições onde vivem crianças e adolescentes, como as em que se cumprem medidas socioeducativas de adolescentes infratores, sem ter esse cuidado com o fator psicológico, sem ter esse cuidado de contextualizar o comportamento da criança e do adolescente de uma forma mais abrangente.

            Só dar o remédio para acalmar a criança também não é possível. Por isso, esse projeto abre o debate nesta Casa e os médicos e os professores, os profissionais que estão mais habilitados, os Senadores que estão mais identificados com essas questões, certamente, vão se interessar pelo problema e vão elaborar um projeto conosco, aqui, que possa atender, efetivamente, às nossas crianças e adolescentes.

            Eu queria também destacar que o Professor Emérito de Psicologia do Instituto de Desenvolvimento Infantil da Universidade de Minnesota, Sroufe, que vem estudando o desenvolvimento de crianças com problemas, nos traz importantes alertas.

            Em artigo intitulado "A Ritalina deu errado", publicado no jornal New York Times de 28/01/2012, Sroufe afirma:

Três milhões de crianças, neste país, tomam remédios para focar. Perto do fim do ano passado, muitos de seus pais ficaram profundamente alarmados, porque havia uma escassez de drogas como a Ritalina e o Adderall no mercado, que eles consideram absolutamente essenciais para que seus filhos funcionem.

            Estudioso do assunto há 40 anos, Sroufe questiona se essas drogas estão, de fato, ajudando as crianças e se as prescrições delas devem continuar em expansão.

            Para o pesquisador, em 30 anos, aumentou 20 vezes o consumo de remédios para o déficit de atenção. Diante disso, ele acredita que precisamos nos perguntar por que nos apoiamos tanto em drogas para déficit de atenção.

            O pesquisador observa que esses remédios aumentam a concentração, mas por um período curto. Por isso, funcionam tão bem para os alunos de faculdade em véspera de provas, mas, quando são dados a crianças por um longo período de tempo, nunca melhoram o rendimento escolar nem reduzem os problemas comportamentais.

            Como vimos, as preocupações com a medicalização têm sentido. Eu defendo que precisamos dar a ela atenção especial, discutindo desde a política educacional, até as instituições, passando, evidentemente, pela sociedade que estamos construindo, que é cada vez mais produtivista, mercadológica e competitiva.

            Por isso, Srs. Senadores, apresentei um projeto de lei, na tentativa de restringir o uso de drogas para o caso de déficit de atenção. Estou convicta de que, quando aprovada, essa proposta irá beneficiar nossas crianças e adolescentes, bem como todo o processo educacional do nosso País.

            Era isso, Sra. Presidenta. Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/07/2012 - Página 37229