Discurso durante a 202ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Considerações sobre o recebimento, pelo Tribunal de Justiça do Amapá, de denúncia contra deputados estaduais.

Autor
João Capiberibe (PSB - Partido Socialista Brasileiro/AP)
Nome completo: João Alberto Rodrigues Capiberibe
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
ESTADO DO AMAPA (AP), GOVERNO ESTADUAL, CORRUPÇÃO.:
  • Considerações sobre o recebimento, pelo Tribunal de Justiça do Amapá, de denúncia contra deputados estaduais.
Publicação
Publicação no DSF de 02/11/2012 - Página 58333
Assunto
Outros > ESTADO DO AMAPA (AP), GOVERNO ESTADUAL, CORRUPÇÃO.
Indexação
  • REGISTRO, TRIBUNAL DE JUSTIÇA, ESTADO DO AMAPA (AP), RECEBIMENTO, DENUNCIA, OBJETIVO, CONDENAÇÃO, DEPUTADO ESTADUAL, MOTIVO, PARTICIPAÇÃO, DESVIO, FUNDOS PUBLICOS, ORIGEM, FRAUDE, CONTRATO, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, LOCAÇÃO, VEICULOS.
  • COMENTARIO, DADOS, ORIGEM, LEVANTAMENTO, REALIZAÇÃO, ORADOR, RELAÇÃO, EXCESSO, GASTOS PUBLICOS, ASSEMBLEIA LEGISLATIVA, TRIBUNAL DE CONTAS, ESTADO DO AMAPA (AP).

            O SR. JOÃO CAPIBERIBE (Bloco/PSB - AP. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Srs. Senadores, Srªs Senadoras, ouvintes da Rádio Senado, telespectadores da TV Senado, trago aqui a esta tribuna um tema muito importante para a sociedade brasileira no geral e, em particular, para o povo do Amapá. Ontem, o Tribunal de Justiça do Amapá, pela primeira vez na história, recebeu denúncia do Ministério Público contra deputados estaduais.

            Por unanimidade, os desembargadores do Tribunal de Justiça do Amapá receberam denúncia formulada pelo Ministério Público do Estado contra os Deputados Estaduais Moisés Souza e Edinho Duarte, além dos demais envolvidos em fraude entre a Assembleia Legislativa e a Cooperativa de Transporte de Veículos Leves e Pesados do Estado do Amapá (Cootram).

            Para o Ministério Público do Amapá, os Deputados Moisés Souza e Edinho Duarte comandaram um esquema criminoso que resultou no desvio de mais de R$5 milhões dos cofres públicos da Assembleia Legislativa, em contratos fraudulentos com a Cootram para locação de veículos leves e pesados.

            Na denúncia, a Procuradora-Geral do Ministério Público Ivana Cei afirma que os parlamentares ordenavam e assinavam os cheques indevidamente pagos. Nesse mesmo período, os deputados gastaram mais de R$5 milhões com aluguel de veículos, pagos com verba indenizatória.

            Embora a defesa dos acusados tenha alegado que o Ministério Público não poderia conduzir o procedimento investigatório contra parlamentares, a Relatora, Desembargadora Sueli Pini - aqui, eu destaco que é a primeira mulher a chegar ao desembargo no Amapá -, com base em entendimento majoritário do Supremo Tribunal Federal, manifestou que a Polícia Judiciária não tem o monopólio da ação penal, sendo, portanto, perfeitamente possível que a investigação seja conduzida por promotores.

            Sobre o afastamento dos réus de suas funções, a Relatora esclareceu em seu voto o seguinte:

(...) os denunciados teriam formado um poderoso grupo organizado com o escopo de apoderar-se de recursos dos cofres públicos através de pseudocontratos celebrados com a Assembleia Legislativa do Amapá, motivo pelo qual mantê-los afastados de quaisquer funções que poderiam, em tese, facilitar-lhes a reiteração das condutas delituosas ou mesmo a ocultação de provas ou a intimidação de testemunhas é medida que se impõe como garantia da própria atuação judicial (...).

            Por maioria, os desembargadores decidiram manter o afastamento dos réus. Eles responderão pelos crimes de lavagem de dinheiro, formação de quadrilha, peculato, falsidade ideológica, fraude em licitações, corrupção passiva e falsidade documental.

            Os acusados são: Moisés Reategui de Souza, ex-Presidente da Assembleia Legislativa; Jorge Evaldo Edinho Duarte, Secretário-Geral da Mesa; Lindeberg Abel do Nascimento, ex-comandante da Polícia Militar, que servia como assessor da Assembleia Legislativa; Edmundo Ribeiro Tork, Janiery Torres; José Maria Miranda Cantuária; Rogério Cavalcante; Ednardo Tavares de Souza, filho do ex-desembargador que se aposentou no começo deste ano; Gleidson Luiz Amanajás Silva; Vitório Miranda; Fúlvio Sussuarana; Fran Soares Júnior, ex-Presidente da Assembleia Legislativa; Elton Silva Garcia; Danilo Góes de Oliveira; José da Costa Góes Junior; Sinésio Leal da Silva e Antônio Basilízio Lima da Mata Cunha. São essas as pessoas que respondem a processo criminal perante o Tribunal de Justiça do Amapá.

            E, na esteira dessa decisão, eu gostaria de tecer alguns comentários sobre a execução orçamentária e financeira do Amapá dos últimos 17 anos.

            Eu fiz um levantamento dos gastos da Assembleia Legislativa do Amapá, de 1994 a 2012, ou melhor, a 2011, e também do Tribunal de Contas do Estado.

            Eu fui eleito governador em 1994. E entre o período da posse, o 15 de novembro, e o 1º de janeiro, quando assumi o governo do Estado, a Assembleia Legislativa e o então governo, que estava saindo, remanejaram os recursos que estavam destinados para investimento do ano de 1995 e transferiram esses recursos para a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Contas do Estado, fazendo com que, em valores nominais, os gastos da Assembleia Legislativa, que foram que R$13 milhões, em 1994, saltassem para R$26 milhões, no ano seguinte, com uma inflação já sob controle.

            E os gastos do Tribunal de Contas foram mais longe ainda. Saltaram de R$4 milhões para R$13 milhões; na verdade, de R$4,275 milhões para R$13,729 milhões. E condenaram o Estado a ficar sem investimento durante muitos anos.

            Eu lembro que, em 1995, todas as obras do Estado pararam. Se compararmos os investimentos da Secretaria de Infraestrutura, encarregada de investir na área de saúde, na construção de hospital, de centros de saúde, de escolas, de prédios para a Administração, de penitenciárias, essa Secretaria, em 1994, investiu R$40 milhões, mas, em 1995, os investimentos caíram para R$3,5 milhões.

            A mesma coisa aconteceu no setor de transporte. A Secretaria de Transporte investiu R$21 milhões em 1994, mas não chegou a investir R$3 milhões, em 1995. O Estado parou nas minhas mãos por causa dessa manobra.

            E essa manobra - pasmem, Srs. Senadores, Srªs Senadoras e os que estão me ouvindo -, que me parece uma prática corrente em nosso País, fez com que, de 1994 até 2012, a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Contas tenham gasto, além da necessidade da sua manutenção, algo em torno de R$100 milhões por ano. Neste ano, a Assembleia Legislativa e o Tribunal de Contas devem atingir gastos da ordem de R$200 milhões, quando, na verdade, com R$100 milhões teriam um desempenho impecável, tanto um como outro. São 17 anos com um desvio sistemático de algo em torno de R$100 milhões por ano, que perfazem R$1,7 bilhão.

            O Governo do Amapá junto com o Governo Federal estão construindo 5 mil habitações; e habitações de boa qualidade. O conjunto dessa obra, dotada de toda infraestrutura - escolas, segurança, saúde - chega em torno de R$300 bilhões. Esse R$1,7 bilhão teria resolvido, nesses 17 anos, o problema gravíssimo de habitação que nós enfrentamos. Daria para construir, no mínimo, 20 mil habitações; e mais: daria para dotar o Estado todo de água e esgoto.

            Então, esse desvio condenou o povo do Amapá a ficar sem água tratada, durante esses anos todos, e também sem saneamento básico.

            Todo mundo sabe que há dois anos, no dia 10 de setembro, houve uma operação da Polícia Federal, no Amapá, que levou para a prisão as principais lideranças daquele momento: o ex-Governador; o Governador em exercício; o Governador que tinha deixado o cargo; a Primeira-Dama; o Presidente do Tribunal de Contas. E este ano, a Justiça voltou a agir e afastou mais cinco conselheiros do Tribunal de Contas; e agora o Tribunal de Justiça afasta o Presidente da Assembleia e o Secretário-Geral da Mesa, em definitivo. Ele já estava afastado desde o mês de abril, se não me engano. E agora o Tribunal os afasta definitivamente.

            Eu tive o cuidado de levantar a contabilidade do Tribunal de Contas dos últimos 3 anos. A operação aconteceu em setembro de 2010. E analisando a contabilidade do Tribunal de Contas, a partir de 2009, eu cheguei aos seguintes números: em 2009, o Tribunal de Contas do Amapá executou, quer dizer, gastou - e ele tem apenas um prédio; apenas um prédio - R$60,679 milhões, ou seja, R$60 milhões, em contas redondas.

            Em 2010, gastou um pouquinho mais, R$62 milhões, mas, quando chegou em 2011, caiu para R$36 milhões. Como é que se explica de um ano para o outro uma queda tão drástica nas despesas de uma instituição? É simples. Em 2010, a operação da Polícia Federal, que prendeu o Presidente do Tribunal de Contas, lacrou e paralisou o desvio dos recursos. Em 2011, a nova direção do Tribunal passou a ter um cuidado maior na aplicação dos recursos e os gastos foram reduzidos de R$62 para R$36 milhões. E esse dinheiro ficou no caixa, esse saldo financeiro ficou no caixa do Tribunal de Contas, rodou o ano com um financeiro altíssimo, e não poderia ser gasto, porque não havia previsão orçamentária. Hoje, a situação da Assembleia Legislativa é semelhante. Depois da ação enérgica do Ministério Público Estadual, dificultando, sobremaneira, o desvio de recursos na Assembleia Legislativa, tem-se notícia de que há um saldo financeiro volumoso na Assembleia Legislativa do Estado do Amapá. Imaginem uma comunidade ser penalizada pelo comportamento desonesto dos seus representantes e também pelas instituições que deveriam zelar pela correta aplicação do recurso, porque é essa a função dos Tribunais de Contas, instituídos em nosso País para cuidarem da res publica e não para se locupletarem com os recursos do contribuinte.

            Essa é uma questão que ainda vai ter novos desdobramentos, porque a sociedade do Amapá, o povo do Amapá só agora, só agora está tendo conhecimento desses dados. Como é possível, ano após ano, um desvio de recurso da ordem de R$100 milhões? E afirmo: uma Assembleia Legislativa com 24 parlamentares não poderia ter um custo de manutenção acima de R$3 milhões por mês, até porque a Câmara de Vereadores do Município de Macapá, que tem 17 vereadores, consome R$14 milhões por ano; a Assembléia Legislativa do Amapá, com 24 parlamentares, gasta R$13 milhões por mês. Então, basta essa comparação para chegarmos à conclusão de que povo do Amapá, ao longo de sua história, ao longo dos últimos 17 anos, foi duramente penalizado pelo comportamento das suas lideranças.

            E eu quero aqui reconhecer a ação do Ministério Público Estadual e a decisão do Tribunal de Justiça do Amapá. A decisão do Tribunal de Justiça do Amapá, repito, é histórica. E isso é fundamental para a nossa sociedade, que nós tenhamos justiça e, para nós em particular, para nós políticos. Porque, uma das estratégias do político corrupto é confundir todos, é dizer que todos são iguais, é nos colocar todos na vala comum para que não haja esperança, para que não haja solução. Então, se todos são corruptos, se todos são iguais, isso só acontece por causa da impunidade. É por isso que subi a esta tribuna, para destacar o feito do Ministério do Estado, que apresentou a denúncia, e do Tribunal de Justiça, que acatou essa denúncia.

            Somente com um Judiciário operante, ágil, eficaz, que julgue com rapidez e que não tolere a impunidade, nós podemos separar o político correto, o político decente, do político desonesto e que causa danos irreparáveis à sociedade.

            Era isso, Sr. Presidente.

            Muitíssimo obrigado.

            Obrigado, Srs. Senadores.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/11/2012 - Página 58333