Fala da Presidência durante a 161ª Sessão Especial, no Senado Federal

Comemoração dos 30 anos da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES).

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Fala da Presidência
Resumo por assunto
HOMENAGEM, EDUCAÇÃO.:
  • Comemoração dos 30 anos da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABMES).
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/2012 - Página 45566
Assunto
Outros > HOMENAGEM, EDUCAÇÃO.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO DE FUNDAÇÃO, ASSOCIAÇÃO NACIONAL, ENSINO SUPERIOR, COMENTARIO, ORADOR, IMPORTANCIA, ATUAÇÃO, TRABALHO, ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO, ENFASE, NECESSIDADE, AUMENTO, INVESTIMENTO, ACESSO, POPULAÇÃO, EDUCAÇÃO.

            O SR. PRESIDENTE (Cristovam Buarque. Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado, Professor Gabriel.

            Eu farei minha fala daqui. Espero que me desculpem por falar sentado.

            Quero começar cumprimentado aos três, dois ex-presidentes e atual presidente. Quero cumprimentar, em primeiro lugar, àqueles que estão presentes, na pessoa da Srª Vera Costa Gissoni, que aqui está, e que muito nos orgulha, que é ex-Vice-Presidente da Associação e chanceler da Universidade Castelo Branco; à Presidente da Federação Nacional das Escolas Particulares, nossa amiga, que é orgulho do Distrito Federal, a Professora Amábile Pácios; ao Presidente do Sindicado das Entidades Mantenedoras de Estabelecimentos de Educação do Estado de Goiás, o Sr. Jorge de Jesus Bernardo; e aproveito e também cumprimento ao representante do Governo de Goiás, o Sr. Afrêni Gonçalves; quero cumprimentar o Secretário de Regulamentação e Supervisão da Educação Superior do Ministério da Educação, o Prof. Jorge Rodrigo Araújo Messias.

            Por fora do que prepara o protocolo, quero cumprimentar ao Prof. Décio, por quem tenho grande admiração, respeito e carinho; e ao Prof. Carbonari, pelas nossas conversas que tanto inspiram e provocam.

            Quero começar essa fala fazendo um pergunta, não tanto a vocês, que aqui estão, mas, sobretudo, àqueles que vão nos assistir ou nos assistem, hoje, pela televisão: como seria o Brasil sem o trabalho dessas entidades de ensino superior? Como seria o Brasil?

            É possível dizer como seria o Brasil, imediatamente, pelo que já ouvimos e pelo que levantamos. O Brasil, por exemplo, teria 4,5 milhões de alunos no ensino superior; 75% dos 5,950 milhões de todo o sistema estatal ou particular. Então, imaginem o Brasil sem vocês; 4,5 milhões de jovens não estariam no ensino superior.

            Sem o trabalho de vocês, 366 mil professores não estariam dedicados à atividade como professores de ensino superior. O que eu não apenas reputo importante para eles, mas, ainda mais, para o Brasil inteiro.

            Sem vocês, aproximadamente 10 milhões de pessoas não teriam sido formadas ao longo desse tempo. Esse número, confesso, tive que estimar, porque não consegui detalhado. Mas, considerando que, atualmente, se formam 800 mil por ano, a gente pode calcular em 10 milhões aqueles formados. O Brasil estaria sem eles com diploma superior.

            Sem vocês não haveria 748.577 matriculados em cursos de ensino à distância.

            Portanto, é possível perfeitamente dizer que, sem vocês, o Brasil não estaria no nível em que estamos; estaria numa situação muito inferior a que nós estamos no que se refere ao ensino superior.

            Por isso, quero aqui, na cadeira de Presidente desta sessão, representando todo o Senado, agradecer o trabalho que vocês fazem e fizeram, e vão continuar fazendo.

            Sem a dedicação, o trabalho, o cuidado que vocês fazem, o Brasil estaria numa situação muito ruim, apesar de que eu não considero que estejamos numa situação boa no conjunto do sistema educacional brasileiro.

            Eu digo isso e, ao mesmo tempo, digo que, muitas vezes, sobretudo alunos, reclamam das dificuldades que têm para pagar matrícula, reclamam de diversas coisas que acontecem. Eu quero dizer que, quando olho o trabalho de cada um de vocês, independentemente de poder, amanhã ou depois, fazer uma crítica, hoje, Professor Cândido, eu vejo um trabalho heroico, do dia a dia de manter essas instituições funcionando. Eu sei como é difícil fazer instituições desse tipo funcionar.

            Sobre a ABMES, eu quero apenas lembrar o que todos já sabem, da sua fundação, 30 anos atrás. Falo para os que estão nos escutando, que são mais de 300 mantenedoras e mais de 400 instituições de ensino superior, essas que o Professor Gabriel lembrou que dão 285 mil aulas por dia. Esse é um número muito impressionante para o mundo inteiro. Deveria ser mais divulgado isso. Como também os 27 mil projetos sociais na linha da extensão, atendendo 20 milhões de pessoas.

            O Professor Cândido, na hora em que foi criada a ABMES, disse que uma das razões era responder ao primeiro momento da consciência da mudança do País na área crítica da educação superior, de par com a perplexidade de uma política pública para o setor - ou melhor, da ausência de uma política pública. Ao mesmo tempo, de um enfrentamento da expansão da demanda, que levou à dominância, sem buscar do setor privado, que espontaneamente estava ali presente para atender a uma demanda que o setor estatal não tinha condições de atender e não tem, ainda, condições de atender.

            A ABMES, eu digo a todos, é catalisadora de debates a respeito da educação, realiza seminários mensais, é uma entidade de destaque na apresentação de subsídios à elaboração de políticas públicas no ensino superior desde o Governo Sarney e tem um investimento em tecnologia, em mídias sociais invejável para outros países e outras universidades. E cumpre, a meu ver, uma missão baseada no princípio da ética, seriedade, rigor, autonomia, independência e responsabilidade.

            Mas, dito isso, eu quero aqui lançar alguns desafios que, a meu ver, a ABMES pode ajudar o Brasil a enfrentar. Não em ordem de importância, o primeiro é entender que a qualidade é fundamental na educação de base, para podermos ter uma boa educação no ensino superior. Talvez a maior tragédia hoje do ensino superior seja este dado que foi divulgado recentemente, do número de pessoas matriculadas no ensino superior que não têm total letramento, que não são capazes de usar a língua portuguesa, quando já deveríamos ter pelo menos duas línguas, aqueles que estão na universidade, mas que não são capazes de usar plenamente nossa língua. Esse não é um problema das universidades, esse é um problema da educação de base, mas é uma responsabilidade de todo cidadão brasileiro, ainda mais daqueles que, como eu, têm cargo de liderança e posição política, e de dirigentes das instituições de ensino superior.

            É preciso que haja um esforço da parte dessas entidades que vocês dirigem. E esse esforço pode ser feito sob duas formas: primeiro, na formação mais e melhor de professores para a educação de base, o que, outra vez, remete para fora da instituição, porque não temos como ter formação de alta qualidade de professores para a educação de base se eles não tiverem um salário capaz de atrair o desejo dos melhores e mais brilhantes jovens da sociedade. Mesmo assim, eu creio que as entidades ainda podem fazer um esforço maior na qualidade da formação de professores. E, quando eu digo vocês, eu digo também as universidades estatais - aqui não vai nenhuma diferenciação entre uma e outra, no ponto de vista da preocupação que devemos ter com a qualidade dos professores.

            E a outra é na cobrança política. A ABMES, cada uma das instituições de vocês, não são pessoas sem influência. Assim, têm que usar essa influência no sentido de buscar o País criar uma estrutura na educação de base capaz de fazer com que qualquer um que entre no ensino superior esteja preparado para o saber superior - e hoje muitos não estão.

            Eu cobro, então, um desafio para que se discuta tanto como melhorar a qualidade do professor - e não é um desafio só para as entidades, é um desafio para o País -, como também cobro uma participação mais efetiva na cobrança aos governos, aos parlamentares, a toda a sociedade brasileira da necessidade de uma melhor educação de base.

            Para mim, se eu fosse colocar a bandeira que eu gostaria de vê-los carregando, seria a da possibilidade de um casamento no Brasil entre o setor privado da educação de base e um sistema federal para a educação, que o Estado leva. Eu não vejo como os municípios podem manter escolas com a qualidade que nós precisamos. Isso por falta de recursos e, muitas vezes, por falta de continuidade da obra de um ou outro prefeito que se interesse pela educação - o que é raro diante dos problemas do dia a dia que eles enfrentam.

            Daí, então, fica aqui o meu desafio: como casar o ensino público e o ensino particular na educação de base? - e nós precisamos do ensino particular e sempre precisaremos, porque este é um País democrático, embora haja países democráticos onde não se permite escola particular; mas eu sou daqueles que não aceitam isso. Mas como fazer esse casamento? Acho que precisaremos federalizar a educação de base estatal e criar um grande sistema público, do ponto de vista do serviço, onde haja espaço, sem dúvida, para o ensino particular na sua organização.

            O outro desafio é fazer com que as entidades que vocês dirigem deixem de ser apenas entidades isoladas, saiam mesmo de ser um conjunto das entidades mantenedoras de universidades particulares e passem a fazer parte de um sistema nacional do conhecimento e da inovação.

            O meu desafio é como vocês podem ajudar para que esse plano nacional de educação, atualmente em debate e que virá para o Senado, transforme-se em um plano nacional para a criação de um sistema nacional do conhecimento e da inovação, que começa lá embaixo. No mesmo momento em que estamos discutindo e nos orgulhando do número de alunos, o relatório da Unesco aponta o Brasil como oitavo país em número de analfabetos. Se retirarmos países com população maior do que a do Brasil, ficamos em sexto, isso retirando China e Índia. Ficamos mais ou menos empatados, quanto à população, quando colocamos o Paquistão e Bangladesh. Mesmo se considerarmos a Nigéria, apenas no tocante à Etiópia e Egito podemos dizer que a nossa justificativa é a de que temos mais habitantes.

            Então, a ideia é criar um sistema nacional que tenha cinco vetores e caminhos: primeiro, uma revolução na educação de base, criando esse sistema em que estão as escolas particulares e as escolas públicas e no qual eu defendo a federalização - mas pode ser outro caminho. Segundo, a fundação de um sistema universitário brasileiro - e eu digo fundação, e não refundação, onde haja espaço para as universidades particulares e haja uma revolução nas universidades nas mãos do Estado, porque como elas estão não estão atendendo à ideia de contribuir para o sistema nacional do conhecimento e da inovação.

            O outro desafio é a educação continuada - eu deveria deixar isso talvez para o final, é um desafio que eu faço já há muitos anos. Não vejo como as entidades estatais vão conseguir fazer. Mas é criar mecanismo para que acabe no Brasil a ideia de ex-aluno. O diploma, na verdade, seja o ingresso no sistema continuado de educação.

            É preciso criar um mecanismo em que cada ex-aluno - e eu acho que o ex-aluno só deveria ser permitido no túmulo, fora isso, ninguém deveria ter direito ao título de ex-aluno -, em que esse aluno que recebeu um diploma tenha a quem acorrer a cada momento do seu dia a dia para saber o que há de novo no mundo do conhecimento. Eu acho que com as tecnologias de informações isso não é difícil, através do casamento do ex-aluno com as entidades por meio de um bom sistema de computador e algumas pessoas que o atendam para pô-lo em contato com os ex-professores dele para saber o que é que aconteceu de novo desde que saiu da universidade.

            Aí, entra para um outro desafio, que é o desafio de como cada um de nós - professor, dirigente universitário - vai poder fazer com que as nossas entidades acompanhem a velocidade como o conhecimento avança. É depressa demais! Cada vez que passamos dois dias sem abrir alguns sites, descobrimos que estamos atrasados no conhecimento e estamos passando aos nossos alunos conhecimento atrasados. Esse é um desafio fundamental: como fazer com que a universidade tenha a velocidade do conhecimento que surge lá fora das entidades? Não esqueçamos - e esse é um discurso muito para as universidades do Estado - que a universidade surgiu para compensar a incapacidade dos conventos medievais para acompanhar o pensamento novo que surgia, recuperando o pensamento grego-romano. Os conventos não conseguiam acompanhar a volta de Aristóteles e Platão. Foi preciso criar uma entidade fora dos conventos. Se nós não cuidarmos, surgirão entidades por fora das nossas entidades para acompanhar a velocidade.

            Essas universidades corporativas já são um exemplo disso. Mas elas são limitadas, porque elas não conseguem pegar a totalidade do conhecimento que uma pessoa precisa ter.

            Eu creio que é o desafio reestruturar a universidade de tal maneira que ela não seja mais prisioneira dos seus departamentos. O pensamento é cada vez mais interdisciplinar. Cada vez mais, sobretudo na ponta, o pensador deve pensar misturando diversas das especialidades que nossas universidades, nossas faculdades tendem a ensinar presas em uma só área. Não se dá mais salto dentro de uma só área.

            Nosso debate, a minha fala foi sobre qual é o grande problema da economia hoje. O grande problema da ciência econômica hoje está fora da economia, está na filosofia. Como é que a gente mede o produto que a sociedade quer? A economia se divide em dois grupos no Brasil: um que diz que é preciso aumentar o bolo para distribuir, a direita; a esquerda diz que é preciso distribuir o bolo para crescer. Ninguém está querendo discutir qual é o sabor do bolo de que a gente precisa, porque nós crescemos, e o sabor está amargo quando a gente vê os resultados não apenas de sermos a sexta economia do mundo - parece que caímos agora por causa do dólar -, mas também de uma sociedade sem violência, uma sociedade que começa a ser hoje em parte consequência da produção, uma sociedade que se parece com aquelas que saem da guerra civil, pela quantidade de pessoas portadoras de deficiências resultado de acidentes de trânsito. O número de acidentados de trânsito que hoje precisam usar equipamentos ortopédicos começa a se parecer com países africanos onde houve guerra. Nós não estamos despertos para perceber que isso é parte do bolo que nós construímos.

            Nesse desafio da estrutura, eu imagino que a universidade deve virar tridimensional: os departamentos, os núcleos temáticos e os núcleos culturais. Ela deve colocar cada aluno e cada professor como um ente tridimensional. Ele tem uma especialidade na sua formação, ele tem uma ou mais preocupação em que ele se encontra com pessoas de outra profissão e ele tem um lugar onde pratica o seu lado humanista, um núcleo cultural. Pode ser dos poetas, pode ser dos pintores, não dos professores de pintura, mas de todos que, na universidade, pintam.

            O outro desafio é o ensino a distância, que, felizmente, já é aceito hoje, porque era repudiado de uma maneira brutal há alguns anos, sobretudo, nas universidades do Estado. Eu me lembro de debates, não faz dez anos, em Salvador, em que os alunos gritaram quando eu falei que não havia futuro para a universidade, a não ser se abrir no sentido de não precisar da presença física do aluno.

            Ao mesmo tempo, isso é um desafio, de como fazer isso controlando a qualidade. Eu tenho aqui nesta pequena caixinha o curso de trezentas universidades - porque não procurei demais -, incluindo cursos de Harvard, cursos do MIT, cursos de Stanford. Cursos que não dão diploma, mas dão formação. E uma formação atualizada.

            Como captar o uso dos instrumentos de tecnologia de informação para que o aluno esteja sempre em aula. No lugar das 280 mil aulas, a gente ter uma por dia. São 280 mil aulas por dia, aquele número que o senhor deu... Duzentos e oitenta e cinco mil. A gente pode ter uma aula juntando todas elas. Obviamente, isso é uma metáfora; não estou propondo misturar, estou propondo compor.

            Outro desafio é o envolvimento com a alfabetização de adultos. Eu quero dizer que, quando o professor Fernando Haddad - que não era ministro ainda - falou que eu estava totalmente de acordo com o Prouni, eu disse que, mais do que isso, tinha sido uma iniciativa minha que ficou na Casa Civil mofando. Agora, era diferente. O meu programa tinha algumas diferenças. Por exemplo, seria transferência de recursos. Não teria nenhum desses sistemas que são brilhantes e criativos, mas que eu nem acho que poupe porque dá incentivos fiscais e deixa de receber.

            Acho que a gente devia comprar vagas em universidades, com dinheiro. Mas haveria duas condições: seriam definidos cursos de interesse e seria cobrado de cada aluno bolsista dedicar-se seis horas por semana, durante um semestre, ao trabalho de alfabetização de adultos. Eles não iriam receber gratuitamente; eles iriam prestar um serviço ao País, coordenados pela sua universidade. Preferiu-se o caminho mais fácil de não se cobrar nada, e se concentrou no lado da seleção social. No meu caso, não haveria seleção social; qualquer um que quisesse fazer aqueles cursos e que quisesse fazer a alfabetização de adultos teria o direito, independentemente da renda do pai. Não seria um programa de assistência social; seria um programa de alfabetização e formação universitária nas áreas de que necessitamos.

            O programa ficou engavetado. Depois ele surgiu como ProUni e avançou de maneira mais rápida e tem todo o meu apoio, aliás, não só o meu apoio. Eu tenho um projeto de lei chamado ProEsb, que é como se fosse um ProUni para a educação de base, porque cometemos o erro de limitar muito as entidades. A Profª Amábile me chamou a atenção, e estamos corrigindo.

            Outro desafio da nossa universidade é o desafio da integração internacional. Não há mais como querermos a universidade brasileira isolada do mundo. A avaliação da nossa universidade tem de ser de acordo com os padrões internacionais. Enquanto ficarmos comparando uma nossa com a outra, nós não vamos dar o salto que é preciso; é necessário comparar cada uma nossa com as melhores que há no mundo. Isso não deve ser feito só em relação às universidades; isso deve ser feito em relação a tudo, inclusive aos produtos da economia. Esse é um desafio que não é fácil fazer.

            O outro desafio é o de como publicizar o serviço de todas as entidades de ensino superior, mas publicizar está longe de significar estatizar. O dicionário é muito rico quando cria o verbo estatizar e o verbo publicizar.

            Publicizar é, primeiro, ter qualidade; não é público o que não tem qualidade. Nossos hospitais estatais hoje são hospitais públicos. Com raras exceções, podemos chamá-los de públicos, porque não oferecem serviço de qualidade. A publicização de um hospital não decorre de o dono ser o Estado e o patrão ser o Estado. Para mim, o hospital público é aquele que preenche três coisas: você entra sem ficar em fila, você sai sem doença e sem diminuir sua conta bancária.

            Isso é possível numa cooperação entre o Estado - pagando - e o setor privado - administrando, gerenciando. Então, é preciso que as entidades estatais sejam publicizadas, porque hoje elas estão privatizadas, embora não cobrem nada e recebam dinheiro do Estado, e é preciso que o setor particular - veja que eu fiz diferença entre privado e particular - passe a ter um serviço público, que consiste em coisa muito simples: ter qualidade e produzir mão de obra, no sentido mais amplo, o profissional de que o País precisa. Quando uma universidade estatal forma profissionais que estão sobrando no mercado, não está prestando um serviço público; está prestando um serviço àquele aluno que tem vocação e que merece todo o nosso apoio, mas não é um serviço propriamente público.

            Aí vem a questão da empregabilidade. Não é público o sistema que gasta recursos para formar pessoas que não terão empregabilidade a partir do seu diploma. Quanto à empregabilidade, temos de tomar cuidado para não cair em dois riscos: o risco de muitas universidades muito pragmáticas que oferecem cursos como se estivessem vendendo produto, sem a formação humanista e sem olhar o futuro, porque o mercado faz obsoleto hoje muito rapidamente qualquer profissional.

Você tem que olhar para o mercado de hoje para daqui a dez anos. Mais de dez não dá para olhar. Não tem telescópio que mostre o mundo daqui a mais de dez anos do ponto de vista da formação de um profissional. Daí a importância do humanismo para que o aluno saia da faculdade não apenas sabendo, mas com capacidade de reaprender a cada dia as novas coisas que aparecem, sobretudo com o apoio da universidade.

            Nós podemos, sim, ter um sistema público nas mãos de particulares e, lamentavelmente, podemos ter um sistema privado nas mãos das estatais. É preciso que todos eles prestem um serviço público, guardando o claro espaço do interesse privado. E aí acho que nem diploma se deve exigir. É uma questão pessoal de cada um em universidades até abertas.

            Aí vem, dentro disso, o desafio, também, de como atrair investidores para o setor sem perder esse sentimento de publicização. Eu sou contra aqueles que dizem aqui que no ensino superior não entra capital. Acho que pode entrar, desde que tenha certas regras em que esse capital vai servir a um projeto de nação. Eu costumo até dizer que prefiro uma pessoa rica que põe dinheiro numa entidade de ensino superior comprometida com o público a uma que põe dinheiro numa fábrica de automóvel ou de refrigerante. O produto é muito melhor para o futuro do País. Mas como fazer isso é um desafio.

            Outro desafio é a avaliação. Ninguém sabe exatamente como fazer a avaliação, mas temos que trabalhar. Como avaliar a qualidade e como avaliar o compromisso com os interesses públicos da Nação?

            O exemplo que o Cândido falou, de um jovem que dirige táxi... Quero, primeiro, dizer que prefiro um taxista com diploma superior a um taxista analfabeto ou a um taxista só com o diploma da educação de base. Não é retrocesso nacional ter taxistas ou, dito de uma maneira melhor, ter profissionais diplomados sem emprego na sua carreira, mas é lamentável. Isso, em geral, é por conta da organização dos cursos que orientam o aluno para aquilo que vai oferecer empregabilidade. E volto a insistir: não pode ser empregabilidade olhando para o curto prazo, porque de um sapato basta você saber o uso durante seis meses, porque a moda cai. Você joga fora e compra outro. Mas um jovem formado a gente não pode jogar fora.

            Se, depois de 6 meses, cair de moda o saber que ele tem, a gente tem que preencher, imediatamente, na sua cabeça, no seu coração, no seu espírito público, os novos conhecimentos de que a gente precisa.

            Esses são, Prof. Gabriel, os desafios que coloco. Organizei-os direitinho, em dez, mas aqui, na minha fala, a gente termina - porque eu não gosto de ler o discurso - a gente termina perdendo. Mas vamos ter isso por escrito, até porque esta solenidade será transformada em um pequeno documento, para que a população, Prof. Cândido, tenha conhecimento da ABMES, de seu papel hoje, de sua história e dos seus desafios daqui para a frente.

            Não são diferentes dos desafios que faço às entidades estatais. No que se refere a certos detalhes, sim; mas, no conjunto, na filosofia, não vejo diferença. Os desafios são os mesmos. Como? Temos crianças que terminam o ensino médio com competência para entender o mundo onde estão, que são capazes de entrar no ensino superior, onde aquelas que têm talento vão aprimorá-lo. Aquelas cujo talento foi identificado nos sistemas de seleção, esse talento será aprimorado para servir a ele próprio. É um direito total, em uma sociedade democrática, que cada um tenha o direito de buscar seu sucesso pessoal, sua remuneração, mas também seu compromisso público, para usar o conhecimento que aprendeu.

            Era isso o que eu tinha para colocar, agradecendo à ABMES que me tenha dado a oportunidade de convocar. Creio que, em um evento como este, quem agradece é aquele que teve a oportunidade de tomar a iniciativa de fazer a sessão. Agradeço muito a vocês como brasileiro, como político, como envolvido na educação, agradeço muito. E, pessoalmente, que tenha cabido a mim fazer a sessão. Agradeço a todos, um grande abraço para cada uma e para cada um de vocês.

            Muito obrigado. (Palmas.)


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/2012 - Página 45566