Discurso durante a 144ª Sessão Deliberativa Extraordinária, no Senado Federal

Apresentação de sugestões para o melhor cumprimento da Lei Maria da Penha; e outros assuntos.

Autor
Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Ana Rita Esgario
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DIREITOS HUMANOS, FEMINISMO.:
  • Apresentação de sugestões para o melhor cumprimento da Lei Maria da Penha; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 09/08/2012 - Página 40391
Assunto
Outros > DIREITOS HUMANOS, FEMINISMO.
Indexação
  • COMENTARIO, REFERENCIA, REALIZAÇÃO, COMEMORAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, LEGISLAÇÃO, COMBATE, VIOLENCIA, MULHER, REGISTRO, ATUAÇÃO, COMISSÃO PARLAMENTAR MISTA DE INQUERITO, DEFESA, FEMINISMO, APRESENTAÇÃO, ORADOR, RELATORIO, SITUAÇÃO, PRECARIEDADE, CUMPRIMENTO, LEI FEDERAL, PAIS.
  • COMENTARIO, IMPORTANCIA, APROVAÇÃO, SENADO, PROJETO DE LEI, RAÇA, GRUPO ETNICO, ACESSO, UNIVERSIDADE, PAIS.

            A SRA. ANA RITA (Bloco/PT - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores aqui presentes, expectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado, primeiramente, quero reafirmar o que o nosso querido Senador acabou dizer: esta semana realmente foi bastante proveitosa, pois tivemos a oportunidade de aprovar diversos projetos, inclusive o projeto de quotas étnico-raciais há tantos anos tramitando nesta Casa e que, felizmente, conseguimos fazer com que fosse aprovado, seguindo para a sanção da nossa Presidenta Dilma.

            Mas também subo a tribuna no dia de hoje para falar dos seis anos da Lei Maria da Penha.

            Na verdade, celebramos ontem seis anos da criação da mais importante legislação de proteção aos direitos das mulheres de viverem sem violência: a Lei Maria da Penha. Fizemos uma série de comemorações no Congresso Nacional, entre elas uma audiência pública na Comissão de Direitos Humanos e Legislação Participativa e também a abertura da exposição de fotos "Lei Maria da Penha: seis anos em defesa das mulheres". A exposição reuniu fotografias do período que a lei tramitou no Senado, bem como de reuniões e diligências da CPMI da Violência contra a Mulher, na qual sou relatora.

            Ambos os eventos foram um sucesso e contaram com a presença de parlamentares, entre eles o Presidente desta Casa, Senador José Sarney, e da Vice-Presidenta, Senadora Marta Suplicy. Também contamos com a presença de dois atores da TV Globo, os Srs. Malvino Salvador e Oscar Magrini, que já atuaram em papéis ligados à violência contra a mulher. Destaco também o repentista Tião Simpatia, cantor, compositor, autor de um DVD intitulado: "Mulher de Lei", cujo repertório é todo focado no universo feminino, com ênfase na Lei Maria da Penha. Ele trabalha em parceria com o Instituto Maria da Penha e veio representando a entidade.

            Sras. Senadoras e Srs. Senadores, deixando as comemorações de lado, é preciso mostrar que a data é muito além disso. Precisamos lembrar que o direito de viver sem violência é violado cotidianamente e é comum recebermos notícias de que alguma mulher foi morta por seu marido, companheiro ou ex-companheiro, em alguma parte deste País.

            No dia 25 de julho, Cristiane Yuriko Miki, servidora da Mesa do Senado Federal, foi brutalmente assassinada por seu ex-companheiro quando se dirigia ao aeroporto, após visitar sua filha de nove anos, que se encontrava doente, em São João Del Rey, Minas Gerais. Ontem, fizemos uma homenagem a ela, com um minuto de silêncio. Inclusive, contamos com a presença de membros de sua família.

            O aniversário da Lei Maria da Penha é importante para fazermos uma avaliação sobre sua implementação, os obstáculos para sua efetivação e como podemos avançar para melhorar o seu cumprimento. Na Comissão Mista Parlamentar de Inquérito instalada pelo Congresso Nacional para investigar a violência contra a mulher, temos como um dos objetivos investigar a implementação da Lei Maria da Penha no Brasil, legislação fundamental na garantia de direitos das mulheres. Para cumprir com essa sua missão, a CPMI já realizou audiências e diligências em nove Estados brasileiros: Pernambuco, Minas Gerais, Santa Catarina, Rio Grande do Sul, Espírito Santo, Alagoas, Paraná, São Paulo, e Bahia. Iremos, na próxima semana, a Sergipe.

            Nesse período, eu, como relatora da CPMI, tenho uma avaliação de alguns pontos que devem ser revistos. Começo pelo orçamento: sem recursos não há política pública que se sustente. O Pacto Nacional pelo Enfrentamento à Violência contra a Mulher, lançado pela Secretaria de Política para as Mulheres da Presidência da República, em 2007, é a maior política de enfrentamento à violência contra as mulheres do País.

            O Pacto se constitui com a adesão dos Estados e prevê uma série de ações transversais. Desde o seu lançamento, a SPM já distribuiu mais de R$132 milhões em recursos para os Estados e Municípios. No entanto, os Estados ainda destinam muito pouco de seu orçamento para dar continuidade a essas ações. No orçamento dos Tribunais de Justiça, quase inexiste verba para a ampliação dos juizados. Esse descompromisso das esferas governamentais é inaceitável.

            Com o Pacto, a existência de organismos de mulheres nos governos passa a ser fundamental na coordenação dessas políticas e no fortalecimento e na implementação das políticas públicas de enfrentamento à violência e da Lei Maria da Penha. Estes organismos devem ter recursos e estrutura adequada para cumprir com esse papel.

            No que se refere aos Juizados Especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher, o primeiro aspecto a mencionar é que os Tribunais de Justiça dos Estados não estão levando a sério a sua atribuição de fazer cumprir, pois em todo o País existem apenas 60 juizados especializados, grande parte deles localizados nas capitais.

            A criação de juizados especializados no atendimento a mulheres é fundamental para o cumprimento da Lei Maria da Penha e deve vir acompanhada da estrutura física e de recursos humanos adequados, além da equipe multidisciplinar, conforme determina a Lei Maria da Penha.

            A CPMI também verificou que alguns juizados não estão cumprindo a Lei Maria da Penha, ou em virtude da formação religiosa dos magistrados ou magistradas ou em virtude do descumprimento da decisão do Supremo Tribunal Federal. Isto indica que o Conselho Nacional de Justiça precisa estar mais atento às posições individuais de juízes ou juízas que violam a Lei.

            Nos juizados de violência doméstica, de 22 de setembro de 2006 a 31 de dezembro de 2011, tramitaram em torno de 686 mil procedimentos. Esse número já sinaliza a enorme dificuldade que magistradas e magistrados enfrentam para julgar e impulsionar os processos. Há um número excessivo de procedimentos para um número reduzido de juízes e juízas, que não ultrapassa a 100.

            Se compararmos o número de juizados especializados com o número de varas de família ou criminais, veremos que nos juizados o número de procedimentos é muito maior. Isto requer, também, do Conselho Nacional de Justiça e dos Tribunais de Justiça estaduais, medidas concretas para buscar o equilíbrio.

            A Lei Maria da Penha prevê uma política integrada entre o sistema de justiça e a rede de apoio e enfrentamento à violência contra mulheres. Por isso, a integração do sistema de justiça com a rede é essencial para o cumprimento da lei e isso nem sempre acontece.

            Nesse aspecto, o papel extrajudicial do Ministério Público é fundamental, pois deve contribuir para a articulação desses atores. Verificou-se que o Ministério Público exerce muito pouco sua função extrajudicial. É importante que tenha um papel mais ativo, inclusive de fiscalização e exigência na criação de serviços onde não exista. É muito importante que essas determinações sejam oriundas da direção dos Ministérios Públicos e também do Colégio de Procuradores-Gerais.

            Com a Lei Maria da Penha, o papel das delegacias especializadas de atendimento à mulher foi reforçado. No entanto, observou-se que, devido a pouca estrutura e a falta de capacitação, as DEAMs vêm sofrendo críticas. E necessário aparelhá-las, dotá-las de recursos humanos adequados e, fundamentalmente, capacitar os servidores e servidoras.

            Além disso, sua articulação com a rede e o sistema de justiça deve ser fortalecida. Na maioria dos lugares, há pouca integração das delegacias à rede e é baixa sua articulação com o movimento de mulheres.

            A situação que vivem os Institutos Médicos Legais e Departamentos Médicos Legais é dramática. Com estrutura física sucateada, sem material adequado, sem cursos de qualificação profissional, os IMLs e DMLs contam apenas com o esforço dos seus profissionais.

            Em quase todos os lugares que visitamos, verificamos que as casas abrigo não estão conseguindo cumprir com os seus objetivos. Em geral, estão ociosas, em condições ruins de manutenção e com equipes técnicas incompletas. Isso nos leva a refletir sobre a política de abrigamento para torná-la mais efetiva para as mulheres. É importante que a Secretaria de Política para as Mulheres (SPM), que tem investido muito nesses equipamentos, faça uma análise cuidadosa da atual situação das casas abrigo para repensar o seu papel.

            Os Centros de Referência são também importantes equipamentos da rede de atendimento às mulheres, mas, em geral, não estão estruturados, não têm equipe e atendem ainda poucas mulheres. A política de assistência social vem criando muitos centros de referência para atendimento à família, e isso tem contribuído para o desaparelhamento dos centros especializados. É importante pensar essa política em conjunto e entender a especificidade e importância dos centros de referencia para as mulheres.

            Ressalto alguns aspectos positivos gerados desde que esta CPMI foi instalada: alguns Estados já criaram mais juizados; já foram também nomeados novos juízes ou juízas em vários desses juizados; já houve nomeação de mais delegadas onde havia número insuficiente; houve a criação de mais núcleos dentro de alguns Ministérios.

            Quero destacar a importância da mobilização dos movimentos de mulheres para o trabalho da CPMI e na fiscalização dos órgãos públicos responsáveis pela aplicação da Lei Maria da Penha. Sem a atuação das mulheres organizadas não teríamos acesso a muitas informações relevantes para a construção de nosso relatório e apuração da omissão dos Poderes Públicos.

            Parabenizo também o Governo da Presidenta Dilma Rousseff, através da SPM e parceiros do sistema de justiça, pelo lançamento da Campanha Compromisso e Atitude pela Lei Maria da Penha - A Lei é mais forte, campanha que foi lançada no dia de ontem, pela manhã, com a presença massiva e extremamente importante de todas as delegadas das delegacias de mulheres do nosso País. .

            E com certeza contribuiremos para que, a cada ano, esta lei possa ser ainda mais conhecida e aplicada por todos e todas. A luta é diária e contínua.

            Sr. Presidente, era o que eu gostaria de dizer neste momento, e muito obrigada.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Muito bem, Senadora Ana Rita, pelo brilhante trabalho que vem realizando na liderança da CPMI da Violência contra as Mulheres, apresentando proposta concreta.

            Permita-me que eu a cumprimente também pelo brilhante relatório feito por V. Exa. em matéria da política de cotas, relatório que acompanhei na Comissão de Direitos Humanos e também na Comissão de Educação, e que esta Casa votou ontem. Percebi que há um grande apoio da sociedade organizada, porque, agora, 50% das vagas das federais e das escolas técnicas públicas federais serão asseguradas para alunos das escolas públicas, com corte social e racial, e ainda na proporção da população de cada Estado, o que é mais do que justo.

            Parabéns a V. Exa. Fui seu parceiro, caminhamos juntos. Fico feliz ao saber que, eu, negro, e V. Exa., branca - permita-me dizer -, estamos na mesma linha, na mesma condição de ação.

            A SRA. ANA RITA (Bloco/PT - ES) - Eu é que agradeço, Senador Paulo Paim, nosso amigo e companheiro que também nos ajudou muito na defesa do projeto aqui no plenário, fazendo intervenções importantes. Como representante da população negra, a participação de V. Exa. foi fundamental em todo o processo. Acredito que, juntos, oferecemos ao País uma importante contribuição, que é fazer justiça social à maioria do povo brasileiro, que ainda está excluída do acesso às universidades públicas brasileiras, em função do preconceito e da falta de condições de muitos de nossos jovens de poderem continuar estudando. Acredito que o que aprovamos ontem fará justiça a muitos dos nossos jovens, que, assim que terminam o ensino médio, têm dificuldades em acessar as universidades públicas. Com isso, acredito que possibilitaremos que nossos jovens tenham acesso às universidades, não enveredando por outros caminhos que os levem a uma vida de dificuldades, de violência, muitas vezes, com dificuldades, inclusive, de acesso ao mercado de trabalho. Precisamos fazer justiça social ao povo brasileiro.

            Quero agradecer a V. Exa. Aproveito a oportunidade para agradecer também a todos os Senadores e a todas as Senadoras que, no dia de ontem, nos ajudaram a aprovar o nosso projeto, que é nosso e do povo brasileiro e que teve a participação de muitas pessoas, de muitos parlamentares, que, num processo histórico de 13 anos de andamento neste Congresso Nacional, deram sua contribuição. Diversos parlamentares ajudaram não só nos relatórios, nas comissões pelas quais passou - tanto na Câmara quanto no Senado -, mas também ajudaram a fazer a defesa aqui no plenário ontem à noite. Quero agradecer a V. Exa. pelo companheirismo e pela força que nos deu durante todos esses dias.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 09/08/2012 - Página 40391