Discurso durante a 201ª Sessão Deliberativa Ordinária, no Senado Federal

Análise da regulamentação sobre royalties do petróleo no Brasil.

Autor
Ricardo Ferraço (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/ES)
Nome completo: Ricardo de Rezende Ferraço
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA ENERGETICA.:
  • Análise da regulamentação sobre royalties do petróleo no Brasil.
Publicação
Publicação no DSF de 01/11/2012 - Página 58038
Assunto
Outros > POLITICA ENERGETICA.
Indexação
  • ANALISE, REGULAMENTAÇÃO, ROYALTIES, PETROLEO, PAIS, CRITICA, PROJETO DE LEI, DISTRIBUIÇÃO, RECURSOS FINANCEIROS, PRE-SAL, OFENSA, PRINCIPIO CONSTITUCIONAL, IGUALDADE, SEGURANÇA, NATUREZA JURIDICA, EXPECTATIVA, VETO (VET), PROJETO, PRESIDENTE DA REPUBLICA, NECESSIDADE, CONGRESSO NACIONAL, ENTENDIMENTO, ELABORAÇÃO, NORMAS, ASSUNTO.

            O SR. RICARDO FERRAÇO (Bloco/PMDB - ES. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Meu caro Senador Benedito de Lira, Presidente em exercício desta sessão, Srªs Senadoras, Srs. Senadores, volto à tribuna mais uma vez e voltarei tantas vezes quanto for necessário, porque, no exercício das minhas convicções pessoais, vou até o fim.

            Volto na esperança de sensibilizar a classe política, de modo especial os nossos colegas Deputados Federais, para a necessidade, nesta hora derradeira, em que o debate relacionado à distribuição dos royalties encontra-se, como se diz, Senador Tomás, na marca do pênalti. Sensibilizar os Deputados Federais para a necessidade de enfrentarmos este tema com mais seriedade, pela relevância do problema e da consequência federativa em que se poderá se traduzir se nós continuarmos vendo, lamentavelmente, esse tema sendo debatido e, quem sabe, votado, rasgando e violentando contratos assinados.

            Eu não discuto aqui que o Parlamento deve ser independente para tomar as suas decisões políticas, como resultado, é verdade, do voto popular que foi depositado aos seus representantes pelo povo brasileiro, não apenas na Câmara, mas aqui no Senado. Mas é também incontestável que essas decisões devem ser adotadas mediante a consideração de padrões mínimos de razoabilidade, o que passa certamente pelo respeito à Constituição Federal, Constituição essa que todos nós juramos respeitar quando assumimos o nosso mandato.

            Do contrário, meu caro Senador Paulo Paim, nós estaremos voltando ao chamado “estado de natureza”, referido pelos filósofos contratualistas como a era que antecede o surgimento do Estado e do Direito, em que prevalecia o uso da força e o massacre das maiorias sobre as minorias. Não pode uma maioria, sob qualquer pretexto e condição, esmagar a minoria, porque a consequência disso será, seguramente, a insegurança jurídica. É absolutamente incompatível com o Estado de Direito a supressão, por uma maioria parlamentar, de direitos que a Constituição atribui aos Estados e Municípios afetados pela exploração do petróleo.

            Fiz uma pesquisa e identifiquei que a primeira vez que se tratou desse tema, royalties, foi em 1953 e, quando se tratou desse tema, se tratou como indenização, indenização pelos impactos que a exploração do petróleo gera nos nossos territórios, nas nossas cidades, nos nossos Estados.

            Mas o esmagamento da maioria não é democracia. Isso é arbitrariedade, isso é autoritarismo. Tantos lutaram e tombaram, dando a sua vida, para que pudéssemos ter as nossas instituições funcionando republicanamente e funcionando democraticamente.

            Dirijo-me, hoje, mais uma vez, evidentemente, aos nossos Senadoras e Senadores aqui, aos integrantes da Câmara Federal e, também, à nossa Presidente da República.

            Precisamos ancorar essa nossa decisão política ao Direito e à Constituição, sob pena e risco de desencadearmos uma guerra federativa, com sérias consequências econômicas e políticas para todas as nossas unidades federadas, cujos resultados são imprevisíveis.

            Por que, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, estou aqui a fazer uma defesa da distribuição dos royalties? E por que é inconstitucional esse projeto que tramita na Câmara Federal?

            Eu sou informado, ao longo do dia, com muita alegria e com muito prazer, de que a Presidente Dilma estaria firme no propósito de vetar esse projeto se ele seguir esse curso, um curso que viola o Direito, que viola a Constituição e que viola os Estados que precisam ser compensados.

            Primeiro, o objetivo do projeto de lei, aprovado por esta Casa em 19 de outubro de 2011, que hoje se encontra submetido à apreciação da Câmara, onde se encontra registrado como PL nº 2.565... Esse projeto, Sr. Presidente, reserva a maior parte desses royalties de petróleo aos chamados Estados e Municípios não produtores, que não são impactados, em nenhum campo, pela exploração do petróleo e do gás.

            Por que esse projeto é inconstitucional?

            Porque viola o §1º, do art. 20, da Constituição Federal, que disciplina a distribuição de royalties do petróleo, entre outros recursos naturais, a Estados e Municípios. Não trata o art. 20 apenas de petróleo. Trata de todos os recursos naturais, inclusive o minério de ferro; porque ofende o princípio da isonomia; porque ofende o princípio federativo; e porque ofende o princípio necessário da segurança jurídica, premissa para o bom ambiente do desenvolvimento dos negócios, o que gera prosperidade e oportunidade para tantos brasileiros.

            A distribuição de royalties de petróleo a todas as unidades federadas viola o § 1º do art. 20 da Constituição, porque esse é um dispositivo constitucional inclusive já interpretado pelo Supremo Tribunal Federal por ocasião do julgamento de processos relativos à compensação financeira pela exploração de recursos minerais - o chamado CFEM, que são os royalties da mineração. Sua finalidade é a compensação ou a indenização das unidades federadas que são afetadas pela exploração do petróleo, pelos reflexos do exercício dessa atividade econômica sobre suas contas públicas e sobre o modo de vida das suas respectivas comunidades.

            Essa interpretação conferida pelo STF a esse dispositivo constitucional reproduz o posicionamento doutrinário de eminentes professores de Direito, como José Afonso da Silva, Ricardo Lobo Torres, Kiyoshi Harada, Regis Fernandes de Oliveira e Luís Roberto Barroso, entre tantos. Como o STF, esses autores também entendem que os royalties previstos no §1º do art. 20 da Constituição Federal têm por finalidade compensar, indenizar os Estados e Municípios afetados pela exploração de determinados naturais, pelos reflexos que essa atividade econômica gera sobre as suas contas públicas e sobre o modo de vida das comunidades.

            Também foi essa a intenção dos constituintes quando conceberam o texto desse dispositivo constitucional. Assim o demonstram, em especial, as manifestações de diversos Parlamentares, como Prisco Viana, José Lins, José Serra, Pimenta da Veiga, Renato Johnsson e Sérgio Spada, que, por ocasião desse debate na Constituinte, fizeram diversas manifestações e pronunciamentos dando conta da interpretação daquilo que desejou o Constituinte.

            Assim, a distribuição dos royalties de petróleo - bem como dos royalties da mineração e da energia elétrica decorrente da exploração de recursos hídricos - a todas as unidades federadas traduz ofensa ao §1o do art. 20 da Constituição, na interpretação dos Constituintes, na interpretação do Supremo Tribunal Federal e na larga doutrina de diversos professores que assim consagram que royalty é compensação, é indenização.

            Mas também ofende ao princípio da isonomia. A discussão do tema, em âmbito parlamentar, também se encaminha para induzir ofensa ao princípio da isonomia, porque procura conferir tratamento paritário a desiguais.

            Com efeito, a proposta, aprovada aqui no Senado e hoje submetida aos Deputados Federais, distribui royalties em maior proporção às unidades federadas que não são afetadas pela exploração do petróleo, privando com isso as unidades federadas que sofrem os reflexos do excesso do exercício dessa atividade econômica.

            Não apenas também uma ofensa ao princípio da isonomia, porque trata de forma igual desiguais: aquele que é alcançado, aquele que tem impacto com aquele que não o tem. Mas também ofende a Federação brasileira; também sobressai dessa proposta legislativa ofensa à Federação, visto que, dada a distribuição de parte considerável desses royalties a Estados e Municípios não afetados pela exploração, os Estados e Municípios afetados serão obrigados a lançar mão de suas receitas ordinárias, destinadas ao custeio das suas necessidades básicas, de suas respectivas populações, como investimentos em educação, saúde, saneamento, moradia, segurança e tantos outros. Para quê? Para cobrir os riscos e os custos inerentes ao exercício da atividade extrativa mineral, petroleira ou de recursos naturais. Esse é um desequilíbrio que ofende o nosso pacto federativo.

            Em nossa pesquisa, feita nos Anais do Congresso Nacional, nos Anais da Constituinte, buscamos aqui o registro e a memória de um debate que foi liderado pelo sempre saudoso Senador José Richa, assim como pelo Senador Almir Gabriel, ambos defendendo os interesses no caso do Paraná e no caso do Pará. E qual foi o entendimento político, naquela época, que deu origem a dois dispositivos da Constituição? Daí porque preciso ler o § 1º do art. 20, em combinação com o inciso X do art. 155, ambos da Constituição Federal.

            O que se fez? Estabeleceu-se que o ICMS não incidiria sobre operações que se destinassem a outros Estados. No caso do petróleo, lubrificantes, combustíveis líquidos, gasosos, derivados e energia elétrica. Assim decidiu o Constituinte de maneira excepcional: “tira-se o ICMS da origem e se dá aos Estados uma compensação financeira pela perda dessa receita”. Ou seja, em todos os casos em que você tem gravado o ICMS, em todos eles, a incidência se dá no destino. Os únicos casos em que se dá na origem, onde é consumido o produto, onde não há repartição, são os dos combustíveis, óleos, lubrificantes, derivados, enfim, do petróleo e o ICMS da energia elétrica.

            Essa afirmação do Ministro Jobim, então Constituinte, foi, inclusive, encampada pela Advocacia-Geral da União em recente manifestação jurídica apresentada na Ação Direta de Inconstitucionalidade n° 4846, que foi proposta pelo Governo do Estado do Espírito Santo contra o art. 9º da Lei Federal n° 7,990, que prevê a distribuição de 25% dos royalties de petróleo recebidos pelos Estados a seus respectivos Municípios.

            Consta daquele documento, que foi encaminhado ao STF pela própria Presidente da República, que esse relato do Ministro Nelson Jobim é um - aspas -"testemunho histórico de fundamental relevância" que revela que os royalties de petróleo "só existem [...] em razão da isenção proposta pelo art. 155, § 2º, X, “b”, fruto de uma vontade legislativa de compor os interesses de todos os entes da Federação, sem lhes impor prejuízos".

            Se os Estados produtores são indenizados por esses impactos, os Estados não produtores são compensados - e assim legislou o Constituinte - pelo ICMS do combustível que é consumido em seu local de origem. Foi uma forma equilibrada que o Constituinte encontrou de contemplar o conjunto dos Estados federados, regra essa que deseja a Câmara Federal quebrar.

            Mas devo aqui manifestar toda a minha confiança, toda a minha expectativa e toda a minha esperança em que a Presidente Dilma - que, de forma corajosa, já manifestou sua opinião em congressos com mais de quatro mil prefeitos, no sentido de que o caminho é o da segurança jurídica, de que o caminho é o de considerarmos todos os contratos que já foram assinados - faça justiça com esses Estados.

            Caso esse projeto seja votado, que ele seja vetado, e que possamos recuperar devidamente o projeto. Esse, sim, equilibrado e construído pelo ex-Presidente Lula. Esse, sim, um projeto equilibrado. Esse, sim, um projeto que, de certa forma, redistribui, mas não rasga contrato, não retroage; ele olha para o futuro em cima de novos contratos. Aí, sim, os Estados produtores poderiam e deveriam até ser solidários com o conjunto dos Estados brasileiros, para que todos, de alguma forma, pudessem ter acesso, mas dentro deste princípio: novos contratos.

            Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, as consequências de uma decisão como essa - que não acredito que se consolide, porque tenho a expectativa de que a Presidente Dilma o vete - são consequências econômicas, são consequências sociais, já devidamente finalizadas aqui, no Senado, e também lá na Câmara Federal.

            De modo que esse tratamento inconstitucional, injusto e até mesmo maldoso, que a maioria parlamentar procura conferir à minoria, composta pelos representantes dos Estados e Municípios produtores, poderá trazer, no plano político, consequências, acho eu, nefastas e perversas.

            Acho que nós precisamos encontrar um leito. Acho que precisamos, num momento como este, exercer a solidariedade federativa, porque o debate que se segue será um debate também em relação à distribuição de minério de ferro? É justo todo o Brasil ser compensado ou ser contemplado pelo minério que Minas Gerais produz ou que o Pará produz? Não, porque esse minério que é produzido em Minas, esse minério que é produzido no Pará gera consequências, gera impactos ambientais, gera demandas no campo da infraestrutura no Estado de Minas e no Estado do Pará. Não apenas no Estado, mas também nos Municípios onde se dá essa extração. Não seria justo se nós fizéssemos a divisão desses encargos entre todos os nossos Municípios e Estados, sem considerar, sem dar importância a tudo que gera impacto.

            Portanto, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, na condição de representante do Estado do Espírito Santo, eu não poderia deixar de me manifestar, com minha palavra e minha voz, pela convicção que tenho, pela convicção não apenas das premissas constitucionais, por aquilo que desejou o constituinte, por aquilo que já consagrou o Supremo Tribunal Federal, mas também por justiça. Que nós possamos ter muita calma, muita cautela, muita tranquilidade, mas, se a Câmara não o fizer - está programado para votar esse projeto, quem sabe, amanhã ou, quem sabe, na semana que vem; não temos controle sobre essa pauta -, se a Câmara se enveredar por esse caminho, eu quero me manifestar aqui, nesta hora derradeira, a minha confiança, a minha expectativa de que a Presidente Dilma Rousseff possa vetar esse projeto, e que nós possamos construir um grande entendimento que tenha como premissa a base legal e a Constituição Federal.

            Muito obrigado, Sr. Presidente!

            Muito obrigado, Srªs e Srs. Senadores!


Este texto não substitui o publicado no DSF de 01/11/2012 - Página 58038