Discurso durante a 202ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Reflexão sobre a situação dos índios Guarani-Kaiowá.

Autor
Cristovam Buarque (PDT - Partido Democrático Trabalhista/DF)
Nome completo: Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
POLITICA INDIGENISTA, DIREITOS HUMANOS.:
  • Reflexão sobre a situação dos índios Guarani-Kaiowá.
Aparteantes
Ana Amélia, Eduardo Suplicy.
Publicação
Publicação no DSF de 02/11/2012 - Página 58339
Assunto
Outros > POLITICA INDIGENISTA, DIREITOS HUMANOS.
Indexação
  • REGISTRO, APREENSÃO, SITUAÇÃO, GRUPO INDIGENA, LOCAL, MINISTERIO DA SAUDE (MS), MOTIVO, CONFLITO, PRODUTOR RURAL, DEFESA, DEMARCAÇÃO, TERRAS INDIGENAS, NECESSIDADE, PODER PUBLICO, PAGAMENTO, INDENIZAÇÃO, PRODUTOR, DESAPROPRIAÇÃO, PROPRIEDADE RURAL, DEVOLUÇÃO, TERRAS, INDIO.
  • COMENTARIO, PRECARIEDADE, SITUAÇÃO, MISERIA, PESSOA FISICA, REFUGIADO, ORIGEM, PAIS ESTRANGEIRO, HAITI, LOCAL, ESTADO DO ACRE (AC), FRONTEIRA, BRASIL, BOLIVIA, DEFESA, NECESSIDADE, CONCESSÃO, ASILO POLITICO, OBJETIVO, RESPEITO, DIREITOS HUMANOS.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, considero até que estou fazendo uma comunicação inadiável. Creio que cinco minutos, talvez, devam bastar, para manifestar a preocupação que nós todos, hoje, de manhã, na Comissão de Direitos Humanos, manifestamos sobre a situação dos índios guarani-kaiowá. O que vemos ali é uma tragédia de proporções inimagináveis, em proporções muito menores do que de um campo de concentração do período nazista - obviamente, uma condição muito menor, mas uma tragédia praticamente igual. Esses índios não estão cercados por arames farpados, não estão sob trabalho forçado, muito menos sob ameaças de genocídio direto, como sofreram, especialmente, os judeus, durante a Segunda Guerra Mundial, no Holocausto, que até hoje há gente que renega, erradamente, erradamente. Aquilo houve, aquilo foi grave e aquilo trouxe uma marca profunda, no século XX, pelo sofrimento do povo judeu.

            Nossos índios, um grupo menor, estão sendo massacrados, estão sendo violentados, e não estamos dando a resposta correta, Senador Eduardo Suplicy, se não do ponto de vista das intenções com que a Presidente fez um documento e tomou uma posição, mas do ponto de vista prático dos resultados. Mas o mais grave é que não é uma coisa isolada, é apenas mais grave e mais visível até pelas denúncias que aconteceram, que, felizmente, não se comprovaram, até hoje, de suicídio em massa, mas uma suspeita muito forte de assassinato em massa de alguns desses índios - são crianças, são jovens, são velhos, que estão sendo massacrados.

            Agora, Senador Eduardo Suplicy, o que precisamos fazer é uma reflexão de que nós, os brasileiros, não estamos dando a resposta correta aos problemas dos discriminados, especialmente dos indígenas.

            Veja o que parece uma clara hipocrisia: temos, hoje, um programa, que fui um dos primeiros a defender, de cotas para índios - vamos colocar um, ou dois, ou três índios na universidade -, e não damos cota de terra, para que eles sobrevivam na sua maioria. Ou seja, estamos nos acostumando a dar a impressão de que resolvemos um problema, beneficiando duas ou três pessoas - corretamente, aliás -, sem cuidar de todos. Não só no caso dos índios, os negros, hoje, têm direito a algumas vagas nas universidades, por cotas, e não alfabetizamos os negros analfabetos, que são alguns milhões dos 13 milhões de analfabetos que o País tem.

            É uma hipocrisia dizer que este País respeita os direitos humanos, atendendo a algumas categorias discriminadas, fazendo uma discriminação afirmativa para uns poucos e abandonando todos que estão embaixo.

            O índio que consegue sobreviver ao que está passando ali hoje, que consegue fazer o fundamental, o ensino médio e passar no vestibular, a gente dá uma vaga por quota. Agora, os índios que não entram em escola, quer não têm o que comer, que sobrevivem ameaçados, nós não cuidamos devidamente. É preciso regularizar a situação das terras indígenas neste País com a coragem que um país decente e que respeita os direitos humanos tem que fazer.

            Vejam que constrangedor dizer que nós vamos dar posse aos índios. Aquilo pertencia aos seus ancestrais no passado, e agora vamos dizer que vamos tomar dos agricultores para eles? Não! Aquilo é um direito deles. Agora, os agricultores que ali estão foram enganados pelo Poder Público, que lhes deram pedaços de terra para que eles desenvolvessem a agricultura, vieram de outras partes do Brasil, se sacrificaram durante décadas e, agora, têm as terras ameaçadas por causa dos direitos dos índios. Por isso eles têm que ser pagos, eles têm que ser indenizados. Não podemos tratá-los como foram tratados, corretamente, naquela época, os escravagistas, os donos de escravos, quando nós abolimos a escravatura sem lhes pagar nada. Corretissimamente.

            A princesa Isabel e Joaquim Nabuco tiveram uma posição lúcida. Não tinha que indenizar os escravocratas pelos escravos que eles tinham. Agora é diferente. Agora, os agricultores foram enganados pelo Estado, nós vamos ter que indenizá-los.

            Mas não basta indenizar e resolver a questão do grupo dos guarani-kaiowá. É preciso resolver o problema da relação dos brasileiros com os indígenas neste País, para que não passemos o entendimento, na comunidade internacional, de vermos os nossos indígenas sendo massacrados, sacrificados, vivendo em verdadeiros campos de concentração sem cerca na terra que pertenceu aos seus ancestrais. Nós precisamos fazer uma política correta e, depois disso, ter o assunto resolvido.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Permita-me, Senador.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Devo, aliás, dizer, Senador Eduardo Suplicy - depois lhe passo, com muito prazer - que outro item que está incomodando a comunidade internacional é a situação dos haitianos no Acre. Nós não podemos fechar os olhos. Aqui esta Casa despertou para este assunto seis meses atrás e conseguimos dar uma certa ajuda. Voltou a situação. Há pelo menos três mil haitianos vivendo na fronteira da Bolívia, do Acre, em situação de miséria, de sofrimento, de abandono. Nós não temos direito de ter mandado tropas para o Haiti, na defesa da paz, e agora recusar asilo para três mil deles que aqui vêm.

            Este País precisa descobrir, de uma maneira séria, os direitos humanos - direitos humanos de alfabetizar todos os analfabetos, porque isso é uma questão de direitos humanos. Por isso, eu até defendo que o Programa de Erradicação do Analfabetismo não deveria estar no MEC. Deveria estar no ministério dos direitos humanos.

            Há que se resolver o problema da demarcação de terras indígenas. Desde a Constituição, apenas duas terras foram realmente regularizadas para os indígenas. E nós temos que cuidar de todos aqueles que aqui chegam precisando de asilo, como o mundo lá fora nos recebeu quando nós precisamos, quando recebeu a muitos de nós exilados políticos, de braços abertos - europeus receberam -, como a Bolívia recebeu camponeses sem terra brasileiros, que hoje se transformaram em agricultores até de sucesso na Bolívia. Nós precisamos cuidar dos que aqui vêm e, sobretudo, daqueles que já estavam aqui antes que chegassem os portugueses, os japoneses, os árabes e todos os que nos deram origem.

            Esta Casa não pode ficar calada. Hoje, na Comissão de Direitos Humanos, eu propus que a Comissão de Direitos Humanos ficasse em audiência permanente. Parece que o Regimento não permite esse instituto, embora eu ache que não haveria nada que impedisse. Mas nós precisamos enfrentar com rapidez, firmeza, competência, mas, sobretudo, com amor, com respeito aos direitos humanos, aquilo que se passa com os nossos indígenas.

            Eu tenho a falar basicamente isso, Senador, mas passo a palavra com muito prazer ao Senador Suplicy.

            O Sr. Eduardo Suplicy (Bloco/PT - SP) - Prezado Senador Cristovam Buarque, hoje, quando o antropólogo Tonico ali expressou o sentimento dos guarani-kaiowá, todos nós ficamos muito impressionados, inclusive porque ele e o outro líder indígena que ali nos prestaram o seu testemunho nos fizeram compreender melhor o que é esse fenômeno de suicídio entre os índios. Na verdade, eles ali mostraram que estão dispostos a caminhar até o seu último suspiro para resguardar aos seus sucessores, filhos e netos, o direito à terra.

            Foi muito importante essa audiência até porque nos mobilizou. Os Senadores que ali, como nós, estivam presentes, ficamos imbuídos da responsabilidade de irmos até lá, em colaboração inclusive com a Funai, com a Presidente Marta, que ali estava, com o Cimi e outras pessoas, até com Deputados, numa comissão mista, para irmos lá o quanto antes e realizarmos este propósito de, o mais rapidamente possível, colaborar para que haja a definição das áreas para os indígenas guaranis-kaiowás. Então, meus cumprimentos ao registro que V. Exª faz com muita propriedade.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado, Senador Suplicy.

            Passo a palavra à Senadora Ana Amélia.

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Caro Senador Cristovam Buarque, a partir do meio do seu pronunciamento me tranquilizei um pouco mais. Nós não temos a confirmação comprovada do que se disse massacre e assassinato de indígenas. Isso é uma coisa terrível! Não podemos, de maneira alguma, aceitar uma realidade, um crime dessa natureza. Então, as notícias não são confirmadas sobre massacres. Esse tema é extremamente complexo. Os direitos dos indígenas estão assegurados na Constituição de 1988. O Supremo Tribunal Federal se manifestou ao fazer a demarcação da reserva indígena Raposa Serra do Sol, tema que, com frequência, aparece aqui no nosso plenário. Mas eu me louvo de um especialista - lamentavelmente, não pude ir à audiência pública de hoje -, do Tonico Benites, referido pelo Senador Eduardo Suplicy há pouco. E ele, talvez, fale com o olhar de acadêmico e também de representante dessa etnia. Ele disse, numa entrevista ao jornal Correio Braziliense de hoje: “O olhar de cientista e pesquisador também faz parte da análise do indígena, que é mestre e doutorando em antropologia social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. Para Benites, a decisão do Governo de povoar a região, [a responsabilidade foi do poder público] ainda na década de 1950...” O poder público levou - eu sou gaúcha -, lá do meu Estado, foram levados, estimulados a fazer a chamada interiorização, a colonização do Brasil para efeitos de segurança nacional. Então, essas pessoas foram de tão boa-fé que o próprio Benites diz o seguinte à pergunta: “o fazendeiro tem parcela de razão ou de culpa?” Ele diz: “Muitos fazendeiros compraram terras sem saber que havia índios ali...” E ele chama a atenção. “O Governo precisa apressar as demarcações, precisa ser mais ágil para solucionar esses conflitos, que trazem muito sofrimento e violência.” Então, é preciso separar o joio do trigo porque, aparentemente, quando se trata disso, parece que todos os produtores rurais são criminosos ou assassinos. Como ele próprio reconheceu, usando a racionalidade do cientista, de um doutor em Antropologia, a razão falou alto. Muitos não sabiam que aquelas eram terras que pertenciam aos índios, ou território indígena porque aquelas terras foram compradas do governo. Então, eles estão lá há 30 anos. No meu Estado, algumas demarcações foram feitas em terras em que as pessoas estão há mais de um século, como em áreas de Getúlio Vargas. Então, quanto a esse tema, a gente precisa ter muito cuidado até para não colocar a imagem do Brasil como se os brasileiros, digamos, aceitassem pacificamente a violência contra os indígenas. Ninguém quer violência contra os indígenas, como não queremos a violência em São Paulo, em Porto Alegre ou no Rio de Janeiro. Mas a gente precisa dessa racionalidade. Fiquei feliz porque V. Exª fez a observação, no meio do pronunciamento, de que muitos foram para lá sem o conhecimento devido de que eram terras indígenas e que muitos foram para lá de boa-fé. Então, em nome dessas pessoas, é preciso cautela para que a gente não cometa injustiça com famílias e famílias que acreditaram, de boa-fé, que lá poderiam ajudar a desenvolver o Brasil e hoje estão colaborando muito com o crescimento, com a produção de renda e essas coisas todas que nós conhecemos. Então, queria cumprimentá-lo pela abordagem, mas, digamos, com a preocupação de que, falando em massacre sem uma comprovação real do que está acontecendo, podemos comprometer a imagem do Brasil, se isso não for real. Mas V. Exª tem muita responsabilidade, e é nela que eu confio, meu querido Senador , nosso mestre Cristovam Buarque.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Muito obrigado, Senadora.

            Quero dizer que eu insisti, e a senhora repetiu, que não se trata de condenar esses agricultores que saíram de suas terras, saíram do comodismo e foram desbravar o Brasil. De jeito nenhum. Em nenhum momento. A senhora mesmo reconheceu isso. Então, eu agradeço o seu conhecimento porque o que eu creio é que é preciso resolver a situação dos índios sem deixar de reconhecer que aqueles que foram para lá foram enganados pelo Estado e que, portanto, o Estado deve lhes pagar aquilo que for preciso para devolver a terra aos índios, ou convencer os índios de que pode haver outro lugar para eles irem, o que eu acho muito difícil, porque a relação do índio com a terra é diferente da nossa. Nós vemos a terra como uma máquina para gerar dinheiro através da produção. Eles veem a terra como lar, não só deles, mas de seus ancestrais, de seus filhos e netos. A relação deles é de casamento com a terra; a nossa é de escravização da terra para a produção agrícola - nós, da sociedade ocidental. Então, não se trata de demonizar esses que ali estão produzindo.

            A Srª Ana Amélia (Bloco/PP - RS) - Eu queria apenas, Senador Cristovam, fazer o adendo de que jamais eu usaria da tribuna para defender algum produtor que tivesse cometido um crime contra qualquer pessoa, indígena ou não. Quem comete crime precisa pagar na Justiça pelo delito cometido. Eu estou falando naquelas pessoas que, de boa-fé, foram para lá para trabalhar e para gerar renda, acreditando na palavra do Governo. Eu queria ressalvar isso porque jamais seria da minha índole fazer a defesa de algum criminoso.

            O SR. CRISTOVAM BUARQUE (Bloco/PDT - DF) - Eu tenho certeza disto, como jamais seria da minha acusar um não criminoso.

            Agora, a única divergência que eu tenho, mas é uma questão de terminologia e de significado das palavras, é massacre. Para mim e para muitos, existem dois tipos de massacre: o barulhento e o silencioso.

            O barulhento é o que sai matando; o silencioso é aquele que deixa morrer. Está havendo um massacre. Não estou dizendo que fulano, sicrano ou beltrano é responsável diretamente por isso. Não, somos todos nós. Deixar que um grupo social morra por falta de dar recursos para eles, por falta de dar condições de trabalho é uma forma de massacre silencioso, que não tem um ou dois ou três responsáveis. É difícil personalizar, embora, no meio desses fazendeiros decentes, alguns cometam crimes, sim, como tem na indústria, como tem em todo lugar, como tem na grilagem de terra urbana, como tem na corrupção. Tem gente sendo massacrada porque denuncia, e eu temo que isso aumente muito, porque a maneira como se está incentivando a reação ao Supremo Tribunal Federal, no caso do mensalão, pode levar à perda de controle de grupos pequenos, Senador, marginais, que não vão fazer por decisão dos dirigentes, mas pela raiva, pelo ódio que pode estar sendo criado hoje contra o Supremo Tribunal Federal e seus membros.

            Então, há um massacre que parece um massacre silencioso. Estou de acordo com a senhora, adjetivando, que não há massacre barulhento, com responsável, assassinando. Existe o massacre de um grupo étnico que está sendo condenado à morte mesmo sem ser assassinado. E, felizmente, isso quer dizer que o suicídio em massa parece que não é verdade, pelo menos até aqui, ainda que eu não duvide que isso possa vir a acontecer, pela relação deles, tão forte, com a terra.

            O índio e a terra é a mesma coisa. Para a gente, agricultor ou não, a terra é um lugar que a gente pisa para poder produzir comida ou construir a morada. Deles é diferente. Deles, é onde eles nascem e aonde eles vão ao cemitério. Essa relação faz com que não será impossível que eles prefiram morrer reagindo ou se suicidando, a continuarem nessa situação.

            Mas hoje parece que não está havendo isso. Está havendo, sim, a incompetência e a insensibilidade da Nação brasileira de enfrentar com rigor, com cuidado, com sabedoria, mas, sobretudo, com muito sentimento, esse problema dos nossos indígenas.

            Era isso, Senador, o que eu tinha para falar.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 02/11/2012 - Página 58339