Discurso durante a 176ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Registro da realização do VII Encontro dos Povos do Cerrado.

Autor
Rodrigo Rollemberg (PSB - Partido Socialista Brasileiro/DF)
Nome completo: Rodrigo Sobral Rollemberg
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA DO MEIO AMBIENTE.:
  • Registro da realização do VII Encontro dos Povos do Cerrado.
Publicação
Publicação no DSF de 14/09/2012 - Página 47950
Assunto
Outros > POLITICA DO MEIO AMBIENTE.
Indexação
  • REGISTRO, REALIZAÇÃO, EVENTO, ENCONTRO, POVO, CERRADO, COMENTARIO, ORADOR, IMPORTANCIA, PRESERVAÇÃO, NATUREZA, REGIÃO.

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco/PSB - DF. Pronuncia o seguinte discurso, sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Sr. Presidente.

            Srªs e Srs. Senadores, subo à Tribuna na tarde de hoje, Sr. Presidente, para registrar o 7º Encontro dos Povos do Cerrado, que está acontecendo em Brasília. Tivemos a abertura formal no dia de ontem, teremos uma audiência pública daqui a pouco, no Auditório Petrônio Portela, onde representantes de todos os Estados brasileiros que detêm parte do bioma Cerrado estarão aqui para este evento.

            É um momento de reflexão sobre a importância do Bioma Cerrado - aliás, nós comemoramos na última terça-feira, dia 11, o Dia Nacional do Cerrado - e é uma oportunidade também de mobilização em torno da defesa desse bioma. Tenho dito, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, que defender o Cerrado é uma questão de bom senso, é uma questão de inteligência, é uma questão de compromisso com o futuro, de compromisso com as futuras gerações pelo que o Cerrado representa e pode representar muito mais para o futuro do Brasil e para o futuro do Planeta.

            Se formos imaginar, por exemplo, do ponto de vista da biodiversidade - e estamos às vésperas de uma nova reunião da COP, que acontecerá na Índia, sobre biodiversidade - estaremos falando de um dos biomas mais ricos em diversidade do Planeta. Estima-se que o Cerrado brasileiro tenha em torno de 5% da biodiversidade do Planeta. E, se pensarmos em desenvolver a indústria de biotecnologia, uma das áreas consideradas como fronteiras do crescimento, é claro que vamos precisar de toda essa biodiversidade do Cerrado brasileiro.

            Se falamos da sustentabilidade da agricultura brasileira, precisamos focar e desenvolver novas tecnologias, novos conhecimentos a respeito do Cerrado; Temos um número enorme de plantas adaptadas ao bioma Cerrado, há milhões de anos, plantas que se adaptaram a grandes períodos de estiagem, a grandes mudanças de temperatura. E temos também um alerta no Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas de que estamos vivendo um processo de aquecimento global. Portanto, muitas das culturas hoje produzidas no Cerrado brasileiro precisarão adaptar-se a esse processo de aquecimento global e, muito provavelmente, os genes dessas plantas existentes há milhões de anos no Cerrado contribuirão para a adaptação, através da biotecnologia, da bioengenharia, garantindo, com isso, a sustentabilidade da agricultura brasileira.

            O Cerrado é estratégico para a produção de alimentos, para a produção de agroenergia. E é importante perceber que o bom senso, a inteligência e a prudência recomendam que o aumento da produção de alimentos, importante para todo o Planeta, importante para o Brasil, e o aumento da produção de agroenergia se deem nas áreas já antropizadas de cerrado. Algo em torno de 50% da área do Cerrado já foi desmatada, já foi convertida para diversos usos, sendo que uma grande parte dessas áreas - estima-se, segundo a Embrapa, algo em torno de 50 milhões de hectares - são de pastagens degradadas, pastagens que têm uma capacidade muito pequena de unidade animal por hectare. Portanto, o bom senso recomenda que a ampliação, a expansão da produção da agroenergia se dê nessas áreas já antropizadas e não nas áreas preservadas do bioma Cerrado.

            O Cerrado também é estratégico para a preservação do bem mais precioso para a vida - confunde-se com a própria vida -, que é a água. E não é à toa que o Cerrado é considerado o berço das águas do Brasil, porque é responsável pelo abastecimento de grande parte das principais bacias hidrográficas brasileiras. Nós estamos falando de um bem essencial para a dessedentação das pessoas, para o abastecimento urbano, para a dessedentação de animais, para a geração de energia elétrica, para a sustentabilidade da agricultura, para o lazer, enfim, para diversos usos. E precisamos ter todo o cuidado na preservação do Cerrado como berço das águas brasileiras.

            Então, são diversos os motivos que nos permitem afirmar que o Cerrado é, sem dúvida, uma das regiões mais estratégicas do Planeta e, portanto, nós, brasileiros, temos uma responsabilidade muito grande com a preservação do Cerrado brasileiro.

            Eventos como esse VII Encontro dos Povos do Cerrado, como a Semana do Cerrado, implementada no Distrito Federal a partir de uma iniciativa do Deputado Distrital Joe Valle, como a audiência pública que nós vamos realizar, daqui a pouco, no Senado, têm este objetivo da mobilização em torno de temas importantes para o bioma.

            Por exemplo, hoje, o Brasil e o mundo conseguiram mobilizar-se em torno da defesa da Floresta Amazônica. Essa é uma conquista extraordinária, a percepção da importância da Floresta Amazônica na regulação do clima, na manutenção dessa biodiversidade e de todos os serviços ambientais que a floresta oferece, mas nós não conseguimos, até hoje, a mesma mobilização em torno do bioma Cerrado.

            O Cerrado ainda é visto por muitos de forma completamente equivocada, errada, apenas como um local de expansão da agricultura brasileira. Portanto, nós precisamos nos mobilizar, por exemplo, para aprovarmos a proposta de emenda à Constituição que alça o Cerrado à condição de patrimônio nacional, na Constituição Federal, a exemplo do que já existe com a Caatinga, com a Floresta Amazônica, com a Mata Atlântica, com o Pantanal, com a Serra do Mar e a zona costeira.

            É um equívoco que, até hoje, três biomas importantes do País - o Cerrado, a Caatinga e os Pampas - ainda não estejam protegidos pela Constituição Federal como patrimônio nacional.

            Eventos, movimentos como esse contribuem para essa mobilização.

            Estão em Brasília representantes de diversos povos indígenas.

            É importante ressaltar, também, o que o Cerrado representa sob o ponto de vista da diversidade cultural. Quantas populações tradicionais vivem, algumas há centenas, milhares de anos, no Cerrado brasileiro?

            Agora há pouco, tive a oportunidade de participar do Kuarup, na comunidade Yawalapiti,em Mato Grosso, no Alto Xingu.

            Mais uma vez, fiquei impressionado com a força dessa cultura, da cultura dos povos do Alto Xingu, e com o quanto temos de aprender com essas culturas.

            Portanto, é uma alegria muito grande receber essas populações indígenas em Brasília, as populações remanescentes de quilombos, os quilombolas, as quebradeiras de coco do Maranhão, os geraizeiros, os caboclos de todas essas regiões que compõem o Cerrado brasileiro, que vieram aqui mostrar a força de suas culturas, fazer suas reivindicações, manifestar suas preocupações e dizer que querem que o Cerrado brasileiro seja tratado no mesmo status de proteção constitucional que já tem a Floresta Amazônica, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, a Zona Costeira e o Pantanal.

            Buscando contribuir para esse esforço de proteção do Cerrado brasileiro, apresentei projeto de lei que institui a Política de Desenvolvimento Sustentável do Cerrado, com a pretensão de, no futuro, haver uma Lei do Cerrado, como já existe a Lei da Mata Atlântica.

            É claro que nosso objetivo é o de que esse projeto seja amplamente debatido por todos os setores da sociedade. Hoje, teremos a oportunidade de iniciar esse debate. Já houve a apreciação na Comissão de Desenvolvimento Regional, com a sua aprovação, mas o projeto vai passar pela Comissão de Agricultura do Senado e, depois, pela Comissão de Meio Ambiente, Defesa do Consumidor, Fiscalização e Controle.

            Pretendemos fazer exaustivos debates, ouvir todos os setores, todas as populações que vivem no Cerrado, todos os segmentos econômicos que atuam no Cerrado, para que possamos construir uma legislação que tenha os olhos voltados para o futuro, para a redução das desigualdades sociais, para a promoção do desenvolvimento efetivamente sustentável.

            Queremos ouvir o Ministério do Meio Ambiente, queremos ouvir os diversos Ministérios, o da Agricultura, o do Desenvolvimento Agrário, mas queremos, sobretudo, ouvir as comunidades e populações que vivem no Cerrado brasileiro há anos e que muito têm a contribuir na formulação e na tramitação dessa lei.

            A proposta que apresentamos, ainda de caráter genérico, constitui uma Política de Desenvolvimento do Cerrado, e algumas de suas diretrizes são o aprofundamento das pesquisas científicas e o respeito às potencialidades e oportunidades, bem como aos problemas e soluções existentes no Cerrado; a valorização dos produtos do Cerrado e o fortalecimento da cadeia produtiva desses produtos, para aumentar seu valor agregado, com vistas ao mercado local, regional, nacional e internacional; a internalização dos custos ambientais aos custos de produção; a recuperação dos passivos ambiental e social e a ocupação prioritária de áreas degradadas - deve ser uma prioridade avançar na produção nas áreas degradadas, poupando as áreas que estão preservadas, pois já existem tecnologias disponíveis para isso -; a adoção de práticas e de sistemas de produção sustentáveis em todos os setores da atividade econômica.

            Na agricultura, avançamos com o plantio direto e com as práticas de integração lavoura-pecuária-floresta. Um projeto, que está pronto para ser votado no plenário da Câmara, institui a Política Nacional de Integração Lavoura-Pecuária-Florestas. É desejo da Embrapa ver aprovado esse projeto, pois vai facilitar a difusão de tecnologias modernas, de tecnologias que garantem o uso sustentável das terras do Cerrado.

            Continuando, também são diretrizes da proposta a observância de critérios socioambientais na concepção e na realização de investimentos em infraestrutura; a ampliação gradativa do emprego de técnicas sustentáveis na agricultura familiar e empresarial, como a integração lavoura-pecuária, o manejo adequado de fertilizantes e o plantio direto, entre outras; a substituição das queimadas por soluções tecnológicas mais avançadas e ambientalmente corretas como modo de preparação da terra; a proibição da produção de carvão vegetal através da vegetação nativa, garantindo que a produção de carvão vegetal se limite à utilização de florestas plantadas; o fortalecimento institucional dos órgãos e entidades envolvidas na formulação e implementação de políticas públicas; a formulação e implementação de políticas públicas voltadas especificamente para a zona de fronteira agrícola, com o objetivo de ampliar a presença do Estado.

            Nós estamos debatendo esse tema, já fizemos algumas audiências públicas para debatê-lo. Como eu disse, queremos ouvir muitos setores e fazer com que esse projeto seja apreciado em caráter terminativo somente quando tivermos esgotado o debate, ouvindo todas as correntes da sociedade, especialmente os povos do Cerrado.

            É preciso haver um norte, um início, para trilhar nesse debate, e foi por isso que apresentamos essa proposta, que tem os seguintes objetivos: promover o desenvolvimento sustentável no bioma como mecanismo de compatibilizacão das atividades produtivas, com a proteção do meio ambiente e a promoção da justiça social; garantir o exercício de atividades econômicas sustentáveis; manter a diversidade cultural, social e ambiental e os processos ecológicos essenciais no Cerrado e nas áreas de transição para outros biomas; garantir a conservação e o uso sustentável da biodiversidade do bioma; contribuir para a redução das desigualdades sociais e regionais; promover a otimização dos processos de irrigação, com redução significativa do consumo e do desperdício de água; possibilitar a ampliação da área destinada à criação das Unidades de Conservação do bioma, tanto de proteção integral como de uso sustentável - esse é um tema muito importante, porque, embora no Cerrado haja hoje os maiores índices de desmatamento do Brasil, há uma pequeníssima área protegida por Unidades de Conservação, algo em torno de 3% de áreas de domínio público e algo em torno de 3% de áreas privadas; portanto, é fundamental ampliar o número de Unidades de Conservação -; contribuir para a regularização fundiária das Unidades de Conservação, das terras indígenas e das áreas de remanescentes de quilombos, outra questão também importante.

            Quero aqui saudar o trabalho realizado, há 50 anos, pelos irmãos Villas-Bôas, pela visão generosa que tiveram, pela visão de futuro, ao trabalharem pela demarcação do Parque Nacional do Xingu. Olhem como foi importante a demarcação daquelas áreas, para que as populações indígenas que vivem ali pudessem continuar vivendo bem, em harmonia com suas famílias e em harmonia com a natureza.

            Portanto, é absolutamente indispensável a demarcação das terras indígenas, a criação de novas Unidades de Conservação.

            A proposta ainda tem o objetivo de incentivar a criação de instrumentos de gestão integrada do território no campo e nas cidades.

            Enfim, são objetivos importantes, amplos, que queremos debater, que queremos discutir com o conjunto da sociedade.

            Estamos falando de um bioma impressionante. Basta andarmos, hoje, por Brasília, que todos nós ficaremos absolutamente encantados com a beleza dos nossos ipês. Em meio à maior adversidade, no auge da seca, os ipês explodem em flores amarelas, enchendo nossa cidade de beleza, de alegria, de poesia. O ipê é uma das árvores mais representativas do Cerrado brasileiro.

            Ainda recentemente, o Correio Braziliense fez um concurso, e a cidade se mobilizou, cada um com seu celular ou com seu iPhone na mão, para tirar fotos dos ipês amarelos.

É impressionante como a população incorporou esse carinho, esse amor pelo Cerrado brasileiro.

            Confesso, Sr. Presidente, que, hoje pela manhã, logo cedo, quando saí de casa, fui tomado por emoção, aliás, todos esses dias, quando me deparo com ipês cada vez mais bonitos, um mais bonito do que o outro, e me lembrei daquele que é o grande responsável pela arborização de Brasília. Aliás, lançamos, esta semana, como parte do Dia do Cerrado, a reedição do livro coordenado pelo nosso jardineiro do Cerrado, Ozanan Coelho, que fala das árvores do Cerrado que foram utilizadas na arborização de Brasília. Naquele momento de emoção, peguei o telefone, liguei para o Ozanan, para dar-lhe um abraço, porque nós, brasilienses, devemos ao Ozanan e a todas as equipes do Departamento de Parques e Jardins da Novacap, ao longo de todos esses anos, a beleza desses ipês e de outras árvores do Cerrado plantadas. Mas fiquei tão emocionado que, naquele momento, liguei para o Ozanan Coelho, e ele me deu uma notícia fantástica, maravilhosa, uma notícia de que todos vão desfrutar, todos que visitarem Brasília, nos próximos anos, vão desfrutar. Ele me disse que tem 15 mil novos ipês plantados no Distrito Federal nos últimos anos, que ainda não floriram e que vão florir nos próximos anos. Também fiquei sabendo de uma notícia triste: há muitos anos, o governo do Distrito Federal não planta novos ipês.

            Portanto, está aqui um apelo ao Presidente da Novacap, às autoridades que hoje controlam o Departamento de Parques e Jardins, para que retomem o plantio dessas árvores do Cerrado, especialmente os ipês, para que, daqui a alguns anos, possamos desfrutar dessa sensação que senti hoje pela manhã, que todos possam desfrutar ao ver esta cidade encantada com o amarelo dos ipês, como, em determinadas épocas, o Japão fica com suas cerejeiras e outras cidades importantes do mundo, com suas árvores.

            Portanto, o meu pronunciamento, hoje, Sr. Presidente, é uma declaração de compromisso com o Cerrado brasileiro e de apelo, de sensibilização, para que as pessoas possam olhar o Cerrado com outros olhos, possam olhar o Cerrado com olhos generosos, possam olhar o Cerrado buscando olhar o amanhã, buscando olhar o futuro, pela importância que esse bioma tem e terá na construção de melhor qualidade de vida para o conjunto da população brasileira.

            A luta em defesa do Cerrado não é uma luta apenas daqueles que habitam os Estados cobertos pelo Cerrado brasileiro; a luta em defesa do Cerrado deve ser uma luta de todo o Brasil. E não apenas do Brasil, mas de todo o Planeta, porque temos aqui, no Cerrado, serviços ambientais que contribuem para a harmonia do clima em todo o Planeta. Nós temos, aqui, o berço das águas que vão produzir abundância e generosidade em praticamente todos os Estados, em várias bacias hidrográficas que percorrem várias regiões brasileiras. Portanto, ao defender o Cerrado, nós estamos defendendo o futuro do Brasil e do nosso Planeta.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 14/09/2012 - Página 47950