Discurso durante a 135ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Lamento pela longa duração da greve nas universidades públicas brasileiras.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.:
  • Lamento pela longa duração da greve nas universidades públicas brasileiras.
Publicação
Publicação no DSF de 03/08/2012 - Página 39122
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO, MANIFESTAÇÃO COLETIVA, GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, CRITICA, GOVERNO FEDERAL, DURAÇÃO, GREVE, UNIVERSIDADE FEDERAL, PAIS, MOTIVO, AUSENCIA, INVESTIMENTO, UNIVERSIDADE, VALORIZAÇÃO, PROFESSOR, ENSINO SUPERIOR.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente José Sarney, Srs. Senadores, Sras. Senadoras, volto aqui a tratar de um tema de que falei, por incrível que pareça, talvez um mês e meio atrás. É inacreditável que passe tanto tempo e ainda seja atual falar da greve das universidades brasileiras.

            Naquele momento, eu lembro, eu disse que alguém precisava avisar aos professores e ao Governo que o Brasil está no século XXI e, no século XXI, é uma tragédia imensa nós termos as universidades paralisadas por dois dias - quanto mais por três meses, como estamos chegando, Senador Eurípedes!

            Lamentavelmente, passado todo esse tempo, tem sido impossível terminar a greve. Centenas de milhares de alunos estão sem aulas, dezenas de milhares de professores estão com suas vidas angustiadas. Eu devo dizer que reconheço que o Governo também passa por sua angústia, e o Ministro Aloizio Mercadante, nesse sentido, eu tenho confiança de seu interesse em resolver. O Governo passa suas angústias por falta de recursos. E o Brasil fica sem encontrar uma solução.

            De um lado, os professores, e até com razão, insistem em que as ofertas do Governo são insatisfatórias; e do outro, o Governo insiste, também com suas razões, em que está chegando aos limites dos seus gastos. Para isso eu já alerto há bastante tempo, embora minha crítica ao Governo seja de que não há recursos para isso. Nós estamos realizando uma Copa do Mundo, estamos nos preparando para Olimpíadas, estamos fazendo diversos projetos como o trem-bala, etc., etc., etc.

            Mas, de qualquer maneira, o que eu queria falar hoje, Senador Sarney, é chamar atenção para o fato de que essa greve somente demora tanto porque há algo mais profundo do que salários e recursos.

            Fala-se muito que a greve é contra o sucateamento da universidade, mas estão esquecendo que há um sucateamento muito mais grave da universidade do que a falta de verbas e a falta de salários. É o sucateamento do conceito de universidade!

            O conceito de universidade - a maneira como ela funciona hoje - é um conceito superado, em crise. E não adianta, não será suficiente resolver esse problema da falta de recursos, do sucateamento de verbas, se não resolvermos o problema do sucateamento do conceito de universidade.

            Eu quero apresentar aqui alguns desses sucateamentos. Por exemplo, a universidade ficou velha num mundo onde o conhecimento avança tão rapidamente! Até algumas décadas atrás, um médico formado colocava seu diploma na parede e 40 anos depois, médico velhinho, com aquele diploma poderia continuar o tratamento dos seus doentes. Hoje, a cada 6 meses - vejam bem, a cada 6 meses - se o médico não estudar, não tomar conhecimento de novos equipamentos, de novos métodos, de novos remédios, ele estará sucateado.

            A universidade não está sendo capaz de fazer com que o conhecimento que ela inventa avance na mesma velocidade com que avança o conhecimento nas empresas, em escritórios e institutos de pesquisa. Não é por acaso que as grandes revoluções que aconteceram nas últimas décadas, como da Internet e do microcomputador, ocorreram fora das universidades, não dentro das universidades.

            O conhecimento avança mais depressa fora do que dentro da universidade. Isso gera um descontentamento, uma insatisfação, que termina se realizando em greves em nome de salários que estão baixos, em nome de falta de verbas, o que é verdadeiro, mas que têm uma causa mais profunda.

            Outro sucateamento é a velocidade como o conhecimento se espalha no mundo.

            Antigamente, o lugar onde o conhecimento se divulgava era dentro da universidade, em que um professor chegava com todo o seu conhecimento e repassava esse conhecimento aos professores; e eles carregavam sabedoria. Não é mais assim. Hoje, o conhecimento se espalha espontaneamente pelas redes sociais, pelas televisões a cabo.

            Antigamente, para você saber qualquer coisa de astronomia, você tinha que estar na universidade. Hoje, basta você estar na frente da televisão, Senador Eurípedes, e tomar conhecimento de fenômenos astronômicos que foram descobertos pela Nasa ontem.

            A universidade não consegue concorrer com esses novos instrumentos. A universidade está ficando aberta no mundo inteiro. A nossa se fecha, se nega. Harvard, MIT e Stanford, hoje, já têm cursos abertos. Quem quiser, em casa, entra e começa a estudar. Recebe diploma ou não recebe, isso é outro problema; mas aprende. Os cursos deles já não exigem mais penetrar lá dentro.

            O Brasil segue resistindo a essa tendência do conhecimento que se espalha por fora das universidades, e aí ela fica sucateada no seu conceito. Da mesma maneira que ela fica sucateada pelo fato de não ter percebido que hoje o conhecimento não cabe mais dentro de um departamento. Hoje o conhecimento exige mistura do saber de um médico com o de um engenheiro elétrico para poder entender um coração. Para poder entender o cérebro, exige a mistura do saber do biólogo com o médico, com o neurologista, com especialistas em informática, em formas de informática, para poder entender como funciona o cérebro. O pensamento de ponta já não cabe mais nos departamentos. Mas as nossas universidades não conseguiram entender ainda como colocar junto o pensamento de um engenheiro com o pensamento de um biólogo e com o pensamento até de um poeta. Aí as nossas universidades ficam conceitualmente sucateadas. Estão sucateadas também porque não descobriram ainda a importância da educação de base. A nossa universidade de base está muito ruim, e isso contamina a universidade.

            Muitos podem dizer: sempre foi assim a educação de base. Mas havia uma diferença. Antigamente, como a universidade recebia poucos alunos, ela fazia uma seleção e escolhia, numa educação de base péssima, um pequeno número de pessoas talentosas. Hoje, como é grande o número daqueles que estão numa universidade, não é possível escolher apenas pessoas talentosas. Tem que abrir. E aí entra gente que não está preparada; gente que poderia, se quisesse, fazer curso pela Internet porque não seria contestada. Mas ficam contaminando dentro da universidade, e isso, conceitualmente, gera descontentamento nos professores.

            Eu dou aula toda semana na Universidade de Brasília e converso com os professores da Engenharia. Eles são frustrados porque têm que dedicar um tempo imenso para ensinar a matemática que os meninos não aprenderam no ensino médio! Isso gera frustração que termina virando greve, em nome da falta de salário, que é verdadeira, mas também por uma contaminação que eles vivem.

            Nós temos também o problema do sucateamento da falta de humanismo dentro da universidade. O mundo de hoje exige que você seja um filósofo em qualquer profissão. E o que a gente vê é o contrário: cada vez mais se restringe o conhecimento do profissional, que perde a capacidade crítica de entender o mundo. E a universidade fica em situação de descontentamento pelo maior e mais visível dos sucateamentos, que é a empregabilidade. Até poucos anos atrás, um diploma universitário era um passaporte ao sucesso. Não é mais. Hoje, o diploma universitário ajuda você a penetrar no mercado em que você vai ser testado, em que você vai ser analisado, em que você vai ser observado. Hoje, a gente forma pessoas que estão numa profissão de mão de obra excedente; sobram profissionais; não há empregabilidade. Em outras profissões até não sobram, mas aí estão despreparados. Aí a universidade se frustra, fica descontente com ela própria e canaliza essa mágoa, esse descontentamento, essa frustração em greves que, daqui a pouco, a gente pode dizer que são seculares, porque três meses de greve em universidade é um século do ponto de vista do que se perde em conhecimento. Alguns dizem - e é outro sucateamento do conceito - que depois se recupera isso por meio da reposição de aula. Não existe reposição de aula!

            Um operário pedreiro pode dizer que repõe o tempo perdido na greve colocando tijolo no mesmo lugar que já estava marcado para esse tijolo. O conhecimento, não. Se o conhecimento não entra na hora certa, já entra de maneira equivocada, deformada, porque se o aluno não está motivado, ele não aprende bem. Depois de três meses de greve, não existe aluno que volte para a universidade motivado, satisfeito, propício.

            Nós estamos, portanto, precisando que algo seja feito.

            Quando o Ministro Mercadante esteve aqui, na Comissão de Educação, eu lhe fiz uma pergunta: o que nós do Senado podemos fazer para ajudar a resolver essa greve?

            Infelizmente, ele não deu nenhuma tarefa para a gente. Eu gostaria de ter recebido uma tarefa. “Converse com os professores, discuta com eles, intermedeie uma negociação.” Não recebi isso.

            Quando ele fez a última oferta, cheguei a colocar certo apelo aos professores, para que voltassem às aulas e, em aula, renegociassem mais conquistas. Não adiantou, porque os professores estão profundamente incomodados e descontentes, e temos que respeitá-los. Só não fico satisfeito que eles não entendam toda a dimensão do sucateamento. Qualquer pessoa tem direito a ver apenas a aparência; um professor universitário tem que ver a aparência e a profundidade, lá debaixo, quais são as causas concretas dos fenômenos, das coisas.

            Por isso que são universitários, e o sucateamento aparente, verdadeiro, é de salário e de verbas; verdadeiro, mas não suficiente. Há uma crise mais profunda: o conceito de universidade que nós herdamos, que já tem quase 200 anos, dessa maneira que está aí. Esse conceito está sucateado.

            É preciso ir além e refundar a universidade brasileira, dar dinheiro, pagar salários, mas refundar a universidade, uma outra instituição com o mesmo nome de universidade, mas com uma estrutura diferente, com compromissos diferentes, com maneiras de funcionar diferente. Eu cheguei a sugerir ao Senador Mercadante que, na hora de discutir os aspectos de verbas e de salários, ele discutisse também o conceito de universidade que o Governo deseja, que dissesse aos professores: “Vamos atender às reivindicações, mas vocês vão fazer as mudanças de que o mundo precisa, que o Brasil necessita que sejam feitas na universidade.”

            Lamentavelmente, o debate fica apenas no sucateamento, nas aparências - verdadeiras, não falsas -, no sucateamento da superfície, sucateamento verdadeiro de salário, de verbas, mas sem analisar esse sucateamento mais profundo, que exige mais radicalismo do que mais verbas e mais salários, que é fazer a revolução de que a estrutura universitária precisa.

            Aqui fica o meu apelo, não mais para que saiam da greve, não mais para que o Governo atenda a todas as reivindicações, mas, pelo menos, aqui fica o meu apelo para que se discuta mais do que salário e verba, para que se discuta o sucateamento do conceito de universidade que caracteriza o nosso sistema universitário brasileiro no momento.

            Era isto, Sr. Presidente, que eu tinha para dizer, agradecendo o tempo, com esperança de que não cheguemos a concluir o terceiro mês de greve. Que antes disso seja possível entender que o Brasil nem parece que está, mas está sofrendo profundamente, porque está vivendo uma crise que terá consequências mais adiante, quando esses jovens de hoje, que vão se formar graças à reposição de aulas que não satisfaz, quando esses jovens entrarem no mercado, quando esses jovens forem atender às necessidades científicas e técnicas que o Brasil tem. Aí, até ninguém vai lembrar, mas foi uma greve do passado que gerou uma certa degradação do conhecimento no nosso País. E esse é o século do conhecimento. Por isso, é preciso lembrar aos professores e ao Governo que já estamos no século XXI.

            Obrigado, Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 03/08/2012 - Página 39122