Discurso durante a 163ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Crítica à aprovação de proposta de emenda à Constituição do Estado de Rondônia que retira o poder do Governador de nomear o Procurador Geral de Justiça; e outro assunto.

Autor
Tomás Correia (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Tomás Guilherme Correia
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DE RONDONIA (RO), GOVERNO ESTADUAL, JUDICIARIO.:
  • Crítica à aprovação de proposta de emenda à Constituição do Estado de Rondônia que retira o poder do Governador de nomear o Procurador Geral de Justiça; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 05/09/2012 - Página 46338
Assunto
Outros > ESTADO DE RONDONIA (RO), GOVERNO ESTADUAL, JUDICIARIO.
Indexação
  • SOLIDARIEDADE, JORNALISTA, ESTADO DE RONDONIA (RO), VITIMA, AGRESSÃO, AUTORIA, EX-DIRETOR, HOSPITAL, REGIÃO.
  • CRITICA, APROVAÇÃO, PROPOSTA, EMENDA, CONSTITUIÇÃO ESTADUAL, ESTADO DE RONDONIA (RO), ALTERAÇÃO, DISPOSITIVOS, REFERENCIA, COMPETENCIA, GOVERNADOR, NOMEAÇÃO, PROCURADOR-GERAL, JUSTIÇA, REGIÃO.

            O SR. TOMÁS CORREIA (Bloco/PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, telespectadores da TV Senado, da Rádio Senado, ouvintes, gostaria, Sr. Presidente, de fazer um registro lamentável do meu Estado, Estado de Rondônia. Presidente Cidinho, lá, na semana passada, no final de semana, registramos um fato grave da agressão ao jornalista do meu Estado, Jornalista Rubens Coutinho, dono do site Tudo Rondônia, um dos sites mais conceituados do Estado.

            Trata-se de uma agressão inteiramente injustificável, traiçoeira e totalmente covarde. O jornalista estava com amigos, participando de um jantar, ou coisa semelhante, quando foi traiçoeiramente atingido por um cidadão que, lamentavelmente, é um médico, que tem a obrigação de defender a vida, de cuidar da saúde, mas que, neste caso, lamentavelmente agrediu de forma absolutamente covarde o jornalista. Trata-se do médico Sérgio Melo, ex-diretor de um hospital, em Porto Velho. Essa agressão decorreu, exatamente, do fato de o jornalista tecer algumas críticas à sua atuação frente ao hospital.

            E agora verificamos que essa agressão foi grave, o jornalista teve que parar no pronto-socorro. Foi agredido fisicamente, moralmente e, depois de caído, foi chutado. Imagine V. Exª que o porte físico do médico é bastante superior ao do jornalista e, por cima, ainda é lutador de jiu-jitsu. Não precisava usar a covardia de usar a traição. Mesmo assim, bateu pelas costas, de forma a não permitir a defesa da vitima.

            Queria, em nome do Diretório do PMDB de Rondônia, como seu Presidente, trazer a minha solidariedade ao jornalista Rubens Coutinho e, em nome dele, a todos os jornalistas do Estado de Rondônia e do Brasil, porque uma agressão dessas também é um atentado inegável à liberdade de imprensa e a toda democracia no País.

            Portanto, ao jornalista Rubens Coutinho registramos e lamentamos esse episódio, deplorável para a democracia, deplorável para a liberdade de imprensa, ocorrido no meu Estado, Estado de Rondônia.

            Feito esse registro, Sr. Presidente, pretendo abordar na Casa também um assunto relativo ao meu Estado. É um ofício que encaminho ao Procurador-Geral de Justiça, Dr. Héverton Alves de Aguiar, solicitando de S. Exª as providências a respeito da Emenda Constitucional nº 80, de 2012, que visa retirar poderes do Governador de Estado de nomear o Procurador-Geral de Justiça daquele Estado.

            Vazado o ofício nos seguintes termos, Sr. Presidente:

            Senhor Procurador-Geral,

            Tomamos conhecimento de que, no decorrer da semana passada, a Assembléia Legislativa do nosso Estado de Rondônia aprovou a Emenda Constitucional n° 80, que altera dispositivos que tratam da competência do Governador do Estado no que versa sobre nomeação de autoridades.

            Como sempre atento às questões que envolvem o interesse do Estado de Rondônia e dos cidadãos daquela localidade, estranhou-nos a aprovação da referida Emenda Constitucional, uma vez que a Constituição Federal, enquanto lei maior do País, é clara ao determinar as hipóteses que cabem ao chefe do Poder Executivo dos Estados e do Distrito Federal nomear autoridades.

            Preocupados com a questão, solicitamos à Consultoria Legislativa do Senado Federal uma nota técnica sobre o texto desta emenda.

            Por considerarmos oportuno, passamos a transcrever na íntegra, para conhecimento de V. Exª, o estudo realizado pelo ilustre Consultor Legislativo do Senado Federal, Arlindo Fernandes de Oliveira, sobre a referida emenda constitucional.

            Trata-se de emenda aprovada pela Assembleia Legislativa do Estado de Rondônia à Constituição daquele Estado.

            Aquela Constituição, entre os dispositivos que tratam da competência do Governador do Estado, assim dispõe em seu art. 65, XI:

            Das atribuições do Governador do Estado:

            Art. 65, da Constituição - Compete privativamente ao Governador do Estado:

            

XI - nomear os Desembargadores, os Conselheiros do Tribunal de Contas do Estado, o Procurador-Geral de Justiça e o Defensor Público Geral, na forma prevista nesta Constituição.

            Essa redação decorreu da Emenda Constitucional nº 43, promulgada em 14 de junho de 2006. O texto do legislador constituinte derivado estadual, na sua forma original, previa apenas a competência do governador para nomear os desembargadores e os conselheiros do Tribunal de Contas.

            Observe-se o que determina o art. 128, § 3o, norma da Constituição Federal, que trata da organização do Ministério Público de cada Estado:

Art. 128 - ...............................................................................

§ 3o - Os Ministérios Públicos dos Estados e do Distrito Federal e Territórios formarão lista tríplice dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para a escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução.

            

Por sua vez, a Lei n° 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, que instituiu a Lei Orgânica Nacional do Ministério Público, dispõe sobre normas gerais para a organização do Ministério Público dos Estados e dá outras providências. Lei de iniciativa do Presidente da República, por força do disposto no art. 61, § 1o, inciso II, alínea “e”, que estabelece normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, sendo, portanto, lei nacional de observância obrigatória pelo estados-membros.

            De acordo com o seu art. 9o:

Art. 9o Os Ministérios Públicos dos Estados formarão lista tríplice, dentre integrantes da carreira, na forma da lei respectiva, para escolha de seu Procurador-Geral, que será nomeado pelo Chefe do Poder Executivo, para mandato de dois anos, permitida uma recondução, observado o mesmo procedimento.

§ 1o A eleição da lista tríplice far-se-á mediante voto plurinominal de todos os integrantes da carreira.

§ 2o A destituição do Procurador-Geral de Justiça, por iniciativa do Colégio de Procuradores, deverá ser precedida de autorização de um terço dos membros da Assembléia Legislativa.

§ 3o Nos seus afastamentos e impedimentos o Procurador-Geral de Justiça será substituído na forma da Lei Orgânica.

§ 4o Caso o Chefe do Poder Executivo não efetive a nomeação do Procurador-Geral de Justiça, nos quinze dias que se seguirem ao recebimento da lista tríplice, será investido automaticamente no cargo o membro do Ministério Público mais votado, para exercício do mandato.

            Entendemos, em síntese, com relação a essa matéria, que a competência do Chefe do Poder Executivo estadual, para designar e nomear esses agentes públicos, decorre diretamente da Constituição Federal, de seus princípios relativos à separação dos Poderes e ao sistema brasileiro de freios e contrapesos entre os poderes, que realiza esse princípio.

            Trata-se de hipótese de aplicação, igualmente do princípio da simetria, pelo qual o legislador constituinte estadual, originário ou derivado, é obrigado a respeitar determinadas normas fundamentais da Constituição Federal. Algumas dessas normas e princípios de respeito obrigatório pelo legislador constituinte estadual dizem respeito à organização dos Poderes. Cabe assinalar, nesse passo, que a violação dos chamados princípios constitucionais, sensíveis àqueles adotados pela União, que as unidades da Federação devem necessariamente respeitar, importa a possibilidade de intervenção federal, conforme o art. 34 da Constituição da República. Entre tais princípios está "o livre exercício de qualquer dos Poderes das Unidades da Federação".

            A Emenda à Constituição n° 80, de 2012, embora sem dizer de forma expressa, sugere a retirada da competência do Governador do Estado de nomear o Procurador-Geral de Justiça, chefe do Ministério Público estadual, sem indicar de forma clara como se fará esse procedimento. O intento de alterar o sentido da Constituição e seus princípios fundadores torna-se mais claro na redação conferida ao art. 99 da Constituição de Rondônia pela mesma Emenda nº 80, de 2012, pela qual o novo chefe do Ministério Público rondoniense será "empossado pelo colégio de Procuradores".

            Não se trata, aqui, de discutir o mérito de tal iniciativa, cujo propósito evidente é fortalecer a independência e a autonomia do Ministério Público estadual. Trata-se, no entanto, de observar em que medida as disposições relativas a essa matéria devem atender e respeitar princípios e normas da Constituição Federal.

            Finalmente, ainda que se entenda que não cabe, na espécie, o entendimento de que os princípios da Constituição Federal relativos à matéria não respeitam o seguimento obrigatório pelo legislador constituinte derivado do Estado, a norma sob apreço desrespeita, de modo frontal, dispositivo específico da Constituição Federal, que dispõe não sobre os critérios de designação do chefe do MP Federal, que seria extensível ao MP Estadual. A norma diz respeito, de forma expressa, à designação do chefe do Poder Executivo estadual.

            Assim, a norma constante da Emenda Constitucional n° 80, de 2012, à Constituição do Estado de Rondônia não apenas conflita com determinados princípios da Constituição Federal que podem ser tidos como de observância obrigatória pelas unidades federadas, pelo fato de tratarem de matéria relativa à separação dos Poderes e, nesse passo, insuscetíveis de emenda constitucional. Cuida-se, no caso, de uma norma que conflita diretamente com a letra da Carta Magna. Não apenas com o seu espírito. É contra expressamente dispositivo constitucional.

            Polêmica seria uma eventual proposta de emenda à Constituição que venha a alterar o dispositivo da Constituição Federal que dispõe a esse respeito. Como é de amplo conhecimento, emendas à Constituição Federal estão também sujeitas a controle de constitucionalidade e podem ser declaradas nulas pelo Supremo Tribunal Federal, caso afrontem os princípios e normas materialmente insuscetíveis de modificação por esse meio, as chamadas “cláusulas pétreas” da Constituição da República.

            Entre eles, importa recordar, está a separação dos Poderes, nos termos do art. 60, § 4º, inciso III, da Carta Magna. Como expõe a doutrina, de forma reiterada e pacífica, não é inconstitucional apenas uma emenda à Constituição que diga "é extinta a separação dos Poderes", mas também qualquer uma que proponha um critério diverso de organização dos Poderes, seja na perspectiva funcional, como é o caso, seja no plano federativo, que se ponha em conflito com o que dispõe a Carta Constitucional.

            José Afonso da Silva é didático e muito claro ao discutir essa matéria em seu Curso de Direito Constitucional Positivo, p. 69: “É claro que o texto não proíbe apenas emendas que expressamente declarem: 'fica abolida a Federação ou a forma federativa de Estado', 'fica abolido o voto direto', 'passa a vigorar a concentração de Poderes', ou ainda 'fica extinta a liberdade religiosa, ou de comunicação, ou o habeas corpus, o mandado de segurança'” etc.. A vedação atinge a pretensão de modificar qualquer elemento conceitual da Federação, ou do voto direto, ou indiretamente restringir a liberdade religiosa, ou de comunicação, ou outro direito e garantia individual. Basta que a proposta de emenda se encaminhe, ainda que remotamente 'tenda' (emendas tendentes, diz o texto) para a sua abolição.

            O próprio pretório excelso, o Supremo Tribunal Federal, nas Ações Diretas de Inconstitucionalidade n°s 466, 926 e 939, já firmou também entendimento no mesmo sentido. Nessa última, julgando ação contra a Emenda à Constituição n° 3, de 1993, que instituiu imposto sobre a movimentação financeira, assim se manifestou o Supremo Tribunal Federal: “Uma Emenda à Constituição, emanada, portanto, de Constituinte derivada, incidindo em violação à Constituição originária, pode ser declarada inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é de guarda da Constituição (art. 102, I, a, da CF)”.

            A Constituição é igualmente clara ao estabelecer, em seu art. 102, inciso I, alínea "a", a competência do STF para o controle de constitucionalidade de leis estaduais, o que inclui, claro, as emendas à Constituição estadual.

            Poder-se-ia argumentar, na espécie, que a norma não determina de modo expresso que não se encontraria mais na competência do governador do Estado indicar e nomear, na lista tríplice, o procurador-geral de Justiça. Nesse caso, cabe a indagação: qual o propósito da Emenda à Constituição n° 80, de 2012, se é mantida a norma que se abrigava no texto que vigia anteriormente? Seria o caso, questionado pela doutrina, de uma norma jurídica destituída de conteúdo jurídico?

            Caso se dê à norma interpretação conforme a Constituição, para dizer que ela apenas refere à disciplina da posse do novo Procurador-Geral, para situá-lo no colégio de procuradores, caberia notar a desnecessidade de emenda à Constituição apenas para tal propósito. Caso se entenda, entretanto, que a competência para designar o procurador-geral não mais pertence ao governador do Estado, estaríamos diante de clara inconstitucionalidade material, por ofensa à letra, ao espírito e aos princípios da Constituição da República.

            Em face do exposto, Sr. Presidente, a recém-promulgada Emenda Constitucional n° 80, de 2012, à Constituição do Estado de Rondônia é, na interpretação mais favorável, inócua, ou flagrantemente inconstitucional, se subtrair do Governador do Estado a competência para nomear o Procurador-Geral de Justiça, dentre os nomes de lista tríplice formada pelo Ministério Público estadual, por força do disposto no § 3o, do art. 128 da Constituição Federal e do art. 9o, da Lei n° 8.625, de 12 de fevereiro de 1993, lei de iniciativa do Presidente da República, que cumpre o que determina o art. 61, § 1o, inciso II, alínea e, que estabelece normas gerais para a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios, sendo, portanto lei nacional de observância obrigatória pelo Estados-membros - já concluo, Sr. Presidente.

            São as considerações e informações que entendemos pertinentes à matéria.

            Assim posto, Sr. Procurador-Geral, faça um estudo elaborado pela Consultoria Legislativa do Senado Federal, Casa esta que representa a Federação e da qual temos a honra de fazer parte. Ao que nos parece, a Emenda Constitucional Estadual nº 80 fere a nossa Carta Magna, além de não observar as normas e os princípios constitucionais.

            Em razão disso, solicito a V. Exª, Sr. Procurador, providências no sentido de analisar a possibilidade de arguir sobre a mesma a inconstitucionalidade, para que a nossa Constituição estadual possa devidamente respeitar e observar normas e diretrizes da Lei Maior.

            Aproveito a oportunidade, para renovar a V. Exª protestos de estima e consideração.

            Sr. Presidente, apenas para encerrar, quero dizer a V. Exª que é totalmente descabido uma emenda constitucional estadual mudar a Constituição Federal no sentido de não permitir que o governador nomeie o procurador-geral de Justiça. Isso fere de forma absolutamente frontal o que está na nossa Carta Constitucional (art. 128, § 3º), que é expresso no sentido de dizer que a nomeação do procurador-geral de Justiça é da competência privativa, exclusiva do governador do Estado.

            Portanto, deixo aqui a minha preocupação e lamento que a Assembleia do Estado de Rondônia, embora com as melhores intenções no sentido de fortalecer o Ministério Público, faça uma emenda constitucional totalmente contrária a uma norma expressa da nossa Carta Magna.

            Portanto, Sr. Presidente, agradeço a V. Exª e deixo aqui a nossa preocupação para o nosso País.

            O SR. PRESIDENTE (Cidinho Santos. Bloco/PR - MT) - Obrigado, Senador Tomás Correia. O senhor tem autoridade em dizer, porque é membro do Ministério Público, embora já na reserva. Mas eu queria só acrescentar que, no Estado do Mato Grosso, o Senador Blairo Maggi, já em 2003, deu autonomia total ao Ministério Público, e uma emenda estadual fez com que os próprios promotores e procuradores elegessem seu procurador-geral e, numa lista tríplice, o governador, então, fizesse a escolha. Esse modelo do Mato Grosso, que dá autonomia financeira e orçamentária ao Ministério Público Estadual, é um exemplo para o País.

            Obrigado.

            O SR. TOMÁS CORREIA (Bloco/PMDB - RO. Fora do microfone.) - Sr. Presidente, peço licença para esclarecer V. Exª...

(Interrupção do som.)

            O SR. TOMÁS CORREIA (Bloco/PMDB - RO) - (...) e o Estado de Rondônia foi pioneiro, no País, em dar ao Ministério Público as garantias constitucionais que hoje a Constituição Federal prevê. Nós, lá no Estado de Rondônia, já garantíamos a eleição do Procurador, autonomia financeira, autonomia administrativa, enfim, bem como as garantias constitucionais de vitaliciedade, inamovibilidade e irredutibilidade de vencimentos.

            Então, nós temos lá, em Rondônia, uma tradição de fortalecer o Ministério Público; porém, aqui, no caso específico, é óbvio que se trata de uma medida totalmente inconstitucional, com a qual não podemos concordar.

            Obrigado a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 05/09/2012 - Página 46338