Discurso durante a 152ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

– Registro da viagem realizada por S. Exa. em visita aos povos indígenas do Alto Xingu, para assistir ao cerimonial “Kuarup”.

Autor
Rodrigo Rollemberg (PSB - Partido Socialista Brasileiro/DF)
Nome completo: Rodrigo Sobral Rollemberg
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • – Registro da viagem realizada por S. Exa. em visita aos povos indígenas do Alto Xingu, para assistir ao cerimonial “Kuarup”.
Publicação
Publicação no DSF de 21/08/2012 - Página 42844
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REGISTRO, VISITA, ORADOR, RESERVA INDIGENA, XINGU, ESTADO DE MATO GROSSO (MT), LEITURA, DOCUMENTO, APREENSÃO, GRUPO INDIGENA, DEMARCAÇÃO, TERRITORIO, PARQUE INDÍGENA DO XINGU, CRITICA, PROPOSTA, EMENDA CONSTITUCIONAL, REFERENCIA, ALTERAÇÃO, CODIGO FLORESTAL, REGULAMENTAÇÃO, ATIVIDADE EXTRATIVA, LOCAL, TERRAS INDIGENAS.

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco/PSB - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs. e Srs. Senadores, prezados telespectadores da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, eu subo à tribuna na tarde de hoje para fazer o registro de uma das viagens mais interessantes que tive a oportunidade de fazer, uma das experiências mais marcantes da minha vida.

            Tive a honra de, a convite da Fundação Darcy Ribeiro, assistir ao cerimonial do Kuarup, realizado pelos povos indígenas do Alto Xingu, que, neste ano, foi realizado na aldeia yawalapíti. Realmente, um momento marcante. Foi a primeira vez que tive a oportunidade de ir ao Xingu.

            Quero registrar que fiquei absolutamente impressionado com o vigor do povo xinguano, com a exuberância daqueles povos do Xingu e, especialmente, com o equilíbrio em que convivem com a natureza, o que demonstra para mim, de forma cristalina, o modelo correto, acertado, defendido pelos irmãos Villas-Bôas, Orlando e Cláudio, de demarcação de grandes áreas indígenas para que as populações possam viver ali, mantendo as suas tradições culturais, perpetuando a espécie, sua cultura, seus hábitos, de forma equilibrada com a natureza.

            E é importante registrar isso porque, muitas vezes, se questiona muito, vemos parte da elite brasileira, menos consciente, as pessoas que são intolerantes à diversidade cultural, combater a demarcação de terras indígenas como algo nocivo ao País, sem perceber que muitas vezes essas pessoas que se reportam à demarcação de terras indígenas como se fosse muita terra para pouco índio se esquecem de que temos em muitos casos grandes produtores rurais no Brasil, modelo extremamente concentrador, o que faz com que muitas vezes uma pessoa só seja detentora de milhares e milhares de hectares de terras, o que permitiria às populações indígenas também dizer que é muita terra para pouco branco.

            Mas o que percebemos ali é um povo saudável, um povo mantendo as suas tradições culturais, vivendo com uma qualidade de vida realmente impressionante. Durante os dois dias em que estive ali, não vi uma criança chorando, não vi uma mãe maltratando um filho ou impaciente com um filho. Vi um povo vivendo efetivamente em harmonia e muito preocupado com as pressões que aumentam em torno do Parque Nacional do Xingu, especialmente a pressão em torno das nascentes do Xingu, que, quando da demarcação do parque, ficaram de fora do Parque Nacional do Xingu e hoje são muito pressionadas pelo avanço da pecuária e, especialmente agora, da agricultura, impactando as águas dos rios que correm no Parque Nacional do Xingu, sendo o principal deles o Rio Xingu. 

            Essa é uma preocupação muito grande para os povos indígenas, e eu tive oportunidade de conversar sobre isso calmamente com o Cacique Aritana, especialmente porque toda cultura dos povos do Xingu tem como alimento principal o peixe. Nesse Kuarup estiveram presentes representantes das aldeias que sediaram a celebração, os yawalapíti, os kamayurá, os kalapalos, os Kuikuros, os waurás, os mehinakos, além de outros povos do Alto e do Médio Xingu que estiveram em representação menor.

            E o que é o Kuarup? O Kuarup é uma celebração religiosa fúnebre em que os índios do Alto Xingu homenageiam alguns mortos ilustres, e neste ano especificamente um dos grandes homenageados era o Darcy Ribeiro. O Kuarup é um tronco que eles levam para o centro da aldeia, onde estão enterrados os antepassados dos índios, que eles adornam, eles pintam, um ritual de muito respeito, dentro de uma convicção de que aqueles troncos receberão os espíritos desses homenageados, e a comunidade chora por eles ao longo de toda a noite. A partir, então, do dia seguinte esses espíritos estariam liberados para sempre dentro da crença dos povos do Xingu. No dia seguinte há um espetáculo de bastante vigor, de vigor físico, que mostra também a força física dos povos do Xingu, quando ocorre a luta uca-uca, em que as diversas aldeias duelam entre si num ritual bastante bonito, bastante forte, mas, embora seja um ritual de luta, sempre ao final de cada luta eles se abraçam num clima também de confraternização.

            Mas, naquele momento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, no momento solene no meio da cerimônia, o Cacique Aritana leu um documento dirigido à Presidente da República, Dilma Rousseff, mostrando a preocupação dos povos do Xingu com algumas medidas, propostas, que estão em tramitação no Congresso Nacional, ou algumas medidas adotadas pela Presidência da República, que, no entender deles, vão gerar danos e problemas graves para a sobrevivência, para a qualidade de vida dos povos indígenas do País, e especialmente para os povos do Xingu.

            E eu me comprometi a ler esse documento, formal e oficialmente, na tribuna do Senado, dando conhecimento não apenas à Presidenta da República, para quem vou encaminhar também, formalmente, esse documento, mas dando conhecimento público a todo o País das preocupações das organizações indígenas que assinam esse documento.

            Passo, então, a ler, na íntegra, o documento que recebi das mãos do cacique Aritana, nesse sábado.

À Excelentíssima Srª Presidenta da República do Brasil

Dilma Rousseff

CC: À Ministra da Cultura

Srª Ana Maria Buarque de Hollanda

CC: Ao Governador do Mato Grosso

Silval da Cunha Barbosa

Nós, as organizações e lideranças indígenas do Xingu, reunidas na cerimônia do Kuarup, em 18 de agosto de 2012, na Aldeia Yawalapíti, Território Indígena do Xingu (TIX), Mato Grosso, vimos manifestar nossa insatisfação diante dos seguintes atos de violação aos direitos indígenas: a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 215; o não-cumprimento da Convenção nº 169 da Organização Internacional do Trabalho, na realização de grandes projetos com impactos sobre terras indígenas, como Belo Monte; as modificações realizadas no Código Florestal; as propostas em tramitação para regulamentação das atividades de mineração em terras indígenas e a mais recente e grave Portaria nº 303 da Advocacia-Geral da União.

Sendo assim, os povos indígenas do Xingu reforçam as manifestações de outros movimentos indígenas do Brasil e exigem: a) imediata revogação da Portaria nº 303 da AGU; b) pleno cumprimento da Convenção nº 169 da OIT, com destaque para o direito de consulta livre, prévia e informada dos povos indígenas; c) ação enérgica do Governo Federal para garantir a proteção de Matas Ciliares e Áreas de Preservação Permanente (APPs), tendo em vista a crescente degradação das cabeceiras dos rios que atravessam e alimentam as terras indígenas.

No momento em que o Brasil se prepara para sediar um evento de caráter mundial, as Olimpíadas de 2016, o Governo Federal usa, como estratégia de marketing, a imagem de povos indígenas, especificamente xinguanos, o que contrasta com o crescente e assustador retrocesso de nossos direitos.

É urgente que o Estado brasileiro faça mais do que valorizar as culturas indígenas de forma simbólica. É preciso que, na prática, sejam garantidos a manutenção e o cumprimento dos direitos já conquistados. Esta, sim, seria uma manifestação verdadeira de respeito aos povos indígenas, algo de que o Brasil poderia se orgulhar de mostrar ao mundo.

Assinam as organizações: Associação Terra Indígena Xingu (ATIX); Instituto de Pesquisa Etnoambiental do Xingu (IPEAX); Portal do Xingu; Associação Yawalapíti Awapá (AYA); Associação Tulukai Waurá; Associação Mavutsinim Kamayurá; Associação Indígena Kuikuro do Alto Xinzu (AIKAX); Associação Moygu Comunidade Ikpeng (AMCI); Associação Indígena Kisêdjê (AIK); Associação Uyaipiuku Mehinako; Associação Indígena Yarikayu Yudjá; Centro de Organização Kawaiwetê; Associação Aweti.

E os Povos indígenas do Xingu: Yawalapíti, Trumai, Ikpeng, Waurá, Kamayurá, Kuikuro, Kalapalo, Nahukwá, Matipu, Aweti, Mehinako, Yudjá, Kisêdjê, Kawaiwetê, Naruvutu, Tapayuna.

            Esse é o documento, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, dos povos do Xingu, que querem ser ouvidos.

            E quero aqui manifestar minha opinião.

            Pedi hoje, nesta manhã, um estudo à consultoria do Senado Federal sobre a Portaria nº 303, se ela efetivamente contraria a Convenção nº 169, que tem status de lei ordinária, no Brasil.

            Mas o inciso V dessa portaria, que diz que pode haver intervenções a grandes obras em territórios indígenas sem consulta prévia, parece-me não apenas uma contradição em relação à Convenção nº 169 da OIT, mas também uma contradição a todo o processo de licenciamento ambiental no Brasil, que prevê a audiência pública das comunidades. Parece-me um contrasenso não ouvir as comunidades indígenas. O que, no meu entendimento, é contrário ao que o Supremo Tribunal Federal decidiu no julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, no caso da demarcação da Reserva Raposa Serra do Sol de que o Estado Brasileiro, o Exército Brasileiro, a Polícia Federal, em caso de necessidade de fazer alguma ação dentro do território indígena, não precisariam de autorização do território indígena.

            De qualquer forma, eu me comprometi a me aprofundar sobre o tema. É um tema extremamente complexo, reconheço, mas quero aqui registrar que é fundamental ouvir os povos indígenas, até porque nem sempre é preciso concordar com os povos indígenas. Mas considero absolutamente essencial para a legitimidade do processo democrático que eles sejam ouvidos, até porque tenho convicção de que os povos indígenas tem muito a dizer e também muito a nos ensinar.

            Quero aproveitar para fazer um comentário, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, sobre um ponto levantado neste documento dos povos indígenas do Xingu, quando eles solicitam a ação enérgica do Governo Federal para garantir a proteção de matas ciliares e áreas de preservação permanente, tendo em vista a crescente degradação das cabeceiras dos rios que atravessam e alimentam as terras indígenas.

            Nós estávamos no Xingu. O Xingu é exatamente uma área de transição entre a floresta e o cerrado amazônico. Estou alertando e o faço aqui mais uma vez, que, se aprovado o texto do projeto de lei de conversão da medida provisória como está redigido hoje - por uma alteração incluída no finalzinho do primeiro semestre, em uma última reunião da comissão especial, sem que houvesse uma discussão sobre aquele tema, o que significava efetivamente aquela inclusão - nós estaremos abrindo a possibilidade de uma ampliação extremamente danosa das possibilidades de desmatamento, especialmente no cerrado amazônico. O que diz ali claramente é o seguinte: que qualquer propriedade de cerrado na Amazônia que tiver mais de 15% da sua área em áreas de preservação permanente, o que exceder esse percentual, poderá desmatar a mais na reserva legal; o que exceder os 15%.

            Isso será extremamente danoso exatamente nessa região. Nós tivemos a oportunidade de fazer um sobrevoo nas áreas próximas ao parque, e ainda existe uma conservação grande, mas o que a gente já percebe é que à medida em que se vai afastando do parque há um processo de desmatamento bastante forte, bastante grande, muitas vezes sem respeitar as áreas de preservação permanente, o que está levando à degradação das nascentes do Rio Xingu, rio estratégico inclusive para a geração de energia elétrica futuramente no País.

            Portanto, eu quero aqui me associar a essa preocupação das populações indígenas, especificamente em relação à possibilidade de ampliação do desmatamento no cerrado amazônico. E quero chamar atenção para um ato que considero de insensatez absoluta, também aprovado pela Comissão Especial por uma margem pequena de votos, mas que desobriga a existência de áreas de preservação permanente ao longo dos rios intermitentes, que são os rios temporários. É um contrassenso, primeiro, porque em grande parte da região do semiárido brasileiro nós temos grandes rios, como o Rio Jaguaribe, por exemplo, que deságua no Oceano Atlântico, na cidade de Aracati, e, nos períodos de secas severas, esse rio seca. Portanto, é um rio intermitente, que precisaria de um cuidado redobrado e que, se confirmado o texto aprovado pela Comissão Especial, estará desobrigado a haver áreas de preservação permanente, o que será um prejuízo enorme para esses rios.

            É importante lembrar que os rios intermitentes também alimentam rios perenes, são importantes para os rios perenes e são muito importantes também para o abastecimento de águas, no período em que correm, para as populações humanas, para as populações animais. Portanto, essa atitude é um tiro no coração da sustentabilidade da agricultura brasileira.

            Era esse registro, Sr. Presidente, Sras. e Srs. Senadores, que eu gostaria de fazer na tarde de hoje, registrando que voltarei a esse tema com mais profundidade, especialmente numa análise da Portaria nº 303 da Advocacia-Geral da União, que sofreu uma resistência muito grande dentro de setores do Governo, o que fez o Governo adiar por 60 dias a entrada em vigor dessa Portaria nº 303, que hoje, eu diria, é o maior motivo de preocupação das populações indígenas, e eu, como encarregado que fui, estou aqui manifestando a preocupação das populações indígenas do Alto Xingu em relação às consequências da Portaria nº 303 para as populações indígenas.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 21/08/2012 - Página 42844