Pronunciamento de Ana Amélia em 22/10/2012
Discurso durante a 195ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Defesa de maior celeridade na votação das novas regras de distribuição do Fundo de Participação dos Estados; e outros assuntos.
- Autor
- Ana Amélia (PP - Progressistas/RS)
- Nome completo: Ana Amélia de Lemos
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
TRIBUTOS.:
- Defesa de maior celeridade na votação das novas regras de distribuição do Fundo de Participação dos Estados; e outros assuntos.
- Publicação
- Publicação no DSF de 23/10/2012 - Página 55864
- Assunto
- Outros > TRIBUTOS.
- Indexação
-
- REGISTRO, RELEVANCIA, CONGRESSO NACIONAL, DEBATE, REGULAMENTAÇÃO, DIREITO DE GREVE, VOTAÇÃO, LEGISLAÇÃO FEDERAL, CRIAÇÃO, CRITERIOS, DISTRIBUIÇÃO, FUNDO DE PARTICIPAÇÃO DOS ESTADOS E DO DISTRITO FEDERAL (FPE), COMENTARIO, NECESSIDADE, UNIÃO FEDERAL, DEFINIÇÃO, COMPENSAÇÃO FINANCEIRA, ESTADOS, REFERENCIA, ROYALTIES, PETROLEO.
A SRª ANA AMÉLIA (Bloco/PP - RS. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão da oradora.) - Caro Presidente desta sessão, Senador Tomás Correia, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, nossos telespectadores e telespectadoras da TV Senado, ouvintes da Rádio Senado, servidores desta Casa, venho ocupar a tribuna para abordar hoje um tema relacionado à competência que tem o Senado Federal quando se trata da questão federativa, caro Presidente Tomás Correia.
Nós, representantes dos Estados, como determina a Constituição, aqui defendemos a Federação na sua institucionalização dos aspectos administrativos e também políticos. Esta Casa, portanto, é sempre chamada, por exemplo, a aprovar empréstimos de Estados e Municípios e outras competências que temos, determinadas pela própria Constituição no seu art. 53.
E tive a honra de acompanhar, na sexta-feira, como representante do meu partido, o PP, e, em especial, o nosso grande Líder Francisco Dornelles, representando-o, num debate coordenado pelo Interlegis, com a participação de outras instituições, como o BID, vinculadas a este debate, e com a participação de autoridades muito representativas, como o Secretário da Fazenda do Estado de São Paulo, Andrea Calabi, o Secretário da Fazenda do Rio de Janeiro, Renato Villela, especialistas nas questões federativas da Fundação Getúlio Vargas e de universidades importantes.
O encontro foi encerrado com uma brilhante palestra do Ministro do Supremo Tribunal Federal, Gilmar Mendes, oportunidade em que pude, exatamente, confirmar alguns conceitos que tenho a respeito desse tema - eu, que sou, como V. Exª, também uma Senadora municipalista. De modo que eu queria, exatamente, hoje, falar sobre essa matéria.
Chamou-me a atenção, naquele debate valioso, oportuno e necessário - inadiável, até -, o foco muito concentrado na relação União e Estados, com pouco olhar sobre os Municípios, que são, digamos, as unidades mais esquecidas e mais frágeis do sistema federativo brasileiro. São mais de cinco mil Municípios, e nós precisamos ter um olhar mais atento, um olhar mais sensível às demandas municipais, especialmente agora que estamos recém-saídos de uma eleição municipal.
Nós precisamos legislar, agora, sobre o Fundo de Participação dos Estados, o famoso FPE, ainda neste ano, uma vez que não podemos, nesta matéria tão relevante, transferir a nossa responsabilidade, de novo, para o Supremo Tribunal Federal. Já reclamamos - mas sem razão, porque não fazemos o dever de casa - da excessiva judicialização de matérias de natureza política, porque nós não estamos cumprindo o nosso papel. Esse caso específico do FPE - Fundo de Participação dos Estados - é um bom exemplo.
Aliás, o próprio Ministro Gilmar Mendes, na tarde de sexta-feira, naquela sessão do Interlegis, por ocasião dos debates sobre os desafios do federalismo brasileiro, usou uma frase: “Pior que decidir mal é não decidir”. É exatamente aí que está a nossa grande responsabilidade. Eu entendo que legislar é a difícil produção do consenso, e nós, parlamentares, temos a opção de debater, de fazer o chamado jogo da tentativa de errar ou acertar, mas precisamos fazer um esforço muito grande para concluir esse trabalho.
Os tribunais não têm essa opção. Legislar, negociar, buscar o entendimento, superando dificuldades, é um exercício às vezes penoso, mas é um exercício do qual não podemos abrir mão, porque é um exercício democrático.
Portanto, nós precisamos de avanços sobre os critérios da distribuição do FPE, o Fundo de Participação dos Estados, da construção política para uma saída, sobretudo considerando que já existem 14 ações diretas de inconstitucionalidade sobre equilíbrio fiscal julgadas pelo STF nos últimos anos.
Autoridades e especialistas que participaram da última etapa do debate sobre a dimensão institucional do federalismo brasileiro no Interlegis - como já me referi aqui, o Secretário da Fazenda do Rio, Renato Villela; o consultor legislativo do Senado Federal, Fernando Meneguini; a Drª em Direito Flávia Santinoni Vera; e os professores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Sérgio Prado, e da Fundação Getúlio Vargas (FGV), Fernando Rezende - concordaram, como eu, aliás, que o Congresso Nacional precisa legislar, até o final do ano, sobre essa questão, precisa dar a sua palavra sobre o FPE.
Não é cabível, não é aceitável que se peça ao Supremo uma prorrogação desse prazo, Senador Tomás Correia. Não estaríamos agindo com correção, nem política, nem institucional.
O Supremo Tribunal Federal declarou, em 2010, a inconstitucionalidade da regra atual e deu prazo até o final daquele ano, 2010 - e nós estamos em 2012. Ou seja, esta Casa teve dois anos para tratar disso. Na hora do encerramento do prazo, nós ainda não decidimos. Falta um mês para decidir isso. A regra é, até o final deste ano, aprovar uma nova lei complementar sobre esse tema. Caso contrário, os repasses aos Estados serão suspensos no dia 31 de dezembro agora.
Aqui, no Senado Federal, o Líder do PT, o aplicado e muito competente Senador Walter Pinheiro, da Bahia, sugeriu a aprovação do PLS nº 289, de 2011, de autoria dos Senadores Romero Jucá, do seu partido, por Roraima, bem como Randolfe Rodrigues, do PSOL do Amapá, Valdir Raupp, do PMDB de Rondônia, e Jorge Viana, do PT do Acre.
Essa proposta prevê a distribuição dos recursos do FPE com base no Índice de Desenvolvimento Humano, o famoso IDH, na renda per capita e em dados de população, território e outros coeficientes sociais.
A proposta será boa, se aplicada para 15 Estados das Regiões Norte e Nordeste. O meu Estado, o Rio Grande do Sul, estaria no grupo dos outros entes que perderão arrecadação com esse PLS nº 289, de 2011.
Pelas regras vigentes, os repasses do FPE para o meu Estado alcançam R$1.180.000.000,00 (um bilhão, cento e oitenta milhões de reais). Com esse PLS nº 289, esse volume de recursos cai para R$940.220.000,00 (novecentos e quarenta milhões e duzentos e vinte mil reais). Meu Estado perde, e perde muito! E é um Estado, financeiramente falando, muito frágil, muito frágil mesmo. E nenhum ente, obviamente, quer perder recursos, sobretudo aqueles mais endividados, como é o meu Rio Grande do Sul.
O Secretário da Fazenda de São Paulo, Andrea Calabi, informou-me que avançaram bem os entendimentos entre os Estados das regiões Sul e Sudeste para uma repartição gradual do FPE, que pode atenuar o rigor da proposta que privilegia as regiões Norte e Nordeste, como acabei de apresentar. Por isso, além de debater o Fundo de Participação dos Estados e de legislar sobre esta matéria, Senador Tomás Correia, nós precisamos que a União defina como serão feitas as compensações. Entre elas, a grande polêmica é a discussão sobre os royalties do petróleo, ou do pré-sal, e também a Lei Kandir.
Estados exportadores, como o meu, foram penalizados ao longo do tempo, exatamente porque, com a desoneração das exportações, isso valeu para determinado período do nosso desenvolvimento como forma de estimular o crescimento e a economia, a agregação de valor e todos os demais fatores que, em uma economia moderna, são necessários para dar, digamos, o arranque e a partida para esse desenvolvimento.
Mas, hoje, esses incentivos já perdem a natureza pelo grau de competitividade a que as nossas indústrias chegaram. Se o Governo fizer a sua parte em matéria logística, reduzindo custos, tributação, não precisa se precisa ainda criar estímulos fiscais adicionais para esses setores, porque eles já estão suficientemente maduros para enfrentar essa concorrência. Então, o Estado que deveria ter recebido lá, pela famosa Lei Kandir, a reparação ou a compensação pelas perdas determinadas pelo incentivo fiscal ainda está a ver navios, e não se sabe quando isso vai acontecer.
E logo o Senado vai ter também que definir, junto com a Câmara, a questão do FPM, o Fundo de Participação dos Municípios, cujo critério, igualmente, terá que ser modificado. E, para a maioria dos Municípios brasileiros, o Fundo de Participação dos Municípios é a principal fonte de receita. Então, é mais relevante ainda, ou tanto quanto, a discussão do FPE, cujo prazo está se esgotando.
Nós sabemos que o Congresso precisa fazer o "dever de casa" e legislar, mas a União, a famosa prima rica da Federação, também precisa se comprometer com o debate e estabelecer acordos, já que a União fica com 60% de tudo que é arrecadado, enquanto os Estados, com 25%, e os Municípios, grosso modo, os primos pobres, com apenas 15%. E vejam que, no caso dos Municípios, de 1988 para cá, houve aumento das competências e responsabilidades, com uma redução de 10% das suas receitas. Ora, tiveram mais trabalho e menos receita, o que não é uma conjugação justa de fatores para os Municípios.
Em uma segunda fase, o Congresso terá também de se envolver com o debate sobre os repasses, como eu disse, do Fundo de Participação dos Municípios (FPM), que são poucos e estão sendo reduzidos, comprometendo a gestão das contas dos Municípios e colocando em risco o nome dos Prefeitos que podem responder indevidamente pelo descumprimento não só da Lei de Responsabilidade Fiscal, a partir de 2013, quando a nova gestão dos Municípios começará, mas poderão, Senador Tomás Correia, ser inscritos na triste lista dos fichas sujas, ficando com os seus direitos políticos suspensos.
Então, esse é um componente novo, que precisamos nós avaliar juntamente com o Poder Executivo.
No próximo dia 30 de outubro, ficará pronto um relatório parcial da Comissão de Especialistas, criada pelo Presidente do Senado, Senador José Sarney, em boa hora e oportunamente, e presidida pelo ex-Ministro do Supremo Tribunal Federal, Nelson Jobim, sobre o pacto federativo e os repasses de recursos para os entes da Federação. Será mais um subsídio, um auxílio, mais uma contribuição para esse debate que o Congresso Nacional precisa aprofundar e do qual não pode fugir.
Penso que legislar é preciso também em relação às sucessivas greves em nosso País. Aqui, no Distrito Federal, a Polícia Civil ainda está paralisada; e, em Goiás, os policiais civis decidiram recomeçar as paralisações. Na semana passada, a Polícia Federal encerrou uma greve que durou longos 70 dias, a maior paralisação na história dessa importante corporação policial que temos em nosso País.
Desde julho deste ano, a sociedade brasileira convive com uma série de paralisações e protestos de funcionários públicos de mais de 25 categorias. As greves por aumento salarial cresceram tanto nos últimos meses que envolveram mais de 80 mil servidores, segundo cálculos do Ministério do Planejamento. A conta dos sindicatos é ainda maior: 350 mil funcionários pararam as atividades para protestar, segundo as estimativas e as estatísticas dos líderes dos sindicatos do setor público.
Não quero, de modo algum, instigar as "retaliações" aos trabalhadores e aos grevistas nem "criminalizar" o movimento grevista. É, claro, um direito e uma conquista dos trabalhadores no setor público, além de necessário numa democracia madura. Porém, não posso esquecer, sobretudo como Senadora do meu Estado, o Rio Grande do Sul, e legisladora deste País, o quanto a sociedade brasileira perde com alguns "abusos" e até "exageros" tanto no setor público quanto no privado.
Se um policial deixa de trabalhar, quem mais sofre com a falta de segurança é a população - e, às vezes, a população mais pobre, aquela que não tem alarme em casa, aquela que não dispõe de seguro, aquela que não dispõe da mesma proteção que quem tem condições financeiras pode comprar. O mesmo acontece quando um professor ou um médico entra em greve: são pacientes sem atendimento ou alunos sem aula.
Ainda que o ato de fazer greve seja constitucional e um direito legítimo dos trabalhadores, sejam eles do setor público ou privado, a sociedade brasileira é a maior vítima. No caso das greves no setor público, a situação é ainda mais complicada, pois o cidadão paga o salário dos servidores, mas não pode receber o serviço que o funcionário público deveria prestar.
Não sou jurista, mas gosto de uma teoria do direito chamada de "princípio da razoabilidade" ou da "proporcionalidade", como alguns advogados preferem chamar. Trata-se de um parâmetro para solucionar conflitos na justiça em qualquer área. Esse princípio considera questões sociais, econômicas, culturais e políticas de uma questão para ajudar nas decisões mais justas.
Portanto, caro Presidente, quando questiono os exageros da greve, estou apenas zelando pelo direito, também constitucional, de um cidadão à segurança, à educação e à saúde, sobretudo quando existe um contrato, um acordo quanto à prestação desses serviços.
No auge das paralisações, há dois meses, o meu Estado deixou de emitir 1.500 carteiras de trabalho em um único dia, só na capital, Porto Alegre, segundo dados da Superintendência Regional do Trabalho. No interior do Estado, mais precisamente em Uruguaiana, que faz fronteira com Paso de Los Libres, na Argentina, que está localizada a 600 quilômetros de Porto Alegre, as filas e a lentidão no trânsito causaram transtornos e até prejuízos financeiros para os transportadores de cargas. Isso por conta da paralisação dos servidores, seja dos fiscais federais agropecuários, seja dos da Receita Federal. Mercadorias não foram entregues, prazos não foram cumpridos, porque tanto funcionários da Receita Federal quanto os fiscais agropecuários federais pararam para reivindicar melhores salários e melhores condições de trabalho.
Qual seria o mais justo nesse tipo de conflito? O que é mais razoável - a tal razoabilidade? O que é prioritário de fato? O reajuste salarial do funcionário da Receita Federal, do Ministério da Agricultura ou de outro órgão qualquer, ou o atendimento a demandas básicas e urgentes, como a entrega de alimentos ou a emissão de um documento para procurar emprego?
São questões que precisam de respostas, e nós, legisladores, temos o compromisso, Srªs e Srs. Senadores, de preencher as lacunas, o "vazio jurídico", a insegurança jurídica, deixados pela lei, especialmente no caso das greves. O Projeto de Lei do Senado nº 84, de 2007, que regulamenta o direito de greve, de autoria do Senador Paulo Paim, do qual sou relatora, é uma sugestão nesse sentido. A proposta mantém o limite de 30% de prestação de serviços e inclui outros nas categorias dos "essenciais", além das áreas de segurança e de saúde, por exemplo.
Portanto, acho que é a hora de debatermos esse assunto se quisermos avançar. Não há como crescer economicamente sem consideramos essa matéria, uma das mais importantes na relação capital e trabalho, seja no caso do empregador privado ou do empregador do setor público.
O Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese) fez alguns estudos sobre os motivos do aumento das greves no Brasil. Em uma das pesquisas, comparando dados de 2009 e 2010, o Dieese constatou que a conjuntura econômica influencia e até estimula os trabalhadores a deflagrarem greves.
Mas precisamos considerar também outros aspectos, como a tradição das organizações sindicais, as mudanças socioeconômicas do Brasil, os perfis das relações de trabalho, isso se quisermos viver uma democracia realmente amadurecida.
Enfim, precisamos equilibrar os Poderes da Federação. E os construtores dessa engenharia política precisam fazer isso logo, antes que o ano termine e as prioridades mudem, mais do que isso, antes que o Supremo Tribunal Federal, como já fez em relação às greves, tenha de usar de uma súmula vinculante das greves do setor privado para considerar que, para o setor público, prevalecem as mesmas regras. São naturezas diferentes, embora o direito do trabalhador seja o mesmo: o de fazer essa paralisação para fazer as suas reivindicações.
Em relação não só à greve, mas também à questão do aviso prévio, nós falhamos. O Supremo teve de se manifestar sobre essa matéria. Em relação a tantas outras questões, como até a do funcionamento das comissões mistas para estudo, análise, votação e aprovação de uma medida provisória, nós não fizemos o nosso papel. E, portanto, não temos autoridade para criticar a Suprema Corte de Justiça quando ela acaba fazendo o nosso trabalho, uma vez que é provocada pela sociedade a fazê-lo. Então, mais uma vez é hora de cumprirmos com a nossa responsabilidade.
No entanto, fico um pouco mais confortada quando vejo lideranças expressivas do nosso Congresso Nacional dizerem que temos até o mês de novembro para realizarmos o trabalho em relação à votação das novas regras para o Fundo de Participação dos Estados. E é nisto que estou confiando: na capacidade das nossas lideranças, seja do Líder do Governo aqui no Senado Federal, Senador Eduardo Braga, ou das demais lideranças partidárias que estão aqui, mesmo as lideranças de oposição, porque essa matéria não é uma questão de governo ou oposição, mas, sim, uma matéria de interesse da sociedade, dos Estados e da própria democracia brasileira, pois estamos tratando da Federação.
Muito obrigada, Sr. Presidente.