Discurso durante a 132ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa do exercício do poder investigativo pelo Ministério Público.

Autor
Pedro Simon (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RS)
Nome completo: Pedro Jorge Simon
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO.:
  • Defesa do exercício do poder investigativo pelo Ministério Público.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 17/07/2012 - Página 37281
Assunto
Outros > JUDICIARIO.
Indexação
  • CRITICA, PROJETO DE LEI, CAMARA DOS DEPUTADOS, OBJETIVO, EXTINÇÃO, PODER, INVESTIGAÇÃO, PROMOTOR, MINISTERIO PUBLICO.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores - são poucos, mas há -, nós estamos vivendo um instante tremendamente delicado. A matéria, submetida ao Supremo, começou com 2x0 - os votos do Supremo. Parece que empatou ou um ministro pediu vista. E, lá na Câmara, está correndo uma proposta que visa a barrar o poder do Ministério Público de fazer investigação.

            É impressionante como essa tese vem sendo debatida, analisada, discutida. Hoje, a investigação de um fato, de um crime, pode ser feita pela Polícia e pela Procuradoria. O que querem parlamentares e entidades? Que a Promotoria não possa investigar; que só quem possa investigar seja a polícia.

            Parece mentira, mas essa tese está crescendo. Há até um sentimento, de certa forma, de mágoas de muitos parlamentares. Eu diria, de modo especial, de prefeitos, inclusive do nosso Estado, minha querida amiga Ana Amélia, lá no Rio Grande do Sul, porque, lá no Rio Grande do Sul, nós temos a chamada 4ª Vara do Tribunal especialmente para julgar prefeito. E ela funciona, julga e decide. E os prefeitos do Rio Grande do Sul dizem: mas por que só nós? Por que não julgam nem vereador, nem prefeitos, nem deputados, nem ministros, nem ninguém em lugar nenhum, só prefeito no Rio Grande do Sul?

            Realmente, a Constituinte de 1988, Sr. Presidente, Sarney - V. Exa. era o Presidente da República -, deu poderes importantes à Procuradoria. Há alguns que dizem até que a Procuradoria se transformou num poder à parte. O Procurador, hoje, pode abrir processo contra quem quer que seja.

            Interessante é que eu tenho um projeto de lei... E, quando eu vinha para cá, vinha a Senadora Ana Amélia contando a sua larga e brilhante folha de serviços prestados só este ano, projetos e mais projetos. Eu me lembro que esse projeto foi um dos primeiros que entrei, lá em 1979, quando cheguei aqui. Não consegui que andasse. O meu adversário aqui tinha sido o grande e querido Senador de São Paulo, Senador Tuma, também delegado de polícia - por isso, radicalmente contrário.

            Eu faço a análise do Brasil com os Estados Unidos, com a França, com a Inglaterra, com os outros países, onde o delegado de polícia, o promotor e o juiz são uma carreira só. Na Itália, procurador e ministro são a mesma carreira. O cidadão pode ser procurador, delegado; daqui a dois anos, é ministro do tribunal; nos outros dois anos, é procurador de novo e volta a ser ministro. É uma carreira só.

            Todos nós estamos acostumados a ver os filmes americanos. Ocorre um crime, aparece a polícia e aparece o promotor. E quando pega o criminoso, o réu, a primeira coisa que ele diz é que tudo que ele falar poderá ser usado contra ele. Ele pede um advogado.

            No momento que ocorreu o fato, começa o processo, e aquele é o processo definitivo, mas no Brasil não. No Brasil, ocorre um fato e vem à polícia. A polícia ouve, debate, discute e faz o que acha que deve fazer. Se acha que há crime, manda para o juiz; se o juiz acha que há crime, manda para o promotor, e o promotor é quem faz a denúncia. E aí, quando o promotor faz a denúncia, é que começa o processo. Toda aquela parte da polícia não vale nada. Não representa nada. Começa tudo de novo.

            Fui advogado a vida inteira; só atuei como advogado de defesa e não sei acusar. Acostumei-me a isso. A prova policial não tem significado. O que tem significado é a prova perante o juiz.

            Então, no Brasil a fase policial não tem significado.

            Na França e nos Estados Unidos, já começa no primeiro momento o processo para valer, e o delegado e o promotor estão no mesmo processo, é a mesma carreira e trabalham juntos. No Brasil, querem tirar o promotor e ficar só o delegado.

            Quem pode abrir processo no Brasil é só delegado de polícia, promotor não.

            Promotor tem os mesmos privilégios que tem o juiz. Ele tem cargo vitalício e tem os seus direitos inalienáveis.

            O delegado é cargo de confiança do governador. O governador nomeia o delegado na hora que quer, muda para onde quer, faz o que quer.

            No fundo, o promotor não tem superior; ele é o autor do processo que está analisando, ele é o responsável pela busca da prova, ele é o responsável por denunciar ou não denunciar.

            O promotor está ali. Se o governador não gosta dele transfere aquele promotor da cidade A para a cidade B e manda outro promotor para o lugar dele, e acaba tudo.

            Nós tivemos um célebre caso... Ontem, a Globo publicou... Que coisa engraçada, Senador Alvaro Dias: a Globo fez um chamativo do que ia acontecer com a exposição da ex-esposa do Presidente. Eu não vi novidade nenhuma. Eu acho que foi propaganda enganosa. Eu fiquei ali, atento, esperando que fosse haver alguma coisa. Eu não vi nada, nada que já não fosse conhecido, que já não se tivesse sabido ao longo do tempo.

            Mas ali mostrou, ali mostrou o PC Farias e a noiva, a namorada dele, mortos, assassinados na cama, lá em Alagoas. E foi o delegado que conduziu o processo. Foi o delegado que olhou as provas. Foi o delegado que mandou queimar os lençóis e tudo mais. Foi o delegado que chegou à conclusão de que ela, por paixão, matou o PC Farias e depois se matou. A coisa mais ridícula e estúpida que se pode imaginar!

            Quando chegou às mãos do promotor, ele foi olhar e viu que não tinha mais nenhuma prova. Não tinha nada, nada, nada, nada para fazer. As provas tinham sido queimadas. “Cadê o revólver?” Não tinha mais nada! Então, o promotor teve que dizer: “Eu não tenho o que fazer, eu não tenho prova nenhuma”. Conclusão do caso PC Farias: caso arquivado. Por paixão, ela matou o PC e depois se matou.

            O PC tinha uma esposa com a qual, por tudo que se sabe, ele se dava muito bem. Ela morreu. E, no decorrer do processo, ele arrumou essa namorada. Tudo bem! Ele estava com ela e vivia com ela. Não se teve notícia nenhuma de nenhum fato estranho. Ele estava com uma vida tão agitada, tão corrida, que não me parece que ele tenha tido tempo para outra coisa. Então, por que ela iria matá-lo? Ele era a fonte de renda dela. Ele a mantinha, ele estava ali com ela. Não tinha casamento, não tinha nada, mas vivia com ela, que tinha de tudo do bom e do melhor. Ela o matar e depois se matar? Por que ela iria se matar? Estava com ele, estava bem com ele, não tinha problema nenhum. Por que ela iria se matar? Prova policial. Prova policial comandada, orientada e estimulada. O PC Farias tinha de morrer porque ele era uma monstruosidade de provas contra Deus e todo mundo, e muita gente não podia dormir direito em função da existência do Sr. PC Farias. E se ele falar? E quando ele começar a falar, o que vai falar? Era preciso que ele fosse morto. Isso é a prova policial, essa é a prova policial!

            Outra coisa, Sr. Presidente: hoje nós podemos dizer que temos duas vias para averiguar a vida do cidadão, a polícia e o promotor. Digamos até que haja certa ciumeira. Aliás, não digo ciumeira, mas certa luta no bom sentido de quem quer mostrar mais trabalho. E justiça seja feita: eu sou daqueles que têm respeitado a Polícia Federal. Alguns dizem que ela tem propensão política para A ou para B, mas ela tem, ao longo dos últimos anos, tanto no governo Fernando Henrique como neste Governo, atuado e buscado verdades. Isso é verdade.

            De outro lado, está a promotoria, que atuou em muitos casos, como o caso Castor no Rio de Janeiro, o célebre caso dos bicheiros - pela primeira vez, aquela juíza botou na cadeia banqueiro do bicho. Começou com a promotoria.

            Este caso que nós estamos vendo agora, que nós estamos julgando agora: polícia e promotoria. Então, há certa concorrência no bom sentido. A polícia agindo, investigando, buscando, e os promotores também. A ciumeira é normal. Fazer uma orientação, uma determinação, isso é normal, mas tirar os promotores...

            Reparem o que estou dizendo. Digamos que hoje os promotores representem 50% de uma investigação e a polícia outros 50%. Tirem os promotores; os promotores estão fora, é só a polícia. Não vai ser reduzido de 100 para 50: a polícia vai agir de forma diferente. Uma coisa é a Polícia agir hoje sabendo que, se ela não agir, está o promotor olhando. Outra coisa é a polícia ser dona exclusiva, ou ela apresenta ou ninguém apresenta. Aí ela fica, cá entre nós, com um poder ilimitado.

            Eu defendi essa tese, e nos Estados Unidos é assim. Nos Estados Unidos, não existem, como no Brasil, um processo criminal e um processo judicial.

            O caso policial vai até o momento em que o delegado termina e entrega para o juiz. É a fase policial. Não vale nada na hora do julgamento.

            O juiz dá para o promotor; o promotor ou manda arquivar ou denuncia. Se ele denuncia, o juiz aceitando, inicia-se o processo. Inicia do ponto zero. Aí, o juiz convoca o réu para depor. Aí começa o processo. Mas aqueles seis meses, aquele tempo todo em que se ouviu depoimento e tudo o mais? Não vale nada!

            E já se disse que, no processo judicial, a testemunha é a prostituta das provas, porque é a prova mais incompleta, mais difícil, quase impossível. Muitas vezes não é nem a má-fé.

            Estou sentado num bar, num restaurante. Estou ali conversando, etc. e tal. Daqui a pouco, há um tumulto, um grito, um não sei o quê e um tiro, morre alguém e eu sou chamado para depor. Eu não tenho nada a ver com isso. Daqui a pouco, se me perguntarem qual é a roupa do cara, eu já não me lembro mais. Daqui a pouco, se me perguntarem quem falou primeiro, eu já não me lembro mais.

            Sr. Presidente, nunca me esqueço da primeira aula de Processo Penal, da Faculdade de Direito da PUC, com o Prof. Balthazar Barbosa. Nós estávamos sentados na sala de aula e, de repente, entrou alguém meio vestido de palhaço, com um pé de sapato e outro pé sem sapato; um lado azul e outro lado verde; a roupa de não sei... Mil coisas diferentes. Ele entrou, deu a volta em torno da sala, ficou ali na frente, todo mundo olhou e ele saiu. Aí o professor disse para pegarmos um papel e descrever o que tínhamos visto. E todos os alunos descrevemos o que tínhamos visto. Foi uma sessão de gargalhada. Aí, ele trouxe o rapaz de volta, que ficou ali na frente, e cada um lia alto, para todo mundo ouvir, como o tinha descrito. Ninguém acertou! Ninguém sabia quais eram as cores, qual era a mão que tinha a luva e a que não tinha a luva; qual era a cor; se ele tinha chapéu. Ninguém acertou coisa alguma! E cada um disse algo diferente. Essa é a prova testemunhal.

            Agora, essa prova feita na hora é outra coisa.

            Matou, eu assisti, sou chamado para depor, eu confundo tudo, mas eu digo as coisas. Daí, um ano depois, um ano depois, o juiz me convoca, nem me lembro mais de nada e vou depor como é que foi. Não sei mais nada.

            Nos Estados Unidos é diferente; na Europa é diferente. Na Europa, aconteceu um fato, começou o processo. Delegado e promotor estão ali; e o processo começou.

            Meu projeto está andando; meu querido e saudoso Tuma não o deixou andar. Ficou pelas gavetas. Mas, em vez disso - o que eu estou propondo não é novidade nenhuma; estou propondo o que acontece na Europa, nos Estados Unidos, em qualquer país moderno e civilizado -, querem arquivar o promotor.

            É verdade, cá entre nós, é verdade. Aliás, nós já alteramos isso. Como saiu da Constituinte, o promotor se formava na faculdade de Direito, fazia concurso e era promotor. Com 22 anos, 23 anos, ele era promotor ou juiz de Direito. E aí era difícil.

            De repente, chega lá na Constituição: o prefeito é responsável pela limpeza, e não sei mais o quê. Então, ele entra com um processo determinando ao prefeito seis meses para terminar com um lixão que tem 40 anos. Há 40 anos, aquele lixão está naquela cidade. E o delegado pede ao juiz que dê a ele seis meses para terminar com o lixão. Não termina? O prefeito é condenado, o prefeito é condenado.

            Há muitos casos realmente de promotores que devem ser analisados; devem. Há análise que deve ser feita; deve. Mas tirar da promotoria o direito de entrar com o processo é uma loucura.

            Com o maior prazer, Senadora.

            A Sra. Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Senador Pedro Simon, falar da instituição do Ministério Público para mim é sempre um momento muito importante, porque, sabe V. Exa., eu sou viúva de um procurador de Justiça do Rio Grande do Sul, seu contemporâneo e ...

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Nosso Colega nesta Casa.

            A Sra. Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - ...que teve um desempenho exemplar como promotor e depois procurador de Justiça. No Rio Grande do Sul, como V. Exa. já definiu em relação às Varas do Poder Judiciário específicas para julgar os prefeitos municipais, da mesma forma, o Ministério Público tem uma conduta exemplar. Concordo também com V. Exa. que as exceções à regra de comportamento têm que ser combatidas pelas Corregedorias, e as instituições precisam ter uma definição muito clara das suas competências e das suas responsabilidades, para evitar essa, digamos, interferência nas áreas e nos limites. Faço este aparte a V. Exa. para fazer justiça ao Presidente da Mesa, neste momento, nesta sessão, o Presidente José Sarney, que, quando o Presidente da República...

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Desculpe-me. Desculpe-me... Presidente da Mesa, neste momento e sempre, e sempre, e por longo período, Presidente. Não apenas neste momento.

            A Sra. Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Fazer justiça ao Presidente Sarney, porque eu, como jornalista, acompanhei o esforço e a ampliação da prerrogativa do Ministério Público na concessão da ação pública para os interesses difusos, que foi uma atualização para as prerrogativas do Ministério Público. Então, eu queria prestar este depoimento, porque acompanhei como jornalista, naquele momento, a tramitação dessa iniciativa do Presidente Sarney, como Presidente da República. Era, inclusive, Consultor-Geral da República, à época, o atual Ministro Celso de Mello, que - se não me engano, pertenceu ao Ministério Público e ao Poder Judiciário, no Estado de São Paulo -, cuidou com muito carinho dessa questão. Então, faço questão, Senador Simon, de, primeiro, cumprimentá-lo pelo seu pronunciamento e de fazer este registro, porque é uma questão de justiça ao Presidente Sarney, que deu ao Ministério Público a ampliação das prerrogativas particularmente nessa questão, além de outras, porque o empoderou, na defesa da sociedade, nas questões ambientais e em vários setores que o interesse difuso abriga. Então, meus cumprimentos a V. Exa., Senador Pedro Simon.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Eu agradeço o aparte de V. Exa. V. Exa foi muito feliz no aparte.

            Na verdade, Presidente Sarney, V. Exa. agiu sobre os dois lados: agiu como Presidente da República, e sou testemunha disso, e agiu como Presidente da República junto à Assembleia Nacional Constituinte para que essas coisas acontecessem.

            V. Exa. teve uma atuação realmente muito importante, pois tudo isso aconteceu, quando V. Exa. era Presidente da República, quando houve a atuação pessoal de V. Exa., salientada pela ilustre Senadora - e é verdade; sou testemunha disso -, e todo mundo sabe da influência que o Presidente da República exerce sobre a Constituinte.

            Esse trabalho de V. Exª teve o mérito e tem o respeito e admiração de todos nós. Por isso é que fico angustiado. Eu vinha de carro ouvindo o seu discurso, Senadora. V. Exª, em seu pronunciamento, muito competente, disse que a gente vê que o Brasil está exausto de corrupção. Há um sentimento de “basta”. É verdade. Mas exatamente neste momento vamos terminar com essa questão ?

            Eu volto a repetir: hoje temos uma instituição que é a polícia que investiga. Temos uma instituição que é a promotoria que investiga. Os dois investigam e, cá entre nós, fazem um bom trabalho, mas, cá entre nós, ninguém é condenado, ninguém vai para a cadeia. Há muita coisa a ser feita. Se fizermos um levantamento dos crimes - não dá nem para contar porque é uma coisa tão absurda. Os crimes que se cometem...

            Quantos crimes em Porto Alegre? Quantos crimes em São Paulo? Quantos crimes em Brasília? E quantos crimes, quantos criminosos vão a júri? Começa a investigação, vai embora, vai embora, se perde, se arquiva e não acontece nada. E não acontece nada! A polícia não consegue descobrir. Descobre quando é pego em flagrante, quando a coisa acontece, mas quando não é isso...

            Então, nessa altura, por que tirar do promotor o direito de investigar também? Por quê? Volto a repetir: hoje tem o delegado e tem o promotor. Cada um age melhor do que o outro, porque um fiscaliza o outro. E tem dois... Tira-se o promotor e fica só a polícia. E a polícia, sem o promotor, sem a ação do promotor, sem a possibilidade do promotor atuar em hipótese alguma: ou a polícia atua ou não acontece nada, a polícia vai ficar muito inferior a que é hoje. Ela vai estar muito inferior ao que é hoje. Hoje está assim: vai sair um promotor para fora, fica só a polícia; mas a polícia, sem a promotoria também olhando aqui, vai trabalhar 30%. Não tem fiscalização, não tem controle, não tem com quem se comparar. Ela faz, fez; ela não faz, não acontece nada!

            E, repito, polícia que não tem autonomia... Quem manda na polícia é o governador, que é quem diz para aonde vai o promotor, para aonde vai o delegado. O governador pode, a qualquer momento, tirar o delegado de Caxias e colocar em Porto Alegre; tirar de Garibaldi e colocar em Caxias e mudar completamente o andamento de um processo.

            O autor desse projeto na Câmara é um delegado de polícia, é claro, mas está tendo muita aceitação. Vejo, inclusive, aqui no Senado muita gente com mágoa com relação aos promotores, com o que eu concordo. Muita coisa deve ser mudada, deve ser alterada, mas não extinguir o direito da promotoria de abrir inquérito.

            Eu confio no Supremo. Eu confio no Supremo! Apesar dos dois primeiros votos, surpreendentemente, a favor, dos policiais contra os delegados, ou melhor, contra os procuradores, eu acredito na decisão final do Supremo Tribunal Federal. Mas, de modo especial, confio no Congresso Nacional, na Câmara, mas especialmente no Senado. Tenho certeza de que, embora tenhamos mágoas, ressentimentos, coisas que acontecem...

            Já contei um caso, e o reconto aqui, Sr. Presidente, para mostrar como é delicado. Fiquei a vida inteira dirigindo o partido no Rio Grande. A pior coisa que tinha era conseguir candidato para prefeito, para vereador, para deputado, principalmente numa época em que não existia a democracia. Era uma luta bárbara! Uma vez, numa determinada cidade do interior, tinha um empresário muito rico, muito socialmente aberto, muito querido pela população. Insisti, insisti, insisti, insisti, insisti, e ele acabou aceitando, elegeu-se prefeito. Prefeito eleito, antes de assumir o mandato, ele ficou sabendo que uma pedreira que existia na cidade há 60, 70 anos, por falta de venda de material, ninguém mais construía estrada, não faziam mais nada, o dono da pedreira estava fechando... Aliás, fechou a pedreira e vendeu as máquinas para outra cidade. Sobrou uma infinidade de pedras que já existiam prontas e que ele ia fazer não sei o quê. O prefeito foi a esse cidadão da pedreira e comprou as pedras com que calçou toda a cidade - mas toda a cidade - e emprestou para a cidade vizinha. E ele não era prefeito ainda. Comprou com seu próprio dinheiro. Comprou, pagou e assumiu a prefeitura. Quando eu fui fazer a minha testemunha no processo dele, ele tinha recebido nem 10% do que ele tinha comprado. Estava lá condenado, queriam botá-lo na cadeia. Condenado, porque comprou sem abrir concorrência. Uma pedreira em toda região, que fechou. Concorrência com quem? Foi condenado porque, sem fazer licitação, sem ter verba, ele comprou. Como é que ele comprou? Comprou com dinheiro dele! Comprou com o dinheiro dele, entregou para a prefeitura, a prefeitura asfaltou, e tinha recebido 10% da importância enorme que ele tinha direito a receber.

            Eu fui duro com o juiz: em primeiro lugar, o senhor, então, tenha coragem e me bote na cadeia, porque o culpado fui eu. Esse cidadão era um empresário excepcional, importante, tinha o respeito e a credibilidade de toda a cidade e de toda a região e fomos tirá-lo da casa dele para fazer isso. Esse cidadão pegou uma parte da sua fortuna, comprou uma montanha de pedra, calçou toda a cidade e, até hoje, recebeu uma ninharia. Ser condenado? Agora, o senhor vem me dizer que tem de julgar pelo que está nos autos. O que não está nos autos não existe; mas, Sr. Desembargador, está nos autos que essa é uma pedreira que tinha mais de 60 anos e que tinha fechado; está nos autos que ele já tinha vendido as máquinas para outra cidade; e está nos autos que, com essas pedras que estavam ali, ele ia lotear e fazer o diabo! E está nos autos que ele comprou por 10 o que valia 100!

            E o desembargador o absolveu.

            O SR. PRESIDENTE (José Sarney. Bloco/PMDB - AP) - Senador Pedro Simon, eu sei que V. Exa. vai ficar satisfeito com a interrupção que vou lhe fazer. Quero registrar e agradecer a presença de todos aqueles que visitam o Senado Federal, nas galerias. Muito obrigado.

            O SR. PEDRO SIMON (Bloco/PMDB - RS) - Muito obrigado a V. Exa., Sr. Presidente.

            O desembargador o absolveu. Reconheceu e sentiu o que estava realmente nos altos. Ele foi absolvido. Então, há muitos casos.

            Eu me lembro, Sr. Presidente, de um caso. Durante mais de 20 anos, eu passei a minha mocidade cantando homens. Naquela época as mulheres não eram as Anas Amélias da vida. Eu nem cantava a Ana Amélia para ser candidata; a gente cantava era homem mesmo. Eu passei a vida inteira cantando homens para serem candidatos; “Pelo amor de Deus, tem de ser candidato, vai ser candidato”, aquela coisa toda. E andei pelo Rio Grande do Sul, isso que a Ana Amélia está fazendo agora.

            Aliás, estive em Porto Alegre e notaram que era a segunda semana que você não vai a Porto Alegre. Achei interessante porque chamaram a minha atenção: “Mas ela não veio?” Eu me apresentei no congresso de jornalistas, citei o seu nome e disse que V. Exa. estava aqui para a questão do reflorestamento, que era uma questão urgente que iria ser votada, mas eles notaram a sua ausência. Mas também todo fim de semana está lá.

            Eu fiz isso durante muito tempo. E, nos roteiros de quatro ou cinco cidades, eu sempre tive o costume de dormir na última cidade, em que eu tinha de estar no dia seguinte. Então, ao invés de dormir às 2h30 e levantar às 6h, eu ia dormir às 4h lá na cidade, mas levantava às 9h. Então, eu estava com o Prefeito que foi me buscar para me levar para a cidade dele e, quando cheguei lá, havia um silencia mortal. Eu disse:

            - Prefeito, o senhor me desculpe, mas agora eu estou notando que eu não tomei café, eu não almocei, não jantei e estou sentindo um vazio no estômago.

            Ele disse:

            - Não. O senhor vai chegar lá em casa, a minha esposa vai...

            - Não. Eu já vou chegar na sua casa e eu queria ficar num hotel. E ainda chegar para a sua esposa e pedir para ela fazer janta, eu vou perder o voto dela. Não, não.

            - Então, tem um lugarzinho aqui fora em que está toda gurizada lá se divertindo [era uma sexta-feira], mas a comida é muito gostosa.

            - Então, vamos.

            De repente a cidade escura, sem ninguém, sem luz, sem nada, uma barulheira. E veja o que é a Rede Globo. O pessoal estava ali, mas parecia que estava em Copacabana.

            Duzentos guris e gurias se divertindo, dando gargalhada, brincando, tomando chope e comendo.

            Eu estava ali. Daqui a pouco, eu vi o prefeito se levantar de onde eu estava e ir até uma mesinha que estava lá num canto, onde estavam dois rapazes rindo, ela de bermuda, ele de não sei o quê, conversando não sei o quê, e ele, “posudo”. E ela falando, e ele, “posudo”.

            Quando ele voltou, eu disse: “O que é isso?” “É que ela é a juíza, e ele é o promotor. Não calcule o que tenho sofrido com essa dupla. O máximo que faço é agradar, porque, na verdade, esse promotor pega a Constituição, vira para tudo que é lado e quer ver onde pode me pegar.”

            Na verdade, há necessidade de fazer uma orientação na questão da promotoria, para ela ter mais respeito e mais responsabilidade, não como quer o Maluf. O Maluf entrou com um projeto de lei para que todo promotor que fizer uma denúncia contra alguém, e esse alguém for absolvido, o promotor pague a conta. Aí já é um exagero. Aí eu acho que é uma coisa a que eu acho que não se chega, mas o promotor deve ter responsabilidade. Eu concordo com isso, que, na hora de apresentar uma denúncia contra alguém, mexendo com a honra de alguém, o promotor tem que ter responsabilidade nesse sentido. Eu concordo, mas não tirar o poder de fazer a investigação.

            Acho que nesta hora, em que nós vivemos um momento tão significativo, V. Exa., Sr. Presidente, nesse sentido, é o que está melhor de nós todos, porque não se fez a reforma administrativa, não se fez a reforma política, não se fez a reforma penal, mas V. Exa. criou as comissões e fez a sua parte. A parte de iniciar o trabalho, de iniciar a tarefa, justiça seja feita, V. Exa. fez.

            Com relação à penal, inclusive, o Ministro Dipp, uma das pessoas mais extraordinárias e mais brilhantes que conheço, fez um grande trabalho.

            Eu trago, aqui, o meu apelo muito importante.

            Eu não tenho dúvida de que nós vamos chegar lá. Como nos Estados Unidos, no Brasil, nós vamos ter uma carreira: juiz, promotor, delegado na mesma carreira. Tenho certeza disso.

            Tenho certeza de que o inquérito policial vai desaparecer e, como no resto do mundo, o inquérito vai ser um só, que começa quando ocorre o fato e vai até o seu final, mas que, até chegarmos lá, não tenhamos o retrocesso, o dramático e cruel retrocesso de tirarmos a presença do promotor com a responsabilidade de iniciar o levantamento do fato.

            Muito obrigado a V. Exa. pela tolerância, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/07/2012 - Página 37281