Discurso durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Preocupação com a falta de um programa estratégico de desenvolvimento nacional.

Autor
Roberto Requião (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/PR)
Nome completo: Roberto Requião de Mello e Silva
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ECONOMIA NACIONAL.:
  • Preocupação com a falta de um programa estratégico de desenvolvimento nacional.
Publicação
Publicação no DSF de 14/09/2012 - Página 47881
Assunto
Outros > ECONOMIA NACIONAL.
Indexação
  • CRITICA, ATUAÇÃO, FERNANDO HENRIQUE CARDOSO, LUIZ INACIO LULA DA SILVA, EX PRESIDENTE DA REPUBLICA, DILMA ROUSSEFF, PRESIDENTE DA REPUBLICA, MOTIVO, AUSENCIA, CRIAÇÃO, PLANO, CRESCIMENTO ECONOMICO, PAIS, FATO, FALTA, PLANEJAMENTO, RESULTADO, PREJUIZO, DESENVOLVIMENTO, BRASIL, INSUFICIENCIA, CRESCIMENTO, ANO, ECONOMIA.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR. Sem revisão do orador.) - Senador Jorge Viana...

            O SR. PRESIDENTE (Jorge Viana. Bloco/PT - AC) - Está inscrito aqui também, como Líder, o Senador Paulo Davim, que será o próximo, e, aí, voltamos para a lista de oradores inscritos em seguida.

            V. Exª, Senador Rodrigo, está como...

            Está bem. Por gentileza.

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Sr. Presidente, como V. Exª tem conhecimento, o Senador Mozarildo e eu somos os titulares destas sessões às quais comparecem tão poucos Senadores. Nós somos os titulares das sessões das segundas-feiras e das sextas-feiras. Em nome disso, sendo esta provavelmente a última sessão deste mês - nós entramos num recesso branco, e não haverá mais pauta até o fim do mês -, peço um pouco de tolerância a V. Exª quanto ao tempo do discurso que pretendo pronunciar.

            Confesso, Senador, que, às vezes, tenho uma ponta de ciúme da oposição, porque, como diria Millôr Fernandes, a oposição é o livre falar, é só falar. E, nesses dias, com o magérrimo PIB de 0,4% no segundo trimestre do ano e de 1,2% nos últimos 12 meses, a oposição falou, falou da tribuna do Senado, nos jornais e tudo o mais. Discursou com a facilidade e a desenvoltura de uma faca quente cortando um tablete de manteiga. É fácil falar: é só falar.

            Mais uma vez, a começar pelo ex-Presidente Fernando Henrique Cardoso, a oposição desanca o Governo pelo que ele tem de positivo, pelas suas virtudes - por exemplo, pelos investimentos sociais, que são ainda, no meu entender, muito poucos, um tanto quanto pobres -, e elogia-o por iniciativas que representam retrocesso, que expõem e denunciam a falta de coragem de arrostar com as consequências de uma ofensiva antiliberal, como é o caso das malfadadas concessões na área de infraestrutura e de energia.

            É por essas sinuosidades e descaminhos que a oposição ama o atual Governo, e o ex-Presidente, volta e meia, marreta a cunha da discórdia entre Dilma e Lula. É o que faz Fernando Henrique Cardoso.

            Recomenda-se que não se refira à corda em casa de enforcado. Como a oposição julga que a lembrança do desventurado esfumou-se na proverbial desmemória brasileira, amiúde ela traz o espectro à cena, e ele não é nada agradável, como vou relatar.

            Em média, anualmente, o País cresceu pouco mais de 2% nos oito anos de Fernando Henrique Cardoso, sendo que, em dois anos seguidos, 1998 e 1999, cresceu menos de 1%, como resultado das famosas medidas de austeridade e ajustes fiscais recomendados pelo Fundo Monetário Internacional e aplicadas, com diligência e disciplina, por Malan e companhia - medidas de austeridades, nunca é demais lembrar, tomadas só depois da reeleição de S. Exª o Presidente Fernando Henrique Cardoso. Nos oito anos de Lula, que agora Fernando Henrique quer exorcizar como se fossem períodos de desatinos e de bandalheiras, o Brasil cresceu, em média, anualmente, 3,6%. Uma maravilha? Não, nada disso. Números, cá entre nós, também sofríveis.

            De todo modo, registre-se que, com o crescimento de 5,4% em 2007 e de 5,1% em 2008, a expectativa era um salto chinês em 2009, o que não aconteceu por causa da debacle financeira global, que se inicia já no ano de 2008. No entanto, com as medidas que Lula tomou quando a crise explodiu as ilusões do capitalismo financeiro - medidas tomadas na contramão do que aconselhavam os tucanos, diga-se -, o Brasil cresceu magníficos 7,5% em 2010, último ano do “companheiro” na Presidência, como agora debocha Fernando Henrique Cardoso.

            É livre falar, é só falar.

            E a Folha de S.Paulo também fala com a boca cheia de razões. Esta é a manchete do jornal dos Frias, no dia 1º de setembro: “Brasil tem o maior ciclo de PIB fraco desde o Plano Real”. Deixemos para lá o maltrato ao vernáculo, a limitação vernacular, vocabular, que resultou no inestimável título “maior ciclo de PIB fraco” e passemos ao conteúdo da manchete.

            Seria verdade? O maior ciclo de baixo crescimento desde o real? Teria razão a Folha de S.Paulo? Vejamos: nos anos nada graciosos de 1998 e de 1999, o Brasil cresceu, respectivamente, 0,1% e 0,8%. Quer dizer, por dois anos, o PIB fernando-henriquista não superou 1%. Nos quatro trimestres de 1998, o glorioso ano da reeleição, o País cresceu 0,1%; nos quatro trimestres do ano seguinte, 1999, o crescimento foi de 0,8%.

            Ora, o IBGE nos diz que, no ano passado, primeiro do Governo Dilma, o Brasil cresceu 2,7%. No presente ano, na pior das hipóteses, vamos crescer 1%. Onde, então, está essa besteira que disse a Folha de S.Paulo do maior ciclo de PIB fraco? Isso se deu em 1998 e em 1999 ou em 2011 e em 2012?

            Ah, sim! A edição da Folha que traz a preciosa manchete é a mesma que circulou em Minas Gerais sem a foto de Lula e de Patrus Ananias na capa, no primeiro comício de que participou o ex-Presidente depois de recuperado do câncer. A edição que foi para outros Estados exibiu a foto do apoio de Lula a Patrus; em Belo Horizonte, a foto evaporou-se da capa da Folha. É o que leio, pelo menos, nos blogs.

            Srªs e Srs. Senadores, por favor, não entendam minhas observações como defesa intransigente da política econômica do Governo Dilma ou do PT. Pelo contrário, não vejo, em substância, diferença entre a política econômica de uns e de outros. Diferem-se em nuanças, em ênfases, em preocupações sociais, e isso, concordo, não é pouco. E se há, e quando há, o que sustenta o crescimento brasileiro dos luzias e dos saquaremas? Não são a pujança de nossas indústrias, os investimentos em infraestrutura e em inovação tecnológica. Não são os investimentos sociais. São ainda as commodities. É a nossa porção colonial que se sobressai.

            Vou repetir, ainda outra vez - quanto mais repito, mais me espanto -, informações de um estudo da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (Abimaq). Nos anos 80, a produção industrial brasileira era superior à produção industrial da China, da Coreia do Sul, da Tailândia e da Malásia. Hoje - estes são dados de 2010, nem são dados de hoje -, não produzimos mais que 15% do que eles produzem.

            E o que aconteceu de tão extraordinário nos anos 80 e 90 para que tenha havido um encolhimento industrial tão acentuado assim? Aconteceu, Senador Tomás, aconteceu, Senador Davim, aconteceu, Senador Mozarildo, a tal “abertura comercial”, aconteceu a “desregulamentação”, aconteceu a nossa “inclusão no mundo global”, o descerramento às escancaras, sem limites de nossas fronteiras à entrada de toda sorte de produtos. Diziam: é o preço de nosso ingresso na modernidade.

            Mas o que havia de mais moderno, de mais avançado em todo o planeta Terra que, por exemplo, a indústria brasileira de auto-peças? A Metal Leve, a Freios Varga, a Cofap, só para citar a vanguarda do setor, competiam com as empresas afins e superavam-nas, globalmente. Era o Brasil procurando seu lugar no processo industrial do Planeta.

            E aí Fernando II abriu os portos. E aí o setor tecnologicamente mais desenvolvido da indústria brasileira soçobrou. E lá se foram - lembram, Srs. Senadores? -, da noite para o dia, 250 mil empregos de trabalhadores altamente qualificados! E lá se foram, transferidos para o exterior ou simplesmente fechados, os mais avançados centros de pesquisa e laboratórios de desenvolvimento de produtos.

            Enquanto outros países protegiam-se com tarifas que resguardassem a indústria e o mercado domésticos da concorrência internacional, casos específicos daqueles países que citei - China, Coreia do Sul, Malásia e Tailândia -, nós, os moderninhos, os avançadinhos, os descolados, abríamos as comportas para toda sorte de bugigangas! Quanta liberalidade! Que magnífico espírito colonial! Os países centrais não poderiam contar com colaboracionistas mais prestimosos. E assim foram os anos de Fernando Henrique Cardoso.

            Mudou alguma coisa nos anos Lula? Não, pelo contrário, exacerbou-se a nossa dependência da produção, extração e exportação de commodities. O processo de encolhimento da produção industrial prosseguiu sem qualquer iniciativa consistente de estancá-lo ou pelo menos pausá-lo.

            Recorro de novo à Abimaq. Diz essa Associação, que reúne os fabricantes de máquinas e de equipamentos, que o setor vai fechar este ano com déficit superior a US$20 bilhões. Afinal, fabricar máquinas e equipamentos para quem, Senador Jorge Viana?

            Da mesma forma, o setor de embalagens, de embalagens de máquinas e produtos em geral, também anuncia um péssimo ano. De fato, embalar o quê, além das desilusões com a política econômica do Governo?

            O Indicador de Nível de Atividade, índice da Fiesp para medir o desempenho industrial, registrava, em julho, uma queda de 6,4% sem qualquer vislumbre de recuperação. Já a Pesquisa Industrial Mensal do IBGE, também referente a julho, mostra que, nos primeiros sete meses do ano, a produção física de nossa indústria recuou 3,7%. A maior queda, menos 12%, foi no setor de bens de capital, isto é na produção, entre outros itens, de máquinas e equipamentos. No setor de produção de bens de consumo duráveis, o recuo foi de 8,4%. Na produção de bens intermediários, houve diminuição de 2,5%. E o desfile de números negativos continua.

            Examine-se, agora, como se comportam os investimentos em nossa economia. Recolho de um artigo do editor e colunista Carlos Lopes, do jornal Hora do Povo, esses dados, que contradizem o Ministro Mantega, segundo quem a taxa média anual do investimento brasileiro é uma das maiores do mundo. Na verdade, há quatro trimestres que está caindo o investimento nacional, segundo revela o índice Formação Bruta de Capital Fixo, que avalia os gastos das empresas com ativos como máquinas, equipamentos e edificações. Há quatro trimestres, nossas indústrias investem menos em máquinas, em equipamentos e em edificações.

            Lopes lembra ainda que, em termos de PIB, o investimento também caiu: representava 19,5%, no final do Governo Lula, e, agora, está em 17,9%.

            E os investimentos públicos como se comportaram até julho? Muito mal. Nos primeiros sete meses do ano, o Governo liberou tão somente 8,56% da dotação orçamentária para investimentos, lembra Carlos Lopes.

            O editor examina também desembolsos do BNDES, principal fornecedor de recursos para o sistema privado. Pois bem, de maio de 2011 a maio deste ano, o dispêndio do banco para a indústria de transformação caiu quase 50%; para a indústria em geral, 47%. Ainda no ano passado, apenas 29% dos desembolsos foram para a indústria; neste 2011, até o momento, 26%.

            Alguma surpresa, então, com a queda da produção industrial? Inusitado seria se, com esse câmbio, com essa concorrência predatória, com a ausência de qualquer proteção à indústria nacional, com investimentos tão pífios, se, com isso tudo, crescêssemos.

            Mas nem tudo são más notícias. Depois de reduzir os juros e dar certo refresco ao câmbio, o Governo Federal, finalmente, aumenta o Imposto de Importação de uma centena de produtos e promete duplicar a relação em breve. É a tarifa externa comum do Mercosul, que a Presidenta Dilma está enfrentando com coragem - e está bancando a necessária integração da Venezuela.

            No entanto, Sras e Srs. Senadores, basta que se reduzam os juros, que se mexa no câmbio e que se elevem as tarifas para que o País retome o crescimento industrial? Não. Não basta. São ainda aspirinas para se combater grave infecção.

            O desenvolvimento brasileiro e, em consequência, o crescimento industrial, não se faz com remendos, com operações tapa-buracos.

            Caso tivéssemos um programa estratégico de desenvolvimento nacional, com objetivos claramente definidos, assim como definidas as táticas para alcançá-los, tudo bem, admitir-se-iam medidas que corrigissem a rota. Não é caso. O Brasil não tem um programa estratégico de desenvolvimento. O Brasil navega ao sabor das circunstâncias, ao sabor das marolinhas ou das grandes tempestades. E vai aportar aonde? Não se sabe.

            Caros e caríssimos Senadores, confesso angústia e desalento. E também desânimo, impaciência, sim; frustração, sim. E até mesmo certa irritação quando vejo marchar aqui e nas comissões da Casa toda sorte de projetos e requerimentos; quando vejo enfileirarem-se sugestões, ideias e opiniões sobre os mais desencontrados temas, e não vejo a Casa se debruçar sobre o grave, gravíssimo fato de que o País não tem um programa, não tem um plano estratégico de desenvolvimento.

            E seus aliados do PFL, do PPS e do PP tinham um plano; tinham um programa de como começo, meio e fim. E executaram-no. O programa da dependência, da nossa inclusão no mercado global como fornecedores de commodities e consumidores de produtos finais importados. O programa da submissão do País à especulação financeira, ao mercado financeiro; o programa do combate feroz, persistente ao Estado; o programa do superávit primário e da responsabilidade fiscal para gerar recursos que pagassem os juros da dívida e premiassem generosamente os rentistas; o programa do corte nos gastos sociais, da redução de direitos e garantias previdenciárias e trabalhistas; o programa da renuncia do Estado às suas atribuições fundamentais.

(Interrupção do som.)

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Alguns saudosistas desses gloriosos dias talvez salivem de emoção ao verem a Grécia sendo pressionada a cortar salários, reduzir benefícios sociais, cancelar aposentadorias, impor fim de semana de um só dia, reduzir o descanso mínimo entre as jornadas de trabalho. Ainda não chegaram à proposta da reinstituição da escravatura ou ao regime de trabalho criado pela Alemanha para os povos inferiores entre 1933 e 1945, mas se esforçam, Senador Jorge Viana. O mercado se esforça, os banqueiros se esforçam, os donos do capital financeiro se esforçam para isso.

            Foram-se os anos tucanos-pefelistas e vieram os anos petistas, com a pronta adesão de meu partido e sua irresistível vocação governista. Muda o governo. Não tem importância. O PMDB não muda, continua sendo governo.

(Interrupção do som.)

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Substancialmente, em essência, mudou alguma coisa? A natureza das coisas, ou como questionariam os filósofos, mudou? A qualidade predominante das coisas, seu caráter distintivo, mudou?

            Substancialmente, em essência, nada mudou. Com pequenas variações, a política econômica é exatamente a mesma. A mesma vinculação e submissão à globalização neoliberal.

            Não atalhem com aqueles números todos sobre a redução da pobreza, da mortalidade infantil, a ampliação da dita classe média, o acesso à educação e à moradia, o aumento do número de trabalhadores com carteira assinada, a ampliação da oferta de empregos, e isso e aquilo e mais um pouco.

            São inegáveis os avanços sociais. Mesmo sob uma política econômica fundamentalmente neoliberal...

(Interrupção do som.)

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - ....As circunstâncias, as peculiaridades conjunturais permitiram que o governo do presidente Lula tornasse menos sofrida a vida de parte dos brasileiros mais pobres e secularmente excluídos.

            No entanto, se não mudarmos a natureza, a qualidade predominante da política econômica, construindo um programa de desenvolvimento que tenha como meta os interesses populares e nacionais, que tenha como medida principalmente os trabalhadores e empresários brasileiros, tudo o que se avançou dissolver-se-á com a rapidez da água sobre o açúcar.

            Srªs e Srs. Senadores, chega de divertimento - do latim, divertere -, de desviar do que importa, isto é, chega de projetos, de sugestões e ações que desviam, que tangenciam, que contornam, que evitam o que interessa.

(Interrupção do som.)

            O SR. ROBERTO REQUIÃO (Bloco/PMDB - PR) - Antes de tudo, acima de tudo, o debate e a construção de um programa nacional de desenvolvimento.

            Depois desse período eleitoral, que se debruce este Congresso Nacional, este nosso Senado da República sobre essas questões, não como oposição ao Governo da Dilma, o que seria neste momento uma tolice absoluta, mas como um apoio construtivo, inteligente e crítico para um projeto de desenvolvimento brasileiro e sul-americano.

            Obrigado, Senador, pela até mesmo excessiva tolerância com o abuso do tempo.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/09/2012 - Página 47881