Discurso durante a 135ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários acerca da decisão do CNJ de aposentar, compulsoriamente, o desembargador do TRF da 4ª Região, Edgard Antônio Lippmann, por venda de decisões judiciais.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
JUDICIARIO, JOGO DE AZAR.:
  • Comentários acerca da decisão do CNJ de aposentar, compulsoriamente, o desembargador do TRF da 4ª Região, Edgard Antônio Lippmann, por venda de decisões judiciais.
Publicação
Publicação no DSF de 03/08/2012 - Página 39070
Assunto
Outros > JUDICIARIO, JOGO DE AZAR.
Indexação
  • COMENTARIO, ELOGIO, INVESTIGAÇÃO, DECISÃO, CONSELHO NACIONAL, JUSTIÇA, APOSENTADORIA, DESEMBARGADOR, TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL (TRF), ESTADO DO PARANA (PR), MOTIVO, PARTICIPAÇÃO, JOGO DE AZAR, BINGO, RECEBIMENTO, PROPINA.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senador Jorge Viana, uma das bandeiras das minhas campanhas eleitorais é a seguinte: campanha de alto nível só deseja, só exige, só impõe quem tem o rabo preso. Quando se entra em um debate eleitoral, todas as verdades e os fatos que precisam ser conhecidos devem ser expostos. Há, por parte dos donos da política, dos donos da economia, este vezo, esta tendência, esta exigência que se expressa nas grandes redes de televisão e nos jornais: “Queremos uma campanha de alto nível”. E essa exigência é exatamente daquelas pessoas que não querem discutir os pontos onde seus próprios rabos, as suas longas e felpudas caudas estão ilhadas.

            Quando assumi o Governo do Paraná pela segunda vez, em 2003, um dos grandes desafios que batia às portas do Palácio Iguaçu era a jogatina irrefreada que tomara conta do Estado do Paraná. As casas de bingo, os mal disfarçados cassinos, os caça-níqueis proliferavam-se com a velocidade dos cogumelos depois da chuva.

            O governo que me antecedera, de forma ilegal, já que havia sido incompetente para conter essa proliferação, liberara o jogo. Mais que isso, o Secretário de Estado que franqueara o jogo, tornara-se, ele próprio, dono de casas de jogo. Como diria aquele famoso locutor esportivo: “Que beleza! Que situação maravilhosa!”. A ilegalidade transitava com absoluta franquia e tolerância dos poderes estaduais.

            Assim, um dos expoentes da jogatina no Paraná era o inefável, o poderoso, o industrioso e hoje altamente discutido Carlinhos Cachoeira. Aliás, Presidente, eu vi umas fotografias e umas imagens televisadas do Carlos Cachoeira em um depoimento que não prestou ontem em uma Vara do Distrito Federal ou de Goiás. A sua decadência física e pessoal é absoluta.

            Ele está sofrendo fisicamente, de uma forma extraordinariamente dura, o pagamento do preço do lio em que se envolveu nesse processo extraordinário de corrupção pública em nosso País.

            A mesma rede de corrupção, de envolvimento de pessoas gradas, graúdas e graduadas, que hoje se revela na investigação em curso do Carlos Cachoeira, verificava-se lá no nosso Paraná. Como era do dever do governador, desencadeei dura e contínua campanha contra a jogatina e seus corolários, como a lavagem de dinheiro, a corrupção, o tráfico de influência. Foi aí que o meu governo começou a enfrentar uma sequência de liminares liberando uma a uma as casas de bingo que a polícia fechava. Era, Senador Jorge Viana, uma queda de braço diária: a casa de bingo que a polícia lacrava num dia era reaberta no dia seguinte por uma liminar de um juiz.

            Na concessão dessas liminares a favor da jogatina, distinguia-se um desembargador do Tribunal Regional Federal da 4ª Região, hoje já famoso e notório: Desembargador Antônio Lippmann Júnior.

            Mais que isso: não satisfeito em enfrentar o governo que combatia a jogatina, o Desembargador passou a censurar minhas aparições na televisão e no rádio do Estado, estabeleceu um rol de assuntos e pessoas sobre os quais e as quais eu não poderia falar. Era uma censura prévia, a defesa dos corruptos, a impossibilidade da denúncia pública da corrupção. Tirou-me do ar, fixou-me pesadíssimas multas todas as vezes em que eu denunciei um caso claro de corrupção, quando me manifestava contra o assalto ao Erário ou contra o bingo e seus patrocinadores e a consequente lavagem de dinheiro do crime organizado.

            Especialmente, eu não podia falar daquele ex-Secretário de Estado que liberara o bingo e tornara-se dono de casas de bingo. Estava proibido, censura prévia, antecipada. Se eu chamasse ladrão pelo nome, lá vinha uma punição; lá vinha a censura aos meios de comunicação do Estado. A tese era a seguinte: só se pode chamar um ladrão de ladrão depois que ele for condenado com sentença transitada em julgado. E o exemplo que eu dava quando as televisões me entrevistavam, quase sempre a pública, era que, se de repente, Senador Jorge Viana, V. Exa. numa praça de Brasília, notasse que um trombadinha arrancou a bolsa de uma senhora e saiu correndo e gritasse: “Ladrão! Ladrão!”, poderia ser penalizados por esses juízes, porque afinal o ladrão não havia sido condenado numa sentença transitada em julgado.

            O Desembargador Lippmann estabeleceu como que um índex de temas e pessoas sobre as quais o governador era proibido de falar. Se falasse era tirado do ar e multado. Ele se transformou em uma espécie de herói da oposição e de boa parte da mídia que fazia da censura e das multas a mim aplicadas manchetes diárias. Era a glória da Gazeta do Povo, a glória da Globo, a glória dos canais de televisão. Afinal, surgiu um juiz de verdade, um desembargador que está calando esse governador que insiste em denunciar a corrupção. Cada liminar do Desembargador reabrindo casas de bingo era comemorada pela nossa oposição e pela grande mídia como se fosse uma derrota pessoal do governador, e não um avanço do crime organizado e da imoralidade.

            Foram dias duros, foram dias de provação, até que uma lei federal, a par de uma decisão do Supremo Tribunal Federal, decidisse proibir o jogo do bingo. Foram dias de provação para mim governador e para o governo do Paraná.

            Essa história, incluindo a participação nela de Carlinhos Cachoeira, contei em um livreto que lancei no mês passado, editado pela Gráfica do Senado, e que foi entregue no gabinete de cada um dos Srs. Senadores, como também no gabinete de juízes estaduais e federais, desembargadores e membros do Ministério Publico estadual e federal.

            Hoje, volto à tribuna para acrescentar mais um capítulo à crônica do jogo ilegal e da corrupção no Paraná.

            No dia 30 de julho, acolhendo voto do Relator Bruno Dantas, o Conselho Nacional de Justiça decidiu aposentar o Desembargador Edgard Antônio Lippmann Júnior por venda de decisões judiciais, entre elas, a venda de liminares para reabertura de casas de bingo, no meu Estado do Paraná.

            Eu não sinto, Senador Jorge Viana, prazer algum em reportar a esta Casa a decisão do CNJ. O que me satisfaz, no entanto, é ver esse Conselho, que nós criamos aqui no Senado, honrando suas atribuições de fiscal do Judiciário.

            As investigações do CNJ sobre a venda de decisões judiciais pelo Desembargador começaram ainda em 2003, ano em que ele movia uma guerra particular contra mim, governador do meu Estado.

            Em 2009, diante de provas robustas, o CNJ suspendeu preventivamente o Desembargador. Chamado a depor e se defender, em nenhum momento ele convenceu o Conselho Nacional de Justiça de que não praticara os crimes de que era acusado.

            O Conselheiro Bruno Dantas fala em “provas inequívocas de venda de decisões judiciais para viabilizar a reabertura e o funcionamento de casa de bingo”. Dantas cita especificamente a liminar concedida a uma casa de bingo de Curitiba chamada Monte Carlo. Vejam só, senhores, a coincidência! Afirma Dantas, em seu voto: “tornou possível comprovar as frenéticas transações financeiras e imobiliárias realizadas durante o período em que o requerido atuou como relator do agravo de instrumento interposto pelo Bingo Monte Carlo”.

            Bruno Dantas observa que, embora os depoimentos colhidos na investigação fossem “consistentes e coerentes”, não passaram de um “mero ponto de partida”, já que “vasto acervo documental demonstrou, indubitavelmente,” que o Desembargador utilizou-se da ex-mulher e até mesmo dos filhos como “laranjas”, para ocultar os bens adquiridos a partir de sua atividade ilícita. 

            Sobre as transações imobiliárias e as transações financeiras de Lippmann diz ainda o conselheiro:

Num esforço vão de ludibriar a fiscalização que a Receita Federal promove com base nas declarações de renda de pessoa física, o requerido realizou séries de transações imobiliárias dentro do ano calendário-2004, esvaziando artificialmente o seu patrimônio pessoal e inflando o patrimônio dos seus familiares, que não possuíam qualquer renda ou lastro financeiro capaz de justificar as referidas transações.

            Na sequência dessa afirmação, o Conselheiro arrola os tantos terrenos, casas, apartamentos e conjuntos comerciais adquiridos pelo Desembargador e registrados em nome da ex-mulher e de seus filhos.

            Observa Dantas:

Os relatórios da Receita Federal de Movimentação Financeira, CPMF, chamaram a atenção para incompatibilidade entre os rendimentos oficiais auferidos pelo requerido e o fluxo de recursos que transitaram por suas contas principalmente no ano de 2004.

            E continua o Conselheiro do CNJ:

Vale dizer, entre os anos de 2000 e 2004 os rendimentos brutos do requerido sofreram variação positiva de aproximadamente dez por cento. No mesmo período, sua movimentação financeira global variou aproximadamente astronômicos dois mil por cento [...].

            O Relator afirma também que Lippmann despendeu “grande esforço para tentar, sem sucesso, colocar em dúvida a afirmativa dos órgãos de fiscalização de que sua movimentação financeira e sua evolução patrimonial apresentariam indícios de incompatibilidade com os seus rendimentos oficiais”.

            Bruno Dantas relata ainda que o Desembargador pediu provas periciais para demonstrar que o aumento vertiginoso de sua movimentação financeira se dera por causa de empréstimo que fizera.

            A alegação é fulminada por Bruno Dantas que afirma:

No mesmo período em que, segundo alega, era um homem endividado, que necessitava recorrer à ajuda de amigos, parentes e instituições bancárias, adquiriu para si, para sua companheira, ou para os seus filhos, um expressivo patrimônio [...]

            Reforça ainda o Conselheiro-Relator:

O exame cuidadoso dessas transações imobiliárias não deixa qualquer dúvida de que, longe de ser um homem endividado, o requerido se valia de empréstimos bancários para obscurecer o elevado fluxo de dinheiro e o grande patrimônio que construía em nome de “laranjas”, mercê da evidente incompatibilidade com sua renda oficial.

            Arremata Bruno Dantas: “A meu juízo, o que foi narrado até aqui já bastaria para aplicar a mais severa sanção do estatuto disciplinar da magistratura ao requerido". Mas, adverte o Relator, “os autos contêm mais”. Muito mais.

            E o “mais” a que se refere o Relator são os valores semanais que o Desembargador recebia como propina dos donos do jogo. Como detalha Dantas, “o acerto não consistia exclusivamente no pagamento da propina em parcela única”. Havia “um montante variável”, pago semanalmente ao desembargador como remuneração para manter o bingo aberto. O bingo aberto e a boca do governador na escola de governo e na televisão pública fechada, com as suas sanções e a sua censura. Neste caso, estamos falando do Bingo Monte Carlo.

            Afirma o Relator:

Vale dizer, o requerido se tornou uma espécie de “sócio” do Bingo Monte Carlo e a sua tarefa no negócio consistia em prolongar, pelo máximo tempo possível, a vigência da liminar que concedera para autorizar o funcionamento da casa de jogo.

            Prossegue Dantas em seu voto: “À medida em que os dias passavam e a liminar se mantinha e o bingo funcionava, acumulavam-se depósitos na conta-corrente [....] do requerido [...]”. Assim, foram identificados dezenas de depósitos on-line, em dinheiro, na conta do Desembargador. Todos inferiores aos limites estabelecidos pelo Coaf para identificar transações suspeitas. Era de pouco em pouco que a galinha enchia o papo.

            Para exemplificar, Dantas relaciona dezenas de depósitos de valores variados feitos na conta do Desembargador entre novembro de 2003 e novembro de 2004, justamente o período mais quente, mais aceso da minha guerra contra a jogatina no Paraná; justamente o período em que o Desembargador me cumulou de censuras, multas e ofensas, para o deleite de meus adversários e de parte da imprensa paranaense nacional.

            Imagina, Senador Jorge Viana, que num determinado momento, proibido de dar qualquer opinião, eu usei aquele exemplo do Estadão de São Paulo durante a ditadura. E, em vez de fazer as costumeiras e reiteradas denúncias contra a corrupção no meu Estado, eu ensinei os telespectadores a técnica de fritar um ovo, que, cá entre nós, não é uma coisa fácil. Para se fritar um ovo à perfeição, com a clara crocante e a gema mole, nós devemos utilizar numa boa frigideira uma colher de manteiga, à qual acrescentamos azeite, de preferência o azeite de oliva. A manteiga levada a uma alta temperatura queima com facilidade, o azeite de oliva impede que ela queime e que essa mistura fique escura. Colocamos um palito de fósforo boiando no azeite e na manteiga, que derretem na frigideira. Quando chega aos 100 graus, o palito de fósforo acende. É o momento de colocarmos o ovo na frigideira, que deve ser primeiramente quebrado, colocado numa xícara e depois colocado em cima da gordura fervente. Rapidamente teremos aquela clara crocante e a gema ainda mole, que é o produto especial de um ovo feito por um mestre cozinheiro. Justamente o período que o Desembargador me cumulou de censuras, multas e ofensas para o deleite de meus adversários e parte da imprensa paranaense e nacional.

            Os depósitos continuaram para além de 2004, observa Bruno Dantas, suspeitando que o Desembargador utilizasse o mesmo método para receber outros pagamentos ilícitos de vendas de outras sentenças. E o Conselheiro-Relator chama a atenção para o fato de que “esses depósitos frequentes vêm a cessar coincidentemente em 2008, justamente quando se torna pública a notícia de que o requerido supostamente integrava a máfia de venda de decisões judiciais”.

            Depois de esmiuçar cada ponto dos malfeitos do Desembargador Lippmann, o Conselheiro-Relator Bruno Dantas pondera:

A conduta de um magistrado deve servir de exemplo para todos, não só na forma como decide os conflitos que lhe são submetidos, mas também em sua vida privada. Para fazer justiça, o juiz precisa ser antes justo, probo e íntegro, do contrário, as decisões que profere estarão sempre sob suspeita [...]. Um juiz venal não só compromete a aplicação da justiça e a segurança jurídica, nas prejudica a imagem de todo o Poder Judiciário, desacredita o povo, estimula a vingança privada e, em última análise, conspira contra o Estado democrático de direito, à medida que abala a respeitabilidade das instituições públicas.

            Conclui, então, o Conselheiro:

Resta sobejamente demonstrado, portanto, que o Desembargador Edgard Lippmann Júnior, utilizando-se da sua elevada condição funcional, praticou atos em desacordo com o Código de Ética da Magistratura Nacional e incompatíveis com a moralidade, a honra e o decoro inerentes ao exercício da magistratura [...] ".

            Assim, encerra-se a carreira do Desembargador Lippmann no Judiciário brasileiro. As mulheres e homens honrados do Paraná que se revoltaram e se escandalizaram com suas decisões certamente sentem-se aliviados. E aqueles que comemoravam cada uma de suas decisões corrompidas, compradas com depósitos à vista e cotas semanais, devem se envergonhar pelos elogios, pelas manchetes, pelos editoriais, pelos generosos espaços a ele concedidos na mídia e pelos inflamados discursos nos Legislativos Municipais, Estadual e Federal.

            Sras. e Srs. Senadores, uma série de medidas contra este Governador teve início durante o período da administração do Juiz Lippmann, medidas que tramitam no Judiciário, e ainda temo por elas, porque temo pelo vezo corporativo do Judiciário.

            Quando o Juiz me tira do ar estabelecendo a censura prévia, absolutamente proibida pela Constituição brasileira, a Associação dos Magistrados Federais redige uma nota e determina que essa nota fosse repetida por uma dezena de vezes e de dias, em horários pré-determinados, pela televisão do Estado do Paraná; é evidente que publiquei a nota, mas, logo em seguida, a resposta do Governador àquela nota.

            A corporação se sentia ameaçada no momento em que um dos seus membros, acusado de corrupção, se via enleado nas atitudes corretas do Conselho Nacional de Justiça.

            Como eu disse, Senador Suplicy, não sinto qualquer prazer neste relato, embora alvo preferencial do Desembargador em suas decisões discricionárias, decisões sustentadas por trinta dinheiros da traição, não a mim, mas à Justiça.

            Ao Conselheiro Bruno Dantas e ao Conselho Nacional de Justiça não apenas os cumprimentos, mas também os agradecimentos por nos fazerem acreditar que este nosso Brasil, sem sombra de dúvida, tem jeito.

            Mas, depois desse acontecimento, pela Internet, através do Twitter, recebi uma massa respeitável de sugestões para que se faça na Constituição brasileira uma mudança e que se acabe com essa facilidade que um juiz, notoriamente corrupto, irremediavelmente denunciado e com o seu comportamento sendo do conhecimento da sociedade inteira, não seja apenas afastado, aposentado com vencimentos proporcionais e livre de qualquer outra responsabilidade ou acusação para que possa, com a lentidão e a ignorância dos seus pares em relação a seus maus feitos, continuar pelo resto de vida que lhe sobra a gastar o dinheiro mal havido.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/08/2012 - Página 39070