Discurso durante a 162ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Comentários acerca dos artigos intitulados “Educar é a solução” e “A educação básica cabe no município?” publicados hoje nos jornais O Globo e Valor Econômico, respectivamente.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
EDUCAÇÃO.:
  • Comentários acerca dos artigos intitulados “Educar é a solução” e “A educação básica cabe no município?” publicados hoje nos jornais O Globo e Valor Econômico, respectivamente.
Publicação
Publicação no DSF de 04/09/2012 - Página 45824
Assunto
Outros > EDUCAÇÃO.
Indexação
  • COMENTARIO, ARTIGO DE IMPRENSA, PUBLICAÇÃO, JORNAL, O GLOBO, ESTADO DO RIO DE JANEIRO (RJ), VALOR ECONOMICO, ESTADO DE SÃO PAULO (SP), ASSUNTO, IMPORTANCIA, EDUCAÇÃO, DESENVOLVIMENTO ECONOMICO, PAIS, PROPOSTA, FEDERALIZAÇÃO, EDUCAÇÃO BASICA, OBJETIVO, MELHORIA, QUALIDADE, ENSINO, BRASIL.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Senador Paulo Paim, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, vou comentar aqui dois artigos que li nos jornais de hoje. Esses dois artigos merecem, a meu ver, ser levados ao público que assiste à TV Senado e ouve a Rádio Senado, porque eles dizem duas coisas que não apenas denunciam, mas também provocam.

            A primeira ideia está registrada num artigo do empresário Paulo Guedes e saiu no jornal O Globo de hoje, com o título “Educar é a Solução”. Eu fico feliz por ver essa frase como manchete de um artigo escrito por uma pessoa que tem grande reconhecimento de todos que a conhecem, como é o Dr. Paulo Guedes.

            Nesse artigo, ele diz uma frase que merece ser lida:

Do ponto de vista econômico, a prosperidade de um país é apenas outro nome para a produtividade de sua população.

            Eu vou repetir isso, interpretando. Ele diz que prosperidade é o mesmo que produtividade, que produtividade é a mãe da prosperidade; e isso muita gente esquece.

            As pessoas acreditam que crescer o bolo da economia é suficiente para trazer prosperidade. Não é se não houver, a cada ano, mão de obra com competência para produzir mais em um ano do que no ano anterior. E nós estamos perdendo isso. Mas no mundo de hoje é mais do que produzir mais; é produzir novas coisas. O que faz um país hoje, uma economia ser competitiva não é mais produzir mais do mesmo e reduzir o preço, o custo de sua produção. Isso que se consegue de uma maneira imediata, curta, rápida no tempo, como criar isenções fiscais para baixar os custos e vender mais, é ilusório. Isso não dura.

            Ele diz com clareza:

O que faz com que haja competitividade é a capacidade de criar novas coisas, de inventar novos produtos no mundo de hoje; é a competitividade que vem da capacidade, da inventividade, da capacidade de inovar que uma economia tem.

            E a nossa economia tem uma capacidade muito baixa de inovar. Por isso nós viramos a sexta potência econômica e já começamos a cair. Começamos a cair quando simplesmente nossa moeda, o Real, começa a se desvalorizar; e aí o produto interno bruto medido em dólar fica menor. Hoje os próprios jornais já dizem que o México está na véspera de passar o Brasil do ponto de vista da sua produção. E é preciso lembrar que a população do México é razoavelmente menor do que a população do Brasil. Ou seja, eles vão nos passar, do ponto de vista da produção, e muito mais do ponto de vista da renda per capita.

            O Paulo Guedes é um empresário. Não é uma questão de professor defendendo seus interesses corporativos. Ele diz:

            A expansão do consumo de uma classe média emergente deve estar lastreada por aumentos de produtividade dos trabalhadores, sob pena de ter fôlego curto.

            Nós estamos numa economia que está bem, mas vai mal. Está bem, mas vai mal, porque o fôlego é curto.

            Como ele diz:

Da mesma forma, a ampliação das transferências de renda dos nossos programas tipo Bolsa Família e dos subsídios aos pobres é também financeiramente insustentável quando se descola dos aumentos de produtividade. Vem aí a importância dos investimentos maciços em educação e treinamento, ampliando capacitações e habilitações dos trabalhadores brasileiros para sustentar o aumento contínuo de nossa produtividade.

Estão em jogo a empregabilidade da nossa mão de obra e a vantagem competitiva de nossas empresas nos mercados globais. E temos aqui a armadilha a ser evitada. Experimentamos flagrante processo de desindustrialização, enquanto disparam nossas importações. O capitalismo eurasiano da China e da Europa, sem encargos trabalhistas e previdenciários, pode nos reduzir a um simples produtor especializado em commodities, a mesma coisa que nós tínhamos desde a nossa descoberta, mudando o produto; antes era a cana e o açúcar, agora é a soja, e, também, o mercado de importações em massa. Transformar nosso mercado de consumo de massa em um verdadeiro mercado de produção em massa é o grande desafio.

            E aqui, de novo, a importância crucial dos maciços investimentos em educação, garantindo maior produtividade, mais emprego, melhores salários.

Competitividade industrial é prosperidade, a verdadeira prosperidade, que é a prosperidade do bem-estar. Durante 50 anos, as forças conservadoras da economia diziam que era preciso fazer o bolo crescer para distribuir. As forças progressistas diziam que era preciso distribuir para crescer o bolo, e poucos discutiam que bolo nós queremos, que sabor nós queremos para o bolo da produção, da distribuição, do bem-estar.

Nós queremos um bolo que nos deixa com engarrafamentos monumentais ou queremos um bolo que nos leve rapidamente de onde nós estamos para onde nós queremos ir? Nós queremos um bolo que cresce graças ao fato de que uma parte da população está excluída, como hoje mesmo os jornais põem: o Brasil é o oitavo país do mundo de população analfabeta? E nós não somos oitava no tamanho da nossa população. Nós somos um país menor do que a Índia e do que a China, que têm mais analfabetos que nós, porque têm populações muito maiores.

            Esse é um artigo. Outro artigo é de um grande filósofo brasileiro, filósofo de grande reputação, chamado Renato Janine Ribeiro, publicado no Valor Econômico: “A educação básica cabe no município?”

            Vejam como esse artigo complementa o anterior. O anterior dizia como é importante ter uma educação. “Educação é a solução”, é o título do outro. Esse aqui diz: “A educação básica cabe no município?” É como se o outro estivesse nos alertando e esse nos estivesse propondo como fazer. E o artigo dele vale a pena ler um bom pedaço, não todo, quando diz que as eleições deste ano devem nos levar a discutir uma prioridade constitucional dos Municípios, a educação.

Esta é a sexta eleição de Municípios desde a Constituição de 1988, que deu ao Município a atribuição de zelar pela educação básica, tendo os Estados como parceiros e a União bem ao longe. Isso é o que a Constituição definiu.

É hora de cobrar duas questões dos candidatos municipais: o que propõem para nível da educação mais relevante, que é o inicial, que forma as crianças e define boa parte de seu futuro?

E, se até agora esses gestores não deram conta de melhorar a educação fundamental e o ensino médio, eles darão conta um dia? Será o caso de pensar seriamente na proposta de federalização da educação, de que a educação básica é tão importante que tem de ser federalizada?

            Essa é a pergunta chave que ele faz:

É possível ter uma boa educação nas mãos dos pobres municípios e desiguais municípios? É possível ter uma educação igualitária? Não é possível.

            E ele continua:

O assunto não é dos mais populares. Realmente não é. A quantidade de pessoas contra a ideia de federalização é imensa. Perde nas campanhas eleitorais para a saúde, a importância da educação. Qualquer um sabe que está doente, mas só quem tem educação sabe o que é a falta de educação ou uma educação falha. Doença a gente sente na hora; falta de educação a gente não sente. Depois, quando vai procurar um emprego descobre. Quem mais precisa dela, educação, não percebe o quanto precisa.

            Veja que frase: “Quem mais precisa de educação não percebe o quanto ela falta”.

As famílias não se comprometem com ela. A educação faz parte dos assuntos, como a ética, que não lotam a vida Paulista. Isso tem que mudar.

O constituinte pensou que aproximando a educação básica do cidadão nos municípios aumentaria o controle popular sobre ela. Engano! Tanto que o Governo Federal, apesar de incumbido essencialmente do ensino superior, é quem tem posto dinheiro e ferramentas para melhorar a educação de base. A União, hoje, é ator decisivo no financiamento da educação, mas não no controle da educação, apesar do Indicador do Desenvolvimento da Educação - IDEB, que, aliás, de acordo com ele, mostra primeiros passos de uma escolaridade obrigatória que mostra alguns avanços. Nesse ponto eu creio que o avanço foi tão tênue que não merece ser nem de longe comemorado. É como alguém com a temperatura super, ultra-alta que continua com a temperatura muito alta.

Mas os professores também precisam de um projeto de longo prazo. Quantos professores há na educação básica? Segundo o Instituto Nacional do Ministério da Educação, o INEP, em 2011 havia 2.045 milhões de funções docentes na educação na base. Mas o dado é de funções e não de docentes, porque há quem trabalhe em dois lugares. E o professor que trabalha em dois lugares é um só professor, mas com duas funções. De qualquer maneira ainda estamos próximos dos dois milhões de professores. Seria impossível dar a todos um aumento único, impacto já?

A proposta ambiciosa, mas viável, segundo ele, da Federação seria criar uma carreira para três milhões de professores em sala de aula ao longo de 20 anos. O ideal é uma carreira federal. Ou se federaliza a educação, mudando-se a Constituição, ou a União coloca dinheiro e cobra em qualidade alta. Por exemplo: o professor começaria recebendo R$3.000 e teria um plano de carreira factível, que aumentaria gradualmente seu salário, levando em conta só o seu desempenho. Seriam realizados concursos regulares de provimentos de cargos, contratando 150 mil novos docentes por ano. Os atuais professores - isso é importante - poderiam concorrer a esses novos cargos. Eles poderiam sair da carreira de professor municipal para professor federal, passando pelo concurso. Também a maneira que um professor que está em uma escola municipal do Rio de Janeiro, em um lado da rua, para passar para a carreira de professor do Colégio Pedro II não basta atravessar a rua. É preciso passar em um concurso específico.

Mas os atuais professores poderiam concorrer em igualdade de condições, como qualquer pessoa. A seleção se faria apenas por conhecimento da matéria e capacidade de lecionar os critérios essenciais. Assim, conviveriam por um tempo - por um tempo - os professores da nova carreira federal, com um bom selo de qualidade, e docentes sem a mesma qualificação, mas que manteriam os seus direitos até se aposentarem. E que poderiam disputar a nova carreira com as vantagens que essa daria.

Assim, entenda a proposta, ele diz. A seleção dos novos se daria em todas as disciplinas, renovando integralmente o sistema, escola por escola, criando, assim, ambientes mais qualificados de ensino. A renovação beneficiaria todas as classes sociais na proporção que têm na sociedade, o que implica atender à classe média e mesmo à rica, mas sobretudo à multidão dos bairros pobres.

A proposta fixa parâmetros claros. Não se melhora a qualidade sem bons salários. Nisso têm razão os sindicatos. Mas não basta subir os salários para os professores se tornarem bons. Nisso têm razão os pesquisadores críticos ao mundo sindical.

O que fazer? Unir as duas perspectivas. Aumentar o salário em função do desempenho, mas sobretudo definir metas em um prazo factível. Isso é melhor do que simplesmente subir para 10%, sem contrapartida ou avaliação da qualidade, o dinheiro investido na educação.

            Ou seja, o que ele diz é que isso é melhor do que simplesmente aumentar para 10% do PIB o gasto na educação sem dizer como ele será gasto, onde ele será gasto, com que finalidade será gasto, com que estrutura da escola esse dinheiro será gasto.

            Esses dois artigos, Sr. Presidente, a meu ver, sem que um autor tenha sabido da intenção do outro, se casam, eles se complementam, um alertando o risco que o Brasil vive em não fazer a revolução educacional que necessita. É um caminho suicida não fazer essa mudança radical. E o outro, analisando uma proposta, que é a proposta de que a educação, pelo menos uma proposta deveria ser federalizada. E eu lembro que falei aqui que na avaliação do IDEB a melhor média é das escolas federais, não é das escolas particulares. E essas escolas federais, como o Colégio Pedro II, institutos de aplicação, colégios militares, escolas técnicas, têm uma média muito superior, quase o dobro das escolas públicas estaduais e municipais. Falo em média, não falo nas exceções,

            Por isso, Sr. Presidente, fiz questão de estar aqui, chamando a atenção para esses dois artigos, de um filósofo e de um empresário; de um empresário com a qualificação e o respeito e a consciência pública do Paulo Guedes e de um filósofo com a respeitabilidade do Professor Janine.

            Creio que vale a pena que todos se debrucem sobre pensamentos como esses dois, para que encontremos rapidamente um caminho e convençamos esta Casa e sobretudo a Presidenta da República, que não está nem de longe convencida de que educação é tão importante que ela deveria ter feito uma reunião de ministério, Senador Alvaro, quando saísse o resultado do IDEB. E ninguém ouviu uma palavra da Presidenta sobre isso. Se a inflação sobe, se o PIB não sobe como deveria, pelo menos ela diz alguma coisa. No caso da educação, a tragédia educacional não despertou a Presidenta. Não houve uma manifestação clara do seu Governo, salvo o Ministro da Educação ouvir dizer que foi um avanço.

            Se o seu filho tirasse nota 3,5 e no ano seguinte tirasse 3,7, você ia procurar psicólogo, colocar professor particular, conversar com os professores. O Brasil passou de 3,5 para 3,7 e o Ministro comemora essa nota do ensino médio das escolas públicas estaduais e municipais. Eu gostaria muito de que o Ministro lesse esses dois artigos e ajudasse a Presidenta - até por que ele não é o culpado disso, está ali há oito meses - a despertar para esse que é o problema.

            Eu queria concluir, Senador Alvaro, lembrando que, na eleição primeira do Presidente Clinton, ele estava numa reunião em que se discutiam os rumos da campanha, que discurso fazer, e ele se irritou e numa hora se levantou e disse: “É a economia, estúpido!” Falando para um seu assessor. Hoje está na hora de alguém dizer: “É a educação, estúpido!” O resto virá depois.

            Era isso, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 04/09/2012 - Página 45824