Discurso durante a 196ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Crítica à intensa produção legislativa pelo Poder Executivo.

Autor
Tomás Correia (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Tomás Guilherme Correia
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
PODERES CONSTITUCIONAIS.:
  • Crítica à intensa produção legislativa pelo Poder Executivo.
Aparteantes
Mozarildo Cavalcanti.
Publicação
Publicação no DSF de 24/10/2012 - Página 56019
Assunto
Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS.
Indexação
  • CRITICA, AUMENTO, CONCENTRAÇÃO, PODER, EXECUTIVO, ELABORAÇÃO, NORMA JURIDICA, NECESSIDADE, PRESERVAÇÃO, COMPETENCIA, LEGISLATIVO, DEFESA, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, INDEPENDENCIA, PODERES CONSTITUCIONAIS, REGISTRO, UTILIZAÇÃO, ABUSO, MEDIDA PROVISORIA (MPV), PRESIDENCIA DA REPUBLICA.

           O SR. TOMÁS CORREIA (Bloco/PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente Senador Cidinho Santos, do meu querido e vizinho Estado do Mato Grosso, Senador Mozarildo Cavalcanti, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, senhores telespectadores da TV Senado, ouvintes, senhoras e senhores, de todas as leis aprovadas no Brasil nos últimos 15 anos, 1.871 partiram da iniciativa do Poder Executivo, das quais 1.169 se originaram de projetos de lei, e 702, de medidas provisórias.

           Nesse mesmo período, as leis aprovadas por iniciativa do Poder Legislativo limitaram-se a 970, o que demonstra que o Poder Executivo ultrapassou, em muito, o Poder Legislativo como indutor de normas jurídicas, gerando uma contradição funcional e criando uma grave situação do ponto de vista democrático e constitucional.

           Temos aqui as funções legislativas totalmente colocadas em um plano secundário. O Poder Executivo tem tido muito mais ações, iniciativas de propor leis ao Congresso Nacional do que propriamente iniciativas do Poder Legislativo.

           Estamos diante de uma situação de assimetria, predominância, apropriação da agenda política feita pelo Poder Executivo ao Poder Legislativo, com o uso até certo ponto abusivo dos imensos recursos de poder de que dispõe, contrariando frontalmente os princípios constitucionais de harmonia e independência dos Poderes, para não falarmos da cooperação que deveria haver entre os Poderes e, muito menos, da tese de equipotência dos Poderes.

            Sr. Presidente Cidinho Santos, Srª Senadora e Srs. Senadores, não negamos o fato de que as sociedades modernas exigem rapidez e eficiência na tomada de decisões, o que implica a ampliação da área de atuação do Poder Executivo para o atendimento de demandas urgentes e inadiáveis de interesse público. Isso, todavia, não deveria significar o esmagamento nem a diminuição do papel e da missão constitucional do Poder Legislativo, em detrimento dos princípios fundamentais do regime democrático. O crescimento desmesurado do Poder Executivo, sem um verdadeiro sistema de freios e contrapesos, coloca em risco os fundamentos básicos do regime democrático e relativiza a independência e a harmonia entre os Poderes da República como pilares constitutivos do Estado democrático de direito.

            O uso abusivo, pelo Poder Executivo, de medidas provisórias - não só do atual Governo, mas de todos os governos -, muitas das quais não preenchem os requisitos constitucionais de urgência e relevância, demonstra claramente sua tendência hegemônica. Daí a necessidade de mecanismos eficazes de controle e contenção, para que o Poder Executivo moderno possa cumprir sua missão constitucional sem invadir o campo de atuação dos demais Poderes.

            Sob o pretexto da racionalidade técnica e econômica, o Poder Executivo tem ultrapassado os limites razoáveis de independência, harmonia e colaboração entre os Poderes, demonstrando o permanente risco do autoritarismo, pois existe uma grande distância entre o que dispõe a Constituição e a realidade política em que vivemos. A hipertrofia do Poder Executivo ultrapassa muitas vezes os limites do razoável e coloca em risco os fundamentos básicos do Estado democrático de direito como os princípios da própria democracia.

            Sr. Presidente, Srªs Senadoras, Srs, Senadores, apesar da clareza do Texto Constitucional, ressaltando a harmonia e a independência dos Poderes da República, nossa história tem se caracterizado pela hegemonia do Poder Executivo, que geralmente usa e abusa de privilégios em relação aos outros Poderes, em virtude de dispor de uma imensa gama de recursos políticos, econômicos e administrativos. Não me refiro especificamente ao Poder Executivo atual, nem só ao Poder Executivo da União, mas me refiro ao Poder Executivo nos Estados e Municípios. Já há muito, já há muito tempo mesmo que assim vem ocorrendo, Senador Mozarildo Cavalcanti.

            O SR. PRESIDENTE (Cidinho Santos. Bloco/PR - MT) - Senador Tomás, sua licença, por favor.

            O SR. TOMÁS CORREIA (Bloco/PMDB - RO) - Pois não.

            O SR. PRESIDENTE (Cidinho Santos. Bloco/PR - MT) - Quero registrar a presença dos alunos do curso de Direito da Faculdade Unesc, de Colatina, no Espírito Santo.

            Sejam todos e todas muito bem-vindos ao Senado Federal.

            Obrigado.

            O SR. TOMÁS CORREIA (Bloco/PMDB - RO) - Parabéns aos colegas que nos estão honrando com as suas presenças aqui, no Senado da República.

            Com muito prazer, eu ouço o aparte do nobre Senador Mozarildo Cavalcanti.

            O Sr. Mozarildo Cavalcanti (Bloco/PTB - RR) - Senador Tomás Correia, V. Exa aborda um tema que é realmente preocupante, para dizer uma palavra suave, porque a democracia - e isto está escrito na nossa Constituição -, a República é constituída de três Poderes, independentes e harmônicos entre si, cada qual com as suas tarefas bem explicitadas na Constituição. No entanto, apesar de eu, inclusive como Constituinte, ter a honra de dizer que escrevemos uma Constituição moderna, cidadã, como dizia o Ulysses Guimarães, esse instrumento da medida provisória deu margem a que o Poder Executivo passasse a ser uma espécie de Poder Legislativo também. E mais ainda: interferisse na atividade do Legislativo. Quando, por exemplo, uma proposta parte de um Parlamentar, seja Deputado ou Senador, mesmo que agradando ao Poder Executivo, muitas vezes essa proposta é retardada ao máximo e, às vezes, em seguida, vem uma mensagem de projeto de lei ou uma medida provisória no mesmo sentido. E aí, a nossa atividade parlamentar termina por ficar apequenada. O Poder Legislativo, portanto, fica diminuído perante o Poder Executivo. Isso não é bom para a democracia. Não é bom para a democracia. Eu quero dizer que conheço de perto a Presidente Dilma. É uma pessoa que tem visão de administração realmente democrática e visão de País, não compactua com corrupção, preocupa-se com a boa administração, mas eu acho que ela também deveria buscar, de maneira mais intensa, uma articulação com o Congresso Nacional que permitisse evitar tantas medidas provisórias - nós estamos aqui mudando o rito das medidas provisórias - como também evitar que não houvesse facilidade de se atuar no Poder Legislativo. Eu sei que muita coisa é culpa nossa também, Senador, porque, se por um lado existe essa hipertrofia, por outro lado existe um encolhimento do Poder Legislativo, porque, na verdade, muitos Parlamentares preferem agradar ao rei do que, digamos assim, até dialogar com o rei e mostrar para o rei - como está aqui entre aspas - que nós temos razão quando propomos alguma coisa. Eu acabei de falar sobre essa questão, e V. Exª participou do pronunciamento com um brilhante aparte sobre essa questão da BR-319. É um absurdo, digamos assim, a olhos vistos de qualquer leigo, de qualquer pessoa que tenha noção! Imaginem os caminhoneiros que trafegam naquela rodovia! Então, eu acho que essa realmente é a hora, e, inclusive, depois desse episódio do mensalão, que a Presidente faça uma espécie de pacto entre Executivo, Legislativo e Judiciário, para que possamos fazer uma operação de consolidação da nossa democracia, que vem avançando, mas que precisa, de fato, ser alicerçada no que manda a Constituição, em Poderes independentes - independentes mesmo -, mas harmônicos entre si.

            O SR. TOMÁS CORREIA (Bloco/PMDB - RO) - Eu agradeço o aparte do Senador Mozarildo Cavalcanti.

            V. Exª é um Parlamentar muito experiente. Já foi Deputado por mandatos outros, Constituinte. Foi um dos subscritores da nossa Carta Constitucional e, embora médico, V. Exª tem uma grande formação jurídica e legislativa. Tem perfeita compreensão do que aqui estamos dizendo, em face daquilo que está na Constituição, e que V. Exª, com muita competência, subscreveu.

            Na Constituição de 1969, Senador Mozarildo Cavalcanti, nós não tínhamos as medidas provisórias. Nós tínhamos o famigerado decreto-lei, que hoje é diferente. A medida provisória vem para o Congresso. Quando não é votada no prazo fixado, cai de validade, perde a validade. Naquele tempo, na época da Constituição de 1969, em que tínhamos o decreto-lei - e hoje temos, como sucedânea, a medida provisória -, era o contrário: se o decreto-lei não fosse votado no prazo, seria aprovado por decurso de prazo. Hoje ainda é melhor um pouco, porque, se não votado, Presidente Cidinho, temos pelo menos a rejeição da matéria.

            Mas, continuando, a enorme concentração de poder no Executivo merece, certamente, uma enorme reflexão de todos nós, que temos compromisso com a política, com o Direito e com a Justiça. O sistema de freios e contrapesos não tem sido suficiente para frear as iniciativas que têm caracterizado as ações do próprio Poder Executivo.

            E aqui não é uma crítica à Presidente Dilma ou ao Poder Executivo como um todo, porque é uma cultura do Poder Executivo estadual e municipal essa interferência, esse exagero na iniciativa das leis em face do Poder Legislativo.

            O Constituinte de 1988 já antevia a gravidade dessa situação ao estabelecer, no art. 49, inciso XI, da Carta Constitucional, que é da competência exclusiva do Congresso Nacional zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes.

            Todos nós temos a obrigação de defender a Constituição e de preservar a competência legislativa do Congresso Nacional, pois só assim o Brasil se tornará um país efetivamente democrático e desenvolvido social e economicamente.

            Mas, vejam, como disse muito bem o Senador Mozarildo Cavalcanti, a culpa, em parte, é nossa mesma. É o Congresso que deixa muitas vezes de cumprir o seu papel constitucional. Vejam que a Senadora do Rio Grande do Sul, Ana Amélia, em pronunciamento feito ontem, na tribuna do Senado, cobrava medidas do Congresso Nacional sobre a fixação dos critérios das regras do Fundo de Participação dos Estados, porque o Supremo Tribunal Federal, recentemente, exigiu que o Congresso, até 31 de dezembro de 2012, fixasse as regras. E nós, agora, estamos na iminência, Senador Mozarildo Cavalcanti, de chegar a essa data sem as regras estabelecidas pelo Congresso. E como ficam os Estados? E o pior: como fica o Senado da República, representante da Federação? Se não votarmos essa matéria, os Estados não vão receber o Fundo de Participação a que têm direito.

            Há pouco, nós falávamos da interferência do Poder Executivo em legislar sobre medida provisória, e, nós próprios, naquilo que nos cabe, não tomamos as providências necessárias. Então, nós vamos agora fazer o quê? Pedir ao Supremo Tribunal que, pelo amor de Deus, prorrogue o prazo? Vamos ter que ir, ajoelhados, ao Supremo e pedir ao Supremo que prorrogue o prazo, ou vamos ter que ter humildade e ir à Presidência da República e pedir à Presidente que baixe uma medida provisória, porque não fomos capazes de decidir aquilo que é próprio da nossa atividade parlamentar, que é legislar?

            De sorte que aqui fica esta preocupação: quando se verifica a hipertrofia do Poder Executivo, a sua ascensão em legislar, em mandar para o Congresso Nacional uma medida provisória atrás da outra, nós, às vezes, temos até que dar a mão à palmatória e reconhecer que, se não for assim, não funciona, porque, aqui, no Congresso, muitas vezes a sua iniciativa é retardada, e acontece muito tardiamente, como é o caso, agora, do Fundo de Participação dos Estados.

            Eu fico a me perguntar, Senador Cidinho Santos: como vamos fazer? Quando chegar o dia 31 de dezembro, Senador Mozarildo, Senadora Angela Portela, como vamos fazer? Vamos deixar, então, acontecer? O Congresso não vai votar? O Senado não vai se mexer? Vamos esperar que o Supremo prorrogue, ou vamos pedir à Presidente da República que baixe uma medida provisória, porque nós não fizemos a nossa parte?

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 24/10/2012 - Página 56019