Discurso durante a 208ª Sessão Não Deliberativa, no Senado Federal

Defesa de adiamento da apreciação do Projeto que reforma o Código Penal Brasileiro, de modo a oportunizar um debate nacional acurado sobre o tema; e outro assunto.

Autor
Tomás Correia (PMDB - Movimento Democrático Brasileiro/RO)
Nome completo: Tomás Guilherme Correia
Casa
Senado Federal
Tipo
Discurso
Resumo por assunto
DESENVOLVIMENTO REGIONAL, CODIGO PENAL.:
  • Defesa de adiamento da apreciação do Projeto que reforma o Código Penal Brasileiro, de modo a oportunizar um debate nacional acurado sobre o tema; e outro assunto.
Publicação
Publicação no DSF de 10/11/2012 - Página 60193
Assunto
Outros > DESENVOLVIMENTO REGIONAL, CODIGO PENAL.
Indexação
  • CRITICA, RESTRIÇÃO, AREA, REGIÃO AMAZONICA, PRODUÇÃO, CANA DE AÇUCAR, SOLICITAÇÃO, ORADOR, REALIZAÇÃO, AUDIENCIA PUBLICA, DEBATE, ASSUNTO.
  • APRESENTAÇÃO, CARTA, JURISTA, ASSUNTO, PARTICIPAÇÃO, MAGISTRADO, DEBATE, RENOVAÇÃO, CODIGO PENAL, REGISTRO, CRITICA, IMPRENSA, REDAÇÃO, PROJETO DE LEI, COMENTARIO, ORADOR, IMPORTANCIA, AMPLIAÇÃO, DISCUSSÃO, SOCIEDADE, SOLICITAÇÃO, ADIAMENTO, PRAZO, APRECIAÇÃO, PROJETO.

            O SR. TOMÁS CORREIA (Bloco/PMDB - RO. Pronuncia o seguinte discurso. Sem revisão do orador.) - Sr. Presidente, Senador Romero Jucá, Srªs Senadoras, Srs. Senadores e telespectadores da TV Senado, agradeço a V. Exª pela palavra que proferiu há pouco com relação à questão do plantio da cana-de-açúcar na Região Norte, no bioma Amazônia.

            Na verdade, é uma decisão um pouco discriminatória. Eu não concordo - e V. Exª também se pronunciou muito bem: não há base técnica alguma para essa restrição. Eu próprio perguntei ao Presidente da Embrapa ontem, na Comissão de Agricultura, e ele disse que realmente não há base técnica para essa restrição.

            Eu até quero aproveitar para sugerir - e devo fazer o requerimento na Comissão de Agricultura, da qual tenho a honra de ser membro -, até utilizando a sugestão de V. Exª, um debate; que se convoquem para uma audiência pública os órgãos envolvidos para debatermos essa questão e, quem sabe, encontrarmos uma forma de voltarem esses Estados da Região Norte a produzir cana-de-açúcar, como é o caso dos Estados de Rondônia, do Acre, do Amazonas, de Roraima, do Pará e do Amapá.

            Há aqui um projeto de lei do Senador Flexa Ribeiro, tratando desse assunto também, que a Comissão de Agricultura aprovou, de sorte que nós queríamos discutir isso, debater e voltar a produzir. Assim, teremos a oportunidade de crescer e nos desenvolver.

            Nós também temos o direito a isso, não é?

            Nós estamos aqui discutindo no Brasil, agora, o chamado pacto federativo, uma discussão longa. E veja V. Exª como esse é um assunto importante.

            Por quê?

            Porque isso também tem a ver com o pacto federativo. Veja V. Exª que um decreto, um ato administrativo interfere lá em Rondônia, no Amapá, em Roraima, naquilo que devemos nós produzir. Então, é uma questão a ser discutida também no pacto federativo, assim como as isenções tributárias, outro assunto também que repercute nas receitas dos Estados, e tantos temas que certamente são importantes ao debate dessa questão.

            A criação de Municípios - nós estamos aqui discutindo esse assunto. O Estado de V. Exª, Roraima, também deve ter necessidade de criar Municípios. Nós estamos aqui a depender de uma lei federal estabelecendo regras.

            Os Estados, antes, tinham autonomia para estabelecer regras para criar seus Municípios. Hoje, queremos deixar isso com a União. Acho que tem de voltar para os Estados. É o Estado que sabe o que deve fazer para legislar em matéria de criação de seus próprios Municípios.

            Então, Sr. Presidente, eu queria também dizer que recebi ontem, aqui, o ex-Deputado Ezequiel Neiva, do Município de Cerejeiras, que reclamava essa restrição ao plantio de cana-de-açúcar. Também recebi ligação do Prefeito de Cerejeiras, Kleber, que também reclamou, porque lá há investimento já pronto de R$18 milhões, de empresas que querem investir, mas que não têm apoio, não têm como fazer mais; com as restrições, ficam impedidas de atuar.

            Mas eu queria, Sr. Presidente, apenas ler uma correspondência que recebi do jurista René Ariel Dotti, Professor Titular de Direito Penal; detentor da Medalha de Mérito Legislativo, Câmara dos Deputados; corredator dos anteprojetos que se converteram na Lei nº 7.209, de 1984 (Parte Geral do Código Penal), na Lei nº 7.210, de 1984 (Lei de Execução Penal); membro da Sociedade Mexicana de Criminologia; Vice-Presidente e membro do Comitê Científico da Associação Internacional de Direito Penal, em Paris; advogado militante e membro da Ordem dos Advogados do Brasil.

            Ele me encaminhou a correspondência que passo a ler:

Excelentíssimo Senhor Senador TOMÁS CORREIA

Inicialmente, agradeço a cortesia de atendimento com a qual fui distinguido quando o colega Doutor Guilherme Octávio Batocchio e eu estivemos em seu gabinete como membros da comissão instituída pelo Conselho Federal da OAB para acompanhar o projeto de Lei do Senado que institui novo Código Penal. Como acentuei na ocasião, a nossa intervenção junto à Câmara Alta do Parlamento brasileiro está indissoluvelmente vinculada ao interesse público, representado por um disegno di legge que afeta direitos e interesses fundamentais de milhões de cidadãos brasileiros, independentemente de suas condições pessoais, simplesmente como membros da sociedade, para a qual são destinadas as normas que definem crimes e estabelecem penas.

Na carta em que manifesto a decisão de me afastar da Comissão de Juristas - como membro indicado pelo ilustre Senador Alvaro Dias -, manifestei a razão de minha decisão em termos respeitosos aos meus colegas na carta entregue pessoalmente ao coordenador dos trabalhos Ministro Gilson Dipp. A atuação dos membros da Comissão da OAB junto ao Senado da República, neste momento, é justificada não apenas pela condição de cidadãos, mas também de advogados, que devem cumprir disposições de seu Estatuto e do Código de Ética. O primeiro diploma declara que "no seu ministério privado o advogado presta serviço público e exerce função social"; o segundo proclama que o advogado, "indispensável à administração da Justiça, é defensor do Estado democrático de direito, da cidadania, da moralidade pública, da Justiça e da paz social, subordinando a atividade de seu ministério privado à elevada função pública que exerce", sendo seu dever "contribuir para o aprimoramento das instituições, do Direito e das leis".

Em face de deliberação da Comissão da OAB, o presidente da entidade, Dr. Ophir Cavalcante Júnior, enviou correspondência ao Senhor Senador José Sarney, comunicando as razões pelas quais no atual momento do processo legislativo deixa de apresentar emendas e sugestões, mas, no intuito de colaborar - como é de seu dever e legítima atribuição -, solicita o sobrestamento do projeto para um aprofundado debate nacional.

Sem olvidar o interesse público revelado pelos nobres Senadores José Sarney e Pedro Taques na iniciativa de deflagrar o movimento de reforma, é inegável que os trabalhos da Comissão de Juristas foram gravemente sacrificados, entre outras, por duas significativas razões: 1ª) o açodamento imposto pelo Regimento Interno do Senado que, em se tratando de reforma de um dos diplomas legais mais importantes para a vida comunitária depois da Constituição, deveria ter prazos compatíveis com a extraordinária e histórica missão legiferante;

2ª) a inexistência de uma Comissão de Revisão do anteprojeto, como tem sido a tradição da matéria desde a discussão do Anteprojeto de Alcântara Machado, que serviu de base às discussões para a elaboração do Código Penal de 1940 (Dec-lei nº 2.848/1940); 3ª) a ausência de discussão do disegno di legge pela comunidade científica de operadores jurídicos, peja sociedade em geral e pelos meios de comunicação, depois da vedação final do documento3, assim como ocorreu em projetos anteriores, entre eles os que se converteram na reforma da Parte Geral do Código Penal (Lei 7.209/1984) e na Lei de Execução Penal (Lei 7.210/1984).4

A imprensa tem divulgado as diversas manifestações de crítica ao Projeto de Lei 236/2012 em sua redação proposta. E as manifestações individuais e coletivas são claras e motivadas quanto aos seus graves defeitos, como se poderá ver pelos elementos em anexo.5

O povo brasileiro está acompanhando o histórico e antológico julgamento da Ação Penal nº 470, pelo Supremo Tribunal Federal. E tem aplicado penas de multa para os réus condenados por vários e gravíssimos crimes: de peculato (272) corrupção passiva (276); corrupção ativa (276, § 2º); gestão fraudulenta (354); evasão de divisas (366); lavagem de capitais (371). A Corte tem aplicado penas privativas de liberdade e penas pecuniárias, conforme as respectivas cominações.

Mas, no Projeto de Lei nº 236/2012, não existe, para nenhum desses crimes, a cominação da pena de multa, que deveria ser cumulada com a pena de prisão! E assim ocorre pela absoluta impropriedade técnica do artigo 74, verbis: “Multa. A pena de multa será aplicada em todos os crimes que tenham produzido ou possam produzir prejuízos materiais à vítima, independentemente de que cada tipo penal a preveja autonomamente”.

Mas, como é curial, os delitos acima referidos não têm, salvo casos excepcionais, vítimas individualmente determinadas.

A gravíssima omissão, inusitada e absurda, embora possa, em princípio, ser suprida por emendas, não afasta o vício genético que comprova mais um aspecto teratológico do projeto em andamento. Mas existem outros desconchavos6, que servem de exemplo para demonstrar a falta absoluta de critérios relativos à exigência legal da proporcionalidade7 e de outros princípios fundamentais à boa elaboração de um diploma penal.

Sr. Senador: a história, a cultura e o prestígio institucional do Senado Federal de nosso País não podem ser comprometidos pela aprovação de uma proposta legislativa que está sofrendo legítimas, lúcidas, indispensáveis e competentes críticas concebidas e manifestadas no melhor sentido do interesse público. Em meu nome pessoal e em nome dos colegas da Comissão da OAB que já se manifestaram pelo sobrestamento do Projeto de Lei no 236/2010, venho, respeitosamente, solicitar a atenção de V. Exa e um pronunciamento a respeito do assunto para conhecimento de seus pares e da população brasileira.

Aproveito o ensejo para transmitir-lhes as expressões de alta consideração e profundo respeito.

Cordialmente,

René Ariel Dotti.

            Sr. Presidente, em face dessa correspondência, fiz um requerimento à Comissão do Código Penal, da qual sou membro, e já conversei com o Senador Eunício Oliveira sobre o problema. Há certo consenso na Comissão de que o assunto deve ser debatido, realmente. É um assunto de interesse nacional, de muita importância para a Nação. O Código deve passar por amplo debate, porque há uma série de temas polêmicos, como é o caso do aborto, da liberação da maconha, da eutanásia. Enfim, é um debate que deve envolver toda a sociedade.

            Encontrei no Senador Eunício Oliveira boa expectativa de abrir essa discussão o mais amplamente possível. O Relator, o Senador Pedro Taques, vem fazendo um trabalho extraordinário. A apreciação da matéria foi adiada até dezembro, e creio que haverá outros adiamentos, a fim de se permitir e oportunizar um debate nacional sobre esse tema.

            Fiz um requerimento que está em análise na Comissão do Código Penal e que, depois, irá ao plenário, nos seguintes termos:

Com fundamento no § 4° do art. 118 do Regimento Interno do Senado Federal, requeiro a V. Exa a suspensão do prazo para apresentação de emendas ao Projeto de Lei nº 236, de 2012, perante a Comissão Especial destinada ao exame da matéria, até a realização das audiências públicas e demais diligências, conforme estabelecido no art. 90 do Regimento Interno.

JUSTIFICATIVA

O presente requerimento tem a finalidade de suspender o prazo na Comissão Especial sobre a reforma do Código Penal Brasileiro, para apresentação de emenda ao Projeto de Lei nº 236, de 2012.

Todos sabem que a reforma do Código Penal tem gerado inúmeras discussões e críticas, tanto pelos operadores do direito como por diversos setores da sociedade.

Há diversos temas que são extremamente polêmicos, como é o caso do aborto, ortotanásia e drogas, temas esses que, ainda, precisam ser amadurecidos pela sociedade.

O texto elaborado pela Comissão de Juristas, sem desmerecer o seu árduo e nobre trabalho, merece reparos. Cito, como exemplo, a falta de critérios relativos à exigência legal da proporcionalidade e de outros princípios fundamentais à boa elaboração de um diploma legal.

O Direito Penal está intimamente ligado aos direitos fundamentais e aos interesses da sociedade, não podendo ser modificado sem que essa se pronuncie a seu respeito.

A matéria merece um debate maior e mais profundo pela comunidade científica de operadores do Direito, pela Igreja, pelas organizações que cuidam dos direitos fundamentais e pela sociedade em geral. Nesse sentido, a Ordem dos Advogados do Brasil - OAB - enviou ofício ao Presidente desta Casa, solicitando o sobrestamento do projeto para um debate de amplitude nacional acerca da matéria, principalmente dos pontos controversos.

Existem, na Comissão Especial destinada a apreciar a matéria, diversos requerimentos solicitando a realização de audiências públicas para debater e instruir o projeto. Assim, seria lógico suspender o prazo das emendas até a realização de todas essas audiências públicas.

Ressalto, conforme o ilustre Prof. René Dotti escreveu em carta endereçada a mim, “que a história e o papel do Senado Federal não podem ser comprometidos pela aprovação de uma proposição que está sofrendo legítimas, lúcidas, indispensáveis e competentes críticas concebidas e manifestadas no melhor sentido do interesse público”.

Assim, em face das diversas manifestações e críticas existentes em relação ao Projeto de Lei do Senado nº 236, de 2012, solicito o apoio dos meus ilustres Pares para a aprovação do presente requerimento.

            Sr. Presidente, encerrando, devo ressaltar a importância da Comissão de Juristas e a intenção do Presidente José Sarney. Aliás, é a primeira vez que há um Código de iniciativa do Parlamento, porque, geralmente, os códigos vêm pelo Executivo, impondo-os à Casa. Esse Código é de iniciativa do próprio Parlamento. E, aqui, quero saudar e louvar a iniciativa do Presidente da Casa, José Sarney.

            Gostaria também de, no instante em que faço esta saudação, encarecer a todos os Pares no sentido de que abram um debate nacional, para que possamos oportunizar uma grande discussão sobre esse tema, sobretudo esses que apontei como polêmicos.

            De sorte que deixo aqui essa sugestão e espero que a Casa acate esse requerimento.

            Obrigado, Sr. Presidente.


Este texto não substitui o publicado no DSF de 10/11/2012 - Página 60193