Discurso durante a 197ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Preocupação com a possibilidade de uma tragédia contra 170 indígenas da comunidade Guarani-Caiová, no Estado do Mato Grosso do Sul.

Autor
Rodrigo Rollemberg (PSB - Partido Socialista Brasileiro/DF)
Nome completo: Rodrigo Sobral Rollemberg
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA.:
  • Preocupação com a possibilidade de uma tragédia contra 170 indígenas da comunidade Guarani-Caiová, no Estado do Mato Grosso do Sul.
Publicação
Publicação no DSF de 25/10/2012 - Página 56317
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA.
Indexação
  • REGISTRO, POSSIBILIDADE, EXTINÇÃO, COMUNIDADE INDIGENA, ESTADO, ESTADO DO MATO GROSSO DO SUL (MS), MOTIVO, LUTA, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, VIOLAÇÃO, DIREITOS HUMANOS, AUMENTO, INDICE, HOMICIDIO, REGIÃO, REFERENCIA, ACOMPANHAMENTO, SITUAÇÃO, DELEGADO, ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS (ONU), ENFASE, NECESSIDADE, INTERVENÇÃO, GOVERNO FEDERAL, PROTEÇÃO, COMUNIDADE, APRESENTAÇÃO, CARTA, DEFESA, GRUPO ETNICO.

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco/PSB - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Humberto Costa, Srs. Senadores, senhoras e senhores telespectadores da TV Senado e ouvintes da Rádio Senado, o País está prestes a testemunhar uma tragédia coletiva de 170 indígenas da etnia guarani-caiová, em Mato Grosso do Sul, que depois de anos de luta pela demarcação de suas terras tradicionais, ocupadas por fazendeiros e guardadas por pistoleiros, resistem à ordem de desocupação decretada pela Justiça Federal. São 50 homens, 50 mulheres e 70 crianças que decidiram, depois de sofrer, por décadas, um verdadeiro massacre cotidiano com ameaças de morte e assassinatos cruéis, que fazem desse povo referência de um dos piores quadros de violação dos direitos humanos no País.

            Confinados em Reservas, como a de Dourados, onde cerca de 14 mil indígenas ocupam 3,5 hectares, eles se encontram há décadas numa situação de colapso, sem poder viver segundo a sua cultura, totalmente encurralados, imersos numa natureza degradada, corroído pelo alcoolismo dos adultos e pela subnutrição das crianças. Os índices de homicídio da Reserva são maiores do que em zonas em estado de guerra.

            Segundo o relatório do Conselho Indigenista Missionário, o índice de assassinatos na Reserva de Dourados é de 145 para cada 100 mil habitantes. Para se ter uma ideia, comparando a média brasileira, esse índice é quatro vezes maior. No Iraque, esse índice é de 93 assassinatos por cada 100 mil habitantes.

            A cada seis dias, um jovem guarani-caiová se suicida: desde a década de 80, cerca de 1,5 mil tiraram a própria vida; a maioria deles enforcou-se num pé de árvore. Entre as várias causas apontadas pelos pesquisadores, está o fato de que, nesse período da vida, os jovens precisam formar sua família e as perspectivas de futuro são ou trabalhar na cana-de-açúcar ou virar mendigos. O futuro, portanto, é o não ser aquilo que se é, algo que talvez para muitos deles seja pior do que a própria morte.

            Atualmente, cerca de 10 mil indígenas trabalham no corte da cana-de-açúcar em Mato Grosso do Sul. Desde 2004, mais de 2,6 mil pessoas foram libertadas da escravidão no Estado, que está entre os primeiros na lista dos empregadores dessa desumanidade.

            Os Relatórios de Violência Contra os Povos Indígenas no Brasil, do Cimi, mostram que, nos últimos 8 anos, de 2003 a 2010, mais de 250 indígenas foram assassinados em Mato Grosso do Sul. No mesmo período, também ocorreram 190 tentativas de assassinato, 176 suicídios e 49 atropelamentos contra diversas etnias.

            Apenas nos últimos 4 anos, o número de assassinatos de indígenas no Mato Grosso do Sul foi superior ao total de assassinatos das demais etnias no resto do País. Somente na terra indígena Dourados, onde vivem mais de 14 mil indígenas, foram 16 assassinatos.

            Esses indicativos são tão graves que levaram a Vice-Procuradora-Geral da República, Drª Deborah Duprat, a afirmar que a Reserva de Dourados talvez seja a maior tragédia conhecida da questão indígena.

            O Cimi já denunciou os casos à ONU, e organismos internacionais e várias delegações já foram ao Mato Grosso do Sul para constatar a situação.

            Os números de assassinatos e de suicídios são apenas a ponta do problema. De fato, são os indicativos de uma situação que se agrava com o tempo e para a qual há morosidade na solução, má vontade dos Poderes Públicos e negação muito forte por parte dos atores envolvidos na questão.

            Em busca de sua terra tradicional, localizada às margens do Rio Hovy, no Município de Iguatemi, no Mato Grosso do Sul, eles acamparam no local no dia 8 de agosto de 2011, nos fundos de fazendas. No dia 23 de agosto, foram atacados e cercados por pistoleiros, a mando dos fazendeiros. Em 1 ano, os pistoleiros já derrubaram 10 vezes a ponte móvel feita por eles para atravessar um rio com 30 metros de largura e 3 de fundura. Neste mesmo período, dois indígenas foram torturados e mortos pelos pistoleiros, outros dois se suicidaram.

            Em tentativas anteriores de recuperação dessa mesma terra, os guaranis-caiovás já tinham sido espancados e ameaçados com armas de fogo. Alguns deles tiveram seus olhos vendados e foram jogados na beira da estrada. Em outra ocasião, mulheres, velhos e crianças tiveram seus braços e pernas fraturados.

            Trata-se de uma situação insustentável, que precisa de uma intervenção urgente por parte do Governo Federal. Nesse sentido, fazermo um apelo ao Ministério da Justiça para que acompanhe, de muito perto, essa situação e tome as providências necessárias no sentido de proteger a vida desses povos.

            Em carta entregue ao Conselho Indigenista Missionário (Cimi) e à Direção Nacional da Fundação Nacional do Índio (Funai), os indígenas anunciaram as atuais condições da comunidade e a falta de perspectiva de sobrevivência.

            Permitam-me, Srªs e Srs. Senadores, ler aqui, nesta tribuna, a íntegra deste documento:

Carta da comunidade Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay-lguatemi-MS para o Governo e Justiça do Brasil.

Nós (50 homens, 50 mulheres e 70 crianças) comunidades Guarani-Kaiowá originárias de tekoha Pyelito kue/Mbrakay, viemos através desta carta apresentar a nossa situação histórica e decisão definitiva diante da ordem de despacho expressado pela Justiça Federal de Naviraí-MS, conforme o processo nº 0000032-87.2012.4.03.6006, do dia 29 de setembro de 2012.

Recebemos a informação de que nossa comunidade logo será atacada, violentada e expulsa da margem do rio pela própria Justiça Federal, de Naviraí-MS.

Assim, fica evidente para nós que a própria ação da Justiça Federal gera e aumenta as violências contra as nossas vidas, ignorando os nossos direitos de sobreviver à margem do rio Hovy e próximo de nosso território tradicional Pyelito Kue/Mbarakay.

Entendemos claramente que esta decisão da Justiça Federal de Naviraí-MS é parte da ação de genocídio e extermínio histórico ao povo indígena, nativo e autóctone do Mato Grosso do Sul, isto é, a própria ação da Justiça Federal está violentando e exterminando as nossas vidas. Queremos deixar evidente ao Governo e Justiça Federal que, por fim, já perdemos a esperança de sobreviver dignamente e sem violência em nosso território antigo, não acreditamos mais na Justiça brasileira.

A quem vamos denunciar as violências praticadas contra nossas vidas? Para qual Justiça do Brasil? Se a própria Justiça Federal está gerando e alimentando violências contra nós. Nós já avaliamos a nossa situação atual e concluímos que vamos morrer todos mesmo em pouco tempo, não temos e nem teremos perspectiva de vida digna e justa tanto aqui na margem do rio quanto longe daqui. Estamos aqui acampados a 50 metros do rio Hovy onde já ocorreram quatro mortes, sendo duas por meio de suicídio e duas em decorrência de espancamento e tortura de pistoleiros das fazendas.

Moramos na margem do rio Hovy há mais de um ano e estamos sem nenhuma assistência, isolados, cercado de pistoleiros e resistimos até hoje. Comemos comida uma vez por dia. Passamos tudo isso para recuperar o nosso território antigo Pyleito Kue/Mbarakay. De fato, sabemos muito bem que no centro desse nosso território antigo estão enterrados vários os nossos avôs, avós, bisavôs e bisavós, ali estão os cemitérios de todos nossos antepassados.

Cientes desse fato histórico, nós já vamos e queremos ser mortos e enterrados junto aos nossos antepassados aqui mesmo onde estamos hoje, por isso, pedimos ao Governo e Justiça Federal para não decretar a ordem de despejo/expulsão, mas solicitamos para decretar a nossa morte coletiva e para enterrar nós todos aqui.

Pedimos, de uma vez por todas, para decretar a nossa dizimação e extinção total, além de enviar vários tratores para cavar um grande buraco para jogar e enterrar os nossos corpos. Esse é nosso pedido aos juizes federais. Já aguardamos esta decisão da Justiça Federal. Decretem a nossa morte coletiva Guarani e Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay e enterrem-nos aqui. Visto que decidimos integralmente a não sairmos daqui com vida e nem mortos.

Sabemos que não temos mais chance em sobreviver dignamente aqui em nosso território antigo, já sofremos muito e estamos todos massacrados e morrendo em ritmo acelerado. Sabemos que seremos expulsos daqui da margem do rio pela Justiça, porém não vamos sair da margem do rio. Como um povo nativo e indígena histórico, decidimos meramente em sermos mortos coletivamente aqui. Não temos outra opção esta é a nossa última decisão unânime diante do despacho da Justiça Federal de Navirai-MS.

Atenciosamente, Guarani-Kaiowá de Pyelito Kue/Mbarakay

            Como se vê, uma situação que precisa urgente uma intervenção das autoridades federais, do Governo Federal, enfim, uma mediação para que busquemos uma solução que possa evitar uma tragédia.

            É importante ressaltar que todas as vezes que o Governo demarcou as terras indígenas contribuiu para a redução da violência. Tivemos esse exemplo recentemente em Raposa Serra do Sol, área de muitos conflitos que, após um longo debate e uma decisão do Supremo Tribunal Federal, obtivemos a demarcação, o que reduziu a violência.

(Interrupção do som.)

            O SR. RODRIGO ROLLEMBERG (Bloco/PSB - DF) - Sr. Presidente, um minuto.

            Recentemente participei do Quarup, no Alto Xingu, e pude testemunhar, a partir do trabalho histórico desenvolvido pelos irmãos Villas Bôas e com a demarcação das terras do Parque Nacional do Xingu, como diversas etnias, como os iaualapitis, kamaiurás, os kalapalos, os xucurus, convivem e vivem em harmonia com a natureza, mantendo as suas tradições culturais e vivendo com boa qualidade de vida.

            E o apelo que fazemos ao Ministério da Justiça, ao Governo Federal e à Justiça do nosso País é para que intervenham buscando uma mediação a fim de evitarmos uma tragédia, a qual, certamente, comprometerá a imagem do Brasil e causará um imenso prejuízo a essa etnia que pede socorro à sociedade brasileira.

            Muito obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 25/10/2012 - Página 56317