Discurso durante a 191ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Celebração do transcurso do centenário da Guerra do Contestado.

Autor
Casildo Maldaner (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/SC)
Nome completo: Casildo João Maldaner
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
HOMENAGEM.:
  • Celebração do transcurso do centenário da Guerra do Contestado.
Publicação
Publicação no DSF de 17/10/2012 - Página 54011
Assunto
Outros > HOMENAGEM.
Indexação
  • HOMENAGEM, ANIVERSARIO, CENTENARIO, EXTINÇÃO, GUERRA CIVIL, ESTADO DE SANTA CATARINA (SC), OBJETIVO, CONTESTAÇÃO, TERRAS, FRONTEIRA, COMENTARIO, IMPORTANCIA, HISTORIA, GUERRA, VALORIZAÇÃO, MEMORIA NACIONAL.

            O SR. CASILDO MALDANER (Bloco/PMDB - SC. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Muito obrigado, Senador Ricardo Ferraço, representante do Espírito Santo, que preside esta sessão, com muita honra para nós catarinenses.

            Vou abordar um tema, Sr. Presidente, caros colegas, que para nós catarinenses diz muito de perto. Nós estamos, eu diria, venerando, estamos meditando, estamos compartilhando o Centenário da Guerra do Contestado em nosso Estado, que teve início em 1912.

            A Assembleia Legislativa de Santa Catarina reúne-se hoje e presta uma homenagem aos que tombaram, aos que lutaram, principalmente aos que mais sofreram - os caboclos daquela região nossa, da serra, do interior -, em função da criação e do desenvolvimento que tem passado a região, com a concessão de terras e direitos. Os mais fracos foram, vamos dizer assim, vulnerabilizados; foram extirpados; foram deixados de lado, e houve uma grande caminhada, durante longos quatro anos, nessa luta por tentar sua sobrevivência. A Guerra do Contestado equipara-se, mais ou menos, à luta dos Canudos.

            A luta pela terra e pelo trabalho, do fraco contra o forte, do caboclo contra o capital estrangeiro, movida por coragem e fé: assim foi a Guerra do Contestado, que no próximo dia 22 completa 100 anos de seu marco inicial - a batalha do Irani, em 1912.

            Apesar de não ter merecido a mesma atenção dos historiadores brasileiros que outros conflitos semelhantes, como Canudos, por exemplo, a Guerra do Contestado teve duração de quase quatro anos, em uma região conflagrada de 20 mil quilômetros quadrados, envolvendo cerca de 40 mil habitantes, derivando na definição da divisa entre os Estados do Paraná e Santa Catarina - deixando um saldo de mortes de quase 10 mil pessoas naquela época, há 100 anos.

            Não há uma única causa, mas uma conjunção de fatores que desembocaram nesse sangrento conflito, que deixou marcas profundas na população. Entre eles, a presença de um número considerável de caboclos que viviam na região que abrange hoje o Planalto Norte, Serra, Meio Oeste e Oeste de Santa Catarina, vivendo do cultivo de erva-mate e da extração madeireira.

            Outro fator determinante foi a construção de uma estrada de ferro ligando Itararé a Santa Maria, com 1.403 quilômetros de extensão, para ligar as então províncias de São Paulo, Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul, pelo interior, o que permitiria a conexão, por ferrovia, do Rio de Janeiro à Argentina e ao Uruguai.

            O acordo feito pelo polêmico empresário americano Percival Farquhar com o Governo Federal incluía também o direito de exploração de uma extensão de terras de 15 quilômetros para cada lado dos trilhos - terras consideradas devolutas pelo governo, ou seja, sem utilidade e sem habitantes.

            À massa de camponeses desalojados, uniram-se ainda os empregados demitidos da construção da ferrovia, concluída em 1910.

            É nesse momento que o terceiro elemento essencial para a compreensão do Contestado: a base religiosa que guiou e deu força aos rebelados da luta por seus direitos e suas terras.

            Para compreender essa força, é preciso resgatar a figura de três monges, três monges. O primeiro monge que galgou fama foi João Maria, considerado como o Profeta João Maria. Um homem de origem italiana, que peregrinou por várias regiões do Brasil, pregando e atendendo doentes, de 1844 a 1870. Fazia questão de viver uma vida extremamente humilde e, com sua ética e forma de viver, arrebanhou milhares de fiéis. Até os dias de hoje, tem merecido fervorosa devoção.

            O segundo monge também adotou o codinome de João Maria, mas chamava-se Atanás Marcaf, provavelmente, de origem síria. Dizia estar sempre ao lado dos que sofrem e participou inclusive da Revolução Federalista de 1883, mostrando a postura firme e uma posição messiânica. Atuava na região entre os rios Iguaçu e Uruguai.

            Surgiu, ao fim, por volta de 1911, o terceiro monge, José Maria, que levou à deflagração da guerra. Nesse momento, os proprietários da estrada de ferro já haviam assumido a exploração da erva-mate e dos pinheiros e, posteriormente, venderam as terras para colonos do Rio Grande do Sul, expulsando os caboclos locais de suas terras.

            Esses camponeses que viram o direito às terras que ocupavam ser usurpado decidiram, então, ouvir a voz do monge José Maria, sob o comando do qual organizaram uma comunidade. Resultando infrutíferas quaisquer tentativas de retomada das terras. Cada vez mais se contestava a legalidade da desapropriação.

            Uniram-se ao grupo diversos fazendeiros que, por conta da concessão, estavam perdendo terras para o grupo de Farquhar, bem como para os coronéis da região.

            A união em torno de um ideal levou à organização do grupo armado com funções distribuídas entre si. O messianismo adquiria corpo, a vida era comunitária, com locais de culto e procissões, denominados redutos. Tudo pertencia a todos, o comércio convencional foi abolido, sendo apenas permitidas as trocas.

            O “santo monge”, como diziam, José Maria rebelou-se, então, contra a recém-formada república brasileira e decidiu dar status de governo independente à comunidade que comandava. Para ele, a república era a "lei do diabo".

            Nomeou "imperador do Brasil" - quer dizer, eles na comunidade - um fazendeiro analfabeto, chamando a comunidade de "Quadro Santo" e criou uma guarda de honra constituída por 24 cavaleiros que intitulou de "Doze Pares de França", numa alusão à cavalaria de Carlos Magno na Idade Média.

            Os camponeses uniram-se a este, fundando alguns povoados, cada qual com seu santo. Cada povoado seria como uma "monarquia celeste", com ordem própria, à semelhança do que António Conselheiro fizera em Canudos.

            Convidado a participar da festa do Senhor do Bom Jesus, na localidade de Taquaruçu (Município de Curitibanos), o monge foi acompanhado de cerca de 300 fiéis, e lá permaneceu por várias semanas, atendendo aos doentes e prescrevendo remédios.

            Desconfiado com o que acontecia e com medo de perder o mando da situação local em Curitibanos, o coronel Francisco de Albuquerque enviou um telegrama para a capital do Estado pedindo auxílio contra "rebeldes que proclamaram a monarquia em Taquaruçu".

            O governo brasileiro, então comandado pelo marechal Hermes da Fonseca, sentiu indícios de insurreição neste movimento e decidiu reprimi-lo, enviando tropas para 'acalmar' os ânimos.

            Antevendo o que estava por vir, José Maria parte imediatamente para a localidade de Irani com todo o seu carente séquito.

            No caso de Irani, ainda, há una 10 dias, lá estive, inclusive recebi uma estátua de José Maria, que era considerado o profeta, o monge daquela região.

            Não demoro e vou encerrar, mas trata-se da história dos 100 anos, Sr. Presidente, hoje festejada, comemorada. A Assembleia Legislativa está reunida em homenagem aos que lutaram, aos que tombaram. Foi muito sangrenta, igual à Guerra de Canudos, muito conhecida. V. Exª mesmo conhece. Desenrolou-se em Pernambuco, no Nordeste. Só que lá havia Euclides da Cunha e nós não tínhamos o Euclides da Cunha no Contestado, por isso ela não é tão conhecida no Brasil. Mas, os moldes eram mais ou menos os mesmos.

            A localidade nesta época pertencia a Palmas, cidade que estava na jurisdição do Paraná, e que tinha com Santa Catarina questões jurídicas não resolvidas por conta de divisas territoriais, e acabou vendo nessa grande movimentação uma estratégia de ocupação daquelas terras.

            A Guerra do Contestado inicia-se neste ponto: em defesa de suas terras, várias tropas do Regimento de Segurança do Paraná são enviadas para o local, a fim de obrigar os invasores a voltar para Santa Catarina. Ao contrário do que imaginava o governo, ocorreu uma sangrenta batalha, com muitas mortes dos dois lados - entre eles o próprio monge José Maria.

            Mas a semente estava plantada, e seguiram-se mais quatro anos de muitos combates, com destaque para os de Taquaruçu, Caraguatá e Santa Maria, onde encerrou o conflito, em agosto de 1916, com o quase extermínio dos rebelados. Lá em Santa Maria também estivemos há pouco tempo, vendo o cemitério dos últimos tombados.

            Além de um novo acordo de divisão territorial entre Santa Catarina e o Paraná, que é praticamente a marcação atual, a Guerra do Contestado deixou marcas profundas no povo catarinense - de força, de luta, de inconformidade com as injustiças e de defesa de seus direitos.

            Com a ajuda de alguns guerreiros dos dias atuais, essa bela história tem sido resgatada e preservada. Faço questão de citar aqui alguns deles, que serviram de fonte para este pronunciamento, em especial o professor Vicente Telles, talvez o maior especialista no assunto, um lutador da memória do Contestado; mas também o Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina; o jornalista e cineasta Ernoy Mattiello; o cineasta Sílvio Back e o jornalista e historiador Celso Martins.

            Nesse mesmo esforço, - e termino, Sr. Presidente - a Assembleia Legislativa de Santa Catarina realiza hoje uma sessão solene para relembrar o centenário do Contestado. Congratulo-me com o Deputado Antônio Aguiar, autor do requerimento para a importante iniciativa.

            Em nome dessas pessoas, parabenizo todos que lutam de forma incansável pela valorização da história catarinense. Que essas lições não sejam esquecidas por nós.

            São essas, Sr. Presidente e caros colegas, as reflexões que trago na tarde de hoje, em memória dessa luta do centenário da Guerra do Contestado, que é uma luta que se desenrolou no centro geográfico de Santa Catarina, na região de Porto União, Canoinhas, Curitibanos, Irani, aquela região toda ali. Foi no centro dessa região. Tombaram em função da concessão para uma empresa americana, para fazer uma estrada de ferro que ligasse o Paraná com o Rio Grande do Sul, mas, ao mesmo tempo, o Governo Federal, àquela época, cedeu 15 quilômetros de área dos dois lados, com o compromisso de entregá-la livre, desembaraçada, para os empresários americanos daquela época. E ali viviam os caboclos - moravam, plantavam, colhiam erva-mate, cultivavam -, e foram expulsos. Não sabiam aonde ir, tendo ali seus bens, suas famílias. E aí começaram a se juntar. Então, vinham os monges, pregavam o direito à rebeldia, o direito a viver ali, o direito a não sei aonde ir; não tinham como se socorrer, e aí se formou a Guerra do Contestado. Foram quatro anos e muitas lutas. O governo da revolução, do Major Fonseca, naquela época, mandou tropas. Foram massacrados. Não tinham com o que se defender, praticamente.

            Em memória desses caboclos, dessas pessoas que ali fizeram suas lutas para se manterem - os cemitérios deles estão ali localizados -, em memória desses infortunados, que ali lutaram nessa época, há 100 anos, é que se rememora hoje esse centenário.

            Muito obrigado, Sr. Presidente e nobres colegas, por esse momento e pela tolerância também do tempo.

            O SR. PRESIDENTE (Ricardo Ferraço. Bloco/PMDB - ES) - Senador Casildo Maldaner, V. Exª, na condição de Senador, na condição de ex-governador desse extraordinário Estado, Santa Catarina, que reúne um caldeirão étnico muito forte, com muitos imigrantes, honra o seu Estado e traz brilho a esta sessão quando bota luz na história de luta e de resistência do povo catarinense.

            Parabenizo e cumprimento V. Exª e o povo de Santa Catarina por esta data tão importante na história desse querido e maravilhoso Estado.

            O SR. CASILDO MALDANER (Bloco/PMDB - SC) - Obrigado a V. Exª.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 17/10/2012 - Página 54011