Discurso durante a 192ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Satisfação com a implantação do sistema de cotas, com critérios étnicos e sociais, nas universidades públicas brasileiras; e outro assunto.

Autor
Ana Rita (PT - Partido dos Trabalhadores/ES)
Nome completo: Ana Rita Esgario
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA SOCIO ECONOMICA, EDUCAÇÃO. MEDIDA PROVISORIA (MPV), POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.:
  • Satisfação com a implantação do sistema de cotas, com critérios étnicos e sociais, nas universidades públicas brasileiras; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 18/10/2012 - Página 55018
Assunto
Outros > POLITICA SOCIO ECONOMICA, EDUCAÇÃO. MEDIDA PROVISORIA (MPV), POLITICA DE DESENVOLVIMENTO.
Indexação
  • CONGRATULAÇÕES, ORADOR, RELAÇÃO, IMPLANTAÇÃO, COTA, ALUNO, ESCOLA PUBLICA, NEGRO, INDIO, INGRESSO, UNIVERSIDADE, PUBLICO, COMENTARIO, IMPORTANCIA, MEDIDA, MOTIVO, REDUÇÃO, DESIGUALDADE SOCIAL, SOCIEDADE, PAIS.
  • COMENTARIO, RELAÇÃO, APROVAÇÃO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), RELATOR, ORADOR, REFERENCIA, AQUISIÇÃO, VEICULOS, MOVEIS, ESTABELECIMENTO DE ENSINO, FATO, AMBULANCIA, AGRADECIMENTO, CONGRESSISTA, MOTIVO, VOTO FAVORAVEL, MEMBROS, SENADO.

            A SRª ANA RITA (Bloco/PT - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, expectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado, quero, aqui, inicialmente, expressar o meu contentamento com relação às cotas em universidades públicas, um assunto que tem sido destaque nas manchetes dos jornais nacionais e regionais nas últimas semanas. Um tema que afeta milhares de brasileiros e de brasileiras, e eu tive o prazer, Sr. Presidente, de ser a Relatora do projeto - hoje, lei regulamentada - nesta Casa, precisamente na Comissão de Constituição e Justiça.

            Já naquela ocasião da votação nessa Comissão, percebi o quanto o tema mexia com a vida das pessoas. Foi uma matéria polêmica e de difícil aprovação. No entanto, o bom senso prevaleceu e hoje temos o reconhecimento da sociedade acadêmica e civil do quanto as cotas sociais e étnico-raciais serão importantes na busca por um ensino com acesso a todos e a todas.

            Após a sanção da lei, foram publicados no Diário Oficial da União, nesta semana, o decreto e a portaria com as novas regras que facilitam o ingresso de estudantes da rede pública em instituições federais de ensino superior.

            Segundo informações do Ministério da Educação, até 30 de agosto de 2016, todas as universidades federais brasileiras deverão disponibilizar 50% das oportunidades aos cotistas.

            O Ministro da Educação, Aloizio Mercadante, alertou que esta norma abrange vestibular, Programa de Avaliação Seriado (PAS) e Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

            Este sistema de cotas será implantado durante estes quatro anos, sendo que, para os próximos vestibulares nas instituições federais de ensino, 12,5% dos estudantes já entrarão pelo sistema de cotas. O total de 50% deve ser alcançado em quatro anos. Metade das vagas destinadas a esses alunos deverá ser preenchida por estudantes com renda familiar per capita igual ou inferior a um salário mínimo e meio, o equivalente a R$933, pelo valor do salário mínimo de hoje.

            Para conseguir as comprovações de renda, as universidades poderão realizar entrevistas e visitas ao domicílio do estudante, assim como consultas a cadastros de informações socioeconômicas. Entre os documentos listados para essa finalidade estão contracheques, extratos bancários e declaração de Imposto de Renda.

            A legislação combina ainda, Sr. Presidente, critérios étnico-raciais com sociais, fixando que as vagas sejam preenchidas de acordo com a proporção de negros, pardos e indígenas em cada unidade da Federação, conforme o último censo do IBGE. Será exigida para os que desejarem ingressar como negros, pardos ou indígenas somente a autodeclaração, ou seja, não serão permitidas bancas de avaliação por cor.

            Destaco que, segundo a nova regra, os alunos cotistas poderão concorrer tanto pela modalidade de reserva quanto pela universal. Ou seja, durante os quatro primeiros anos de aplicação da Lei das Cotas Sociais, os alunos que concluíram o ensino médio em escolas públicas, além de negros, pardos, índios e de baixa renda, poderão concorrer pelos dois sistemas de ingresso a universidade: o de reserva de vagas e o geral. Dessa forma, os cotistas que não obtiverem nota para se classificarem nas avaliações terão a chance de disputar pelo sistema universal por ampla concorrência.

            A portaria também permite que as universidades preencham, primeiramente, as vagas do sistema universal e depois a dos cotistas. Ou seja, um estudante com bom desempenho que poderia entrar pelas cotas seria matriculado antes no sistema universal, liberando uma vaga para outro cotista.

            É claro que sabemos que muitas pessoas são contra as cotas em universidades. A maioria dessas pessoas alega que não há tratamento justo, pois a igualdade que deve prevalecer é jurídica. Ou seja, as regras devem ser rigorosamente as mesmas para todos.

            Ora, Sr. Presidente e Senadores que aqui se encontram presentes, mais uma vez, eu me reporto à Constituição Federal, ao seu art. 5o, que se refere à igualdade. Os detratores das cotas entendem que seria garantir privilégios a um grupo em prejuízo da maioria.

            As cotas garantem a igualdade em uma situação em que o processo aparentemente justo do vestibular tradicional apenas reforça as diferenças e a exclusão de uma parcela da população que não teve as mesmas oportunidades.

            O Supremo Tribunal Federal já se posicionou sobre o tema e entende que as cotas raciais possibilitam que se faça uma calibragem nos critérios de seleção, garantindo, com isso, a plena efetivação dos preceitos constitucionais de igualdade. Além disso, é levantada a ideia de pluralidade ao garantir a entrada de outros segmentos da sociedade, bem como outras visões de mundo, viabilizando a comunidade acadêmica vivenciar a experiência da diversidade de ideias.

            O sistema de cotas estabelece uma forma equitativa de ingresso à universidade e, consequentemente, melhor distribuição dos recursos em educação às diversas camadas de nossa sociedade. A educação de qualidade é um bem valioso e que a União não pode prescindir de garantir o acesso a todos, corrigindo as distorções para criar igualdade de oportunidades ao acesso.

            No sistema tradicional, está comprovado, Sr. Presidente, que não há igualdade de condições. Em razão da diminuta quantidade de indivíduos que furam as barreiras impostas pelo preconceito social e racial, teimosamente enraizados em nossa cultura, e alcançam uma vaga em universidades mantidas com dinheiro público, defendemos, sim, que as cotas têm como principal objetivo reduzir o peso social de ser negro, índio e pobre em nosso País.

            Além da avaliação da utilização de cotas em seu sentido amplo, o STF julgou, ainda, a constitucionalidade de cotas étnico-raciais. Tal avaliação se deu sob o discurso dos contrários de que raça não existe, o que impediria a utilização de tal critério para qualquer espécie de separação. Para o relator e, consequentemente, para os demais ministros, a noção biológica de raça pode até ser questionada, mas para o Direito a raça deve ser compreendida pela concepção histórica, política e social, como já discutiu o ex-Ministro Maurício Corrêa.

            A existência do racismo não se dá por questões biológicas, ao contrário, está relacionada a uma construção social baseada na dominação ocidental que baseou a sociedade ocidental na relação desigual com outras culturas, considerando-as inferiores.

            O projeto, ao reservar 50% das vagas para as cotas, o faz em benefício de alunos oriundos da escola pública. Vale lembrar que, hoje, de cada dez alunos no ensino básico, oito estudam em escola pública. São 40,6 milhões de crianças e jovens, aproximadamente 80% da população. Então, reservar 50% das vagas para alunos com essas características está plenamente amparado pelo princípio da proporcionalidade. Se a maioria dos alunos que pleiteia uma vaga na universidade pública é oriunda de escolas públicas, não há razão para que o percentual de alunos que ingressem no ensino superior seja tão inferior aos egressos de escolas particulares.

            Portanto, Srs. Senadores, Sr. Presidente, ao reservar metade das vagas para alunos oriundos de escolas públicas, teremos maior representatividade desta população no ensino superior também público.

            Ao se colocar o retrato da sociedade como o objetivo a ser atingido com os alunos que venham a ingressar no ensino superior e técnico federal, mais uma vez, temos os aspectos de proporcionalidade e razoabilidade presentes, pois, ao se buscar que as vagas reservadas para as cotas reflitam a proporção de negros, índios e brancos existentes na sociedade, não vislumbramos nenhuma forma de afronta à igualdade, pelo contrário, busca justamente garantir que os recursos públicos investidos na educação superior sejam distribuídos a todos e a todas.

            Por fim, cumpre ressaltar que a necessidade de se estabelecer um prazo temporal para o fim desta política afirmativa está presente na lei: haverá uma reavaliação do processo em dez anos.

            Não considero a adoção de cotas raciais como uma ação reparadora. Não vejo que precisamos estabelecer movimentos que venham a se desculpar com o passado, porque os problemas destas ações do passado estão repercutindo agora, no presente, e também repercutirão no futuro. É uma compensação com o agora, com a exclusão e as barreiras existentes hoje.

            Muitos questionam as cotas, dizendo que têm sangue negro. Ora, todo brasileiro tem sangue negro, tem DNA negro, mas não é isso que define o preconceito. As pessoas, ao discriminarem, não olham para o DNA, olham para a cor da pele. Não tenho dúvidas de que dois irmãos - um negro e um branco - têm tratamento diferenciado por parte da sociedade, tendo os brancos maiores chances.

            Se mais de 95% dos negros não conseguem entrar na universidade pública, há algo errado. Se temos uma população com mais de 50% de negros e pardos, esta deveria ser a mesma proporção de alunos, caso a seleção fosse realmente justa, e não é bem isso que observamos.

            Mais uma vez reafirmo que negros não entram na universidade pública porque são submetidos, pela nossa cultura preconceituosa e segregacionista, a acreditarem que a universidade pública não é lugar deles, que jamais conseguirão ascender socialmente, que não adianta se esforçar.

            Aqueles que adentraram as portas das universidades públicas, com muitas dificuldades e sem as cotas, merecem nossos aplausos, mas estes não são a regra e, sim, a exceção. A justiça e a igualdade não se constroem com o raro e, sim, com o constante. Não podemos esperar gerações para termos número significativo de médicos, engenheiros, arquitetos, advogados negros.

            Investimentos no ensino público estão ocorrendo. O recurso do MEC para investimentos saltou de R$27 bilhões em 2003 para R$72 bilhões em 2012. Em nove anos, praticamente triplicou o volume dos recursos.

            Desde 2008, o MEC vem oferecendo apoio técnico e financeiro aos Municípios que apresentam indicadores insuficientes do Ideb. Aliado a isso, temos os programas de valorização do magistério, de capacitação e aperfeiçoamento de professores da educação básica, o próprio piso nacional, ações que vêm contribuir com a melhoria do ensino público.

            Só que não podemos continuar esperando mais uma geração para vermos os resultados. Os problemas existem hoje, a exclusão do negro existe hoje e não podemos viver em uma sociedade democrática, cujo principal bem não está disponível para mais da metade da população.

            O racismo no Brasil existe e é aparente. Precisamos rebater esses absurdos, que ecoam pelos meios de comunicação, que comparam a política de cotas a uma política nazista. Considerar que não há a necessidade de cotas e que o sistema vigente é suficiente para promover justiça no acesso ao ensino superior público é uma falácia e totalmente cega à nossa realidade.

            As cotas, Sr. Presidente, estão aí e têm todo o nosso apoio.

            É isso que eu gostaria de colocar, Sr. Presidente, agora à noite. E quero aproveitar também para parabenizar a nossa Presidenta Dilma por ter sancionado o projeto, parabenizar também o Ministro da Educação, Ministro Aloizio Mercadante, pelo esforço que tiveram na regulamentação para que a Lei das Cotas realmente possa ser implementada em todas as universidades públicas do nosso País, em todos os institutos federais do nosso País, garantindo, com isso, que haja, de fato, justiça social para essa população tão excluída da nossa sociedade.

            Quero ainda aproveitar os minutos que me restam, Sr. Presidente, para fazer um comentário a respeito da medida provisória que aprovamos hoje à tarde, aqui no plenário do Senado Federal, a Medida Provisória nº 573, de 2012, da qual eu fui a relatora. Essa Medida Provisória abre crédito extraordinário para vários ministérios - Ministério da Justiça, Ministério da Educação, Ministério do Planejamento, Ministério do Desenvolvimento Agrário, Ministério da Defesa, Ministério da Integração Nacional, Ministério das Cidades -, no valor de R$6.843.701.650,00, para diversas ações, como aquisição de veículos escolares e de mobiliários para as escolas; aquisição de ambulâncias e de unidades odontológicas móveis; obras emergenciais em rodovias federais e em portos e terminais hidroviários, como é o caso da Região Norte do nosso País; aquisição de equipamentos para melhorar a infraestrutura; aquisição também de equipamentos necessários à perfuração de poços de água, para atender especialmente aqueles Estados, aquelas regiões do nosso País onde a seca tem sido um grande problema para o nosso povo brasileiro.

            Quero, Sr. Presidente, dizer que me senti honrada em poder ser a Relatora desta Medida Provisória e quero aproveitar a oportunidade para agradecer aos colegas Senadores e Senadoras por terem aprovado essa matéria tão importante, que vai possibilitar resolver tantas questões que afetam a vida do nosso povo, em especial na área de educação, na área da saúde, na área da infraestrutura, que podem, com certeza, propiciar ao povo brasileiro melhoria na sua condição de vida.

            Sr. Presidente, agradeço a oportunidade de poder me manifestar mais uma vez.

            Muito obrigada.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 18/10/2012 - Página 55018