Discurso durante a 148ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Satisfação com a audiência, realizada hoje, na Comissão Especial destinada a apreciar o projeto de lei de reforma do Código Penal.

Autor
Jorge Viana (PT - Partido dos Trabalhadores/AC)
Nome completo: Jorge Ney Viana Macedo Neves
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
CODIGO PENAL.:
  • Satisfação com a audiência, realizada hoje, na Comissão Especial destinada a apreciar o projeto de lei de reforma do Código Penal.
Aparteantes
Tomás Correia.
Publicação
Publicação no DSF de 15/08/2012 - Página 41566
Assunto
Outros > CODIGO PENAL.
Indexação
  • REGISTRO, PARTICIPAÇÃO, ORADOR, PRIMEIRA SEÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, COMISSÃO ESPECIAL, ELABORAÇÃO, ATUALIZAÇÃO, CODIGO PENAL, COMENTARIO, APREENSÃO, INDICE, HOMICIDIO, PAIS, EXTINÇÃO, CRIME ORGANIZADO, ESTADO DO ACRE (AC).

            O SR. JORGE VIANA (Bloco/PT - AC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Obrigado, Sra. Presidenta Ana Amélia.

            Eu cumprimento os colegas Senadores aqui na Casa e digo a todos que a nós assistem pela TV Senado e nos ouvem pela Rádio Senado que estamos aqui, no dia de hoje, mesmo fora do esforço concentrado, tendo em vista um entendimento que fizemos aqui na Casa para a condução dos trabalhos.

            Na semana passada, tivemos a votação de dezenas de matérias de interesse do País. Cheguei de manhã do Acre, devo retornar ainda hoje, e tive a satisfação, Sra. Presidenta, de participar da primeira audiência da Comissão que tem a responsabilidade de elaborar o projeto de lei do novo Código Penal brasileiro, Comissão que está sendo presidida pelo Senador Eunício Oliveira, que é o Presidente da Comissão de Constituição e Justiça, e tem como Relator o Senador Pedro Taques; e eu tive o privilégio de ser eleito pelos meus colegas Vice-Presidente.

            E é impressionante, Senadora Ana Amélia - V. Exa. que traz sempre aqui para esta Casa a agenda do cidadão brasileiro -, hoje, durante a reunião, pus o assunto nas redes sociais, outros colegas também fizeram o mesmo, e foi o quarto assunto mais comentado na manhã de hoje. E tudo em volta: maioridade penal, da questão do aborto, do preconceito, da descriminalização ...

            A SRA. PRESIDENTE (Ana Amélia. Bloco/PP - RS) - Da droga.

            O SR. JORGE VIANA (Bloco/PT - AC) - ... do consumo da maconha, crimes na Internet. Tudo isso está em volta do Código Penal. Nosso Senador Correia estava lá, é membro da Comissão. E é impressionante a conexão direta do cidadão brasileiro, querendo participar desse debate. E não é para menos.

            Nós tivemos lá o Ministro Gilson Dipp. Ele fez uma explanação. Eu mesmo tinha conversado com o Senador Pedro Taques e achava que nós deveríamos começar ouvindo - e o Senador Pedro Taques e o Senador Eunício já estão com um conjunto de convidados -, conversando com quem trabalhou durante sete meses nessa Comissão Especial nomeada, criada pela Presidência da Casa, pelo Presidente Sarney.

            E é muito interessante porque eles reuniram 117 leis, reuniram numa proposta, no anteprojeto do novo Código Penal, e lá eu fiquei sabendo que ocorreram dificuldades. Eles fizeram audiências públicas aqui no Senado, mas no fundo não há como ter consenso sobre temas importantes. A maior ou menoridade penal não tem um consenso. Mas ouvi juristas, especialistas falando claramente que um jovem com 16, 17, 18 anos, de hoje, tem toda a condição de pelo menos entender quando se trata de um homicídio, se trata de um crime de sequestro, de assalto. E hoje esses jovens estão sendo presa fácil de organizações criminosas, sabendo que são inimputáveis. A pena está garantida na Constituição, salvo engano, no art. 222 da nossa Constituição, que estabelece claramente essa prerrogativa.

            Eu não estou aqui fazendo a defesa, só estou dizendo que é muito importante esse tema, esse debate, a condução dessa matéria, para atender aos anseios do País. E é muito importante também participarmos dela. Eu fiz dois seminários, agora, no recesso, abri os espaços no meu Twitter, que é Jorge Viana Acre, na minha Fan Page, que é Senador Jorge Viana, no meu site, para poder estabelecer diálogo com as pessoas. E é impressionante, Senadora Ana Amélia, que preside esta sessão, a quantidade de pessoas. Foi quase um recorde na minha Fan Page, que estou recém começando, o interesse, as propostas, e eu tenho certeza de que agora é que vai crescer. Fiz esse seminário com juízes, promotores, advogados, com pessoas que operam o Direito, mas também com os movimentos sociais. São temas delicados.

            Mas hoje, na minha apresentação, o Senador Correia estava lá, pode ver, eu citei alguns números que são realmente chocantes, porque são a realidade. A guerra na Síria, a guerra civil, o país inteiro está lá se matando, é uma coisa terrível a que todo dia assistimos, tem 18 meses, e até agora foram 11 mil mortos. É o país que mais explicitamente vive uma guerra no mundo, hoje. No Brasil, sem guerra nenhuma, nesse mesmo período, são 75 mil assassinatos. Então, não tem sentido ficarmos de braços cruzados.

            Esses números são assustadores quando olhamos o passado. Se formos olhar o passado, nos últimos 30 anos houve 1,090 milhão de mortos. Se nós olharmos o futuro, nós vamos ver que nos próximos 20 anos, se nada for feito, nós teremos um milhão de brasileiros e brasileiras assassinados. Então algo tem que ser feito já, imediatamente. A vida, no Brasil, lamentavelmente, não tem valor nenhum.

            E eu trouxe uma contribuição - já já cedo um aparte ao Senador Correia - porque venho de um Estado que é um exemplo, o Acre. O Estado do Acre, no final da década de 80, começo da década de 90, era o Estado mais violento do Brasil, com cerca de 55 assassinatos para cada grupo de 100 mil. Tinha o crime organizado instalado e o esquadrão da morte conduzindo a matança no Acre. O número de policiais assassinados era enorme e o número de vítimas da Polícia era também muito grande.

            Fizemos uma ação com as instituições, pegando mesmo a lei que tem problemas e o Estado do Acre hoje é o menos violento da Região Norte. O Pará segue sendo o que tem o maior número de homicídios, 45 homicídios para cada grupo de 100 mil, e o Acre está com 19 homicídios para cada grupo de 100 mil, ou seja, saiu de 55 para 19, aplicando a lei, graças às ações que fizemos e que teve prosseguimento com o Governador Binho, que seguiu equipando a Polícia. Quando eu assumi, a Polícia andava descalça, sem farda e, se não tinha farda nem coturno, muito menos armamento. As delegacias eram uma vergonha, eram parte do espaço de atuação dos bandidos. Os policiais estavam desmotivados, correndo risco de vida e desmoralizados perante a sociedade. Hoje a situação é bem diferente.

            A Polícia não está mais matando no Acre - graças a Deus -, a não ser um caso muito isolado, e a Polícia também felizmente não está perdendo contingente porque o policial larga a sua família para cuidar da família dos outros. Essa é uma tarefa nobre e inclusive eu defendo que tenha uma pena qualificada, que seja agravada a pena quando a vítima for um policial em atividade, para respeitarmos essa categoria, seja civil, militar ou federal.

            Então, os números, Senadora Ana Amélia, são assustadores. Temos 511 mil presidiários, num sistema prisional que tem gravíssimos problemas, em muitos casos funciona como escola do crime. Temos, em muitos Estados, presos em delegacias que se amarram para dormir, uma situação inaceitável. Falo isso porque, desde quando eu era Governador, o Acre já estabeleceu uma regra: nenhum preso em delegacia. Foi um dos primeiros Estados a alcançar isso. As delegacias viraram repartições públicas, lugares que têm as condições adequadas de respeito, e não um depósito de gente e não um lugar do crime. Delegacia é o lugar onde as pessoas procuram fazer valer os seus direitos amparados por lei.

            Mas uma coisa muito grave, antes de passar para o Dr. Correia, é que, desses 511 mil presos, ou seja, meio milhão de presos, na década de 80, a idade média desses presos era de 34 anos, daí para cima. A idade média hoje é 27 anos. Um terço dos presos hoje, Senadora Ana Amélia, tem de 18 a 24 anos, são jovens, pobres, de cor, pardos. E as vítimas estão nessa mesma condição. E isso não se torna assunto da maior prioridade no Brasil, mesmo sendo um assunto que envolve a vida.

            Então, é com satisfação que ouço o aparte do meu colega, inclusive de Comissão, Senador Correia.

            O Sr. Tomás Correia (Bloco/PMDB - RO) - Senador Jorge Viana, estivemos, na Comissão do Código Penal, hoje cedo, e ali ouvimos especialistas tratando dessa questão muito interessante. Mas quero ressaltar o seguinte: estou há menos de 20 dias nesta Casa e, nesses 20 dias, é a terceira vez que ouço V. Exa. tratar desse tema, o que reflete sua preocupação com a questão. Quero, por isso, parabenizá-lo. Neste momento, ficamos preocupados com a situação. Recentemente, estive visitando, em Porto Velho, o Presídio Ênio Pinheiro, e pude constatar a dramática situação. Senador, jovens de vinte e poucos anos, não chegam a 30, todos ali, praticamente todos, envolvidos com a questão do crack, da droga. É preocupante. E queria pedir licença a V. Exa. para interromper o brilhante discurso que faz agora para falar de outra preocupação muito grande que tenho e que diz respeito à rapidez com que está andando o Código Penal. Fico preocupado, porque os prazos de emenda são tão curtos, tão rápidos, que não sei se vamos produzir um documento, um Código à altura do que a sociedade necessita realmente. Fico muito preocupado com isso. Hoje, fiquei preocupado quando vi o calendário das emendas. Parece-me que o intuito de V. Exa. é de fazer um maior debate, com audiências públicas noutros Estados. Eu inclusive queria já pedir a V. Exa., que se comprometeu a fazer no meu Estado, vamos, depois, acertar a data...

            O SR. JORGE VIANA (Bloco/PT - AC) - Vamos fazer em Rondônia, se Deus quiser.

            O Sr. Tomás Correia (Bloco/PMDB - RO) - Eu fico preocupado se haverá tempo de ouvir a sociedade fora daqui com relação ao Código Penal e seu aperfeiçoamento, em razão da rapidez com que as emendas terão de ser apresentadas. Mas eu saúdo V. Exa., porque demonstra uma grande preocupação. Dia desses, o Acre foi motivo de referência em uma audiência lá em Porto Velho com representantes do Conselho Nacional do Ministério Público, em que se mostrou que aquele Estado reduziu praticamente a zero o número de inquéritos policiais concluídos. Rondônia também está com número reduzido de inquéritos policiais. Então, essa referência eu queria fazer, pois uma forma de se combater a impunidade é concluir os inquéritos, e não deixá-los se arrastando, meses, nas delegacias. Eu agradeço a gentileza do aparte.

            O SR. JORGE VIANA (Bloco/PT - AC) - Obrigado, Senador.

            Já falei com o Senador Pedro Taques, e certamente faremos um seminário em Rondônia para ajudar a população a debater esse assunto e buscar propostas e sugestões, seja com profissionais, operadores do Direito, juízes, promotores, membros da sociedade e advogados, para que possamos levar adiante essa agenda tão importante para o País.

            Mas volto a dizer que, no caso do Acre, hoje... Inclusive, Senador Magno Malta, uma das pessoas importantes nessa mudança de paradigma do Acre, de Estado da violência, da impunidade e da insegurança para um Estado que se tornou referência, mesmo que ainda a caminho, foi o Governador Tião Viana. E o Acre acabou de ser reconhecido pelo Ministério da Justiça como o Estado que melhor resolutividade tem para com seus inquéritos. É o Estado mais eficiente. Aconteceu um crime, ocorrerá um inquérito, que será bem montado; a pessoa vai ser entregue à Justiça, vai ser julgada e, se condenada, pagará a pena. O Acre é o Estado número um nesse procedimento. Agora, eu diria que, com 19 assassinatos para cada grupo de 100 mil, nós estamos no limite. Com essa lei, só dá para se chegar até aí.

            Mais alguns números. Hoje, foi citado em nossa audiência o caso de Vigário Geral. Vigário Geral chamou a atenção do Brasil e do mundo. Vinte e um jovens estavam em uma escadaria e foram assassinados. Vinte e um. Mas a lei brasileira hoje trata vinte e um assassinatos como se fossem três, com a história do crime continuado. Então, imagine, se isso não é estímulo para que se mate, não sei o que é mais. Ou seja, se são 21 assassinatos... Vigário Geral vai completar agora 19 anos; daqui a pouco, 20 anos. Mas, na hora de proferir a pena, só se contam os três assassinatos. Então, a pena que poderia chegar a 400 anos terá de ser reduzida para 50. E aí todas as atenuantes são contra a vítima ou a família da vítima. São sempre a favor de quem matou.

            Há uma citação na Constituição - uma citação! - a favor da vítima. Está no art. 245, que diz que o Estado tem de acolher aqueles que foram vítimas. Se são 50 mil assassinatos por ano, quantas viúvas pobres? Quantos órfãos? São quantos? Mas é pobre, nos rincões, nas periferias das cidades. Ah, isso não é importante, isso tem de ser tratado como parte da vida de hoje. Não, a maioria dos países que tem baixos índices de homicídios tem uma pena dura para quem tira a vida.

            Aqui no Brasil, falo, repito aqui da tribuna do Senado outra vergonha: quem falsificar um batom, cosmético, quem falsificar uma pomada de passar na pele pode pegar quinze anos de cadeia, mas quem tira a vida de alguém, se for a primeira vez, pega seis anos. O Brasil é o país das penas mínimas. De seis anos a vinte, aplica-se o mínimo: seis. Logo em seguida diz: pegou seis anos, mas basta cumprir um sexto da pena. Passa para um ano. Por falsificar um batom, quinze anos. Por matar alguém, um ano. Se o advogado for bem entendido, mostrar que a pessoa ficou bem recolhida, trabalhou um pouquinho, em três, quatro meses, está na rua de novo. Para ficar preso dez anos tem de matar quatro pessoas. Se isso não for a semente plantada, a semente ruim, para colhermos 50 mil mortes, assassinatos por ano, não sei o que é mais. Quem está falando aqui é alguém que...

            O Senador Malta falava hoje: “Não fiz sozinho, não fui eu, como governador, quem desmontou o crime organizado no Acre, mas o único Estado do Brasil que se livrou definitivamente do crime organizado foi o Estado do Acre”. No Rio de Janeiro estão as milícias, que pedem licença para a bandidagem para ir ocupando as favelas devagar, dando tempo de o pessoal sair. Lá no Acre, de uma vez, foram 50 presos: coronel, delegado, major, oficiais, gente que atuava nas diferentes áreas, porque foi uma ação conjunta das instituições.

            Tentaram dizer que eu era o culpado, que eu havia mandado prender. Não mandei prender ninguém. Governador não prende ninguém. Aliás, eu cuidava para que injustiças não fossem cometidas. Foi uma ação do Ministério da Justiça, do Ministério Público Federal, de uma CPI que esta Casa fazia, e em que V. Exa. trabalhava, e que a Câmara fazia, o nosso Congresso, os Ministérios Públicos, a Justiça do Estado, a Justiça Federal. O Dr. Pedro Francisco correu muito risco, mas teve coragem de expedir os mandados de prisão. 

            E o que aconteceu no Acre? Na época não havia onde prender, porque estava tudo contaminado e dominado. Levam os presos para os outros Estados. Na época, Senador, naquele dia - o senhor só se equivocou nas datas -, o Presidente Fernando Henrique... Eu achava que vivíamos um processo realmente novo no Estado ou então era um faz de conta. E o Presidente Fernando Henrique, na época, o Ministro José Carlos Dias, perguntou: “Você tem condições, Governador, de fazer um presídio de segurança lá?”. E eu: “Em quanto tempo tenho que fazer?”. Em 45 dias foi feito um presídio, a primeira parte do presídio. Quarenta e cinco dias. Eu comecei a visitar a obra, daqui a pouco eu não tinha mais coragem de visitar pelo ambiente que representava aquilo. E aí, nenhum preso fugiu de lá, eles cumpriram a ordem judicial. E depois fizemos um presídio de segurança máxima. Ganhei uma intranquilidade para o resto da vida, mas os acrianos se livraram da intranquilidade em que viviam. Ficamos alguns intranquilos, mas a grande maioria da população tranquila. E o melhor: limpamos o nome do Acre.

            Hoje, o Governador Tião Viana faz um trabalho muito importante, mas ele e outros governadores - vou concluir, Sra. Presidenta - precisam de uma mudança na legislação brasileira. A legislação brasileira precisa ser atualizada. É de 1940, passou por distorções em 1984, e precisa de mudanças, precisa de uma atualização em todos os aspectos, mas eu, particularmente, vou me concentrar mais neste: na valorização da vida, porque não conheço nada mais precioso do que a vida.

            E encerro dizendo: o tempo da nossa Comissão tem que ser o tempo necessário para que o Brasil ganhe uma nova legislação. Ouvi do Ministro Dipp hoje: “Para mim, a lei mais importante do Brasil é o Código Penal, porque lida com a vida”. E eu não tenho nenhuma dúvida, porque não conheço nada mais precioso do que a vida. E ninguém tem o direito de tirá-la. Muito menos de tirar 50 mil vidas por ano, em um país que não tem guerra com ninguém. Vivemos uma espécie de paz com o crime acontecendo, uma guerra surda acontecendo.

            Muito obrigado, Senadora Ana Amélia. Eu queria parabenizar o Senador Eunício e o Senador Pedro Taques. Mesmo não sendo semana de esforço concentrado, havia quórum pleno da Comissão. Todos nós trabalhamos a manhã inteira. E o melhor: estamos com a sensação de cumprir bem nossa missão, nossa tarefa de atender a expectativa do cidadão brasileiro, que nos elegeu, que nos colocou aqui a fim de melhorar o nosso País.

            Muito obrigado.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 15/08/2012 - Página 41566