Pronunciamento de Fernando Collor em 01/11/2012
Discurso durante a 202ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal
Comentários acerca do agravamento do processo de degradação das instituições democráticas.
- Autor
- Fernando Collor (PTB - Partido Trabalhista Brasileiro/AL)
- Nome completo: Fernando Affonso Collor de Mello
- Casa
- Senado Federal
- Tipo
- Discurso
- Resumo por assunto
-
PODERES CONSTITUCIONAIS.
REFORMA POLITICA.:
- Comentários acerca do agravamento do processo de degradação das instituições democráticas.
- Aparteantes
- Cristovam Buarque.
- Publicação
- Publicação no DSF de 02/11/2012 - Página 58352
- Assunto
- Outros > PODERES CONSTITUCIONAIS. REFORMA POLITICA.
- Indexação
-
- APREENSÃO, RELAÇÃO, REDUÇÃO, PARTICIPAÇÃO, CONGRESSO NACIONAL, POLITICA NACIONAL, MOTIVO, USURPAÇÃO, FUNÇÃO FISCALIZADORA, FUNÇÃO LEGISLATIVA, APROVAÇÃO, ORÇAMENTO, COMENTARIO, PREJUIZO, DEMOCRACIA, DEFESA, NECESSIDADE, REFORMA POLITICA.
O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Exmo Sr. Presidente Tomás Correia, Exmas Srªs Senadoras, Exmos Srs. Senadores, paralela e paradoxalmente ao cenário de estabilidade e maturação institucional, desenvolve-se de forma vagarosa e quase que imperceptivelmente uma crise que tem passado ao largo da percepção e do entendimento da maioria da sociedade brasileira. Trata-se do agravamento de um desequilíbrio, que, sob o subterfúgio da aparente normalidade institucional, espraia-se entre os Poderes da República, notadamente no que tange ao exercício de suas atribuições, competências e prerrogativas institucionais.
Essa crise, ademais, envolve todas as esferas do Poder Público, e o que testemunhamos no âmbito nacional alcança também os Estados e Municípios, sobretudo neste momento tão difícil por que passam os Municípios brasileiros em função da enorme perda de sua arrecadação.
O Pacto Federativo é, assim, quebrado, e o princípio da descentralização, maculado. E o Estado e a sociedade brasileiros se veem ameaçados e vulneráveis diante desse processo de degradação das instituições e da perda da legitimidade dos alicerces da democracia, como tem ocorrido com a independência e a autonomia do Poder Legislativo.
O sociólogo americano Talcott Parsons defendia que as sociedades só sobrevivem e se mantêm coesas na medida em que nelas predomina certo grau de consenso acerca dos valores que todos cultuam, aceitam e preservam. “Se a maioria perde a crença neles, perde-se a crença na própria sociedade, que passa a correr o risco de desagregação”, conclui ele.
Se considerarmos que o conjunto das instituições públicas, políticas e sociais configura espécie de microssociedades, então nós podemos deduzir que esse risco de desagregação pela perda da crença também afeta diretamente o sistema institucional.
É certo que, desde a abertura democrática e a promulgação da Constituição de 1988, o Brasil desfruta de um período de quase 30 anos de estabilidade no plano político-institucional, que, aliado à estabilidade econômica, adquirida nas últimas duas décadas, nos coloca num patamar de possibilidade de desenvolvimento comparável ao das mais tradicionais potências do mundo. Para atingi-lo em sua plenitude, contudo, necessitamos ainda de promover as reformas de base, já tão propaladas, no campo da educação, do sistema tributário, da legislação trabalhista e previdenciária, da administração pública e, talvez a maior delas, na esfera política e eleitoral.
Essas reformas, ressalte-se, são essenciais para que continuemos no caminho da prosperidade. Entretanto, a crise a que me referi, invisível aos olhos de muitos, vai além de um mero desequilíbrio de conduta e atuação de nossas instituições. O que na prática se verifica, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, e que nos preocupa cada vez mais, é a ruptura do princípio da independência e separação dos Poderes e, em alguns casos, a usurpação de papéis que vão além do tripé Executivo-Legislativo-Judiciário, e envolvem instituições outras que crescem e se notabilizam no vácuo e na inoperância dos verdadeiros poderes constituídos.
Vale lembrar, como bem ensina Raymundo Faoro, que embora acima das vontades subjetivas, as instituições, no curso do tempo, evoluem e perecem. Evoluem se crescer sua eficácia e perecem se houver um colapso da confiança ou da obediência. E é esse o perigo que vivemos com o desmantelamento e a credibilidade de algumas de nossas instituições, a começar pela classe política e seu abrigo maior, o Congresso Nacional e as Casas Legislativas estaduais e municipais. Nesse sentido, não podemos esquecer que uma grande nação se faz com um corpo institucional sólido e confiável.
O fato, Sr. Presidente Tomas Correia, Srªs e Srs. Senadores, é que as três funções precípuas do Poder Legislativo, quais sejam, fiscalizar, legislar e aprovar o orçamento, estão hoje sendo exercidas com muito mais propriedade, intensidade e determinação por outros poderes e instituições.
O orçamento, no atual modelo autorizativo, como sabemos, pouca ou nenhuma relevância empresta ao papel do Congresso Nacional, a não ser aprová-lo no molde de chancela dos desejos do Executivo. Ademais, nos últimos anos, tem sido cada vez mais sistemático, via medida provisória tão somente carimbada pelo Congresso Nacional, o suprimento, por parte do Governo, de recursos ao BNDES, Banco do Brasil e Caixa Económica mediante a transferência de montantes a taxas de juros inferiores às que o Tesouro paga aos detentores dos respectivos títulos. Na prática, esse modelo, além de ampliar a dívida pública, constitui mecanismo que dribla o controle e a fiscalização dos órgãos competentes.
O mesmo tem ocorrido, com pouca atenção do Congresso Nacional, no que tange às renúncias fiscais promovidas pelo Governo ou pelos governos para combater a crise externa, mas que enfraquecem sobremaneira os poderes municipais e estaduais.
Nesse diapasão, preocupa também o enfraquecimento das atribuições de fiscalização e controle do Parlamento, que se vê substituído pela fiscalização feita pelos meios de informação. Diga-se de passagem, fundamental em uma democracia é a existência de uma imprensa independente, séria e fiscalizadora da Administração Pública. Entretanto, essa mesma liberdade de imprensa pode se tornar tremendamente nefasta se não for conduzida com responsabilidade e se a fiscalização ficar entregue e adstrita a certos núcleos da imprensa marrom que atuam pautados em interesses que nada têm de nobres. Isso, Sr. Presidente, ameaça as instituições e a própria democracia.
Do mesmo modo, a atividade fiscalizadora, hoje, vem sendo desempenhada com mais propriedade por órgãos e instituições que sequer constituem um Poder da União, como é o caso do Ministério Público - cada vez mais ousado -, da Controladoria-Geral da União e do Tribunal de Contas da União, que, vale dizer, é um órgão auxiliar do Congresso Nacional, mas que progressivamente se apresenta e atua de forma independente. Assim, a competência primeira do Poder Legislativo, que é fiscalizar a Administração, é lançada de lado, solapando a essência do nosso Parlamento.
Quanto às outras duas funções do Parlamento a que me referi, o que se verifica hoje é a atividade legiferante sendo exercida pelo Poder Executivo, por meio de medidas provisórias e pressões de toda ordem junto ao Legislativo, e pelo Poder Judiciário, na interpretação de leis e dispositivos obscuros, incompletos ou mal concebidos, diga-se de passagem, ainda que aprovados pelo próprio Congresso Nacional.
Note-se, por exemplo, o quanto têm verdadeiramente legislado instituições como o Tribunal Superior do Trabalho, o Tribunal Superior Eleitoral e órgãos do Poder Executivo, esses mesmo extrapolando suas competências e produzindo portarias, instruções normativas e resoluções cujo caráter legal, de fato, usurpam do Poder Legislativo a legitimidade de estabelecer normas que criam obrigações para todos os brasileiros e que suprimem direitos. Diante disso, o Parlamento, na maioria das vezes, permanece inerte.
Até mesmo a atribuição julgadora, que outrora o Parlamento exerceu com certo vigor e com muito mais rigor, como era o caso das Comissões Parlamentares de Inquérito, vem se tornando cada vez mais inerte e esvaziada por interesses político-partidários de toda ordem. Com isso, as CPIs e CPMIs perdem sua eficácia e já nascem mortas.
A verdade, Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, é que vivemos sob um cenário institucional em que se destaca um Judiciário fortalecido, um Executivo isolado dos outros Poderes e um Legislativo enfraquecido, de joelhos perante a mídia, o Ministério Público e a opinião pública, bem como subordinado aos dois outros Poderes da União. Evidencia-se, dessa maneira, a perda da legitimidade do Congresso Nacional em suas atribuições precípuas. Um parlamento que tenta se sustentar apenas com base na legalidade sem legitimidade deixa de ter seu papel de representante do poder máximo da nação, o poder popular. Lembremo-nos de que é no Congresso Nacional que estão os legítimos representantes do povo, responsabilidade da qual não podemos nos afastar.
Não bastasse esse perigoso panorama de degradação dos perfis institucionais, o próprio Parlamento tem relegado a segundo plano, ou mesmo desprezado, diversas de suas competências constitucionais, de vital importância para o equilíbrio, a harmonia e a independência dos Poderes, princípios esses fundamentais de nossa Constituição, ao ponto de estarem insculpidos logo em seu art. 2º.
Além do desleixo e do relaxamento na apreciação de medidas provisórias - especialmente no que tange ao conceito e à aplicação dos pressupostos de urgência e relevância -, o Congresso Nacional praticamente abriu mão de deliberar os vetos do Presidente da República aos projetos por ele aprovados. Vale lembrar, Sr. Presidente, que, dentro do processo legislativo, a última palavra em relação à conversão das matérias em lei é sempre do Legislativo, exatamente ao se manifestar sobre o veto presidencial, que pode ser derrubado por maioria absoluta das duas Casas legislativas.
Apesar da previsão constitucional em relação ao prazo de 30 dias para apreciar veto, o Congresso sistematicamente adia quase que ad eternum sua decisão e, quando o faz, apenas chancela a manutenção do que foi decidido anteriormente pelo Executivo.
Esse mesmo caráter de chancela tem se verificado na apreciação das mensagens de indicação de autoridades, não só nas Comissões, mas principalmente no plenário desta Casa. Até mesmo, Sr. Presidente, para a reformulação de importantes leis e códigos, o Congresso tem se utilizado de comissões de juristas e de notáveis externos para desempenhar o papel que cabe a nós parlamentares. Ainda dentro de suas competências exclusivas, o Congresso tem igualmente ignorado seu poder de sustar os atos normativos do Executivo - especialmente os decretos - que exorbitam do poder regulamentar ou dos limites de delegação normativa. Em suma, são várias as atribuições e poderes que o Legislativo simplesmente abriu mão de exercê-los.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, o próprio processo legislativo, ou o instituto denominado Direito Parlamentar, merece uma profunda reflexão e, mais do que isso, uma completa reformulação para adaptá-lo aos legítimos anseios de sociedade em termos de celeridade e participação, a começar pelo Regimento Interno de nossas Casas legislativas. É notório e unânime entre os Senadores que o atual modelo e estrutura das inúmeras instâncias do Parlamento não atendem mais à necessária dinâmica parlamentar e aos resultados que espera a sociedade brasileira no que tange à iniciativa, discussão e elaboração das leis.
O excesso de comissões, o excesso de matérias, de agendas e reuniões não comporta mais a nossa efetiva e eficaz participação nos trabalhos da Casa. Por isso mesmo, já me manifestei desta tribuna sobre essa avaliação e apresentei uma série de propostas de reformulação da estrutura e do funcionamento das comissões do Senado, e que ora se encontram sob exame da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania.
Soma-se a isso, Sr. Presidente, a deplorável descrença da população no sistema partidário brasileiro. Entre as grandes causas desse descrédito estão o excesso de agremiações, a total perda de identidade política e a associação delas a um mínimo de coerência ideológica. O fato é que um dos pressupostos da verdadeira democracia passa necessariamente pela existência de partidos políticos fortes, atuantes e capazes de mobilizar, relacionar-se, decodificar e intermediar as aspirações dos diversos segmentos da sociedade. Infelizmente, com raríssimas exceções, não é isso que temos observado no Brasil. A simples pletora de legendas reflete esse quadro caótico e desvirtuado de nosso sistema partidário.
Sr. Presidente, Srªs e Srs. Senadores, são vários os exemplos de esfacelamento institucional pelo qual passa o Brasil e que pouca repercussão ou atenção têm despertado no meio político, cujo principal papel, passadas as eleições, deveria ser o de indutor desse debate. Não bastasse o desgaste do Legislativo, da classe política e do sistema partidário, ou seja, do instituto da democracia representativa, verificamos ainda a decadência de uma imprensa séria e a deformação, no seio da sociedade e de suas organizações, dos verdadeiros valores sociais e cristãos.
Além do mais, está chegando ao limite da tolerância política e da boa governança o regime presidencialista, que hoje se arrasta alicerçado fragilmente na chamada base de coalizão, o chamado presidencialismo de coalizão, um sistema falido. Sobre o tema, lembro que, há seis anos, minha proposta de emenda à Constituição instituindo o parlamentarismo dormita nas gavetas da Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania. Ou seja, sequer temos a oportunidade de debater a matéria na integralidade da Casa.
Em resumo, Sr. Presidente Tomás Correia, vivemos sob a égide de um excesso de órgãos e uma escassez de serviços; um excesso de instrumentos e uma escassez de resultados e, finalmente, um excesso de meios e uma escassez de conteúdo. Essa é a realidade que nos cerca. E como dizia Christopher Quick, um banqueiro americano, "países e instituições que não levam em conta a realidade são pagos com a mesma moeda: a realidade também não os levam em conta”.
Sr. Presidente, a filosofia política nos ensina, nas palavras do Professor Newton Bignotto, da Universidade Federal de Minas Gerais, que:
"Nesse território caótico, erigido pela destruição das instituições republicanas, a história mostra que gravitam os governos autoritários e os regimes corrompidos. Daí a relevância de tentarmos revigorar o Poder Legislativo e tantas outras instituições públicas que perderam a confiança da sociedade”.
E aqui vale lembrar novamente Raymundo Faoro quando assinala que as instituições formam uma rede homogênea, dentro da qual umas dependem das outras. Ou seja, a desconstrução ou mesmo o desarranjo de uma compromete a homogeneidade de toda a rede, o que pode levá-la à completa ruptura.
Não por outro motivo, um dos maiores pensadores do século XX, Karl Popper, pregava que necessitamos de instituições como de alavancas se quisermos realizar qualquer coisa superior à força de nossos músculos:
Como máquinas, as instituições multiplicam nosso poder para o bem e o mal. Como máquinas, necessitam de supervisão inteligente por parte de alguém que compreenda seu modo de funcionar e, acima de tudo, seu objetivo, pois não as podemos construir para que trabalhem de todo automaticamente. Além do mais, sua construção requer certo conhecimento das regularidades sociais que impõem limitações ao que pode ser realizado pelas instituições. (...) Fundamentalmente, porém, as instituições são sempre feitas estabelecendo-se a observância de certas normas, prescritas com certo alvo em mente.
Isto é certo especialmente para as instituições conscientemente criadas. (...) E seu funcionamento depende, amplamente, da observância das normas. As instituições são como fortalezas. Devem ser bem ideadas e guarnecidas de homens. [E conclui ele] Os que criticam a democracia baseando-se em terreno moral deixam de distinguir entre os problemas pessoais e os institucionais. As instituições democráticas não podem aperfeiçoar a si mesmas. O problema de aperfeiçoá-las é sempre um problema das pessoas, e não das instituições. Mas, se quisermos aperfeiçoamentos, devemos deixar claro quais as instituições que desejamos aperfeiçoar. [Conclui o Prof. Popper]
Ou seja, Sr. Presidente Tomás Correia, Srªs e Srs. Senadores, está em nossas mãos, dos políticos e autoridades públicas, revigorar e, mais do que isso, reequilibrar o papel, a credibilidade e a confiança das nossas instituições públicas, especialmente no que tange ao mais significativo pilar da democracia, que é este Poder Legislativo. Se assim não agirmos, a história nos responsabilizará pelo fracasso do projeto de Brasil.
Era o que tinha a dizer, Sr. Presidente.
Com muito prazer ouço S. Exª, o Senador Cristovam Buarque.
O Sr. Cristovam Buarque (Bloco/PDT - DF) - Senador Collor, eu quero dizer que essa ideia sua de esfacelamento institucional é fundamental - e eu não tinha ouvido essa expressão até aqui. Nessa semana, depois da eleição, em cada momento sobe alguém aqui - eu inclusive - para falar da crise que nós vivemos, sobretudo do ponto de vista da estrutura eleitoral. Mas essa expressão esfacelamento institucional é a primeira vez que eu ouço. Prova dela é que um discurso como esse seu não está sendo acompanhado por 80 Senadores, nem debatido por nós. Esse é um discurso que precisa ser debatido com cuidado, aprofundado, procurando-se caminhos. Porque, se nós não cuidarmos, nós não sobrevivemos. Quando eu digo não sobreviver não é que vem ditadura, não. Mas é que fica esse clima de, em cada eleição, a gente fazer campanha para qualquer sigla, em aliança com quaisquer sublegendas, sem programas claros, sem debates - a não ser o debate mais superficial possível. Eu tenho insistido, nos momentos em que estou aqui e que ouço discursos sobre isso, que não é possível que nós falemos disso e não sejamos capazes de juntar um grupo aqui que traga uma proposta de reforma política para este País. Seja o parlamentarismo, como o senhor defende, seja a continuação do presidencialismo que nós temos, mas de uma maneira em que se faça uma mudança de rumos. A gente precisa fazer uma inflexão, dobrar o rumo que a gente tem tido nesses 27 anos de democracia, especialmente nos 22 depois da sua eleição como primeiro eleito diretamente. Não dá para continuar esse sistema democrático sem uma profunda mudança do sistema eleitoral, do sistema partidário, da estrutura política, da relação entre os três Poderes, da convivência com a imprensa, todas as variáveis de que o senhor falou. Eu quero aqui recomendar que seu discurso seja distribuído a cada Senador, mas não apenas como a gente faz aqui, de distribuição para deixar um registro, mas, sim, para tentar criar um grupo que debata isso, independentemente de partido, de sigla - até porque elas significam tão pouco hoje que não vejo problema algum de a gente se juntar a siglas diferentes para discutir uma proposta de reforma política. É melhor do que a gente se reunir, independentemente de sigla, para eleger fulano ou sicrano, que a gente nem conhece na hora em que vai fazer campanha, nunca ouviu falar muitas vezes, não sabe o partido. E a gente termina indo fazer campanha a favor ou contra. É preciso levar à frente as medidas sérias para evitar este esfacelamento institucional. Essa é uma expressão muito forte, e precisamos bater nela. Estamos em um processo já vigente de esfacelamento institucional, nós estamos em instituições esfaceladas. E esfaceladas elas não vão durar. É preciso reaglutinar, recompor. Não é possível que nós não tenhamos competência para isso, com o mínimo de que precisamos e deixar de lado certos interesses pessoais, certos vícios que nós temos, certos preconceitos e trabalharmos uma proposta em benefício do Brasil.
O SR. FERNANDO COLLOR (Bloco/PTB - AL) - Muito obrigado a S. Exª, o Senador Cristovam Buarque, que também vem trazendo ao Plenário desta Casa tantas reflexões a respeito deste tema.
Já passou aqui por nós, nesta Legislatura mesmo, a oportunidade de realizarmos uma reforma política. E essa reforma política, que tanta esperança criou dentro de cada um de nós, redundou tão somente em uma reforma eleitoral. Houve uma mudança em aspectos da lei eleitoral e tão somente isso.
Por que não avançamos na reforma política? Por que não avançamos sequer sobre a discussão de certos pontos que são necessários nós modificarmos na esfera das ações políticas, não somente da Casas Legislativas, mas também de outras Casas no plano estadual, no plano municipal?
É porque simplesmente - e ouvi isso de alguns companheiros - não queremos mexer em regras do establishment político, regras pelas quais nos elegemos; ou seja, o receio de enfrentar o problema. Acontece que, ao não enfrentarmos o problema, estamos apenas adiando a sua, e se possível, solução em um futuro que esperamos não muito longo.
Enquanto isso, o que acontece? Acontece o distanciamento entre os Poderes. A convivência harmônica, que pressupõe, essa convivência, uma relação de certa estabilidade, vai deixando de existir. Os Poderes vão se distanciando entre si. No momento em que estamos vivendo, o Judiciário surge como um Poder extremamente forte, admirado e incensado pela opinião pública; um Executivo isolado dos outros dois Poderes, e o Legislativo, absolutamente enfraquecido.
E estamos dando provas seguidas, seguidas, desse enfraquecimento ao renunciarmos às atribuições que nos são conferidas pela Carta Magna do País. Ou seja, nós renunciamos àquilo que determina a Carta Magna do Brasil que façamos. Não se discute; aqui se homologa. Não se discute; aqui se chancela.
São coisas que nos deixam extremamente desmotivados para exercermos o papel de legisladores. Nem sequer para legislar, na plenitude do termo, estamos tendo hoje condições dentro das duas Casas Legislativas, porque aí está o Judiciário legislando em nosso nome, e não porque o deseje. A realidade é que legisla em função de leis que nós aqui, quando as fazemos, fazemos mal feitas. E o Judiciário é instado por nós mesmos a interpretar artigos de leis que nós próprios votamos aqui dentro do Congresso Nacional.
Então, isso nos distancia. Nós, que somos a Casa do povo, a expressão da vontade popular, nós estamos dizendo, alto e bom som, à população que nos elegeu, que nós estamos renunciando à atribuição que ela nos confere pelo voto e que nos é conferida pela letra da Constituição, de fiscalizar o Poder Executivo, de formular e fazer leis; enfim, as atribuições inerentes ao exercício de um mandato parlamentar.
Concordo com V. Exª, Senador Cristovam Buarque, que o momento é muito sério. Quando eu falo esfacelamento constitucional, e eu pensei bastante nesse termo... Eu estava utilizando, no inicio do pronunciamento, esgarçamento institucional. Mas, depois dos últimos acontecimentos, eu verifique que não é exatamente esgarçamento o termo apropriado para o momento que nós estamos vivendo. O termo, embora duro, é exatamente este: é o esfacelamento institucional. Ou nós acordamos agora, ou nós contamos com figuras com a inteligência e a clarividência de V. Exª e de tantos outros que têm assento nesta Casa para tratarmos objetivamente desse assunto, dessa questão - como resolvê-la, como fortalecer o Poder Legislativo -, ou nós iremos fenecer.
O meu desejo e mais do que desejo, a minha firme convicção é de que, sim, nesta Sessão Legislativa, ainda será possível nós estabelecermos as bases para a verdadeira reforma, a mãe de todas as reformas, que é a reforma política, que irá novamente, caso nós a façamos, reequilibrar os Poderes e trazer de volta à nossa democracia a sustentação de que ela necessita, que é a sustentação de um Poder Legislativo forte, operante e respeitado pela opinião pública.
Era o que tinha a dizer.
Muito obrigado, Sr. Presidente.