Discurso durante a 155ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Críticas aos planos de concessão anunciados pelo Governo Federal; e outros assuntos.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO.:
  • Críticas aos planos de concessão anunciados pelo Governo Federal; e outros assuntos.
Publicação
Publicação no DSF de 28/08/2012 - Página 44347
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, PRIVATIZAÇÃO.
Indexação
  • CRITICA, GOVERNO FEDERAL, FATO, ELABORAÇÃO, PLANO, CONCESSÃO, INICIATIVA PRIVADA, EXPLORAÇÃO, FERROVIA, RODOVIA, Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (EMBRAPA).

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Eu até poderia aproveitar esta oportunidade, Senador Anibal, para conversar sobre um pedido seu a respeito de um projeto meu, pedido que já tinha sido feito pelo Líder do Governo, nosso Senador do Amazonas, e que já foi objeto de audiência pública também, que é o da regularização da possibilidade de aceitação de diplomas de universidades estrangeiras pelo Brasil, num mecanismo com a participação do Ministério da Educação. É um projeto que eu havia acordado com o ex-Ministro da Educação, o nosso Haddad, hoje candidato a Prefeito de São Paulo, ao qual V. Exª pediu para anexar num projeto de regularização de diplomas de médicos, e isto implicará uma paralisação da tramitação, porque vai ter que voltar ao início. E sobre isso, inclusive, eu fui convidado em novembro agora para fazer uma palestra numa universidade inglesa interessada nessa questão. Mas isso conversamos posteriormente, porque eu tenho certeza de que a sua intenção não é reduzir o projeto ao seu início, principalmente sendo um projeto acordado com o Ministério da Educação, pelo menos com o Ministério do Fernando Haddad. E eu tenho certeza de que conta com o apoio também do Senador e Senador Aloizio Mercadante.

            Mas a intenção hoje é de fazer um pronunciamento provocativo. Algumas coisas estão me aborrecendo sobremaneira. Eu estou desenvolvendo, Senador, uma implicância muito grande com os eufemismos que tomaram conta do vocabulário administrativo no Brasil. O Partido dos Trabalhadores, por exemplo, o glorioso e inefável Partido dos Trabalhadores, reintroduz, e agora em grande estilo, aos usos, costumes e discursos políticos um dos piores defeitos do caráter pátrio: o emprego do eufemismo, essa figura de linguagem, ou recurso estilístico, que serve tanto para encobrir o preconceito racial ou de classe como para dissimular, trapacear e ocultar com nuvens róseas a verdade dos fatos. Eufemismo, Senador Anibal, que transforma negros em morenos, porque “negro” para os nossos burgueses bem postados e bacharéis de anel de rubi é uma ideia pouco agradável. Já "moreno" suaviza a rejeição. Eufemismo que transforma os trabalhadores, os pobres, os explorados em geral em "menos favorecidos pela sorte"; as escravas domésticas em "secretárias"; os ladrões do dinheiro público em "supostos" assaltantes do Erário; os bicheiros e contraventores - e isso é comum agora nas páginas das nossas revistas e jornais, em "empresários de jogos"; os especuladores, os malandros da Bolsa, são transformados em "investidores"; a lavagem de dinheiro é chamada de "engenharia financeira”; os empregados miseravelmente assalariados dos supermercados são chamados de "colaboradores". E patrões se transformam em "colegas de trabalho", como os nossos jornalistas tratam os Marinho, os Civita, os Mesquita, os Frias, segundo uma observação demolidora do jornalista Mino Carta.

            Pois bem, eis que o já citado glorioso e inefável Partido dos Trabalhadores oferece a sua prestimosa ajuda para a coleção de eufemismos que disfarça, distorce e empana a crueza da realidade nacional. Segundo o novíssimo dicionário petista da negação da história, dos fatos da vida e dos compromissos programáticos, conceder não é privatizar. Concessão é uma coisa; privatização outra, dizem eles. De que a semântica não é capaz essa gente!

            Por seis vezes, não por uma, duas ou três, mas por seis vezes, apoiei e trabalhei pelo candidato do PT à Presidência da República. No Paraná, nos meus últimos dois últimos mandatos, governei em aliança com o PT. Nesta Casa, sou da base do Governo Dilma. Isso, no entanto, não me impede, não me inibe ou me descredencia a deplorar não apenas as desculpas piedosas ou a falta de originalidade nas explicações e as tentativas de trapacear a verdade, não apenas isso, mas sobretudo o fato em si; isto é, as privatizações. E elas são o que são: privatizações, sem rebuço, sem disfarce, cruamente, verdadeiramente privatizações.

            E eu sou contra, Senador Anibal Diniz.

            Há uma anedota, que o decoro parlamentar impede-me de contar, sobre a mecânica das concessões e das parcerias público-privadas. Quem participa com o que. O decoro, no entanto, me impede de aprofundar o texto, a explicação, a lógica dessa anedota.

            Caso eu tivesse alguma dúvida, ela se dissolveria lendo as entusiasmadas, e até poéticas, ao seu estilo, declarações do senhor Eike Batista, saudando as concessões anunciadas pela Presidente Dilma. O senhor Batista, bilionária criação das concessões petistas, parecia surfando nas nuvens, de tão deleitado, de tão alegre, de tão entusiasmado.

            O discurso é o mesmo de sempre. A velha história da falta de recursos para tocar as obras de infra-estrutura; a diminuição do tamanho do Estado; a eficiência decantada da iniciativa privada; o combate ao desperdício e à corrupção e lorotas da mesma espécie.

            Houve um momento, lá no passado, que eu imaginei que o PT aprendera as lições das concessões-privatizações empreendidas pelos tucanos. Por exemplo, a concessão das ferrovias a ALL et alia, hoje um caso de polícia, segundo o Tribunal de Contas da União e o Ministério Público; a concessão de rodovias, com a imposição de tarifas de pedágios abusivas, transformando as concessionárias em sócios indesejados dos agricultores, dos industriais e dos caminhoneiros; a concessão, em várias partes do País dos serviços de energia elétrica e de saneamento com a acentuada piora desses serviços. Ao mesmo tempo, a elevação vertiginosa e extraordinária das tarifas. Lá no meu Paraná, parte da empresa pública de saneamento, a Sanepar, foi privatizada.

            Embora minoritário, o sócio privado assumiu a gestão da empresa que, num acordo de acionistas, com todas as letras, sem qualquer pejo ou escrúpulo, decretou que a prioridade da Sanepar passava a ser o lucro dos acionistas. E tome aumento de tarifas.

            Quando assumi o governo, em 2003, congelei as tarifas de saneamento e as mantive congeladas por oito anos, sem prejuízo para a saúde financeira da empresa, o que dá uma idéia do quanto eles inflaram o preço da água e do esgoto para remunerar o tal sócio privado.

            No capítulo das concessões e privatizações brasileiras temos ainda dois ingredientes típicos dos negócios público-privados: o financiamento das privatizações e os contratos de concessão.

            Como se sabe, o Estado privatiza porque não tem dinheiro para tocar obras de infra-estrutura ou comandar os setores de energia, saneamento e comunicações. Mas, como os candidatos às concessões e privatizações também não têm dinheiro para arrematar as ditas nos leilões, não há problema: o Estado empresta o dinheiro para que a iniciativa privada compre aquilo que o Estado teoricamente não teria dinheiro para tocar.

            Não é piada. Não estou aqui usando a navalha de Occam para reduzir ou simplificar as coisas. É assim mesmo que funciona, porque como ensinava o bom frade, já lá no distante Século XIV, a explicação mais simples, geralmente, quase sempre, é a mais correta.

            O BNDES e os fundos de pensão da Petrobrás, do Banco do Brasil e da Caixa também não me deixam na mão e assinam minhas afirmações com os tantos bilhões de reais investidos nas concessões e nas privatizações.

            Modelozinho interessante, não acham, senhores e senhoras que me escutam na televisão do Senado por todo o País.

            Outro ingrediente distintivo, característico desse modelo são os contratos de concessão. Os concessionários de ferrovias e rodovias, para citar, assumem compromissos de extensão e duplicação de estradas, construção de viadutos, túneis, túneis elevados, passarelas, mas fazem o mínimo possível, só arrecadam e não há quem os puna pelo contrato não cumprido.

            A intangibilidade das concessionárias é uma cláusula não escrita dos contratos, mas nem por isso deixa de ser obedecida com fervor pelas agências reguladoras.

           O caos da telefonia celular só recebeu a atenção da Anatel porque os abusos foram muito além daquele índice de abuso que a agência julga tolerável.

           Srªs e Srs. Senadores, na virada da década de 80 e desta para os anos 90, vimos o ascenso que parecia inelutável do liberalismo, tal qual, na porta do Inferno de Dante, antes gravara-se. Gravara-se, também nos caminhos dos povos: “Abandone toda a esperança aquele que aqui entrar”. Assim, vimos, com tristeza e dor, as velhas correntes social-democratas e socialistas moderadas, na Europa, na Ásia e nas Américas, cederem, capitularem, diante da arremetida dos novos bárbaros, mas não no Brasil.

           Aqui, o PT parecia resistir à galopada de godos e visigodos. Por isso tudo, houve um momento em que imaginei que o PT seria firme, intransigente, no repúdio às concessões e privatizações, especialmente às concessões e privatizações à moda tucana; enganei-me. Quando reptados pela oposição, especialmente pelas aguerridas bancadas do PSDB, do PSOL, o PT reparte-se em dois. Há aqueles que batem no peito e ufanam-se: Evoluímos! Avançamos! E comemoram o retrocesso com o fervor dos apóstatas.

           Há aqueles, no entanto, que se refugiam na semântica e, de forma até mesmo divertida, cômica, esforçam-se para provar que o lobo é uma inocente e cândida ovelha.

           Assim, sem oposição, já que toda a mídia atua no coro das privatizações, e a elas não se opõem sequer partidos ditos de esquerda, ou progressistas, como o PCdoB, o PSB, e o PDT, sem oposição, o Governo reedita um dos cânones da desgastada e desmoralizada cartilha neoliberal. Mas a evolução e o avanço do PT e de nosso Governo Federal não param por aí. Animem-se, privatistas! Anime-se, mercado! Regozijem-se, transnacionais, que aí vem mais!

           Uma idéia que não é de hoje progride, sem muito alarde, nesta Casa, a privatização da Embrapa. De novo o eufemismo. Dizem que não é privatização, é abertura de capital. De novo a alegação de sempre: a Embrapa não tem recursos, vamos captar recursos no mercado, abrindo o capital da empresa.

            Não é preciso mais que dois singelos neurônios, o Tico e o Teco, para saber que o mercado é esse que vai se apropriar de boa parte da empresa. Esse “mercado” tem nome: Monsanto, Syngenta, Bayer, Cargill, Dow Agro, Ciba-Geigy, Sandoz, as gigantes transnacionais do setor, que monopolizam a pesquisa e a produção de sementes, defensivos agrícolas, biogenética e atividades do gênero.

            Pergunta à agrônoma e especialista em biodiversidade Ângela Cordeiro: “considerando a importância da inovação e pesquisa na agricultura para um Brasil sustentável, sem fome e sem miséria, o que esperar de uma empresa de pesquisa, cuja agenda vem a ser orientada pelos desejos da Monsanto, Syngenta e Bayer?”

            Segundo ela, se hoje já é difícil incluir na pauta de pesquisa da Embrapa temas como a agricultura familiar e agroecologia, imagina o que vai ser com tais sócios. Para ela, a abertura do capital da Embrapa, e o inevitável redirecionamento de suas pesquisas, caminham na contramão do programa do Governo Dilma, que diz priorizar a segurança alimentar e o combate à fome no País.

            Com toda certeza, aduz-se, a Monsanto e quetais não estão propriamente interessadas no dístico “país rico é país sem pobreza”, sem fome, sem deserdados da terra e sem terras, os famosos sem-terra.

            A agrônoma Ângela Cordeiro alerta para outro risco de abertura de capital da Embrapa, enfim, de sua privatização: a apropriação privada de recursos genéticos depositados no fabuloso, riquíssimo Centro Nacional de Pesquisas Genéticas e Biotecnologia, o Cenargem.

            O acervo do Cenargem e os bancos dos demais centros de pesquisa vão se tornar propriedade dos acionistas privados. Tudo que acumulamos em dezenas de anos de pesquisa, com investimentos públicos, com o suado e sofrido dinheiro de cada brasileiro, tudo isso vai ser entregue, de mão beijada, para a Monsanto e companhia, ou, de uma forma mais direta, para a Monsanto et caterva.

            Ou alguém é ingênuo ao ponto de achar que as sete irmãs que dominam a produção de sementes e dos chamados, eufemisticamente, "defensivos agrícolas" vão associar-se à Embrapa sem a intenção de botar a mão grande em um dos mais fantásticos acervos de pesquisas agropecuárias e florestais do planeta Terra?

            O jornalista Leonardo Sakamoto reproduziu esses dias em seu blog, o Blog do Sakamoto, o alerta de um outro jornalista, Xavier Bartaburu, sobre o desaparecimento do mapa do mundo, a extinção mesmo, de cerca de oitocentos alimentos, dezenas deles no Brasil.

            Não são apenas animais e florestas que correm riscos. Os alimentos também. Alimentos tradicionais, que fazem parte da história, da vida, da cultura de povos e que garantem a subsistência de centenas de milhões de pessoas, correm o risco da extinção.

            Mesmo que, aos trancos e barrancos - e graças à teimosia de alguns pesquisadores -, a Embrapa tem ajudado a preservar os alimentos tradicionais. Essa resistência, é líquido e certo, cessará com a privatização da empresa. Afinal, que interesse a Monsanto, a Syngenta, a Bayer teriam no umbu, nas frutas do cerrado, no baru, no berbigão, nas quebradeiras do babaçu do Maranhão, nos índios produtores do guaraná nativo, no caranguejo aratu dos manguezais do Sergipe, só para citar alimentos brasileiros na lista de risco, relacionados pelo jornalista?

            Certamente, o mesmo interesse que o mercado tem pelo destino da ararinha-azul. Afinal, o que o mercado quer é a transformação do Planeta em uma imensa plantation, com soja, milho, algodão, de preferência tudo transgênico, patenteado pelas empresas detentoras da forma de viabilizar essas transgenias.

            Privatizar a Embrapa ou, como tentam amenizar os pregoeiros, "abrir o capital da empresa”, sob a alegação de falta de recursos para pesquisas, é mais um desses manjados argumentos de que abusam os liberais todas as vezes que cobiçam um naco de uma empresa pública.

            De todo modo, faço fé na resistência da diretoria da Embrapa e de seus pesquisadores e funcionários. É uma trincheira em que vale a pena combater.

            Srªs e Srs. Senadores, assim caminha o Brasil. Ou, Senador Paim, assim retrocede o Brasil.

            O economista Paul Krugman, Prêmio Nobel lá dos Estados Unidos da América do Norte, analisando a proposta de cortes de gastos e de responsabilidade fiscal oferecida aos Estados Unidos por Paul Ryan, candidato a vice-presidente na chapa de Mitt Romney, conclui: "Parece piada, mas, desgraçadamente, não é piada".

            Plagio o Nobel de Economia ao ver esse hilariante debate entre petista e tucano sobre concessões e privatizações: parece piada, Senador Paim, mas, desgraçadamente, não é piada. É o caminho que eles estão traçando para o nosso País.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 28/08/2012 - Página 44347