Discurso durante a 159ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Críticas à prorrogação da isenção do IPI para automóveis pelo Governo Federal.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL.:
  • Críticas à prorrogação da isenção do IPI para automóveis pelo Governo Federal.
Aparteantes
Rodrigo Rollemberg.
Publicação
Publicação no DSF de 31/08/2012 - Página 45230
Assunto
Outros > GOVERNO FEDERAL, ATUAÇÃO, ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, ASSUNTO, PRORROGAÇÃO, ISENÇÃO FISCAL, IMPOSTO SOBRE PRODUTOS INDUSTRIALIZADOS (IPI), COMERCIALIZAÇÃO, AUTOMOVEL, REGISTRO, EXCESSO, TRANSITO, VEICULO AUTOMOTOR, CIDADE, REDUÇÃO, ARRECADAÇÃO, PAIS, POSSIBILIDADE, AQUISIÇÃO, DIVIDA PUBLICA, COMENTARIO, FALTA, DISTRIBUIÇÃO, POPULAÇÃO, RECURSOS, ORIGEM, DESENVOLVIMENTO, ECONOMIA NACIONAL, REFERENCIA, NECESSIDADE, ATENÇÃO, ESTADO, PROMOÇÃO, VARIAÇÃO, PRODUÇÃO, OBJETIVO, MELHORIA, QUALIDADE, ESCOAMENTO, BENEFICIO, SOCIEDADE.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Senadora Ana Amélia, que preside esta Mesa, valeria a pena eu até usar um pouco deste tempo para comentar a nossa audiência há pouco sobre municipalização, federalização e educação. Mas eu venho falar de outro assunto. Esse aí a gente deixa para outra ocasião.

            O tema que venho tratar tem muito a ver com a sua preocupação de economia. A senhora é uma das que, nesta Casa, hoje, simbolizam essa preocupação, e eu diria que é uma linha correta em matéria de economia. Eu vim falar sobre a prorrogação da isenção de impostos para automóveis.

            Eu sei que é uma posição muito desconfortável dizer que esse não é o caminho, mas eu vou dizer. Não é o caminho, Senador Paim. Claro que é positivo para os trabalhadores do setor, é positivo para quem compra carro, é positivo para as empresas. Mas é esse o caminho? É esse o caminho para que o Brasil seja o País que nós desejamos? Eu não disse o País que cresce. Crescer é um caminho para chegar aonde a gente quer? Não é. Não é, porque não cabem mais os automóveis nas ruas. Automóvel é para reduzir o tempo que a gente leva para ir de um lugar a outro. Hoje está aumentando o tempo para a gente ir de um lugar a outro, pelo excesso de automóveis. Vai significar R$5 bilhões de redução na arrecadação, e os jornais de hoje mostram uma queda, Senhor Paim, na arrecadação, preocupante, muito preocupante. Vai significar endividamento de famílias, porque pouquíssimos compram carro à vista. Nós nos endividamos. E aí, a partir daí, uma reflexão.

            Senadora Ana Amélia, Senador Paim, o debate econômico e social brasileiro há 50 anos se divide em dois lados. Há um lado, Senadora, que diz: é preciso fazer o bolo para depois distribuir. Há outros que dizem: é preciso distribuir para que o bolo cresça. Ninguém está perguntando qual é o gosto do bolo. Qual é o sabor que tem o bolo da produção brasileira? Qual é o gosto que tem a sociedade consequente da produção brasileira? E, quando a gente analisa isso, o bolo está amargo.

            O bolo está amargo pela violência; o bolo está amargo pela corrupção; o bolo está amargo pela desigualdade; o bolo está amargo pela perda de tempo em engarrafamentos; o bolo está amargo pela morte, anualmente, de 100 mil pessoas, seja por violência pura e simples, seja por violência do trânsito; o bolo está amargo pelo endividamento das famílias brasileiras; o bolo está amargo pelo desemprego e até pelo excesso de trabalho daqueles que têm emprego para poderem pagar as dívidas. O bolo está amargo quando a gente sabe que nossas crianças estão em falsas escolas - elas não estão em escolas, elas estão em prédios cujo nome de cada um deles é escola, mas que não é uma escola; alguns não passam de restaurante mirim.

            O bolo do crescimento brasileiro ao longo de 50 anos, o crescimento milagroso, durante algum período da nossa história, não produziu o bolo que a gente gostaria. Não estamos satisfeitos. Estamos ricos, mas não satisfeitos. Somos a sexta economia do mundo, mas longe de sermos a sexta sociedade em bem-estar do mundo. Estamos sexta potência econômica do mundo hoje, mas nem perto de sermos a sexta potência daqui a algumas décadas se não fizermos um dever de casa que não estamos fazendo.

            Eu estou querendo, Senador Paim, aproveitar essa medida, que é boa para o imediato, mas que não é boa, não é suficiente, para o caminho que a gente quer seguir no Brasil. O caminho que a gente quer seguir, Senador Paim, em primeiro lugar, se é para ficar preso à indústria automobilística, seria mudar o produto, do automóvel privado para a produção de ônibus, ambulâncias, transportes escolares, táxis, todos esses meios de transporte que facilitam a vida do público, embora não nos tragam o prazer de ter o carro na garagem, ou parado num engarrafamento.

            Nós poderíamos fazer uma mudança do modelo industrial brasileiro, vamos ter que fazer se quisermos caminhar para um bolo não apenas grande, mas saboroso. Prato cheio de comida ruim não satisfaz. Qual comida ruim? Da violência, da corrupção, da desigualdade brutal, dos engarrafamentos, dos endividamentos, do desemprego, da escola ruim, da saúde péssima. Esse bolo tem que ser redefinido. O crescimento só se justifica se for para crescer em direção a outro caminho, não a esse caminho dos últimos 50, 60 anos. E isso vai exigir que esta Casa se debruce sobre qual é o modelo que nós queremos para o futuro do Brasil, qual é o projeto que a gente quer para que o Brasil seja não apenas rico em matéria de carros e eletrodomésticos dentro das casas e nas ruas, mas seja rico em poder ir da casa para o trabalho em pouco tempo, seja rico em poder caminhar do cinema ao café da esquina sem medo de assalto, seja rico em saber que, se acontecer uma tragédia com a gente, nosso filhos terão uma boa escola, seja rico em saber que não há analfabetismo de adulto e que não há analfabetismo informal. Queremos ser ricos no sentido de que nossa indústria não seja baseada na mecânica, mas, sim, na eletrônica, na alta tecnologia; ser ricos no sentido de saber que a nossa produção não leva a transformar florestas em ruínas de florestas, que são florestas queimadas ou um terreno vazio.

            Nós precisamos saber qual é o sabor que queremos dar ao bolo da riqueza brasileira.

            Esse é um desafio com que, aparentemente, não vejo o governo brasileiro preocupado. A impressão que tenho é a de um governo que só pensa no imediato, no curto prazo. Ninguém pode esquecer o imediato e o curto prazo, mas não é papel do estadista pensar apenas no imediato e no curto prazo. Estadista se preocupa com o imediato e o curto prazo, mas dentro de uma perspectiva de longo prazo, de futuro; preocupa-se com os eleitores, mas preocupa-se com as crianças que não votam ainda e até com aquelas que não nasceram ainda; preocupa-se com a próxima eleição do dia 7 de outubro, mas se preocupa com a próxima geração de daqui a 30 anos. Eu não estou vendo essa preocupação com as gerações futuras. Eu não estou vendo essa preocupação que vai além do imediato de fazer crescer o bolo atual. Eu não estou vendo a construção de um novo bolo, uma sociedade nova, com uma estrutura nova. Eu não estou vendo buscarmos um produto que seja ele próprio distribuível e distributivo. Ao contrário, a gente continua falando em crescer o bolo, para depois distribuir, mas ninguém pode distribuir bolo doce para quem sofre de diabetes. O bolo grande só se justifica se quem recebe gosta e pode comer.

            Crescer não basta. É preciso saber para onde crescer. Quantidade não é suficiente, é preciso definir a qualidade da sociedade e da economia brasileira. Eu não vejo o Governo preocupado com isso. Eu não vejo o Governo preocupado com a qualidade do produto, apenas com a quantidade da produção. Eu não vejo também nós, aqui, termos tempo para falar, debater e aprofundar nesse assunto.

            É isso, Senador, que eu queria colocar aqui, não para dizer que estou contra uma medida que vai gerar emprego ou manter o emprego, mesmo em modelos atrasados - não, não pode ser contra isso -, mas para dizer que não basta, que é preciso ir muito além do crescimento, que é preciso definir que crescimento queremos. É preciso ir muito além da ideia de crescer o bolo para distribuir ou distribuir para crescer. É preciso redefinir o sabor do bolo que caracteriza a riqueza brasileira.

            Senador, eu tinha concluído, mas o Senador Rodrigo Rollemberg pediu a palavra.

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senador, o Sr. me permita, vou fazer um apelo a V. Exª, porque vou para o seu Estado, pegar o voo das 15h para Pernambuco: logo após o aparte, quando V. Exª concluir, assuma aqui. É um convite e uma convocação, porque tenho que correr para o voo, para o nosso Rollemberg poder usar a palavra em seguida.

            O Sr. Rodrigo Rollemberg (Bloco/PSB - DF) - Serei muito breve, Senador Cristovam, tanto no aparte como na minha fala posterior, apenas para cumprimentar V. Exª. Venho acompanhando a preocupação de V. Exª, inclusive ao longo de todos os preparativos da Rio+20, de como construir novos indicadores para medir o desenvolvimento, já que o PIB está completamente ultrapassado, até para medir o desenvolvimento econômico. O PIB mede a movimentação da economia, mas não mede os resultados da economia. Tivemos uma audiência na terça-feira, uma audiência pública extremamente interessante, rica, na Comissão de Meio Ambiente, em que tivemos a participação do Prof. Ladislau Dowbor, da PUC de São Paulo. Ele fez uma série de reflexões, demonstrando que, quando se perdem 2 horas, 2 horas e 40 minutos, como perde o cidadão paulistano, por exemplo, para se deslocar diariamente da sua casa para o trabalho, isso está movimentando a economia e tem impacto positivo no PIB, mas isso o faz perder tempo útil, em que ele poderia estar trabalhando, poderia estar estudando, poderia estar com a sua família. Portanto, a reflexão de V. Exª é absolutamente pertinente, no sentido de refletirmos e formularmos novos modelos de desenvolvimento. V. Exª, com a sua inquietação e com o seu brilhantismo, certamente tem uma contribuição enorme a dar a esse debate para o Senado brasileiro e para todo o Brasil.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Então, obrigado, Senador, pelo aparte.

            Dou por encerrada a minha fala, agradecendo ao Senador Paim.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 31/08/2012 - Página 45230