Discurso durante a 145ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro do transcurso do centenário de nascimento do jornalista Octávio Frias.

Autor
José Sarney (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/AP)
Nome completo: José Sarney
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Registro do transcurso do centenário de nascimento do jornalista Octávio Frias.
Publicação
Publicação no DSF de 10/08/2012 - Página 40662
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, CENTENARIO, NASCIMENTO, JORNALISTA, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), REGISTRO, HISTORIA, ATUAÇÃO, REDUÇÃO, OBJETIVO, RENOVAÇÃO, CONSTITUIÇÃO FEDERAL, CRIAÇÃO, JORNAL, FOLHA DE S.PAULO, IMPORTANCIA, IMPRENSA, BRASIL, COMENTARIO, RELAÇÃO, ORADOR, REPORTER, ELOGIO, ATIVIDADE, JORNALISMO.

            O SR. JOSÉ SARNEY (Bloco/PMDB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Com revisão do orador.) - Minha caríssima Colega Presidente, Senadora Lúcia Vânia, meus caros Colegas, quero abordar hoje, perante o Senado, uma data que eu acho ser da maior relevância para a história do jornalismo brasileiro.

            Esta semana que passou tivemos, no dia 5 de agosto, o centenário de Octávio Frias, que nasceu justamente nesta data, em 1912. Assim, estaria comemorando 100 anos. As datas redondas são sempre datas que servem para que se possa trazer à memória dos presentes, dos que estão vivendo neste momento, o que, no passado, significou a vida de homens que são lembrados.

            Octávio Frias foi um homem que teve um papel fundamental na história de São Paulo e na história do Brasil. Lutou na Revolução Constitucionalista de 32, construiu, com o projeto de Oscar Niemeyer, o edifício Copan, um marco, até hoje, da arquitetura paulista e brasileira. Mas, sobretudo, foi o homem que fez a Folha de S.Paulo, esse grande jornal que transformou a imprensa brasileira.

            A nossa geração foi testemunha da maior revolução tecnológica de todos os tempos na imprensa. O século XX assistiu à saída do papel das redações, onde ele era tudo, de onde começava tudo nos jornais. Vieram os computadores, os sistemas de impressão e até a existência de um jornal feito de imagens, de signos e sons.

            Tive a oportunidade, ao longo da minha vida, de assistir às transformações tecnológicas da imprensa e da escrita. Comecei na idade do lápis. No interior ainda não existiam canetas, a não ser aquelas canetas de bico de pena. Usávamos o lápis. Depois a caneta-tinteiro, depois a caneta esferográfica. Depois, então, a máquina de escrever manual, a máquina de escrever elétrica. Aí chegamos aos computadores e cada dia temos um computador diferente, de uma nova geração, trazendo grandes avanços. Assisti, portanto, a todas essas transformações, tendo que acompanhá-las, e foi o desafio dos veículos impressos, sobretudo, onde sentimos uma grande e profunda mudança.

            Na imprensa brasileira do século XX, a figura de Octávio Frias foi predominante e relevante não somente como testemunha, mas como protagonista dessa revolução da nossa modernidade, fazendo com que a Folha de S.Paulo fosse a vanguarda das mudanças na forma, na linguagem, assumindo o lugar de maior jornal de circulação nacional.

            Octávio Frias acompanhou a revolução das comunicações e entendeu a nova mídia e, antes que os outros, passou a viver o futuro. Fez um jornal moderno com uma linguagem moderna desse novo tempo.

            Octávio Frias foi uma personalidade fascinante, uma figura humana de traços inesquecíveis e marcantes. Na sua tranquilidade e no falar manso, existia o dialético, não aquele que, no dizer de Engels, deseja chegar ao acordo das contradições, mas aquele que está mais chegado ao diálogo, que é conversa, ensino, filosofia de compreender os fatos. Seu famoso jeito de perguntar foi o contrário das indagações platônicas, porque eram concretas, reais, claras, objetivas.

            Tive a felicidade de compartilhar, durante algumas décadas, da amizade e da convivência estreita com Octávio Frias. Ele fez desse seu feitio de repórter um novo estilo da Folha. Em cada matéria, uma pergunta do Frias. Sua alma de repórter dando aos formuladores e fazedores de jornal o papel de trabalhar opiniões contrárias, diversas e deixar o leitor julgá-las.

            Conheci Octávio Frias em 1967. Eu era Governador do Maranhão e, no arroubo dos 37 anos, iniciei um programa educacional, o Programa João de Barro (alusão ao pássaro que constrói a sua própria casa), para disseminar a educação nas camadas mais pobres, dando às comunidades a oportunidade de construir escolas como eles construíam suas casas, para levar ensino às zonas rurais, com a participação da comunidade, quando isso era chamado de comunismo.

            A velha Folha fazia uns cadernos educacionais que eram, então, dirigidos por Calazans Fernandes, jornalista também que, naquele tempo, tinha uma grande projeção na imprensa brasileira e que era meu amigo. Eu fui a São Paulo fazer uma exposição do projeto João de Barro. A Folha daqueles anos fez um caderno sobre esse assunto, e eu tive a oportunidade de fazer, então, uma exposição na Folha sobre o projeto, com a presença de todos os jornalistas. E, assim, conheci de perto -- já conhecia de nome -- a grande figura que Frias já era. Recebeu-me para um coquetel, e nasceu uma empatia que durou toda a sua vida. Nem os caminhos desencontrados nem as surpresas que o destino me preparou conseguiram nos afastar. Sempre o mesmo carinho e sempre a perguntar sobre tudo. Nunca discutimos, sempre perguntamos. Esse vínculo passou à sua família, filhos e filhas, Cristina, a mais de perto.

            Nessa nossa relação, havia divergências que não discutíamos e proposições que não analisávamos, para manter o que há de mais profundo no ser humano, que é o prazer da convivência, que é o gosto da amizade.

            Com o fenômeno atual da comunicação em tempo real, há como que uma compressão do tempo. A gente tem a sensação de que o tempo está sendo comprimido e as coisas acontecem tantas e tantas que a gente não sabe mais a dimensão do próprio tempo, de tal maneira que ele toma também uma elasticidade, desaparece aquela visão ampla que tínhamos, para ir até o passado. Isso fez com que eu e Octávio Frias -- que era de uma geração à frente da minha --, nos tornássemos quase contemporâneos, da mesma geração, chegando mesmo a ter a impressão, muitas vezes, na nossa conversa, que se estendia, que nós éramos colegas de infância, que éramos colegas de juventude e até mesmo que já éramos colegas de velhice. Tínhamos sido testemunhas privilegiadas de todos os fatos da história do Brasil nos últimos 50 anos.

            Octávio Frias era um homem marcado profundamente por uma palavra na qual ele escondia todas as suas virtudes. Ressalte-se a simplicidade, a austeridade com que ele soube consumir todos os seus dias. Era um homem totalmente despojado, de uma austeridade pessoal que se podia verificar desde o seu gabinete, no seu modo de vestir, no seu modo de falar, nos seus hábitos. Nunca ele, que era dono de um império de comunicação, colocou um pedaço desse império a serviço da sua vaidade pessoal.

            Nunca alguém o viu colocar a Folha de S.Paulo, os seus órgãos de comunicação e de mídia, em nenhum momento, a serviço pessoal das suas virtudes, que eram muitas e era necessário que elas fossem conhecidas, mas ele não os utilizou para que elas fossem conhecidas ou divulgadas no Brasil inteiro. Mas, com isso, com essa modéstia e essa simplicidade e a maneira com que ele evitou colocar os seus veículos a serviço da divulgação ou da vaidade de suas virtudes, ele fez com que elas permanecessem eternas no tempo e nós estivéssemos, hoje, rememorando-as aqui, nesta sessão do Senado.

            Frias tinha a concepção filosófica da função da imprensa de que ela tem o dever crítico, de que ela é feita para questionar. Às vezes, diz-se que os fatos bons não são elogiados, mas essa não é realmente a função da imprensa como ela foi criada, como um instrumento político. Como instrumento de divulgação, sim, mas como instrumento político, não. Como instrumento político, ela tem que ter essa visão crítica, e devemos todos compreender que essa é a função primordial da própria imprensa e que assim foi concebida. É assim que eu sempre a vejo.

            Os homens públicos sofrem com essa liberdade total e, muitas vezes, sem motivação. Mas eu acredito que o tempo corrige até os excessos que a imprensa pode ter. É melhor ter uma imprensa livre do que não ter imprensa nenhuma. Ela exerce essa função, e foi essa função que Frias concebeu. Foi por isso que ele fez um jornal de opinião, um jornal que não era sectário, um jornal que acolhia todas as opiniões. Nós podíamos encontrar dentro de a Folha de S.Paulo, como ainda encontramos, opiniões divergentes, diferentes, cada um pode expressar livremente a sua opinião.

            Fui cronista da Folha de S.Paulo por mais de vinte anos e confesso que nunca ouvi do Frias ou de ninguém na Folha de S.Paulo a menor sugestão, a menor ponderação, a menor orientação a respeito de qualquer assunto que eu quisesse tratar. Sempre o pude fazer com total liberdade, com absoluta liberdade para tratar de todos os assuntos. Um jornal que acolhe todos os pluralismos, um jornal que acolhe todas as divergências. Acho que isto não é um elogio para o jornal, era uma concepção que nascia do Seu Frias, como todos o chamavam na redação e na sua empresa.

            Ele veio de uma escala muito baixa, trabalhando desde menino como vendedor em estações rodoviárias. Ele, sem dúvida alguma, foi construindo a sua vida com o seu talento, de tal modo que faleceu deixando uma comoção nacional, como se fosse um jovem.

            Como já disse, colaborei na Folha de S.Paulo desde 1983. Depois veio a Presidência, e escrever em jornais durante a Presidência nem pensar -- a não ser Epitácio Pessoa, que gostava de responder às críticas que a ele eram feitas, e escrevia com pseudônimo, mas com bastante vigor, com bastante energia e quase sempre atacando muito o seu crítico.

            Quando voltei a ser cidadão comum, em 1990, estava na cidade do México quando o telefone tocou, era Octávio Frias. O que queria o Frias comigo? Lá veio a pergunta: “Você quer voltar a escrever na Folha, na coluna das sextas-feiras?”. Eu respondi, sem tergiversar: “Quero, Frias”. Frias pediu-me a confirmação: “Mas você quer mesmo escrever na Folha, colaborar numa coluna da Folha?”. Eu reiterei: “Claro, aceito, Frias, e com muito gosto”. Nessa coluna colaborei, como eu disse, durante 20 anos, depois de ter colaborado dois anos antes.

            Octávio Frias foi uma grande figura humana, recordo-me dele como se fosse uma ausência presente, como um grande amigo, como um grande jornalista. É difícil encontrar alguém que tenha sido tão firme em suas convicções de liberdade, de direitos humanos, de respeito à coisa pública, de coragem na hora de decidir, de enfrentar todas as iras para manter-se fiel ao seu patriotismo, à sua consciência, à sua missão de jornalista, que ele considerava a missão de informar.

            Nesse lugar, já o vejo ao lado de Patrocínio, de Evaristo da Veiga, de Carlos Castello Branco, de Joaquim Serra -- de quem Joaquim Nabuco dizia que, sem ele seria talvez impossível fazer a campanha abolicionista --, de Bocaiúva e de tantos e tantos que fizeram a história da imprensa brasileira.

            Lembro o seu centenário como uma data na história do jornalismo brasileiro e na lembrança de um jornalista que foi exemplo, referência e orgulho para o nosso País.

            Ele está na galeria definitiva dos grandes homens deste País, no setor da imprensa, onde ele foi um inovador, onde ele foi um exemplo, onde ele exerceu todas as virtudes que nós podemos dizer que o fez, deixando essa figura exemplar que, até hoje, nós temos o dever de reverenciar - e o fazemos hoje lembrando o seu centenário.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/08/2012 - Página 40662