Discurso durante a 188ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa da criação de um modelo de competição fiscal entre os estados brasileiros como forma de incentivar investimentos.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA FISCAL.:
  • Defesa da criação de um modelo de competição fiscal entre os estados brasileiros como forma de incentivar investimentos.
Aparteantes
Ana Amélia.
Publicação
Publicação no DSF de 12/10/2012 - Página 53577
Assunto
Outros > POLITICA FISCAL.
Indexação
  • DEFESA, DISCUSSÃO, CONGRESSO NACIONAL, MODELO, COMPETITIVIDADE, NATUREZA FISCAL, ESTABELECIMENTO, CRITERIOS, MELHORIA, DISTRIBUIÇÃO, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL (FPE), OBJETIVO, ATRAÇÃO, INVESTIMENTO, ESTADOS, EXTINÇÃO, CONFLITO, DESIGUALDADE REGIONAL.
  • SOLICITAÇÃO, TRANSCRIÇÃO, ANAIS DO SENADO, ARTIGO, AUTORIA, EX MINISTRO DE ESTADO, ASSUNTO, DISPUTA, NATUREZA FISCAL.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso.) - Srª Presidente...

            A SRª PRESIDENTE (Ana Amélia Bloco/PP - RS) - Senador Ricardo Ferraço, peço desculpas para fazer uma saudação aos visitantes ao plenário desta Casa, que vêm do Brasil inteiro. Sejam bem-vindos ao Senado Federal.

            O Senador Ricardo Ferraço é um Senador de primeiro mandato nesta Casa, do PMDB do Estado do Espírito Santo, um jovem Senador.

            Com a palavra o Senador Ricardo Ferraço.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Sejam todos muito bem-vindos ao Senado Federal.

            Lembro o conterrâneo de S. Exª, Srª Presidente, o poeta Mário Quintana, que, em tantas importantes reflexões poéticas sobre o cotidiano da vida humana, certa vez afirmou que ser jovem é um defeito que o tempo corrige.

            Srª Presidente, Srªs e Srs. Senadores, tenho me valido do mandato que me foi delegado pelos capixabas e, no exercício do mandato de Senador da República, tenho procurado compreender e exercer aquela que, entre as tantas atividades importantes das nossas prerrogativas, é a defesa dos nossos Estados, os Estados federados brasileiros.

            O Senado é a Casa que estabiliza as relações federativas em nosso País. Aqui, no Senado, cada um dos nossos Estados tem três representantes. Há, portanto, uma igualdade de condição na representação dos nossos Estados, não havendo nenhuma distinção em relação à sua importância política, econômica, à dimensão da sua população, entre tantos outros critérios. Aqui, no Senado, os 26 Estados mais o Distrito Federal exercem os seus mandatos, as suas representações, portanto, em igualdade de condição. O Senado é, portanto, a Casa da unidade nacional. E temos aqui um conjunto cada vez mais relevante de temas que dizem respeito ao conjunto dos Estados brasileiros.

            Nós estamos na antessala de um tempo, que poderá - eu torço e trabalharei para isto - ser muito virtuoso, na construção de políticas e de ações que possam fortalecer os nossos Estados, que possam fortalecer as nossas cidades e os nossos Municípios, que tenham como objetivo o fortalecimento da Federação brasileira.

            Ao final do processo eleitoral das cidades brasileiras, um conjunto de temas e de agendas estarão chamando a atenção, por sua capacidade de impactarem positivamente, a qualidade da Federação que estaremos edificando, que estaremos construindo, neste tempo de tantas incertezas.

            Um desses temas diz respeito, pelo menos a meu juízo, a uma falsa verdade, a uma desmistificação que precisa ser feita. O nosso País se construiu, ao longo da sua história, com muitas deformações, com muitas desigualdades, com muitas distorções, em função de sermos um país continental, em função da característica dos nossos Estados. Isso acaba sinalizando e desenhando um país, ao mesmo tempo, com muitas contradições, mas também com muitos potenciais, com muita vocação em cada uma das nossas regiões.

            E, ao longo dos últimos anos, vimos intensificar-se, no Brasil, a necessária busca de alternativas para o nosso desenvolvimento regional. Isso, dentro daquilo que é premissa na Federação brasileira ou que deveria ser, na prática, está diretamente relacionado à autonomia dos Estados, dos nossos Estados, em buscar os seus caminhos, as suas alternativas e as suas oportunidades. Foi assim que, ao longo de anos, os Estados estabeleceram, entre si, uma competição fiscal, que, depois, foi confundida com aquilo que se chama, hoje, de maneira leviana, de guerra fiscal.

            Há, portanto, necessidade de nós recolocarmos esse tema no seu eixo, de nós, como eu disse aqui, desmistificarmos esta falsa verdade, de que os incentivos fiscais são um mal em si mesmo. 

            Os estudos, os mais robustos, os mais consistentes, feitos por entidades e instituições da maior credibilidade e reputação, atestam que a competição fiscal entre os Estados brasileiros é saudável. O que precisamos é de uma adequação, de um marco legal que possa impedir que a competição fiscal possa evoluir para uma guerra fiscal, em que a atração de investimentos a todo e qualquer custo, isto sim, não interessa ao conjunto dos Estados brasileiros e, portanto, não pode interessar ao País.

            E eu trago, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, um artigo que me pareceu, pelo brilho, pela clareza, pela consistência, pela capacidade de síntese, uma belíssima reflexão neste tempo em que nós estamos aí discutindo a distribuição de royalties, em que nós estamos discutindo a necessidade de novos critérios para o Fundo de Participação dos Estados brasileiros.

            Em 2010, o Supremo Tribunal Federal consagrou que a atual distribuição é inconstitucional, abrindo, portanto, prazo para que o Congresso Nacional, em dois anos, pudesse edificar uma nova regra, uma regra que pudesse guardar vínculo com aquilo que a Constituição determina. Portanto, até dezembro de 2012, o Congresso Nacional precisa edificar, precisa construir uma nova proposta, e nós sabemos o quanto esse debate será um debate cheio de conflitos, porque a equação é uma equação que, seguramente, vai fazer com que alguns Estados ganhem, outros Estados estejam eventualmente perdendo.

            Nós estamos com uma comissão de juristas aqui na Casa, que deverá apresentar, nos próximos dias, uma proposta. Eu sou autor de uma proposta que tramita na Casa, um conjunto de outros colegas também tomaram a iniciativa, mas o fato objetivo é que nós não definimos, ainda, um rito adequado e necessário para que matérias como essas possam de fato ser prioridade para o Senado Federal, para o Congresso Nacional, por conta dos seus impactos.

            A decisão do Supremo em relação ao Fundo de Participação é clara, é cristalina. Se até dezembro nós não fizermos - e nós perdemos um tempo que é absolutamente sagrado -, o que acontecerá é que os nossos Estados não receberão mais transferências do Fundo de Participação dos Estados, que, em 2012, deve representar a ordem de R$50 bilhões. Eu não falo aqui em relação ao meu Estado. Esse fundo é importante para meu Estado, mas ele não representa sequer 2% de sua arrecadação. Mas eu não posso, não é correto, não é honesto que eu venha para o Senado, ainda que legitimamente, trabalhar apenas o interesse de meu Estado. Eu tenho a obrigação republicana de trabalhar o conjunto dos interesses dos Estados, até porque há diversos deles em nossa Federação que têm, no Fundo de Participação, 40%, 50%, 60% de sua receita. E nós poderemos estar diante de um colapso na arrecadação e na receita de muitos Estados.

            Eu tenho chamado a atenção do Senado para a necessidade de nós priorizarmos esse tema. Estamos saindo agora de um processo eleitoral em que não conseguimos ser vitoriosos nessa tese, mas espero, sinceramente, Senadora Ana Amélia, que, a partir da semana que vem, o Senado Federal possa adotar de fato uma iniciativa absolutamente célere porque a consequência dessa inércia poderá produzir um extraordinário prejuízo para os Estados federados.

            Evidentemente, existem vozes trabalhando para que o Supremo Tribunal Federal possa dilatar esse prazo. Mas o tempo do Senado e do Congresso precisa ser o da vida real das pessoas, das necessidades cotidianas e rotineiras dos brasileiros e de nossos Estados. Daí por que existe a necessidade de acelerarmos esse debate e encontrarmos um rito próprio, como o fizemos em outras votações, como o Código Florestal, para que esse tema possa, até final de dezembro, ser votado. Acho que essa é uma tarefa dificílima, mas nós não podemos fugir a essa responsabilidade.

            Ouço, com prazer, a eminente Senadora Ana Amélia.

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Caro Senador, Ricardo Ferraço, fico feliz com o pronunciamento de V. Exª, que ocorre um dia depois de, nesta Casa, no auditório Petrônio Portella, quase dois mil prefeitos municipais, eu diria que de chapéu na mão, vieram, de novo, reclamar a repartição do FPM - Fundo de Participação dos Municípios - aos municípios, que, a exemplo do FPE - Fundo de Participação dos Estados -, como V. Exª lembrou, em alguns Estados brasileiros representa 60% da receita. Em grande parte, ou na maioria dos Municípios, ele representa a principal e única fonte de receita desses Municípios de até cinco mil habitantes. A Federação precisa ser rediscutida nesta Casa urgentemente, e eu fico feliz por V. Exª, um jovem Senador, estar agora empenhado, como tantos outros colegas, na discussão dessa matéria. A questão dos incentivos fiscais talvez seja um pano de fundo, a guerra fiscal, para toda essa complexa negociação, esse entendimento, esse debate, mas o incentivo verdadeiro de que o empreendedor precisa não é, necessariamente, a desoneração fiscal de um Estado. Ele precisa de segurança jurídica, ele precisa de um ambiente favorável, de uma logística eficiente e de um custo operacional bom. Então, isso tudo poderia dispensar a concessão daqueles incentivos, que é, digamos, a desoneração que o Estado faz com doação de terreno ou com benefícios do ICMS para um empreendimento que se instala no Estado. Então, são compensados por eficiência de Estados que, melhor que outros, souberam administrar bem a sua situação. Penso que o seu Estado, o Espírito Santo, vive uma realidade positiva em relação à sua gestão e ao seu próprio desenvolvimento, mas essa temática de pacto federativo, da nova relação, é fundamental e obriga esta Casa a rever, também, os procedimentos de votação de matérias relevantes, como é o caso de emendas constitucionais, ou de uma discussão desse debate. Parabéns, Senador Ricardo Ferraço. Estou junto com V. Exª nessa empreitada e nesse grande desafio.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Senadora Ana Amélia, o tema incentivos fiscais não é novo em nossa República.

            Rui Barbosa, o guardião da Federação brasileira, já dizia, no início do século XIX, que não é possível tratar de forma igual os desiguais.

            A realidade brasileira impôs, até por ausência de uma política nacional de desenvolvimento regional, que os nossos Estados, que os nossos governantes, que foram legitimados pelo voto popular, pudessem buscar alternativas.

            A competição se estabelece em qualquer federação: nos Estados Unidos, na Europa. O problema não é a competição, é o equilíbrio. São regras viáveis. Vejamos, aqui, o que escreveu, recentemente, o professor Delfim Netto a respeito dos incentivos fiscais no Brasil:

É preciso reconhecer que nos últimos 30 anos a política de desenvolvimento regional do governo federal produziu resultados pífios. Para ilustrar esse fato, basta observar a baixíssima proporção da renda per capita do Nordeste na comparação com a renda per capita nacional. Hoje, é de apenas 46%.

            A virtual retirada da União da promoção do desenvolvimento regional, combinada à redução de recursos fiscais disponíveis, abriu espaço (na realidade, mais do que abriu espaço, compeliu, induziu) para que os Estados assumissem a iniciativa de atrair novos investimentos aos seus territórios e, assim, tentassem alterar as suas condições de competitividade. Para isso, o instrumento privilegiado que os Estados detêm, senão o único, é a concessão, sim, de incentivos de ICMS.

            Espremidos entre o reclamo de progresso da população que os elegeu, de um lado, e a virtual impossibilidade de aprovação de incentivos no Confaz, de outro, os governadores optaram de forma generalizada por buscar o primeiro caminho, na ausência de alternativa, porque as regras que o Confaz estabelece são de 1975, um tempo em que os secretários estaduais de Fazenda eram basicamente determinados pelo Governo Federal, porque também os governadores eram indiretos. Então, imaginar que uma regra de uma complexidade como essa possa prevalecer é um equívoco muito grande. Assim, na ausência de um ambiente que pudesse produzir segurança jurídica e viabiliadade...

            O SR. PRESIDENTE (Paulo Paim. Bloco/PT - RS) - Senador Ricardo Ferraço, permita-me, antes que o Senador saia, um aparte: está nos visitando o ex-Senador, sempre inesquecível, Sebastião Bala Rocha, hoje Deputado Federal, que está aqui com seus convidados. Desculpe a interrupção, mas quis fazer uma homenagem ao nosso Senador.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - A interrupção é merecida, justificada, e é com muita alegria que nós recebemos aqui o nosso sempre querido Senador.

            A principal crítica à prática de incentivos fiscais pelos Estados, apelidada com o nome aterrorizante de "guerra fiscal" na literatura da década de 90 focou, corretamente, na possibilidade de que, levada ao extremo, ela provocaria o desarranjo da finança pública federal, prejudicando assim toda a população brasileira.

            A crítica, então procedente, ficou superada com o advento da liquidação dos sistemas financeiros estaduais e da Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2001, potentes instrumentos de prevenção de atos irresponsáveis por parte de gestores públicos descompromissados com o equilíbrio das finanças públicas.

            Não por acaso, ouça e observe, Senadora Ana Amélia, desde 2001, Estados e Municípios nunca mais deixaram de registrar superávit primário em suas contas fiscais. A Lei de Responsabilidade Fiscal impôs limite às irresponsabilidades e inconsequências fiscais no passado.

            Outra frequente observação maliciosa é a da concorrência desleal. Ao conceder incentivos, o Estado estaria criando condições favorecidas em detrimento de outros Estados. Esse raciocínio pressupõe que todos os Estados estavam inicialmente em condições iguais e que foi a concessão do incentivo que desequilibrou a equação a seu favor e em prejuízo dos demais. Ora, no caso brasileiro, a premissa não é verdadeira, pois, como se sabe, havia e há fortes e persistentes desequilíbrios regionais. São os incentivos que corrigem esses desequilíbrios, impondo uma melhor condição de competição entre nossos Estados, na atração de investimentos que geram desenvolvimento e oportunidades. Quando o incentivo é concedido por um Estado menos desenvolvido, ele está geralmente tentando restabelecer o equilíbrio socioeconômico regional, e não o contrário. Ou seja, é o incentivo fiscal - assevera o Professor Delfim Netto - que corrige o desequilíbrio.

            No caso específico do ICMS, discussões recorrentes têm focado a tributação do comércio interestadual, para o qual o Senado Federal definiu um engenhoso sistema de repartição de receitas entre os Estados de origem e destino, com duas alíquotas (de 12% e 7%), dependendo do sentido do fluxo desse comércio e da região.

            Ao privilegiar de forma simples e automática os Estados menos desenvolvidos, esse sistema constituiu na realidade um instrumento bastante conveniente de desenvolvimento regional. Assim, ao propor mudanças no sistema tributário, é preciso atentar para esse fato singelo e cuidar para não desmontá-lo sem substituí-lo por outro que atenda ao mesmo objetivo.

            E aqui eu chamo a atenção, meu caro Presidente Paim, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, para a proposta de Súmula Vinculante nº 69, em curso no Supremo Tribunal Federal. Esta Súmula Vinculante o que propõe? Desarmar todo o sistema de incentivos fiscais que foi até aqui concedido sem autorização do Confaz. Por que sem autorização do Confaz? Porque a realidade do Confaz tornou-se no tempo absolutamente inadequada, porque exige unanimidade.

            Portanto, nós estamos na antessala de vermos todos os nossos incentivos fiscais serem desmontados. Como o nosso queridíssimo Estado do Rio Grande do Sul conseguiu levar um conjunto importante de investimentos do setor automotivo? Por que uma fábrica sai de São Paulo para buscar a Paraíba, para buscar o Rio Grande do Norte, para buscar o Rio Grande do Sul, para buscar a Bahia se não houver esse tipo de incentivo?

            Portanto, esse incentivo, esse conjunto de incentivos... Não devemos confundir aqui competição fiscal com guerra fiscal. Os excessos precisam ser coibidos e precisam ser responsabilizados. Nós podemos, como no velho ditado, jogar a água da banheira fora, suja, mas não podemos jogar o bebê. Nós precisamos preservar e precisamos considerar as conquistas que esses incentivos proporcionaram ao conjunto da população brasileira e ao conjunto hegemônico dos nossos Estados.

            Convém coibir potenciais abusos, colocando-se limites bem definidos ao poder de concessão de incentivos. Essa é mais uma razão para uma conveniente regulamentação da matéria que, por muito atrasada, está a reclamar urgência. Há evidências empíricas suficientes a mostrar os efeitos positivos da política de incentivos para as regiões menos desenvolvidas. Até os mais ferrenhos críticos dos incentivos estaduais admitem que eles promoveram alguma forma de desconcentração da atividade econômica ao longo do território nacional, processo que deve ser do interesse de todos e merece ter continuidade.

A grande questão é como fazê-lo de modo a reduzir os conflitos atuais, retirando-os do Judiciário para o campo de um grande acordo ou uma grande negociação política, de modo a impedir o que estamos vendo acelerar-se na República brasileira, que, na omissão do Congresso Nacional, na omissão do Senado, nós estamos assistindo à judicialização das prerrogativas do Congresso Nacional. Ou seja, o constituinte consagrou que nós deveríamos regulamentar uma série de mudanças. Não o fizemos. Aí, o Supremo o faz, e o faz com razão, na ausência do ativismo parlamentar do Congresso Nacional.

            Para acabar com a chamada guerra fiscal, não basta simplesmente retirar dos Estados a capacidade de conceder incentivos, como pretendem algumas propostas atualmente em debate, sob pena de produzirmos tão somente um aumento de carga tributária e reconcentração do desenvolvimento econômico, que não pode interessar a nenhum Estado, a nenhum brasileiro.

            É preciso, também, garantir a restauração de uma verdadeira política de desenvolvimento orientada para a redução das disparidades entre as regiões. E isso requer um modelo novo de cooperação federativa: não há nenhuma razão para que tal política seja monopólio da União. E aqui o Prof. Delfim Netto chama a atenção para essa que é uma tendência nacional, de concentração de poder político, de concentração do poder econômico em torno de Brasília, quando deveríamos estar trabalhando na linha de transferir o poder econômico e o poder político e de melhorar a capacidade e o controle social para que a eficiência pudesse se fazer valer no dia a dia do cidadão brasileiro. Ao contrário, uma boa política de desenvolvimento regional não pode prescindir da participação ativa de todos os entes federados, articulados e coordenados pelo Governo Federal.

            Um aspecto pouco explorado nesse debate é que não é possível, numa verdadeira federação, retirar todo o poder de tributar de suas unidades, e que não há motivo para impor uniformidade, a não ser nas relações entre elas. Por que razão um Estado ou um Município bem administrado, que cuida adequadamente de seus habitantes, não pode tributar menos ou usar seus recursos dando “subsídio" à instalação de novos investimentos, se esses mesmos Municípios estão limitados, felizmente limitados, à Lei de Responsabilidade Fiscal, à Lei de Crime Fiscal, se são Estados que estão saudáveis?

            Se esses Estados e Municípios estão saudáveis, se estão administrando com consequência e com visão, precisam ter o direito, até porque a autonomia dos entes federados é regra pétrea, é premissa da Federação brasileira. E a submissão de um ente ao outro é que causa, anualmente, essa marcha a Brasília das nossas prefeitas e prefeitos, que para cá vêm com o chapéu à mão, submetendo-se a todo tipo de submissão. Isso não se faz e não tem o menor sentido. É contra isso que entendo que o Senado Federal, por ser a instituição que representa a Federação brasileira, que representa os Estados federados, os entes, precisa, de alguma forma, no bom sentido da palavra, rebelar-se e justificar o seu espaço constitucional e de responsabilidade com o cidadão brasileiro.

            O processo de competição não é suficiente apenas para os mercados. Seria muito bom poder aplicá-los também aos entes federados.

            Portanto, essa é uma reflexão que julgo merecer a atenção do Senado. Por isso, peço, Sr. Presidente, que faça constar este artigo publicado pelo ex-Ministro, pelo Professor Delfim Netto, que coloca clareza e brilho e que me parece uma pessoa absolutamente insuspeita, porque, naquele momento, naquela conjuntura, foi quem organizou todo esse sistema. Mas isso em 1975. Se essa realidade valia para aquela conjuntura, para os dias de hoje não vale mais, e se faz necessário que façamos essa revisão, mas sem paixão. Não há como debater isso no mesmo ambiente em que debatemos aqui a questão dos royalties. Não é criando conflito entre os Estados - muito ao contrário, é criando uma grande solidariedade federativa - que vamos construir um conjunto de políticas e resultados para cada um dos Estados.

            É nessa expectativa, é nessa dimensão que espero que o Senado da República possa, de fato, concentrar suas energias nos meses que se seguem. Vamos ter uma agenda muito carregada, muito complexa e vamos ter de fazer esses enfrentamentos.

            Mas ouço, de novo, com muito prazer, a Senadora Ana Amélia.

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Eu não pude me furtar, meu caro Senador Ricardo Ferraço, a voltar a fazer o aparte a V. Exª, pela autoria do artigo trazido por V. Exª para começo de debate sobre esse tema. Primeiro, porque tenho um grande apreço e uma admiração enorme pelo ex-Ministro, o Professor Antonio Delfim Netto. Penso que é uma das melhores cabeças que temos no País. Quando ele faz essa autocrítica, mostra a sua grandeza e a sua capacidade nessa análise tão preciosa de uma realidade para outra realidade. Realmente, sugere o caminho que esta Casa precisa e deve - e não pode abrir mão da responsabilidade - tomar, necessariamente, nessa questão. Ele é extremamente didático no esclarecimento que faz, portanto fico muito feliz de V. Exª ter usado a argumentação desse nosso grande mestre, Delfim Netto, para abrir o debate nesta Casa. Tomara que possamos ter essa brilhante forma de ver e de apresentar a discussão do nosso querido Delfim Netto, que foi do meu partido, mas agora é do seu - lamento muito ter perdido essa cabeça brilhante -, que possamos ter como base esse argumento trazido por ele, sobre a questão da unanimidade do Confaz e de todas as outras questões que se referem ao desenvolvimento regional do nosso País. De fato, não há nenhuma questão a ser discutida, porque parece que a racionalidade está tão forte nisso que querer discutir e questionar os argumentos usados por ele seria perda de energia e perda de tempo. Parabéns e endosso a solicitação de transcrição nos Anais do Senado desse brilhante artigo, Senador Ricardo Ferraço.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES) - Concluindo, Sr. Presidente, minha caríssima Senadora Ana Amélia, Srªs e Srs. Senadores, na prática, o que estamos defendendo é a construção de um modelo que incentive a competição fiscal, a competição a partir de regras claras, viáveis e factíveis, que possa preservar a autonomia dos Estados federados, retirando esse papel de humilhação - esta que é a verdade - em que estamos submetidos, eventualmente, os nossos governadores, os nossos Estados e os nossos Municípios, por conta de uma distorção que, no tempo, já se revelou absolutamente carcomida e defasada.

            Agradeço, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores.

 

DOCUMENTO A QUE SE REFERE O SR. SENADOR RICARDO FERRAÇO EM SEU PRONUNCIAMENTO.

(Inserido nos termos do art. 210, inciso I, § 2º, do Regimento Interno.)

Matéria referida:

- Artigo de Antonio Delfim Netto.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 12/10/2012 - Página 53577